segunda-feira, agosto 05, 2019

A oradora-surpresa





Foi a oradora surpresa. Quando o anfitrião a apresentou, disse o seu nome e disse que era uma conceituada especialista na matéria. Depois de vários oradores homens, a audência, também maioritrariamente composta por homens, foi surpreendida por uma mulher que, ainda por cima, era bonita, elegante, moderna.

Já antes tinham ficado surpreendidos ficaram quando, no coffee break, a viram surgir, no jardim. Olhavam uns para os outros, tentando perceber se alguém a conhecia. Ninguém. Seria a oradora surpresa? 

Depois, enquanto ela falava em tom jovial, cheia de ironia e muito descontraída, brincando com os jargões da área, com as ditas buzzwords, com os hábitos de todos quantos a olhavam, via-se como estavam agradados, divertidos. E ela foi intercalando pequenos vídeos que tinham tudo a ver com o lado mais lúdico do que ali se tratava e nada a ver com aquilo a que toda aquela gente estava habituada.

Com aquele jeito feminino de pôr o cabelo para trás das orelhas, ela deixava ver os brincos de pérola, modernos e grandes, quase um toque de irreverência numa toilette que não se podia dizer que fosse completamente clássica, uns jeans e blaser escuro, blusa branca, saltos altos.

Como a sua intervenção foi junto à hora de almoço, tinha sido, naturalmente, convidada para se juntar aos demais participantes. Escusado será dizer que, no fim, houve inúmeras questões e que, ao sair da sala, estava rodeada de cavalheiros que colocavam questões e ofereciam cartões de visita. Ela desculpou-se, tinha-se esquecido de trazer os seus cartões, E brincou, dizendo que era curioso que na era das relações virtuais ainda se usassem os cartões de papel para as pessoas se apresentarem. Os senhores sorriram com alguma atrapalhação, notoriamente sentindo-se antiquados perante aquela mulher moderna.

Ficou na mesa dos mais importantes, à direita do mais importante e rodeada por várias gradações de importantes. Disse que estava com calor, disse que não levassem a mal que tirasse o casaco. Os senhores precipitaram-se a dizer que ora essa, que estivesse à vontade, que iam fazer o mesmo. E logo todos tiraram o casaco. A blusa dela era branca, simples, discreta, e, quando se inclinava, o decote deixava antever um fio de ouro, muito fino, quase invisível, com um finíssimo coração em filigrana que se escondia quando ela, femininamente, ajeitava a blusa. 

Todos a queriam servir. Todos lhe contavam coisas. Ela sorria e ouvia. De vez em quando fazia uma observação que os deixava surpreendidos ou contava algum episódio que os fazia ficarem parados a escutá-la com surpresa e interesse. De vez em quando, o inusitado das suas palavras, fazia soltar gargalhadas entre os restantes comensais. 

A meio do almoço, o interesse dela parecia estar sobretudo focado no senhor importante que estava ao meu lado. Fez uma ou outra pergunta de circunstância a que ele respondeu, encantado com o interesse dela. Mas logo os outros solicitavam o seu interesse e, para todos, ela tinha uma palavra, uma graça, um sorriso.

O que estava ao meu lado tentava, então, captar de novo a atenção dela. Numa das vezes ela fez uma observação sobre uns negócios em que ele andava envolvido, e de que tinha falado antes, que o fez ficar ainda mais agradado: 'Ah... quer-me cá parecer que sabe mais desse assunto do que quer dar a perceber... Conte lá o que é que sabe...' e ela, sorrindo, coquette, 'Ora, apenas o que se vai sabendo por aí, nada de mais...'. E ele, contente por ela saber e se interessar por esses assuntos, logo ali contou alguns aspectos mais picarescos. Mas foi sol de pouca dura pois todos queriam disputar a atenção dela.

No fim do almoço, ela despediu-se agradecendo a simpatia do convite, o bom almoço e a boa companhia. O senhor mais importante tinha um presente que ela agradeceu.

Quando se afastou para ir para o carro, os senhores que se preparavam para ir para a sala onde decorreriam as apresentações da parte da tarde, ficaram a olhá-la. Apanhou o cabelo, pôs uns óculos escuros (e só eu devo ter reparado que não eram os mesmos que trazia à chegada). E, sorridente, caminhou com segurança e elegância apesar do piso ser de calçada e de estar de saltos bem altos. 


Ao reentrarmos para a sala, só se lhe ouviam elogios. Alguns senhores, como quem não quer a coisa, perguntaram-me se eu lhes poderia ceder o contacto dela. Disse que lhe pediria autorização e que, consoante a resposta dela, logo daria ou não. Apenas abri uma excepção com o senhor que, ao almoço, estava sentado ao meu lado. A esse dei logo. Sobre os outros, não a macei.

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(Talvez continue)

8 comentários:

Anónimo disse...

Apanhou o cabelo, pôs uns óculos escuros (e só eu devo ter reparado que não eram os mesmos que trazia à chegada).

Mulheres ! 😂😊👌😜.

Anónimo disse...

Um conto? Para conto, não está mal. Passa.
Sigam-se mais uns capítulos. Para melhor avaliar o conto.
Em Agosto de férias, com os pés na areia e a brisa a roçar-nos a cara, a coisa lê-se.

Paulo Batista disse...

Estão de volta!

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a

E não é verdade que as mulheres afinam melhor no diapasão dos details?

E nunca se sabe quando é que o detail vai explicar alguma coisa, não é?

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a que está ou gostava de estar com os pés na água,

Não sei se é conto. Nem sei se vai até ao fim pelo que não sei se dará para tirar alguma conclusão.

É aquilo que se diz: um dia de cada vez.

Mas, enfim, espero que, enquanto durar, se consiga ler.

Boa aragem!

Um Jeito Manso disse...

Paulo, olá!

A ver se sim mas, olhe, não prometo nada, ouviu? O seu desafio andava a matraquear-me, confesso. Mas também eu andava com vontade, sabe? Mas acontece uma coisa: começo sem saber onde vai dar. Não planifico, não penso nos próximos passos. Por isso, quando acabo um 'episódio', estou sem fazer a mínima de como lhe dar seguimento e temo sempre que nada mais me ocorra e que a coisa fique por aí.

E este 'enredo' em que me meti é muito difícil de desenrolar porque, a sério, tem uns aspectos que têm o seu quê e esses quês requerem alguns cuidados.

Mas logo se vê. Agora uma coisa é certa: se acabar sem mais ontem não se admire. Posso não ser capaz de encontrar a ponta certa para desenlear a meada.

Abraço, Paulo!

Paulo Batista disse...

Ontem deixei-lhe aqui um comentário de incentivo (e para não se sentir pressionada), mas julgo que não o submeti corretamente.
Tal como esse senhor aí do conti, dou ar de grande entendido na tecnologia mas se calhar só me safo mesmo com o básico. A verdade é que faço isto no telemóvel e passado 4 anos de ter adoptado está coisa do android a só Touch ainda fujo muitas vezes para um velhinho Nokia, com mais de 10 anos, com a bateria original.

Abraço!

Olinda Melo disse...


Olá, UJM


Começo aqui, neste post, como deve ser. :)

E gostei logo dessa "oradora surpresa", do seu ar moderno e
auto-suficiente.

Beijinho

Olinda