quinta-feira, dezembro 22, 2016

Surrealidades, cânticos, confissões, desabafos, 'porcas chamadas diana' et al.




Pode acontecer que quem aqui me leia pense que efabulo ou que, a ser verdade muito daquilo que relato, sou maluca. Admito que pensem que -- se conto que saio cedo e chego tarde, que tenho muitas reuniões, que perco rores de tempo no trânsito ou outras aberrações -- talvez pensem que sou masoquista e que, se não me agrada isto, pois que o não faça.

Reconheço que esse vosso raciocínio, a acontecer, faria sentido.

Acontece que o meu trabalho decorre em mais do que um local e esses locais são em Lisboa. Ou seja, de manhã estou num sítio, de tarde é normal estar noutro, bem como é normal que tenha reuniões ainda noutros lugares. Há ainda instalações a norte, a sul e a centro (e isto cá em Portugal -- porque também as há fora do país). Portanto, o normal no meu trabalho passa também por isto: deslocar-me e, pior, deslocar-me por zonas altamente populosas em termos de trânsito.

Mais: quando as crianças querem saber o que faço, têm alguma dificuldade em perceber pois parte do meu trabalho passa por participar em reuniões, umas mais formais, outras simples, acompanhamento ou direcção e isso, para eles (e, se calhar, para grande parte das pessoas) não é entendido como trabalho. Muitas são convocadas por mim, outras não. Claro que também tenho trabalho mais normal, em gabinete, no computador a ver mails, a fazer aprovações ou coisas do género. 

Nas reuniões que eu dirijo, a duração é limitada ao indispensável, odeio conversa fiada, e nunca as marco para fora de horas e sou sensível a quem precisa de sair antes para ir buscar miúdos à escola, por exemplo. Mas também participo em reuniões convocadas para as cinco da tarde e que acabam às oito ou nove da noite e, por vezes, vou para elas depois de sair de outra das duas às cinco, por exemplo. Sessões contínuas. Muitas vezes quem marca reuniões para começar a esta hora também não o faz por despotismo mas porque não o pôde fazer antes ou foi a intersecção de disponibilidades dos diferentes participantes deu nisso. E eu não estou nelas por achar que é sexy participar em reuniões mas porque isto é o meu trabalho. Dizerem-me que não esteja sempre em reuniões é idêntico a dizerem a um contabilista que não esteja sentado à secretária a fazer lançamentos contabilísticos ou a uma lojista que não esteja a atender clientes na loja.

Dada a natureza da minha ocupação profissional, não tenho horários fixos e trabalho até ser necessário e, por vezes, dado não ter um único local de trabalho, no conjunto, são muitas horas.

Li há pouco na Madame Le Figaro que cada vez há mais gente a dizer-se sobreocupada, 'debaixo de água' ou 'overbooked' e que a isso está associado uma certa ideia de status social. De facto, a verdade é que conheço gente que gosta mesmo de viver muito ocupada ou que gere o seu tempo de uma forma anacrónica, trabalhando todos os dias até às quinhentas e ao fim de semana. Não é o meu caso. Gosto -- e preciso -- de ter tempo meu, gosto de passear, gosto de ler, gosto de escrever, de estar em família, gosto de cirandar a fotografar. Por isso, quando passo temporadas sem tempo para isso, sinto-me prisioneira, impaciente. Tenho conseguido, à noite, arranjar sempre algum tempo para estar aqui a descansar a cabeça mas, muitas vezes, isso é pouco.

Hoje, por exemplo, consegui chegar a casa às sete e tal. Senti-me logo como que em férias. Fui fazer uma caminhada e fomos conversando, fui comprar dióspiros, depois jantámos na maior tranquilidade, tudo nas calmas apesar de já serem quase dez da noite. 

