quarta-feira, março 16, 2016

Dos Passadiços do Paiva a Lisboa, num dia longo, longo, quase tão longo como este post quilométrico


Tenho que começar que referir que, por me ter posto a responder aos comentários, já estou atrasada e, portanto, a partir daqui vai ter que ser sempre a abrir. Esta terça-feira saí cedo de casa e regressei por volta das 9 da noite: um dia dos valentes, quase sem interrupções. E agora que já jantei (felizmente, ontem à noite tinha deixado já a sopa feita e o peixe pronto), já estive a escolher a roupa para amanhã já que ainda de madrugada tenho que me pôr a caminho -- porque centenas de quilómetros me separam do local onde vou passar parte do dia -- e não consigo às cinco e tal da manhã estar a ensaiar toilettes. Ou seja, esta quarta-feira vai ser outro dia dos jeitosos e, por isto tudo, que ninguém me leve a mal se hoje não conseguir dizer nada de jeito ou se, para me poupar, o post de hoje for mais imagens do que paleio. 

Agora estava a escolher música para me acompanhar enquanto escrevo e andei por Mozart, por Schumann, por Vivaldi e nada me estava a agradar, queria uma coisa mais básica, uma coisa levezinha, lenta, uma voz calma, (apetece-me sossego) e, vá lá saber porquê, apeteceu-me ouvir You belong to me na voz sussurrada da Carla Bruni. Não tem a ver com isto mas, então, fazer o quê se é isto que agora me apetece ouvir?


Há bocado estava numa sala atapetada, móveis do melhor que há, numa sala toda envidraçada que dava para uma das colinas de Lisboa. E, com os meus interlocutores à minha frente, fui observando, por trás deles, a evolução da luz sobre o belo casario de Lisboa.

As casas acompanham o declive da colina, e as paredes e os telhados vão-se sucedendo como numa aguarela de Carlos Botelho. Aos poucos foi entardecendo, a luz esvaía-se, as luzes foram-se acendendo e, por fim, era de noite, só as luzes. Parecia um cenário em mutação. E eu ia-me lembrando de que um dia antes eu via umas outras colinas à minha frente mas não colinas, serras verdes, diluindo-se no azul e nas brumas. Enquanto ouvia as discussões ou participava nelas pensei que não sei se sou a mesma quando mudo de geografia. Parece-se que o meu mundo de vez em quando sai da rota habitual e entra numa outra onde continuo a viver normalmente mas numa outra vida. Depois mudo de órbita e volto a entrar no mundo anterior, sempre normal mas outra.

Um bocado estranho, isto. O que me vale é que não sou dada a grandes divagações senão ficava a magicar nisto, ia à procura de filosofias onde pudesse encaixar esta 'cena' ou desatava a folhear livros a ver se descobria uma certa página onde um qualquer maluco tivesse passado por uma experiência paranormal do mesmo género. Como sou esta simplória que aqui têm, deixo esses arroubos para gente erudita e fico-me pelos meus pensamentos mal alinhavados.

E, portanto, vou mas é deixar-me disto e vou ao que aqui me traz hoje. Ou melhor, ao que está pendente desde ontem: os Passadiços do Paiva. As fotografias são demais, eu sei mas passem por elas a correr se vos chatear. A questão é que, com a pressa com que estou, é-me mais fácil ir colocando do que pôr-me a olhar a ver qual deixo e qual não deixo.

Pois bem. Manhã cedo, eis-nos a caminho. Uma das entradas é na Praia Fluvial do Areinho e foi por lá que nos fizemos à escalada. Talvez se tivéssemos entrado pelo Espiunca a coisa fosse mais branda. Mas não faz mal, ficámos a saber que somos uns atletas -- e isso, como diz o outro, 'não é mau; não é mau'


A água é límpida e fresca. Mas, embora apeteça ficar já por aqui, iniciamos a expedição. Primeiro vai-se por uma estradinha de terra batida mais ou menos ao longo do rio.


Encontrámos grupos, jovens, e um ou outro casal mais como nós. Ou seja, que ninguém ache que isto não é para i: é para toda a gente (desde que tenha boas pernas e bom coração).

