Essa tendência para traíres, para mentires -- e para seres perfeitamente franca. Para te esconderes -- ou para te mostrares muito. Esse cuidado de te preservares tanto -- para acabares a contar a tua história, a tua verdade, com todos os pormenores a um desconhecido. Essa vontade de fugires, de saíres a correr quando alguém mostra que começa a conhecer-te, embora não te reveles, e essa vertigem de ficares. Essa indomável sede de alguém -- e de não estares com ninguém. De envolveres as carícias em palavras. Essa vontade de mudares sem renunciar a nada. Essa fome de impossíveis. Como pensar no meio desta confusão contraditória? É verdade e mentira, está bem e está mal, e não há saída.
Nada a fazer. Toma um copo de água.
Se encontrares alguém que és capaz de suportar (e já é muito), e se esse alguém for também capaz de te suportar a ti (e é já quase suspeita tanta coincidência), e se em certos momentos não apenas o suportas como o quererias mais chegado ao pé de ti, e se acontecer sentires a falta dele quando se demora muito, e se ao vê-lo te voltar a alegria, então não receies submeter-te a essa desolação da proximidade que é a vida a dois: é possível que consigas aguentá-la.
Algumas, num genuflexório e atrás de uma rede escura, confessam-se. Outras, talvez mais sábias, tomam banho e lavam-se. Umas e outras ficam limpas e vazias de culpa. Um duche, um banho de imersão, um momento de cavaqueira de peito descoberto. Velhas receitas, boas para tranquilizar.
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A canção é dos UHF - "Puseste o Diabo em mim", uma música que não me tem saído da cabeça e que aparece no último CD deles, que recomendo
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E queiram, por favor, descer até ao post seguinte para mais umas receitas de amor, desta feita destinadas às mais sofredoras e que não tiveram grande sorte com a companhia que lhes calhou na rifa. Lá explico de onde vem isto.
E caso não apreciem o género e prefiram saltar logo para as investigações em torno da laranja-podre do PSD-profundo envolvendo aquela rapaziada de Gaia e arredores, podem clicar aqui e saltar já para lá.
13 comentários:
O António Ribeiro e o poder que ele exerce sobre o sexo feminino. Veja lá, não se desgrace.
A Sophie Marceau que não tem tristezas, tem o mesmo efeito, são coisas que se compreendem.
Tem graça isso que escreveu (e saiba que não há risco de eu me desgraçar). Mas, se mal lhe posso perguntar, Pedro: sendo o Pedro moço para ser ainda mais novo que os filhos do António Ribeiro, como sabe desse charme que ele exerce no sexo feminino? São tão abrangentes assim os seus vastíssimos conhecimentos?
E olhe que a Sophie tem expressões tristes, mas é daquelas mulheres a quem a tristeza assenta bem. Ontem, quando queria escolher algum rosto feminino para ilustrar os textos, foi dela que me lembrei. Mas também poderia ser a Isabelle Huppert.
Olhe, não comentei a sua tradução do poema porque não estou para receber de volta respostas descabidas mas saiba que gostei muito. A ser verdade que a tradução é sua ou que aquilo é uma tradução, está muito bem. Soa bem, de qualquer maneira.
Então você não sabe da história da fã do Ribeiro, que o perseguia para todo o lado? Pesquise aí no google, é bem divertida.
A tradução é minha, sim. Coloco a outra, a edita, porque é excelente e permite a quem não conhece o grego do período clássico ter um ponto de comparação entre uma e outra.
Já li, agora, essa história diabólica. Deve ser horrível, quase nem dá para acreditar. Os sustos que ele deve ter sofrido. Deve ser mil vezes pior despertar uma obsessão dessas do que não despertar interesse em ninguém.
A sua tradução difere muito da outra, as palavras deslizam de forma mais suave e o sentido é transmitido de forma mais poética, digamos assim. Não deve ser fácil traduzir poesia porque a poesia vive muito de uma toada muito específica do poeta e muito dependente da língua, não é?
Na verdade nunca se traduz, transpõe-se. Aquela língua - que difere bastante do moderno - é impossível de traduzir. Ainda para mais na pena do maior poeta trágico de Atenas.
