O que tenho dentro da minha carteira (leia-se: na minha mala) -- eu e outras duas madames bem conhecidas
Uma vez estava ao telefone do lado contrário da sala àquele em que tinha deixado a carteira -- e vou já avisando que, quando me refiro a carteira, quero dizer aquele recipiente a que outras pessoas chamam mala.
Então, precisando de um documento, fiz sinal ao colega que estava lá perto e pedi-lhe que me desse a bolsinha de documentos que estava dentro da dita carteira. Fez-me sinal que não. Não percebi. Pedi um minuto ao meu interlocutor telefónico e insisti com o meu colega, pensando que ele não tinha percebido: 'Desculpe. Faz-me um favor? Pode abrir a carteira e tirar de lá a bolsinha dos documentos?'. E ele: 'Não, desculpe mas não vou fazer isso'. E eu, sem perceber: 'O quê? Não pode fazer-me esse favor?'. E ele: 'Não. Desculpe. Não vou fazer isso. Tenho medo.'. E eu, sem perceber: 'Medo? Medo de quê?'. E ele: 'Tenho medo de enfiar a mão na carteira das senhoras'.
Os outros deram-lhe razão. Todos disseram que também tinham medo.
Tive que interromper mesmo a chamada e dizer que voltaria depois, com o documento.
Não queria acreditar. Estavam no gozo, claro. Dizia um: 'Não se pode arriscar. Quando se mete a mão na carteira de uma senhora, nunca se sabe o que se vai encontrar'. Todos concordaram. Um risco, diziam.
E eu, de repente, caí em mim e dei graças a todos os santinhos por ele não ter acedido ao meu pedido. Bolas... que sorte.
A quantidade de coisas que sempre tive nas carteiras é indescritível. Carradas de coisas. Resmas. Paletes.
A coisa começa sempre bem, só o indispensável, tudo muito racional. Mas depois é a embalagem dos lencinhos, depois o baton. Depois outro baton. Depois um gloss. Depois outro, noutro tom. Depois o perfume de bolso. O pente, claro. O eyeliner. Pastilhas elásticas. Uns ganchinhos. Travessão para apanhar o cabelo. Bolsa das moedas. Porta-documentos. Uma caneta. Outra caneta. Um lápis. Uma fita métrica velha do ikea. Um bocado de papel. Uma talão de uma loja de que já não se consegue ler uma única letra ou número. E mais tudo o que se lá for juntando.
Antes da menopausa podia também haver uma bolsinha com um penso ou um tampão. E foi nisso que pensei naquele dia ao imaginar o desastre que poderia ter acontecido se ele lá tem enfiado a mão e agarrado um tampão.
De cada vez que mudo de carteira, mudo para lá os essenciais e fica na outra o que carece de escolha para, mais tarde, ver o que deve ser deitado fora e o que deve ser resgatado. Até que me esqueço. Ficam carteiras com toda a espécie de coisas lá dentro. Não sei se lixo, se relíquias.
Contudo, com o corona, tudo mudou: até o conteúdo da minha carteira. Agora a própria carteira é mínima, pequenina, fininha, nada a ver com as que transportavam toneladas. Agora é uma bolsinha espalmadinha com uma correntezinha para usar. Pouco saindo de casa, a minha carteira agora tem apenas o porta-chaves com as minha muitas chaves, a bolsa dos documentos*, uma factura**, uma caneta e uma máscara de reserva. Levezinha de dar gosto.
Explico os asteriscos.
* Sobre a bolsa dos documentos tenho a dizer que, depois de ter experimentado toda a espécie de bolsas -- porta-moedas, porta-documentos, grandes, gigantes, com mil divisórias, pequenas também com divisórias, multifunções -- encontrei a ideal. Antes todas acabavam bojudas, deformadas, mal fechando, pesando quilos. Agora é um descanso. Comprei uma bolsinha mínima, simples, apenas com uma pequena divisória lateral. Salvo erro, custou doze euros. Parece de pele mas não deve ser. Comprei-a numa lojinha chinesa. Os cartões ficam na bolsinha principal, mesmo à medida. Abdiquei de usar parte dos cartões que raramente uso. Na bolsinha lateral tenho uma nota e duas ou três moedas. Levezinha, prática, pouco espaço ocupando e com tudo à vista e à mão de semear.
** A cena da factura tem a ver com isto do confinamento. Pode ser preciso mostrar onde moro. Nunca foi preciso mas também não pesa nem chateia.
Nestes dias de total imersão em teletrabalho, não tenho de que falar. Só saio de casa para fazer uma rápida caminhada à hora de almoço e não tenho paciência para notícias.
Há bocado, num zapping, apareceu-me aquele mangas de alpaca que pode ter algum jeito para contabilidade mas zero para política. Sempre com ar de mestre-escola maldisposto, é criatura que não apenas é de má catadura como de maus fígados. O que ele está a fazer é abrir a porta aos laranjas, empurrando-os para os braços do chega. Pode dizer-se que são laranjas podres, gente vendida que não interessa nem ao menino-jesus, gentalha que se vende por dez réis de mel coado e um lugar numa autarquia, numa junta, numa empresa municipal, no que for. Antevendo que o alpacas não vai longe, devem estar todos a bandear-se para quem se está nas tintas para ideologias e quer é pôr as patas nas máquinas do poder. Por isso, se vejo gente destas ou do género, o que logo faço é fugir a sete pés.
Conclusão: não tenho temas frescos nem nada que interesse para aqui dizer. Não que nos outros dias tenha mas, pelo menos, sempre posso tentar. Assim nem isso.
