Tenho um amigo cinéfilo. Pelo menos, assim se define. Durante anos consumiu compulsivamente filmes. Agora consome séries. E memoriza argumentos, realizadores, intérpretes. Por vezes pergunta se vi isto ou aquilo e, desmiolada como sou, geralmente não me lembro. Só quando dá detalhes, acabo por reconhecer e, muitas vezes, fico aborrecida comigo pois até tinha gostado... e tinha-se-me varrido.
Uma vez fiz-lhe aquela pergunta que acho absurda e à qual não consigo responder quando ma fazem: qual o seu filme preferido? Pensei que iria dizer que era impossível escolher, que são muitos os muito bons, os preferidos. Mas não. Para meu espanto, convictamente, respondeu: Morte em Veneza.
E, a seguir, em estado de um deslumbramento quase hipnótico, começou a falar da beleza daquele miúdo, na obsessão do homem mais velho pela juventude sedutora do rapaz. Eu disse: Uma beleza tentadora. Ele confirmou: sim, uma beleza tentadora.
Contou-me que não sabe quantas vezes já viu o filme.
Também gostei muito do filme. Não li o livro pelo que não sei avaliar se, em palavras, a rendição do homem é tão absoluta e, por vezes, tão patética ou se beleza tentadora do rapaz é tão cativante -- ou se são as figuras de Dirk Bogarde e Björn Andrésen que tornam a história de Thomas Mann tão erotizada, tão bela, tão intemporal. Claro que Visconti e toda a equipa não terão sido de somenos no sucesso do filme mas, seja como for, o rosto de anjo atrevido e o corpo juvenil e apelativo de Björn Andrésen no papel de Tadzio não serão jamais esquecidos.
No entanto, tendo sido alguém tão marcante não tenho ideia de se ter voltado a falar nele. Ainda será vivo? Será ainda um homem com uma beleza invulgar?
Fui saber. E, como tantas vezes quando um jovem é tão idolatrado pela sua beleza na juventude, parece que lhes fica colada ao corpo uma espécie de maldição. Neste caso até parece que os dramas por que passou não terão tido a ver com a profissão mas com a morte súbita de um filho, bebé. Contudo, a carreira cinematográfica, ao que parece, não evoluiu substancialmente. E a beleza... bem... a beleza obviamente foi perdendo aquele viço que a inocência virginal acentuava. Mas é a vida. Só permanecem para sempre jovens e belos os que cedo se desprendem da vida terrena.
Björn Andrésen tem 66 anos, é actor e músico, tem uma filha e dois netos.
2 comentários:
Pois, o filme da minha vida ainda é o “Brutti, sporchi e cattivi” do Ettore Scola. Por vários motivos, incluindo este:
“ … Tudo começou logo na conferência de imprensa de Visconti em Cannes. Falavam dele como se ele não estivesse presente, em francês, que não entendia, sobre a sua beleza. Pareciam morcegos, tive medo, disse Bjorn. A seguir foi levado para um clube homossexual. Só se lembra da decoração vermelha e negra, as línguas vorazes, bebeu muito para não se sentir um bocado de carne. Ainda hoje estas recordações estão bem vivas na sua memória.
Depois levaram-no para o Japão. Ali foi explorado e drogado para aguentar sessões de fotografia, programas de televisão e a gravação de um disco. Ficou lá durante um ano, à espera de fazer um filme, prometido, mas que nunca aconteceu. …”
in: https://estatuadesal.com/2021/02/21/o-outro-lado-das-imagens/
Olá Amofinado,
Nunca vi. Na altura pareceu-me que seria uma coisa toda cheia de alarvidades e não estava para aí virada. Tenho de encontrar alguma beleza e elegância nas coisas, sejam elas alegres ou tristes.
Não tinha lido o artigo do José Gameiro que a Estátua de Sal partilhou. Mas foi isso. Como muitas vezes acontece, a alma do personagem cola-se à pele de quem o interpretou. E o rapazinho bonito passou a ser desejado por homossexuais e teve que lutar para conseguir ser mais do que isso. Vida difícil, por vezes, a das pessoas belas.
Uma boa semana, Amofinado.
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