No vídeo abaixo, Angeline Ball interpreta Molly Bloom no filme Bloom - e que voz. Que voz que parece que nasceu com o texto. Que beleza absoluta, a voz, o texto.
Ia no carro a ouvir Jorge Vaz de Carvalho a falar com Paulo Alves Guerra da sua tradução do Ulisses de James Joyce, e ia a gostar de o ouvir, e, às tantas, ouvi a gravação que abaixo vos mostro com o texto original e, a seguir, o texto dito em português (Ana Paula Ferreira?) a partir da tradução de Jorge Vaz de Carvalho.
Santa Teresa de Ávila segundo Bernini |
Confesso: quando ouvi Angeline Ball fiquei como que em êxtase.
(Sempre me causou espanto esta do êxtase, a outra ficar em êxtase com os seus devaneios metafísicos, a Santa Teresa. Que coisa seria essa que tão romanticamente Bernini gravou na pedra?)
Pois bem: acho que foi o que hoje senti.
Já antes tinha gostado imenso de ouvir o barítono, professor, tradutor, poeta e etc Vaz de Carvalho a ler um excerto do belo texto na sua inspirada tradução em que, para se assemelhar ao texto original, reinventa a língua portuguesa. A sua dicção é perfeita e a voz, claro, é encorpada e, portanto, ouvi-lo ler é um prazer.
Mas, quando entrou a Angeline Ball, nem sei como consegui continuar a conduzir. Que maravilha. Senti-me transportada para um lugar perfeito. Ou para dentro de mim própria. Não sei dizer.
Mas, quando entrou a Angeline Ball, nem sei como consegui continuar a conduzir. Que maravilha. Senti-me transportada para um lugar perfeito. Ou para dentro de mim própria. Não sei dizer.
Nem sempre é possível definir o que é a beleza em estado puro. Mas pode ser exemplificado com casos práticos. Este é um desses casos.
Diz Jorge Vaz de Carvalho que, depois desta empreitada, gostava de se atirar à Divina Comédia. Por mim, já que não me sentirei tentada a ler isso, preferia que ele voltasse a publicar poesia. Ou, pelo menos, a nova versão de Artemes.
Mas façamos agora silêncio e ouçamos Angeline Ball.
[Caso queiram seguir o texto através da sua leitura, aqui está tal como o encontrei num site. Verifiquei que não é exactamente igual ao texto dito - admito que na interpretação tenham sido efectuados cortes ao texto escrito mas não sei (e não tenho tempo para investigações)]
God of heaven theres nothing like nature the wild mountains then the sea and the waves rushing then the beautiful country with the fields of oats and wheat and all kinds of things and all the fine cattle going about that would do your heart good to see rivers and lakes and flowers all sorts of shapes and smells and colours springing up even out of the ditches primroses and violets nature it is as for them saying theres no God I wouldnt give a snap of my two fingers for all their learning why dont they go and create something I often asked him atheists or whatever they call themselves go and wash the cobbles off themselves first then they go howling for the priest and they dying and why why because theyre afraid of hell on account of their bad conscience ah yes I know them well who was the first person in the universe before there was anybody that made it all who ah that they dont know neither do I so there you are they might as well try to stop the sun from rising tomorrow the sun shines for you he said the day we were lying among the rhododendrons on Howth head in the grey tweed suit and his straw hat the day I got him to propose to me yes first I gave him the bit of seedcake out of my mouth and it was leapyear like now yes 16 years ago my God after that long kiss I near lost my breath yes he said I was a flower of the mountain yes so we are flowers all a womans body yes that was one true thing he said in his life and the sun shines for you today yes that was why I liked him because I saw he understood or felt what a woman is and I knew I could always get round him and I gave him all the pleasure I could leading him on till he asked me to say yes and I wouldnt answer first only looked out over the sea and the sky I was thinking of so many things he didnt know of Mulvey and Mr Stanhope and Hester and father and old captain Groves and the sailors playing all birds fly and I say stoop and washing up dishes they called it on the pier and the sentry in front of the governors house with the thing round his white helmet poor devil half roasted and the Spanish girls laughing in their shawls and their tall combs and the auctions in the morning the Greeks and the jews and the Arabs and the devil knows who else from all the ends of Europe and Duke street and the fowl market all clucking outside Larby Sharons and the poor donkeys slipping half asleep and the vague fellows in the cloaks asleep in the shade on the steps and the big wheels of the carts of the bulls and the old castle thousands of years old yes and those handsome Moors all in white and turbans like kings asking you to sit down in their little bit of a
a shop and Ronda with the old windows of the posadas 2 glancing eyes a lattice hid for her lover to kiss the iron and the wineshops half open at night and the castanets and the night we missed the boat at Algeciras the watchman going about serene with his lamp and O that awful deepdown torrent O and the sea the sea crimson sometimes like fire and the glorious sunsets and the figtrees in the Alameda gardens yes and all the queer little streets and the pink and blue and yellow houses and the rosegardens and the jessamine and geraniums and cactuses and Gibraltar as a girl where I was a Flower of the mountain yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes.
*
A versão portuguesa acaba também assim, com a mesma palavra - em inglês (Yes) porque, diz Vaz de Carvalho, Joyce queria acabar o texto com a mesma letra com que o tinha começado (s). Diz que ainda pensou em acabar com 'Pois' mas achou que não tinha tanta força. Mas, sobretudo, queria homenagear a língua inglesa que, segundo ele, é a verdadeira personagem principal de Ulisses.
Uma bela e original homenagem. Afirmativa, pelo menos.
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Depois disto nem me apetece chamar a atenção para o post abaixo. Mas, para os mais terra-a-terra, recomendo uma palestra em que se explica como, através da dívida pública, a soberania está perdida a favor de entidades desreguladas, os grandes grupos financeiros.
1 comentário:
A voz de Angeline Ball é de facto fabulosa!
Não sabia da existência desta tradução por Jorge Vaz de Carvalho. O livro de Joyce - escrito entre 1914 e 1921 - é extraordinariamente difícil de traduzir.
O Ulisses que tenho, segue a tradução do brasileiro Antônio Houaiss, adaptando apenas a ortografia. Editado pela Difel em 1983 (eh! eh! já faz um tempinho:)
Mas vejo que "you have an eye for detail": a escolha de Santa Teresa de Ávila, pelo Bernini, dialoga muito bem com o final do solilóquio de Molly Bloom!
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