Mas à hora de almoço tive a ideia peregrina de ir à Gulbenkian para fazer uma nova ronda nos livros, almoçando por lá. Pois, pois. A Praça de Espanha toda encalacrada com uma fila a passo de caracol devido a uma imensa profusão de carros a virarem para o Bairro Azul, presumo que gente para ir para o Corte Inglês. Eu enfiada no carro, sem escapatória e a ver o tempo a passar. Ainda fui tentar o self do CAM para almoçar mas qual o quê. Uma fila de gente para entrar. Acabámos por sair da Gulbenkian sem ver livros nem coisa nenhuma e, à pressa, comer daquelas coisas armadas em japonesas mas sem gracinha nenhuma e ala moço que se faz tarde que, por um triz, chegava era atrasada à reunião que começava às três. Um desespero. Lisboa, nas zonas de maior confluência de caminhos, nestas alturas do ano, fica terrível. Podia não andar de carro, talvez. Mas, como tenho que me deslocar e muitas vezes para lugares não extraordinariamente servidos de transportes públicos, é-me muito mais prático andar de carro. É uma opção que aparentemente é racional mas que, dadas as circunstâncias, perde a racionalidade. Contudo, não sei se haveria outra melhor.

Quando estava ensanduichada naquela fila de carros, ia ouvindo a Antena Dois e lendo mails e notícias no telemóvel. Às tantas entrei no blogger e vi que tinha passado o milhão e oitocentas mil visitas e lembrei-me de como fiquei contente quando atingi as cem mil visitas, como sendo um número que eu nunca na vida tinha pensado atingir. E agora já neste número que, para mim, continua a ser assombroso...

E, estando eu nisto, fui espreitar as palavras de entrada no blog naquele instante e, uma vez mais, fiquei perplexa. No meio das usuais ('um jeito manso', 'quem é a autora do blog um jeito manso' ou 'a teresa caeiro está grávida' ou nomes de políticos ou de ministros), esta coisa extraordinária: 'porcas chamadas diana' . Tal e qual. Naquele instante, estava alguém aqui por ter vindo à procura de 'porcas chamadas diana'.


Li aquilo e fiquei logo bem disposta, até me abstraí do mar de carros onde me inseria. A rir, interroguei-me sobre o significado daquilo. Que maluqueira...! E veio aqui parar...? Onde é que no Um Jeito Manso alguma vez falei de 'porcas chamadas diana'...? Mistérios.

Depois percorri outros blogs.

Gosto de ler e leio nos blogs palavras que me agradam.

Na véspera à noite tinha lido umas cenas que me tinham parecido algo excessivas já que o destinatário estava explicitamente referido. Mas ao ir reler vi que a autora já tinha apagado esses posts.

Noutros blogs vejo que há vídeos, mas no telemóvel não os abro. Procuro, nos blogs alheios, palavras escorreitas ou lanças bem dirigidas ou farpas elegantes ou abraços enleantes ou flores com beijos dentro ou desabafos ou breves apontamentos. Não dispenso a elegância. Prosa artrítica ou textos azedos contra incertos não são para mim. Futilidades, cacarejanços e papagaiadas também não.

Mas aprecio o sentido de humor ou o destempero quando se mostram alicerçados numa escrita com boa estrutura óssea e pele boa ao tacto.

E agora, depois de para aqui ter estado a divagar sem qualquer propósito, dou por finda a minha jornada e vou retirar-me para os meus aposentos.

Não tentem encontrar o fio da meada que me leva a escolher algumas imagens pois nem eu sei. Acabei de escrever e pensei: isto está a pedir Max Ernst. Não sei porquê, porque acho que o que escrevi não tem muito de surrealismo. Mas, agora que penso nisso, se calhar até tem. Um bocadinho.

E, ao começar a escrever, apeteceu-me ouvir cânticos, coros, coisa para tanger a alma.

E o nome que me ocorreu foi Arvo Pärt com o seu Te Deum e gostava que também vos tivesse acompanhado pois acharia que isso nos teria aproximado ainda mais -- a mim e a si, Caro Leitor, Querida Leitora.


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E agora, permito-me ainda convidar-vos a descerem até ao post seguinte para verem como é cheia de primores esta Lisboa tão bela. Vem no Bored Panda e eu fiquei toda orgulhosa pelo meu País.


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