No outro dia vi-a outra vez. Ia sozinha, ligeira e com aquele passo levemente incerto dos pássaros quando caminham em pequenos saltos. Apesar da cara de menina, daquele corpo leve a que apenas parecem faltar as asas, reparei que estava um pouco mais velha. Depois pensei: mas que ideia, então o tempo não haveria de passar por ela tal como passa por mim e por toda a gente?
Hoje, ao vir para casa, ouvi nas notícias que Hélia Correia tinha ganho o Prémio Camões e ouvi-a a falar, surpreendida, dizendo-se como que envergonhada por achar que estaria ali deslocada naquela galeria, já que tantos escritores trabalham tanto e que ela, menos assídua, senhora de obra escassa quando comparada com a de outros, ociosa (dizia-se ela), não se compara com esses. E falava com aquela sua voz leve, risonha, de menina.
Mas orgulhosa, contente, claro, é um prémio que tem o nome Camões e já atribuído a escritores tão ilustres, claro que sim.
E então ouvi que tem 66 anos e, se não tinha ficado surpreendida com as suas palavras, fiquei e muito com a sua idade. Na minha cabeça Hélia Correia teria ainda uns quarenta e tal, cinquenta e tal, talvez -- mas talvez, mesmo, que não tivesse idade. Afinal, estava enganada: o tempo não tem passado por Hélia Correia, ouvindo-a poderia ter 6 anos.
Já aqui falei delas várias vezes.
Admiro-o muito, admiro a forma acutilante e firme quando se insurge contra as injustiças ou os atentados à liberdade e ao respeito pela dignidade humana (nessas alturas talvez tenha os tais 66 anos ou 666, é, nessas alturas, uma guerreira antiga que se agiganta.
E depois adoça-se, voa, parte para um mundo onírico e pode falar da Escócia de onde veio o seu sangue primordial, das montanhas verdes e frias, ou da Grécia onde a sua matriz intelectual se enleia.
E a sua escrita é densa, umas vezes, suave, outras, e embrenhamo-nos com ela em casas tristes e em florestas verdes e sentimos a doença nos corpos e o desejo e a dor pelas perdas, tantas, e voamos com as fadinhas, e sorrimos com os sorrisos dessa little people que habita reinos mágicos.
Fluida e bela a sua escrita que tem essas duas vertentes: por vezes os pés na terra, por vezes a cabeça na lua, nas nuvens, nos céus das lonjuras.
Admiro-o muito, admiro a forma acutilante e firme quando se insurge contra as injustiças ou os atentados à liberdade e ao respeito pela dignidade humana (nessas alturas talvez tenha os tais 66 anos ou 666, é, nessas alturas, uma guerreira antiga que se agiganta.
E depois adoça-se, voa, parte para um mundo onírico e pode falar da Escócia de onde veio o seu sangue primordial, das montanhas verdes e frias, ou da Grécia onde a sua matriz intelectual se enleia.
E a sua escrita é densa, umas vezes, suave, outras, e embrenhamo-nos com ela em casas tristes e em florestas verdes e sentimos a doença nos corpos e o desejo e a dor pelas perdas, tantas, e voamos com as fadinhas, e sorrimos com os sorrisos dessa little people que habita reinos mágicos.
Fluida e bela a sua escrita que tem essas duas vertentes: por vezes os pés na terra, por vezes a cabeça na lua, nas nuvens, nos céus das lonjuras.
Que bem atribuído lhe foi o prémio Camões, que orgulho sinto por ela.
A palavra à querida Hélia Correia a quem daqui envio os meus entusiasmados parabéns.
A palavra à querida Hélia Correia a quem daqui envio os meus entusiasmados parabéns.
Para quê, perguntou ele, para que servem
os poetas em tempo de indigência?
Dois séculos corridos sobre a hora
em que foi escrita esta meia linha,
não a hora do anjo, não: a hora
em que o luar, no monte emudecido,
fulgurou tão desesperadamente
que uma antiga substância, essa beleza
que podia tocar-se num recesso
da poeirenta estrada, no terror
das cadelas nocturnas, na contínua
perturbação, morada de alegria;
A terceira miséria é esta, a de hoje.A de quem já não ouve nem pergunta.A de quem não recorda. E, ao contrárioDo orgulhoso Péricles, se tornaNum entre os mais, num entre os que se entregam,Nos que vão misturar-se como um líquidoNum líquido maior, perdida a forma,Desfeita em pó a estátua.
De que armas disporemos, senão destas
que estão dentro do corpo: o pensamento,
a ideia de polis, resgatada
de um grande abuso, uma noção de casa
e de hospitalidade e de barulho
atrás do qual vem o poema, atrás
do qual virá a colecção dos feitos
e defeitos humanos, um início.
Sim, falamos de sombras. Vendo bem,
incendiámos tudo: Alexandria
e os sábios, as mulheres. Incendiámos
o grande coração. Temos aos ombros
o apetrecho dos destruidores,
não a pólvora, não: essa arrogância
pela qual o ocidente se perdeu
...
Entrava justamente pelas janelas a primeira poalha da aurora e Filipe sentiu-se adormecer. Ouviu no pátio os cascos dos cavalos, o crepitar das rodas no cascalho. Brutas interjeições de incitamento dividiam os ares como um chicote e as gargantas das mulheres gemiam, culpando a noite que as envelhecera. O sedimento da melancolia, que as casas como esta depositam a velocidade pouco habitual, também viera amaciar o quarto, cobrir a laca branca da mobília com um ar saturado de impurezas.
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Hélia Correia fala do seu livro A Chegada de Twainy, ilustrado por Rachel Caiano, Relógio D'Água
....
Os poemas pertencem ao magnífico A Terceira Miséria (poemas sobre a situação da Grécia).
O pequeno texto em itálico pertence ao conto A Compaixão que pode ser lido no livro Contos de Hélia Correia da Relógio d'Água
June Tabor interpreta Unicorns
Uma interessante entrevista a Hélia Correia -- intitulada É preciso que as pessoas saiam de casa, que se unam. O corpo faz falta -- feita por Christiana Martins pode ser vista no Expresso
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