Depois começa o passadiço. É um corredor de madeira, com tábuas laterais também em madeira. O perfume aqui é doce, muito agradável: é o cheiro da madeira macia, é o cheiro dos pinheiros, dos eucaliptos, da urze. Tão bom, tão bom.

O passadiço vai-nos levando ao longo do rio e começa a subir.


Por onde vamos andando, a paisagem vai variando. Ora mais escarpada, ora mais florestada, ora campos verdes onde ovelhas meditam, tranquilas na sua sã existência.


Uma nascente canta e salta, a água transparente, e elas felpudas, brancas e tranquilas, sem entusiasmos como o meu.


À medida que vamos caminhando, começamos a reparar no que nos espera. Como uma fita que mal se vê, o passadiço desliza ao longo da encosta, subindo, subindo. Cherchez le passadiço na fotografia aqui abaixo.


À medida que a subida começa a apertar, penso que espero bem que aquilo esteja bem preso à rocha. Acho que deve estar porque não abana, parece bem preso, mas, de qualquer forma, fotografei para mostrar ao meu filho. Digo que isto deve ser uma obra de engenharia complicada e o meu marido diz que coisas destas se fazem desde sempre. E, de facto, isto faz-me lembrar as escadas de madeira para os templos budistas. Ou se não for para os templos budistas é para uma coisa qualquer do género.


Já estamos cá em cima, o rio já lá bem em baixo, uma paisagem linda que só vista, o sol a aquecer, as pernas já a sentirem-se. Fotografei aquele passeante aqui abaixo para se ter uma melhor perspectiva do que se vê.


E há troços em que quase parece que estamos suspensos sobre as águas mas já quase mal se ouve o bater nas pedras pois já começamos a estar perto do céu.


E há varandins onde apetece ficar sem pensar, sem dizer nada, só ouvir, sentir os cheiros, não pensar. Penso: num dia de frio e neblina deve ser bom aqui estar -- trazendo um termo, beber um chá, sentada num degrau e contemplar o que é esta terra que habitamos.

Mas está sol e calor e eu limito-me a beber água e a continuar a subir.


E subimos e subimos e continuamos a subir, mais degraus do que o Bom Jesus ou esses santuários que foram postos lá bem em cima para testar a fé dos crentes.  Parece que estamos a subir para uma casa na árvore. O coração começa a bater mais apressadamente. Não se sabe se é paixão pela beleza da paisagem se é de tanto e tanto e tanto degrau.


E subimos e subimos, o rio cada vez mais estreito lá em baixo, um fio de azul no meio do verde e nós a subir, a subir.


E a ponte de pedra lá em baixo já parece um arquinho e vêem-se zonas de verde transparente e há fundões e perigos e parece que somos pássaros e que podemos voar


Os pássaros cantam, estonteados, tanto oxigénio deixa-os libertos de peias, o perfume das árvores e dos arbustos é intenso e o rio é azul quando as águas correm e branco quando saltam sobre as pedras.


E estamos alto, muito alto, e agora chegamos a uma estradinha cá em cima, nós já no céu, cansados, alegres como os pássaros, e o cansaço passa logo, as pernas já estão outra vez mais leves e a beleza é tanta, tanta, que penso que não sei como vou passar sem ela.


E então entramos noutro troço, diferente, a água cor de esmeralda, o rio estreita-se, há desníveis, pequenas rochas no leito e a água irrequieta, feita espuma, e as rochas da encosta por vezes cobertas de amarelo, e tudo tão eterno.


Os matizes do verde, do azul profundo, as rochas brancas, o canto dos pássaros. Como transmitir tudo isto a quem não tem a possibilidade de aqui vir?


O passadiço começa descer para junto ao rio que aqui é verde, requintado.  

E aqui o meu marido começa a dizer que o melhor é voltarmos para trás senão não vamos ter pernas para fazer o percurso inverso. O passadiço inteiro são 8 quilómetros e, na ponta, há táxis para levar as pessoas de volta ao carro mas resolvemos não nos estafarmos para lá da conta.