Então, reduzo-me à minha insignificância e ponho-me a ver vídeos. Podia ver instagrames, feicebuques ou quejandos mas também nem isso. Sou muito rudimentar: só iutubes e blogues, coisas datadas, pouco féchanes.
E, hoje, o que o meu amigo algoritmo teve para me propor foi coisa inusitada. Uma senhora com idade para ser minha mãe -- e que eu não via desde o tempo em que ela já era assim, como é hoje, muito artilhadinha, e que era eu, então, uma jovem -- mostra o que tem na sua carteira. E o mais curioso de tudo é que o tempo passou, eu tornei-me uma anciã qualquer dia centenária e ela... ela, caraças, ela continua igualzinha ao que era nos tempos da Dinastia.
E não estou a ironizar. É ver para crer. Ainda por cima, vejam a graça: anda com um santinho na carteira, o Sto António, imagine-se. Eu que gosto tanto de Stos Antónios.
Joan Collins: In The Bag
E, a seguir, uma outra senhora também entrada na idade mas igualmente com tudo em cima, jovem, linda, elegante, simpática e, ainda por cima, bem open minded
UJM, mesmo numa mala semi vazia é por vezes uma aventura sacar de lá algo à primeira. Achei um piadão às fotos do "Dude with sign". E amei as maravilhas e lindas senhoras que mostram que velhos são mesmo os trapos.
Vem sempre a jeito visitar 'Um jeito manso'. É divertido e imaginativo, como convém por estes dias. Eu também digo 'carteira', porque sou do Norte, e sempre as preferi grandes. O pior, muitas vezes, é encontrar, por exemplo, aquelas chaves que procuro e não outras nem outras coisas que, no momento, são inúteis. Já tentei o organizador de carteiras, mas deixei-me disso, porque a desorganização era ainda maior. As duas senhoras dos vídeos têm um aspeto invejável para a idade que têm. Metem muitas mulheres mais novas num bolso, isto é, numa mala ou numa carteira. Continuação de uma tarde com boa disposição.
As minhas chaves agora estão presas a um chaveiro que tem uma mega borla com franjas para que, se voltarem a cair numa daquelas carteiras caóticas, eu dar bem com elas. Há coisas que desapareciam para todo o sempre naqueles cafundós. E a chave do carro tinha um atilho enorme para que, mesmo que quisesse ocultar-se, deixasse o rabo de fora.
Mas agora, minimalista como ando, as poucas coisas que uso não têm como jogar às escondidas comigo.
Belas, joviais, alegres, não é?, as duas senhoras. Oitentas e tais anos que lhes ficam a matar. Flores para elas!
Também tentei o organizador. Nada resultou. Se usava uma carteira gigante para lá caber tudo à larga, acabavam a pesar toneladas e tudo se perdia lá dentro. Se usava mais pequena, não cabia lá nada e mal fechava.
E por vezes tinha a ideia de, para uma necessidade, ter na carteira objectos úteis: um corta-unhas, uma lima, um creme das mãos, um mini-estojo de costura. Coisas assim. Pois bem: se calhava precisar de alguma dessas coisas, nunca (mas nunca!) as encontrava.
Mas agora... não há cá desses problemas. E sinto-me bem assim, mais leve.
Um dia feliz para si e para os seus, Maria Dolores.
4 comentários:
UJM, mesmo numa mala semi vazia é por vezes uma aventura sacar de lá algo à primeira.
Achei um piadão às fotos do "Dude with sign".
E amei as maravilhas e lindas senhoras que mostram que velhos são mesmo os trapos.
Um rico e radioso dia!
Vem sempre a jeito visitar 'Um jeito manso'. É divertido e imaginativo, como convém por estes dias.
Eu também digo 'carteira', porque sou do Norte, e sempre as preferi grandes. O pior, muitas vezes, é encontrar, por exemplo, aquelas chaves que procuro e não outras nem outras coisas que, no momento, são inúteis. Já tentei o organizador de carteiras, mas deixei-me disso, porque a desorganização era ainda maior.
As duas senhoras dos vídeos têm um aspeto invejável para a idade que têm. Metem muitas mulheres mais novas num bolso, isto é, numa mala ou numa carteira.
Continuação de uma tarde com boa disposição.
Olá Francisco
As minhas chaves agora estão presas a um chaveiro que tem uma mega borla com franjas para que, se voltarem a cair numa daquelas carteiras caóticas, eu dar bem com elas. Há coisas que desapareciam para todo o sempre naqueles cafundós. E a chave do carro tinha um atilho enorme para que, mesmo que quisesse ocultar-se, deixasse o rabo de fora.
Mas agora, minimalista como ando, as poucas coisas que uso não têm como jogar às escondidas comigo.
Belas, joviais, alegres, não é?, as duas senhoras. Oitentas e tais anos que lhes ficam a matar. Flores para elas!
Abraço, Francisco, e um dia feliz para si!
Olá Maria Dolores,
Também tentei o organizador. Nada resultou. Se usava uma carteira gigante para lá caber tudo à larga, acabavam a pesar toneladas e tudo se perdia lá dentro. Se usava mais pequena, não cabia lá nada e mal fechava.
E por vezes tinha a ideia de, para uma necessidade, ter na carteira objectos úteis: um corta-unhas, uma lima, um creme das mãos, um mini-estojo de costura. Coisas assim. Pois bem: se calhava precisar de alguma dessas coisas, nunca (mas nunca!) as encontrava.
Mas agora... não há cá desses problemas. E sinto-me bem assim, mais leve.
Um dia feliz para si e para os seus, Maria Dolores.
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