Diogo começou a fartar-se com a mania do porco de exigir música. Experimentou porrada: ele berrou mais. Ruca e Zeca não gostaram. Ficaram mesmo tristes. Sugeriram açúcar. 'Ora essa!', ripostava Diogo, 'açúcar que falta como ouro! Um saco pequeno tanto tempo na bicha e ainda a carne fica doce!', mas aceitou a proposta dos filhos. O porco achou a matéria nova, comeu, lambeu-se e parecia não refilar mais. Só que depois roncou mais alto do que antes, aparentando reivindicar mais açúcar. Diogo incendiou de fúria e aplicou um castigo severo: esfregou-lhe o focinho com jindungo. Foi o pior. O porco roncou que chega e foi preciso levantar o rádio no máximo para evitar mais suspeitas da vizinhança.
Nessa vez os miúdos amuaram contra o pai e Diogo passou a noite insone, vira que vira na cama a investigar remédio para satisfazer as exigências pequeno-burguesas de Carnaval da Vitória.
Era isso mesmo!
No dia seguinte, Diogo trouxe um fio comprido e fininho todo enrolado. A mulher e os miúdos admirados à espera. Diogo ligou no rádio, pegou o auscultador pequenino na outra extremidade, meteu na orelha do porco colando seis tiras de adesivo como se fosse um penso. Carnaval da Vitória permaneceu como que anestesiado.
- Conquistas da revolução! -- rejubilou Diogo de braços abertos. -- Estás politizado! Isto é que a comissão de moradores devia ver.
-- Mas assim nós nem sequer podemos ouvir o noticiário.
-- Porra, Liloca! Merdas da pequena-burguesia. Querem o céu e a terra. O capitalismo e o socialismo. Música e carne de porco sem sabor a peixe. Então liga o teu ouvido na outra orelha do porco.
E, a partir desse dia, por inventiva de Diogo, Carnaval da Vitória passou a ser o ouvinte mais contínuo da rádio nacional. Noticiário, Peça que nós Transmitimos, Programa para Jovens, relatos de futebol e Boa-Noite Angola, tudo até adormecer de barriga cheia e sem qualquer contestação.
Zeca e Ruca iam agora contar estórias novas daquele porco oriundo da Corimba e que agora o pai deles dizia que estava a aburguesar-se.
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in 'Quem dera ser onda' de Manuel Rui (tal como a redação e os ramalho-eanes)
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