segunda-feira, fevereiro 12, 2018

O macaco, alter ego de Sta UJM, ensina como é





Só para dizer. Depois de uma jornada de trabalho rural e de um descanso sarapintado de leituras internéticas, chego a esta hora com a cabeça descansada e as mãos secas, a pele dando mostras de um trabalho que teria requerido luvas e eu, feita bicho selvagem, sempre com a pele em contacto com heras, silvas, tojo, ramagens cruzadas, espinhos, asperezas -- e serrote na mão, abrindo caminho a golpe de lâmina. Longe dos gabinetes higienizados e brancos, aqui estou olhando as mãos que escrevem, pensando no que tenho estado a ler.

Lamentos. Muitos lamentos. Sobretudo as mulheres. Falam de abandono, da tristeza como uma segunda pele, sente-se a solidão colada aos dedos. As palavras falam de mágoas, lamentam o amor que partiu deixando-as com o seu cheiro na memória, no ar que respiram.
Estive também a ler o post do Fernando Ribeiro sobre o frio. Poderia fazer minhas todas as suas palavras. Em tudo. Assim eu, também. E aquilo de pensar: não vou sentir frio. E deixar de sentir. No outro dia, cheguei a horas de caminhada. Um gelo. E eu despreparada. O meu marido: está frio, não dá para ires assim. Fui. Quis ir andar para a beira do rio. E ele: para o rio, não, não se deve aguentar, vais constipar-te. E se estava frio. Tanto. Mas pensei: não vou sentir. Não senti. Ou melhor. Senti que ele estava lá mas não deixei que me importunasse. 
Talvez por sorte, nunca fui abandonada. Até hoje, não conheci mal de amor (e acabei de bater três vezes na madeira, para que isso nunca venha a acontecer). O mal de amor que me fez sentir mal foi o mal de excesso de amor ou o mal de ter que deixar para trás um por ser difícil ficar com dois. Mas isso, se calhar não conta como mal de amor. Mas tenho para mim que se acontecesse sofrer de mal de abandono haveria de fazer como com o frio: não vou sentir mal de amor. E, passado o primeiro e doloroso embate, não haveria de sentir (ou, pelo menos, não por muito tempo). Eu sou eu. Eu não sou a parte de que alguém gosta e que fica incompleta se esse alguém deixar de gostar. Eu sou eu. Se gosta, melhor, se não gosta, problema dele que eu vou à minha vida. Isto digo eu sem saber. Mas com a fome é o mesmo. Às vezes calha, quando aqui estou à noite, já tão longe da hora a que foi o jantar, sentir fome. Mas por preguiça ou porque acho que não carece, penso: vou deixar de sentir fome. E deixo. Se apertar, bebo água. Chego a pensar: o pior é se não durmo, com o estômago a dar as horas. Ah pois não. Durmo que nem pedra.

Não sei se isto meu é esse tal de mindfulness, coisa que está muito na moda mas que não sei o que é. Um dia deu-me a curiosidade, googlei e fiquei com a impressão que era isto de a gente se concentrar na coisa e se entregar por inteiro a ela. Mas eu não é bem isso, é mais o de não querer saber da coisa e me alhear dela. Não fiz nada para aprender isto. Se calhar é coisa a que se chega com meditação mas eu também não pratico. A única vez que fui, descansei de tal maneira que adormeci. Aliás, mal me deito descansada, adormeço logo. Já contei: na fisioterapia, mal me põem o calor húmido no ombro ou nas cervicais é logo. Por isso, não sei bem o que é isso de meditar nem se isso de mandar pastar aquilo que não quero sentir é coisa na base da meditação. Para mim é mais o 'não estou nem aí'. E pronto, já era. Artes mágicas de perlimpimpim. Butterflies all over e bola para a frente.

Mas isto para dizer que se as minhas palavras pudessem ser úteis para quem me lê num momento menos bom da sua vida, o que eu gostava é que tentassem relativizar a situação e seguir adiante. Imagino que, quando se esteja aflito de solidão e dor, não seja fácil encontrar a energia para mandar a pouca sorte e a tristeza irem dar uma grande volta. Mas há que tentar. E sair, passear, ir para o jardim, ir para a beira rio, ler, rir, não querer saber de censuras alheias, usar roupa alegre, ser irreverente. E acreditar que se consegue. Persistir. Querer ficar bem. Querer voltar a sentir expectativas boas e borboletas na barriga. Na barriga ou no peito? Agora não me lembro mas a ideia é esta: voltar a sentir esperança e alegria e vontade de descobrir mais momentos bons.

Uma coisa assim como esta do macaco que tanto fez que conseguiu levar a dele avante. Não desfazendo, uma lição de vida. E onde se vê um par de tigres veja-se solidão, tristeza, saudade demais, vontade de desistir. Reparem bem no que o macaco faz para espantar o que lhe é indesejado. Ora vejam.



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As fotografias que aqui usei são de Tim Walker

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