Não sou dada a filosofar. Falta-me vagar e motivação para ser ponderada e pra me deixar estar a pensar nos diversos ângulos das questões, sopesando-os e pondo-os em perspectiva. Por isso, não sou capaz de dissertar sobre o propósito da nossa existência ou, sequer, sobre se há propósito ou, ainda menos, sobre os limites da nossa existência.
Sei que está aqui uma pessoa a escrever e que essa pessoa sou eu. Mas não sei se há átomos dentro de mim que tenham vindo de outros seres ou se há átomos que tenham saído de dentro de mim e que agora habitam outros corpos. Aliás, digo que não sei porque, não sendo estudiosa da matéria, não tenho como sustentá-lo mas acredito que há. Só não sei que mais se pode concluir a partir daí. Também não sei o que é a alma ou a personalidade de uma pessoa nem sei se parte disso vai nos átomos que circulam por aí. De um bocado de pele se faz uma pessoa que, se calhar, vai ser uma cópia da dona da pele original. Por outro lado, põe-se o coração de uma pessoa em vez do coração de uma outra e quem o recebe continua a amar a mesma pessoa que amava antes. Claro que o coração é um aparelho de bombagem e não um produtor de sentimentos. E claro que tudo isto é complexo demais para ser explicado numa página de um blog onde tanto se fala de flores como de violência doméstica ou de receitas de sopa de bacalhau.
O que posso dizer é que, supondo saber que esta que vos escreve sou eu, pouco mais posso dizer do que isso. Não sei se apenas existo desde que as células primordiais começaram a dividir-se no ventre da minha mãe, ou se o marco é o momento em que saí do seu corpo; nem sei se, com todas as células que nasceram em mim desde que nasci, continuo a ser a mesma. Mas creio que, mesmo que o soubesse, de pouco isso me serviria.
Haverá, por aí, muita gente que saiba explicar os milagres ou os acasos da existência. Eu não. Como disse, não sou dada a filosofar nem sei dos gregos as lições que a sua literatura e a sua história têm para nos ensinar. Nem li a Bíblia -- apenas, de vez em quando, a abro ao acaso e leio o que lá se mostra. Mas o que li felizmente não me retirou a capacidade de me espantar com tudo o que nasce e renasce, como se acontecesse pela primeira vez, magia em estado virginal. Aceito e de bom grado cultivo a minha ignorância. Estou muito ciente da infinitude do conhecimento (do conhecimento existente e do que está por descobrir) e, humildemente, aceito que jamais poderia abarcar uma sua infinitésima parte pelo que prefiro reconhecer que não passo de minúscula partícula que está de passagem. E, assim sendo, limito-me a espantar-me com a maravilhosa coreografia que parece unir as infinitas pontas soltas que vogam pelo universo.
Isto dito não significa que não tente, na insignificante medida das minhas limitações, deixar algumas marcas da minha passagem ou que não deseje deixar os lugares por onde passo melhores do que os recebi. Por vezes, quando fazia os tapetes de arraiolos, pensava: vão sobreviver-me; são fruto do meu trabalho e existirão muito para além da minha vida. E, ao pensar isso, ficava contente. Penso também no que aqui escrevo. Se a internet continuar a existir, as minhas inúteis palavras poderão continuar a ser lidas muito para além da minha existência. Talvez, nessa altura, algumas pessoas pensem que, através das minhas palavras, serei eu ainda a existir. E isso, para mim, é um mistério tão insondável e irrelevante que claro que me intriga e agrada.
Entretanto, recebi há poucas horas um mail que me deixou dividida. Uma pessoa, um jovem que eu acho muito válido e promissor e do qual lamento a relativamente baixa escolaridade, diz, no mail, no meio de muitas outras observações, que tenciona investir na sua formação. Fiquei contente com isso. Tudo farei para o apoiar. Disse-lhe isso. Mas, pelo que ele escreveu, acho que tenho a aprender com ele. Disse-lhe também isso. Admito que fique surpreendido por eu dizer que acho que tenho a aprender com ele. Mas tenho. E se eu conseguir que mais pessoas acreditem em si próprias e trabalhem para se valorizar mais contente fico. E se eu vier a saber que progrediram e que, daqui por algum tempo, estão onde eu hoje estou, melhor ainda. Contudo, ao escrever isto, penso: porque é que é importante que alguém chegue onde hoje estou? É dúbio que seja importante, até para mim. Mas acho que sei porquê: porque posso ajudar algumas pessoas. E é bom ajudar.
Hoje também plantei duas flores. Espero que vinguem. Gosto de flores. São uma desinteressada manifestação de perfeição.
A Primavera já se faz sentir por todo o lado. Descobri hoje cachos de glicínias. Ainda não os tinha visto. Reparei também que a magnólia está a cobrir-se de folhinhas verdes, as belas flores começando a definhar, a terra coberta das suas já murchas pétalas cor de rosa. Entretanto, as hastes do chorão estão a cobrir-se de folhinhas, lindas, etéreas, formando uma cortina vaporosa que esvoaça à mínima aragem. A amendoeira está verde, orgulhosa. Tudo está a renascer. Tenho vontade de ter tempo para ter uma horta bem tratada. Tenho vontade de plantar mais umas árvores (eu sei, eu sei: em Outubro ou Novembro), tenho vontade de sentir que o bocadinho de terra onde me foi dado o privilégio de existir ficará mais verde, mais saudável e mais belo do que estava antes de eu por cá passar.
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Li que algures na China, uma área desertificada, toda pó e nada, se transformou num imenso espaço verdejante e fértil [‘Our biggest challenge? Lack of imagination’: the scientists turning the desert green]. Li e quero acreditar que é possível ter esperança em que poderemos tornar a trazer a vida aos cemitérios de terra seca e ausência de memórias. Li que uma mulher plantou 200.000 árvores. São notícias destas, mesmo que se refiram a acontecimentos com anos ou que ocorreram a milhares de quilómetros, que me interessam. Permitam que os partilhe convosco.
Greening China's Loess Plateau -- by John D Liu
This short take is extracted from "Hope in a Changing Climate", John D. Liu's wonderful documentary. It shows a breathtaking "before and after" camera sweep of a Chinese landscape transformed from barren desert to lush farmland by the use of agroecology and agroforestry. My eyes get tearful whenever I see this.
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