Sinto-me como se estivesse a entrar em férias. Mas, ao contrário do que acontecia antes em que estava sempre no ir, agora as férias são no ficar. E vamo-nos habituando a isso. Se pensamos em afastar-nos nem que seja um quase nada logo nos dissuadimos: ficamos por aqui, está bem assim.
Não são férias, é apenas um dia feriado a que se segue o fim de semana mas, da forma como têm corrido estes meus dias, um dia a mais de descanso vai saber-me que nem ginjas. Já aqui tenho para ler um relatório gigante mas, se bem me conheço, contrariada como me vou sentir por queimar umas horas do meu descanso, hei-de deixar para as últimas. E, até lá, hei-de andar a pensar que tenho aquilo para ler, anotar.
Tenho ali uma taça de barro à espera de umas suculentas. A ver se nos predispomos a ir comprá-las. Agora, para tudo, temos que vencer uma grande resistência.
A ver se podemos circular para irmos uns dias para o campo: temos que limpar o tojo e as silvas mas a roçadeira está avariada. Pelo menos, assim consta. Temos que pô-la a arranjar. Não podemos contratar ninguém para cortar nada. Não confio em ninguém para o fazer. Não quero que me destruam os orégãos que haverão de estar a nascer, o rosmaninho, o alecrim, a sálvia. Além disso, sabendo como sou, ninguém se arriscaria a ir para lá sabendo que certamente iria cortar alguma coisa indevida. É que isso, para mim, é crime imperdoável.
O meu marido não está muito para aí virado: todas as semanas marca presença no trabalho, não gosta de estar mais do que isso fora da vista da sua equipa. Por isso, não está virado para teletrabalhar a partir do campo. Eu não sou tanto assim, o contacto remoto já me parece normal. Mas de vez em quando também me dá vontade de estar com gente em carne e osso. É uma improdutividade dos diabos, transporte, conversa, conversa, conversa. E isto já para não falar no risco. Mas, enfim, estar em casa a trabalhar em contínuo, sem um tempo de conversa da treta, também não é saudável.
Portanto, a ver o que resolvemos.
E estou nisto como se não estivéssemos a entrar na Páscoa. Mas nunca consegui ligar à Páscoa. Sei que, para os católicos de gema, a Páscoa é um dos momentos mais importantes do ano, o momento em que celebram a esperança e o ressurgimento. Para mim não é assim. Para mim todos os dias são de esperança e renascimento. E nunca consegui perceber bem a lógica da ressurreição de Cristo, acho uma história marada. Não era importante inventar uma cena tão macabra para dizer que devemos acreditar que o bem e quem o faz vive no meio de nós. Acredito que o bem e quem o pratica vive no meio de nós. Como o mal e quem o faz. O mundo é um local perigoso com espaços e instantes de tranquilidade e paz. Não quero arranjar metáforas estranhas para o dizer.
Hoje senti a alegria dos dias estarem maiores. Depois da última reunião fui para o jardim. Sim, já há glicínias. São lindas, lindas. Sim. Uma maravilha. A cor suave, o perfume, o zumbido. Não as fotografei mas está prometido: vou fotografá-las para ver se a sua beleza chega até vós, em especial até si, Amofinado.
E há rosas. Mudam de cor, são umas rosas mutantes. Perfumadas de dar gosto. As que estão em volta da árvore grande são cor-de-rosa e outras, do mesmo pé, brancas.
No arco, tanto nascem amarelas como cor-de-rosa ou brancas. Também do mesmo pé. Incompreensivelmente nascem de cores diferentes e, não contentes com isso, mudam de um dia para outro. Uma realidade alternativa e fascinante. Fotografo-as, intrigada e encantada. Não encontro explicação. Depois penso nos meus filhos, tão diferentes um do outro. Se calhar com as rosas acontece o mesmo.
E, no canteiro, em frente da cozinha, há uma rosa caprichosa, carmim, sumptuosa. Tem um perfume requintado. Gostava de a apanhar para a cheirar mais vezes. No entanto, acho que devo respeitá-la e deixá-la estar assim, no jardim, perfeita e bela demais.
Sinto-me feliz ao andar a ver as flores. E há muitos passarinhos, muitos. Cantam, cantam. Encosto-me ao muro e fico a olhá-los, a ouvi-los.
Gostava de ter uma estufa com vasinhos. Gostava de ir lá para dentro, regá-los, arrancar as ervinhas. Aliás, enquanto ando cá fora, ando sempre a baixar-me para apanhar ervas daninhas. Só não apanho urtigas, essas bichas maldosas.
Hoje apanhei frésias. São lindas, perfumadas, delicadas. O bouquet de casamento da minha filha era de frésias. Apanhei uns pés e coloquei numa jarrinha pequenina que coloquei num parapeito. A ver se não me esqueço de fotografar. São de uma singeleza e harmonia que me fazem sentir agradecida por assistir a tamanha perfeição.
As árvores de fruta na horta estão floridas mas não consigo identificá-las. As nêsperas estão a ganhar corpo. Já não há laranjas. Há ainda umas quantas tangerinas mas estão tão altas que não temos conseguido apanhá-las. A ver se com um escadote se consegue. Já estão um bocado secas mas não me importo.
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