Esqueci-me de dizer que, pelo caminho passámos pela Garganta do Paiva, de onde a água jorra branca e fragorosa,


E há uma varanda de onde se vê esse jorro de água e de onde a vista é maravilhosa; e há escadas e mais escadas e há árvores que dão sombra e eu fotografo e fotografo, encantada com tanta, tanta beleza.


E depois regressamos e a descer já não há memória do cansaço, só há uma leveza de alma. E espero que tenha ficado dentro de mim uma reserva de beleza que me ajude a atravessar outros dias, dias mais cinzentos onde a minha vista não alcança lonjuras e onde não há pássaros que cantam com uma alegria que vem do princípio dos tempos.

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Não vou conseguir rever o que escrevi pois estou com sono e daqui a nada tenho que estar a pé. Se as vírgulas estiverem a levantar voo ou as palavras se tiverem perdido entre as margens do Paiva, relevem, por favor.
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Quem queira testemunhar o deslumbramento que senti quando cheguei à Serra da Freita e vi aquelas belas vistas e me cruzei com animais em plena liberdade, a minha visita à Serra da Freita e seus lugares mágicos, às Igrejas, Santas e Freiras  da Vila e, finalmente, à bela vila de Arouca, é só seguir os links.

E, se o fizerem, espero que fiquem com vontade de lá ir. porque eu já estou com vontade de lá voltar.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

11 comentários:

P. disse...

Que reportagem espantosa! Nunca lá fui a este local. Fui ver à Net e a sua "mostragem" não fica nada atrás! Não imaginei que fosse tão longo. E que paisagens dali se observam! Uma maravilha! Nós temos de facto locais a visitar extraordinários! Como este. Gostei!
P.Rufino

Pedro disse...

É bonito, mas a léguas do passadiço da estação Mira-Sintra-Meleças.

Um Jeito Manso disse...

Pois que lhe poderei dizer? A verdade tão só: não costumo andar por essas bandas e, lamento desiludir, há séculos que não ando de comboio. Não é que não goste: gosto. Tenho até vontade de voltar a viajar de comboio, é prático e, sobretudo, romântico. Mas refiro-me a fazer os castelos do Reno ou a atravessar o país basco, coisas assim - longe, portanto, do que creio ser a realidade dos percursos que refere. Mas lá está, quem sabe não veria o passadiço de Meleças e não entraria em delírio?

Pedro disse...

O Reno já fiz pela Floresta Negra, mas o meu coração pende para o seu arqui-rival, o Danúbio; passei o país basco quando fui de Lisboa até Budapeste de comboio - é bonito, mas não faz sombra ao percurso Areeiro-Foros de Amora, que percorro ao visitar a minha irmã nesse lugar mítico, povoado de elfos, fadas e fontes da vida eterna: o Seixal.

Um Jeito Manso disse...

Ora bem, finalmente uns pontos de convergência - mas pequenos, nada de entusiasmante. Até porque, logo de seguida, entramos em divergência. Esse percurso que refere também não o conheço em comboio mas não consigo falar do Seixal de forma depreciativa, acho uma terra muito bonita. Ainda no outro dia passei junto à baía que o rio ali forma e achei mesmo muito bonito.

Tenho que me ir porque estou cansada mas tenho curiosidade: porque é que gosta tanto de se armar em pedante? Porque é mesmo ou porque acha que isso tem algum charme? Acha que o facto de saber umas coisas a nível de literatura o torna superior ao comum dos mortais? Não consegue admitir como válida a hipótese de que contemplar um rio ao fim da tarde pode ser estetica ou emocionalmente tão compensador como ler uma página de um dos seus gregos de eleição ou ouvir o minuto não sei quantos de uma determinada música?

(Se ficar incomodado com o que escrevi, diga que eu apago, ok?)

Pedro disse...

pedante o quê, vim só aqui para a afinar ahaha leva isto muito a sério

Um Jeito Manso disse...

Não estou certa de que esteja a ser sincero porque acho que é mesmo um insuportável pedante mas, pronto, se veio aqui para me afinar, está quase perdoado. É que perdoado, perdoado, talvez ficasse se fosse competente.

