No outro dia passei pelo lugar que abaixo se vê e fotografei aquela parede ao fundo. Eram, então, apenas riscos pretos. Um traço de tinta que se agigantava em negro sobre a parede branca. Gostei.
Hoje percebi que o pintor tinha apenas desenhado os contornos. Mas sabe quem já alguma vez se deu à liberdade de pegar num pincel e com ele cruzar uma superfície em branco, o prazer que é desenhar movimentos que correspondem a algo que apenas vai existir a partir daquele momento. O movimento do braço a desenhar os contornos é o verdadeiro momento de felicidade, o momento iniciático. Eu não sabia que eram contornos, gostei mesmo assim, mas hoje, ao ver o produto final, fiquei maravilhada, como se do céu tivesse caído uma liana azul, e nela tivesse pousado uma cereja gigante que logo tivesse atraído um insecto guloso e igualmente gigante.
Não há opiniões unânimes nem gostos coincidentes e, portanto, aceito como natural que alguém olhe esta pintura e ache que o autor sujou a parede ou que fez uma coisa sem graça. A mim agrada-me imenso. Gosto de arte e acho que uma das formas mais nobres e generosas de fazer arte é fazer arte de rua, disponível para quem passa.
E sei que ao designar isto como arte também não obterei concordância total pois o que é ou não arte é daquelas questões sobre as quais muita gente, e gente preparada para o fazer, fala, escreve, reflecte mas em que, naturalmente, não há consenso possível. A história de um par de óculos que um adolescente deixou no chão do museu só para observar as reacções dos visitantes correu mundo. A maioria achou que os óculos eram uma peça de arte.
Já em tempos aqui contei sobre aquela vez em que os meus filhos, no Guggenheim de Bilbao, comeram um bocado de uma obra de arte. Bizarro.
Enfim. Por mim, o critério é simples: é arte aquilo que eu acho que é arte. Ponto.
Claro que há construções de uma beleza notável; beleza e delicadeza, elegância, harmonia. Mas, se ninguém as fez, se se fizeram a elas próprias, não são arte. São milagres da natureza.
E, depois, quem somos nós -- ou, em particular, eu -- para colocar carimbos: isto é arte - isto não é arte?
Li que, em breve (dentro de, o mais tardar, 20 ou 30 anos), os cientistas estarão em condições de comprovar a existência de vida noutros planetas. Podem ser apenas bactérias ou pode ser vida inteligente. O que somos nós, pequenos e indefesos pequenos seres habitando a superfície de um pequeno planeta perdido no vasto e desconhecido universo, para podermos classificar de forma definitiva questões que se prendem com aprecisções pessoais?
Por isso, por tudo isso, de que tipo de superioridade pode alguém arvorar-se para decretar, de forma pretensamente definitiva e estupidamente arrogante, quem é que cumpre ou não mínimos olímpicos para estar à altura de compreender ou deixar de compreender ou apreciar ou deixar de apreciar o que quer que seja? Só mesmo pessoas desprovidas de inteligência (racional e emocional) é que podem julgar-se ungidos com dons que apenas os deuses, esses seres inexistentes, poderão possuir.
Deuses -- como os espíritos que há quem julgue habitar o corpo dos gatos. Esta manhã, invejei a deusa dolente que, ao sol -- sob um céu muito azul e junto a um rio que cheira a mar -- se limitava a sentir o sol, de olhos fechados, apenas os abrindo de quando em vez e logo voltando a fechá-los pois a realidade não lhe devia parecer mais interessante do que os seus suaves sonhos brancos.
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As fotografias foram feitas este sábado entre a Casa da Cerca e o Ginjal
Lá em cima, o Brad Mehldau Trio interpreta "Little Person" de Jon Brion do album Blues and Ballads que um Leitor, a quem muito agradeço, me enviou. Um som magnífico. Tenho estado a ouvir e estou encantada.
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Já cá volto com uma reportagem fotográfica sobre a Feira do Livro. E já vos mostro os livros que trouxe.
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E aceitem, por favor, o meu convite e desçam até a um vídeo que a mim me incomoda um bocado. É a malta da Porta dos Fundos a brincar, uma vez mais, com a Igreja. Mas que a história possa um dia deixar de ser ficção não é cenário que devamos afastar em absoluto.
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