domingo, março 22, 2015

Que a minha loucura seja perdoada pois metade de mim é amor e a outra metade também


Não sei se a primavera começou hoje ou ontem. Pensava que era a 21 mas agora parece que é 20. E há o dia da Árvore o dia da Poesia e não sei se coincidem ou não. E eu que gosto tanto de árvores, de primavera e poesia, não sei se já foi se ainda é. Mas também não faz mal porque todos os dias o são.



Que a minha loucura seja perdoada
Pois metade de mim é amor
E a outra metade também


E hoje o meu dia teve tudo: primavera, poesia, árvores. E um rio grande como um mar.

De manhã andei rente ao rio. O dia estava um pouco cinzento mas junto ao rio a beleza é permanente. Olhar o rio traz-me paz, traz-me voos, traz-me saudades. 


Levantai-vos, amigo, que dormis nas manhãs frias;
todas as aves do mundo diziam:
Alegre ando eu.

Levantai-vos, amigo, que dormis nas manhãs frias;
todas as aves do mundo cantavam:
Alegre ando eu.



Duas gaivotas chegaram-se à beira da muralha e eu, imóvel, segui os seus movimentos. São felizes as gaivotas. Vejo-as muitas vezes contemplando as águas que correm. Têm todo o tempo do mundo, têm total liberdade, as suas enormes asas levam-nas a atravessar o espaço, a cruzar o horizonte. Acho que um dia ainda hei-de ver duas gaivotas abraçadas, a cabeça de uma encostada no ombro da outra, silenciosamente sentindo o prazer de estarem juntas.


Todas as aves do mundo diziam;
do meu amor e do vosso tinham no pensamento.
Alegre ando eu.

Todas as aves do mundo cantavam;
o meu amor e o vosso recordavam.
Alegre ando eu.



Mais à frente, dois veleiros brancos seguiam com o vento, e eu pensei que talvez fossem as duas gaivotas que se tivessem transformado, que deslizassem para bem longe onde poderiam sonhar com praias desertas, tardes de sol e silêncio, noites de cumplicidade.

Depois fui até onde a primavera já se anuncia em festa. In heaven a natureza resplandece, as árvores crescem, e eu olhei a gaivota que voa sempre junto a mim, ou dentro de mim. 


O meu amor e o vosso tinham no pensamento;
vós lhes arrancastes os ramos em que se sentavam.
Alegre ando eu.

O meu amor e o vosso recordavam;
vós lhes arrancastes os ramos em que pousavam.
Alegre ando eu.


Os pássaros andam felizes por lá, a terra é toda deles. Ando em silêncio e só a minha respiração os faz levantar, numa agitação de asas, numa alegria, e eu fico contente por cada vez mais os sinto próximos de mim. Outras vezes são os coelhos que saltam, correm, e eu penso que era assim que eu queria ser, e se calhar já quase sou, quase livre, a respirar o ar da terra tal como respiro o ar do rio, próxima dos bichos que os habitam.


Vós lhes arrancastes os ramos em que poisavam;
e lhes secastes as fontes em que bebiam,
Alegre ando eu.


A rocha está muito suave, azulada na sua ternura, e dela saem rebentos, pequenas flores esguias, delicadas. E eu passo a mão pela pele da rocha, e estava quase morna, o sol manso tinha estado lá a repousar. Gosto tanto destas pedras. Depois de chover ficam húmidas e, no sítio por onde a água mais escorre, ficam mais escuras. Mas agora, que não chove, estão apenas descansadas e belas na sua infinita sabedoria, acolhendo estas efémeras e belas flores cor de rosa.


Vós lhes arrancastes os ramos em que se sentavam;
e lhes secastes as fontes onde se banhavam,
Alegre ando eu.


O alecrim está todo florido, há um intenso perfume lilás no ar e o tojo também já floriu, amarelo, carregado de luz. Percorro o caminho muito devagar, sozinha, aspirando o ar, e constato que não vou a pensar em nada, penso que vou em processo de meditação. É como se todo o céu, todos os sonhos, todos os abraços inventados, todos os olhares imaginados, todas as palavras que em segredo deixo voar, me envolvessem. À minha frente, rente ao chão, vai a minha sombra, silenciosa também, e eu sei no que ela vai a pensar. Mas ela não mo diz e eu não lho pergunto. À terra, ao rio, às gaivotas, às rochas talvez todos os segredos se possam confiar. No coração da terra ou no fundo do mar, a sombra que se desprende de mim esconde os seus segredos mais puros, sabendo que um dia alguém os há-de ir lá buscar.


Les + grands secrets se cachent dans la lumière



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Lá em cima Pedro Lamares diz o poema Metade de Oswaldo Montenegro

As fotografias foram feitas este sábado.

O poema repartido sob as fotografias é de Nuno Fernandez Torneol, século XIII, e integra o livro Cem Poemas para salvar a nossa Vida, uma selecção de Francisco José Viegas

A música no final é de Ludovico Einaudi - Nuvole Bianche 

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Muito gostaria que me visitassem no meu Ginjal onde Mia Couta se junta a Manuel de Falla e onde falo de quem, com os seus dedos, recolhe gaivotas no raso voo sobre o meu peito.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.

4 comentários:

Rosa Pinto disse...

Já visitei o Ginjal. Parabéns.

lidiasantos almeida sousa disse...

https://www.youtube.com/watch?v=-enQsGXufnU&feature=player_detailpae

lidiasantos almeida sousa disse...

o retrato psicológico do Juiz Carlos Alexandre feitohttps://www.youtube.com/watch?v=-enQsGXufnU&feature=player_detailpage por um padre

Rosa Pinto disse...

A Lista

Faça uma lista de grandes amigos,
quem você mais via há dez anos atrás...
Quantos você ainda vê todo dia ?
Quantos você já não encontra mais?
Faça uma lista dos sonhos que tinha...
Quantos você desistiu de sonhar?
Quantos amores jurados pra sempre...
Quantos você conseguiu preservar?
Onde você ainda se reconhece,
na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora...
Quantos mistérios que você sondava,
quantos você conseguiu entender?
Quantos defeitos sanados com o tempo,
era o melhor que havia em você?
Quantas mentiras você condenava,
quantas você teve que cometer ?
Quantas canções que você não cantava,
hoje assobia pra sobreviver ...
Quantos segredos que você guardava,
hoje são bobos ninguém quer saber ...
Quantas pessoas que você amava,
hoje acredita que amam você?
Oswaldo Montenegro