sexta-feira, dezembro 30, 2016

Com uma maçã, ele surpreendeu Paris





Debaixo de anti-histamínicos e anti-piréticos mas, felizmente, sem dores de cabeça ou no corpo, apenas alguma tosse e dor de garganta, depois de um dia de trabalho e outras preocupações, aqui estou finalmente na minha sala. Envolvo-me em sono e calor, desligo do que me traz apreensiva e espreito as notícias. 

Não há uma única notícia que me motive. Ou melhor: haver até há. Não sei é escrever sobre ela. A ver se me informo melhor pois é tema que me acorda. Refiro-me a saber-se que há um rio de ferro que corre a uma velocidade crescente no interior do nosso planeta e que está a uma temperatura quase equivalente à do sol. Acho interessante e acho que é coisa não neutra. 

Mas não vou pôr-me, para aqui, a dissertar sobre assunto que requer conhecimento. Só se me pusesse a ficcionar mas, no estado em que estou, mal consigo reportar-me à realidade, quanto mais à ficção.

Em dias assim movo-me para outro comprimento de onda. Prefiro a companhia daqueles que são independentes do seu corpo, cujas ideias ou obras sobrevivem ao corpo. Por vezes, em vida, são pessoas atormentadas e custa-me pensar nisso ao apreciar o seu legado nem me ocorrendo o que pensava ou sentia o artista enquanto executava a obra.


É o caso de Cézanne. Gosto de Paul Cézanne. Já vi obras suas ao vivo e é sempre aquela emoção de a gente ver uma celebridade ao vivo.
(Estou a gozar.)
Mas há um pouco de verdade nisto. Já se conhece e reconhece e depois está-se ali e vê-se ao vivo. Há um certo sentimento de déjà-vu mas, ao mesmo tempo, a satisfação por ver a obra tal como o pintor a deixou.
Abro um parêntesis para dizer que, de vez em quando, a sensação é mil vezes mais do que isto. Por exemplo, quando vi Caravaggio ao vivo fiquei quase aterrada, quase não conseguia fitar tamanha energia, tamanho frenesim telúrico. Outras vezes também uma emoção grande. Rothko, nos antípodas, também me deixou quase sem palavras, como se tivesse vontade de ser sugada para dentro daquele vazio, um vazio que, no entando, estava tingido de cores vibrantes. Ou o pano de boca de cena de Chagall, uma imensidão onírica.
Mas volto a Cézanne.


Vi um escrito sobre ele e entretive-me a ler e a ver mais umas coisas.

Transcrevo um pouco:
Cézanne sempre trabalhou sozinho, sem alunos. A sua pintura era sua maneira de existir. Sua vida fora marcada e envolvida por sua melancolia e cólera que permeava a sua vida inócua, instável, indecisa. Pinta na tarde em que sua mãe morre. Não é admirado por parte da família. Ao envelhecer acreditava que a sua pintura era fruto apenas dos distúrbios visuais que perseguiam seu corpo. Duvidava do seu talento e da genialidade que o transbordava, pois as circunstâncias e as reviravoltas da vida, não permitiam o reconhecimento de suas produções. A fraqueza e a baritimia o perseguiram no percurso de sua vida. Quando se mudou para Paris, decidindo ser pintor, escreve “Não faço mais do que mudar de lugar e o tédio me persegue”. Não conversava, pois não sabia argumentar. Preferia a solidão. Encontrar os amigos em Paris, quando via casualmente algumas vezes, apenas os cumprimentavam à distância evitando conversas prolongadas. “A vida assusta”, dizia Cézanne. 
(...)

Um dia, apanhado por uma tempestade, continuou a pintar à chuva durante duas horas. Dias depois morreu com uma pneumonia. Em 1906. 

E, no entanto, ao vermos as suas pinturas, que diferença faz o ano em que morreu, ou se tinha sessenta e sete anos quando isso aconteceu ou setenta ou oitenta ou se já se foi há mais de cem anos ou apenas há dez ou se ainda está vivo?

Divago, talvez. Mas penso isto, mesmo. 
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"Avec une pomme, je veux étonner Paris!" 


Gustave Geffroy rapporte que Cézanne répétait souvent cette phrase. C'est dire la place qu'il attribuait à la pomme : à la fois insignifiante et essentielle.

Selon Meyer Schapiro (Style, artiste et société p 224, Ed Gallimard), ce calembour réunit toute sa carrière, depuis Paris-Pâris jusqu'au motif exemplaire qui fait de la pomme un équivalent de la figure humaine et de ses passions. Effrayé par les modèles féminins, il préférait ces objets détachés de leur fonction sociale, sur lesquels il pouvait projeter ses désirs. (...)

(Cézanne, Pommes sur une table, 1900)

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2 comentários:

Anónimo disse...

Cézanne é frequentemente referido como sendo o pai da arte/pintura moderna. Logo desde o início da sua carreira artística procurou realizar mais do que os seus contemporâneos realistas e impressionistas. Ir mais além. Com o seu estilo abriu o caminho para o Cubismo e a pintura abstracta. Um grande artista!
Bom Ano!
P.Rufino
PS: em breve entra no número dos 2 milhões de visitas ao seu Blogue! Incrível! Parabéns

bea disse...

As pinturas estão para serem olhadas e são sem idade, mas com impressão digital. E, curiosamente, os sentimentos e emoções que guiaram mente e mão, mesmo que tristes, melancólicos, loucos, ali se transformam em beleza pura. E isso ainda as faz valer mais, julgo eu.

Contemplar originais é, em geral, um gosto caro e não popular. E há quem não sinta necessidade de tal coisa.

As melhoras JM. Não pode entrar o ano meia deslembrada:)