De manhã fui caminhar na praia. Para mim, cada vez mais, estar na praia é sinónimo de caminhar junto à orla do mar. Excepto quando em grupo, que aí é certo que terei que pousar, a praia para mim é lonjura, andar na areia molhada, sentir o espraiar das ondas, andar, andar.
Ao longo da caminhada vou reparando nas pessoas, vou reparando no que fazem, vou lamentando não poder fotografá-las, tantas tatuagens, os corpos todos pintados, e corpos ginasticados, o corpo como um instrumento passivo da vaidade, ou corpos vencidos pela vida, ou corpos nus, lisos, sem pêlos, quase estranhos, ou corpos torrados pelo sol, ou gente solitária, caminhando também ou simplesmente olhando o mar, ou casais, ou encontros clandestinos esgueirando-se pelas dunas. Disfarço, finjo que não reparo. E, assim, vou deixando que o olhar vá ao longo do horizonte, para longe, longe, o areal só uma linha clara ao longe, perdido entre a neblina do mar, ao longe.
Depois, à vinda, já mais cansada, venho mais devagar, e vou atentando nos despojos do mar - conchas, penas, limos, cores suaves, lavadas - e, então, começo a fotografar estas pequenas composições que as águas aleatoriamente desenham no areal.
Há muitos, muitos anos, vi uma exposição de Miró. Por essa altura ainda eu sentia alguma estranheza perante o que não me era evidente. Olhava as telas pintadas com pontos de cor, sinais inocentes, incompreensíveis signos, pequenos nadas, e interrogava-me sobre o sentido de tanto inusitado. Não sabia ainda que o que eu via reflectia o desconhecimento que eu, então, tinha sobre o não-explicado de que a vida é feita.
Com o tempo, fui sentindo que era do estranho e inesperado que o meu gosto se ia aproximando. Aos poucos, o não-explícito passou a ser o que o meu olhar e a minha mente melhor reconhecia.
Depois dessa vez, várias outras vi Miró.
Uma estrela azul, um sol branco, uma lua laranja, uma bailarina, uma nuvem com coração, um sonho a voar, uma chama, uma sombra, um olhar aberto, um avião perdido, um pássaro nunca visto.
Deixei de estranhar porque há muito percebi que o melhor da vida é o que não tem explicação. Há muito que aprendi que o maior prazer vem daquilo que o pensamento não tenta domesticar.
O efémero, o aleatório, o imprevisto, o inexplicável - é daí que hoje vem o que verdadeiramente me emociona.
Assim as pequenas composições que o mar deixou na orla da água e que eu fotografei para vos mostrar.
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Jeux d'eau
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E, aceitem o meu convite e desçam, por favor, até ao Tejo.
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1 comentário:
Bravo pelo texto, pela sensibilidade e pelo prazer causado pelas suas palavras.
Pedro
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