Havia a arquitecta e já dela aqui algumas vezes falei. Uma mulher excessiva, absolutamente livre, destravada em tudo, imoderada, desbocada, divertidíssima. Dos meses em que lidei quase diariamente com ela guardo as melhores recordações.
Não era bonita nem elegante segundo os cânones. Alta, volumosa, descomplexada, tornava-se atraente pelo conjunto, pelo excesso, pelo riso.
Como me sinto mais próxima de pessoas assim do que de gente muito irrepreensível e piedosa, logo se estabeleceu entre nós compreensão e estima.
No meio havia um engenheiro. Eu representava o dono da obra, ela a arquitecta que idealizara o projecto e zelava pela fidelidade da obra à ideia, ele o responsável pela execução.
O engenheiro, um bom homem, preocupado com o orçamento, preocupado com os desafios que as ideias dela lhe colocavam, preocupado com o pessoal a seu cargo -- e ela nem aí, cheia de ideias, que tinha porque tinha que ser e ele que se desunhasse. Ele dizia que desistia, ela dizia que bye bye, ele dizia que deixava a obra a meio, ela dizia que o que não faltava era quem tivesse competência para fazer uma obra banal. Eu divertia-me com a permanente refrega e guardava dentro de mim o registo daqueles momentos tão divertidos.
Uma vez, o presidente da empresa, homem habituado a mandar e a quem meio mundo reverenciava, prestigiado ex-ministro, quis lá ir ver as obras. Gostou, elogiou-a mas, às tantas, disse que uma coisa qualquer se calhar ficava melhor lá de uma determinada maneira. O que ele foi dizer. Não sei porque raio de carga de água ela passou-se, mas passou-se à séria e, furibunda, virou-se a ele, assanhada e, alto e bom som, vociferou: 'Era o que me faltava estar a ouvir palpites. Não há cão nem gato que não me apareça pela frente a dar palpites! Era o que me faltava!'. Ele ficou varado. E, quando ia reagir, vai ela e vira-lhe as costas e sai porta fora. A mim deu-me vontade de rir mas ele ficou lívido. Nunca mais lá pôs os pés e ficou a odiá-la. E ela a ele.
Mas o engenheiro das obras.
Um dia precisou de resolver lá um problema: onde ela queria abrir uma parede, passavam uns canos e ele precisava de saber se poderiam adaptar a abertura por forma a não ter que mexer na canalização. E ela não atendia o telefone. E era urgente. E eu num dilema: andando ela de namorado novo, provavelmente estava em casa sem vontade de atender um engenheiro a falar-lhe de problemas. Mas se não se falava, também não se ia adulterar a ideia ou, alternativamente, arranjar problemas e gastos extras.
Então, dei-lhe o número de telefone de casa dela. No outro dia, mal me viu, o bom homem veio na minha direcção, escandalizado. Então o que era? Em vez de tocar, aquilo passava para o atendedor de chamadas e aparecia a voz dela, dengosa, falando à brasileira de casa de meninas 'mi liga... vai...' e continuava com palavras convidativas -- de tal forma que ele até tinha tido vergonha de continuar a ouvir. Nem tinha chegado ao ponto em que poderia deixar mensagem.
Quando, nessa tarde, ela apareceu na obra e lhe contei, fartou-se de rir. E eu tinha acertado: estava mesmo com o namorado e queria estar sossegada. Sabia que, com uma mensagem de acolhimento daquelas, quem ouvisse não ia voltar a ligar tão cedo.
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La maja desnuda (lá em cima) armada em menina de anúncio do Correio da Manhã é tropelia de Kajetan Obarski que não quis cá saber de venerações a Goya.
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La maja desnuda (lá em cima) armada em menina de anúncio do Correio da Manhã é tropelia de Kajetan Obarski que não quis cá saber de venerações a Goya.
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E queiram, agora, descer até ao post abaixo.
Conforme queiram.
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