De qualquer forma, aconselho que não se esforce muito porque, se me afinar mesmo a sério, lá terei que o banir para todo o sempre da minha galeria lateral. Agora está de castigo, digamos que em quarentena.

Pedro disse...

E sou, e sou.

Um Jeito Manso disse...

Tenho que me ir mas espero bem que isso aí não tenham sido tiros. Ou, se foram, que tenha sido algum bandido cegueta, que tenha falhado o alvo.

Desejo-lhe uma noite tranquila e, depois do sol nascer, um bom dia.

P. disse...

Cara UJM,
Andar de comboio é um enorme prazer, como aliás reconhece. Compreendo que a sua vida por razões várias não lhe tem permitido fazê-lo, mas é agradável. Por exemplo, eu prefiro ir ao Porto de comboio do que de carro. E por lá ando ou de táxi, ou de transportes públicos, ou…a pé. Outras sugestões: de Lisboa a Cascais, é fácil, confortável e tem uma bonita vista. Claro que terá de evitar fazer essa viagem durante as horas de ponta e à noite; outra, da Régua à estação do Tua (não sei se entretanto a construção da dita barragem terá acabado com essa Linha), considerada uma das 15 mais famosas do mundo, no comboio histórico. Por último, no estrangeiro, como normalmente evito ir de carro (só o tempo que se perde nas viagens e os gastos em autoestradas!), utilizo muitas vezes o comboio, uma vez chegue ao destino. Fiz isso em Itália, Suíça, França, etc. No Reino Unido, depois dessa cretina da Thatcher, a qualidade dos comboios piorou. E claro há outras viagens, como aquela que em tempos lhe descrevi e que fiz, o “Palace on the Wheels”, outra na Austrália, outra no Canadá (de costa a costa), outra na África do Sul (o Comboio Azul), outro na Escócia, outro na Ásia, de Singapura a Banguecoque, etc. E até mesmo de eléctrico, em Lisboa, é delicioso. Refiro-me apenas aos velhos eléctricos antigos e não aos “trens” modernaços e rápidos, que aos poucos os foram substituindo. Hoje por exemplo, fiz essa experiência. Que já fazia há uns anos. Como tinha de ir até à Rua da Estefânia,ali em frente a uma praceta simpática, a da Faial, onde está o busto de Cesário Verde, para uma diligência, uma vez terminado o encontro, fui dali a pé até à Baixa, entre a hora do almoço (como o almoço não tem significado para mim, como lhe disse, a refeição de eleição diária é o Jantar). Lá passei pela Gomes Freire, Rua de S. Lazaro, Campo dos Mártires da Pátria, etc, até ao Martim Moniz, de onde se avista o Castelo de S. Jorge (e ali se pode tomar uma bebida ao fim da tarde, no hotel Mundial, com uma bonita vista sobre a cidade), a rua dos Correeiros e finalmente Praça da Figueira e as ruas, cheias de restaurantes e esplanadas, antes de chegar à Praça do Comércio, que estava animadíssima, cheia de gente e de turistas. O chato são as obras que este presidente da Câmara (sob a pauta dessa sinistra figura, o Arqt. Manuela Salgado) vai fazendo, como aquelas que agora escavacaram o Cais do Sodré. Ora bem, o que fiz, já que entretanto tinha de ir até Belém? Apanhei o “18”, um velho eléctrico e dali fui, rapidinho, a gozar mais uma outra paisagem citadina desta Lisboa. E como o dia estava agradável, catita, janela aberta e assim fui. Isto tudo para dizer que quer o comboio, quer o eléctrico são passeios deliciosos, nada cansativos, onde se pode ler (nos comboios). Se puder um dia mande o carro às malvas e utilize estes meios de transporte. Não se arrependerá. Eu sou daqueles que não tenho pena que se aumente a gasolina/gasoleo, justamente para obrigar a malta a andar mais vezes de transportes públicos. Divirta-se!
P.Rufino

jcerca disse...

Parabéns pela poética reportagem que traduz bem o espírito com que os Passadiços do Paiva deverão ser apreciados. Foi um delicioso e salutar mergulhar na natureza esta tão poética como sincera reportagem! Parabéns!