A outra tradução é mais fiel ao sentido literal do texto - enfim perdoe-se esta linguagem pouco precisa - enquanto eu procuro repetir o sentimento daquele que o ouvia.
Não percebi. O sentimento de quem ouvia o poema? O Pedro lê no original e tenta imaginar o sentimento de quem, na altura, ouvia o poema? (escreveu no passado; admite que o sentimento de quem ouve hoje é diferente de quem ouvia antes?) E procura as palavras em português que reproduzem esse sentimento? É isto?
(Acho que se não for, escusa de dizer, porque gosto da ideia tal como a interpretei)
Mas sabe assim tanto de grego que consegue imaginar o efeito que produzia, a toada, o sentido cerzido à toada? E lê alto em grego e depois alto a sua tradução para ver se o efeito é o mesmo?
(Sabe? Custa-me a acreditar no que diz, acho tudo mirabolante)
Tenho obrigação de saber! ahah vou explicar melhor, é bem mais simples. Os gregos tinham no tempo Homérico sete verbos para o acto de «ver»; com a evolução da língua alguns desses verbos desaparecerem e outros ficaram associados a «conhecer», em resumo - repare no Édipo que depois de conhecer a verdade, se cega. Assim, quando na outra tradução portuguesa se diz «ao ver-me assim tão humilhado», eu traduzi «óron» (vejo-me), de «oráo», por «sabendo-me». Está mais claro?
A toada é impossível de repercutir.
queria dizer «óron emaftou», assim é que é.
Está mais claro. percebo.
estive a reler. há uma toada, soa bem, soa como se tivesse nascido assim.
Por exemplo: 'Não pesem orgulho ou arrogância no meu silêncio' está muito diferente da outra tradução. A outra parece uma frase normal enquanto esta é uma frase de efeito, soa bem e quer-se parar para ver se vamos para dentro dela, para a perceber, como se a frase original fosse esta. por isso, como não percebo nada de grego nem de nada disto, fico a pensar que pode ser um poema nascido de origem assim e que o que está em grego seja só para despistar. Mas vou tentar acreditar que é uma tradução sua.
são áreas que me são novas. imagino que uma pessoa que se ponha a traduzir poesia desta deve ficar com muita dificuldade em apreciar poesia mais normal, mais banal. Tudo, depois disto, deve soar vulgar, sem préstimo. Até eu, que não ando por estes territórios, tenho dificuldade em apreciar grande parte da poesia actual, fará quem anda a sentir o sentimento de quem ouve poesia destas.
Gosta de algum poeta actual? Ou, pior ainda, é capaz de fazer poesia sua?
Lol até lhe deixei duas das minhas muletas no meu blogue. Aqui é o que tenho.
Ninguém fala grego clássico. Não a vou maçar com isso, há muitas disputas; o moderno, que domino melhor, é muito diferente deste. Mas se nos encontrarmos lá por Santarém eu recito-lhe umas coisas, para ouvir.
Não escrevo e não ligo à poesia, filosofia, literatura, etc. Tenho mais com que me entreter.
Já vi as muletas. Um dia que as veja à venda vou ver se a mim me serviriam de alguma coisa. Duvido. Sou preguiçosa demais para labutas dessas.
Não liga, não liga e até sabe poesia de cor? Tem graça, isso. Gosto imenso de ouvir dizer poesia, sabe? Só por isso, já fico com curiosidade em ir. Mas duvido que vá.
E raramente encontro quem saiba dizer poesia a meu gosto. Não gosto de declamações nem de quem a diz como um pau seco. Gosto de quem a diz como se não houvesse outra maneira de a dizer, como se viesse de dentro mas com naturalidade. Um diseur e não um declamador. Por isso, já vê, com tanta exigência, não poderia estar à altura. E dizia em grego? Nunca ouvi ler poesia em grego (e eu sei: na grécia falam grego. mas tb nunca lá fui)
Ouça aquilo para quem é português é muito fácil de aprender, não tem nada de extraordinário, é como tudo, uma questão de familiaridade.
vou ver se descubro no youtube algum vídeo com poesia grega dita para ver como me soa. mas só amanhã. sou um bocado noctívaga mas não tanto.
um bom sábado, Pedro.
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