Bem. Depois de no post abaixo ter lançado um recalibrado alerta amigo ao influente analista Henrique Monteiro - e mais não digo - aqui, agora, parto para outro assunto, para uma conversa gostosa.
O meu post sobre a recalibragem do corte das pensões anunciado por Marques Guedes e também sobre o inconseguimento da Assunção Esteves recebeu um número avultado de comentários, alguns muito sui generis. No entanto, no meio deles, alguns se destacaram e merecem atenção. Não estou a referir-me apenas ao comentário divertido de alguém que se intitulou Ah! Estebes (Assunçãozinha de Balpaços) e a outros mas, agora em particular, ao comentário do Leitor Fernando Ribeiro que escreveu um texto que acho que merece o devido destaque e, por isso, este post autónomo.
Para acompanhamento visual, escolho fotografias de mulheres africanas feitas por Uwe Ommer e que podem ser vistas no livro Black Ladies, um livro muito bonito.
Como acompanhamento musical, escolho uma música de que tomei conhecimento no seu blogue, A Matéria do Tempo, a que, aqui na minha galeria lateral, dei o nome de Cultura Vintage.
Pilima Yange, cantada em umbundo por Bela Chicola
*
Passo então a transcrever.
Fernando Ribeiro disse...
Inconseguir? Em Angola dizem desconseguir. É um sinónimo bastante comum, mesmo, de "não conseguir". Não há como os angolanos para inventar palavras.
Um Jeito Manso disse...
(...) não sabia que os angolanos davam essas voltas às palavras. A ideia mais próxima disto que tenho são as palavras inventadas de Mia Couto, palavras que nos fazem sorrir de ternura.
Apesar da sua cor, o Mia Couto é profundamente africano, incluindo na forma como inventa palavras. Ele tem as suas raízes familiares aqui na região do Porto, vem cá muitas vezes visitar a família e até já me cruzei com ele numa rua aqui do Porto. Mas a sua africanidade, em geral, e moçambicanidade, em particular, estão acima de qualquer suspeita. Nunca ninguém poderá dizer que o Mia Couto é um escritor português. É 100% moçambicano.
Parece-me que há duas razões essenciais para a facilidade como os africanos (pelo menos os de raíz bantu, como é o caso da grande maioria dos angolanos e dos moçambicanos) inventam palavras.
Uma delas consiste num conhecimento deficiente do português, por não ser a sua língua materna. Se eles não sabem uma palavra em português, inventam uma e seguem em frente. A outra razão consiste na própria natureza das línguas bantu, que são bastante plásticas e facilmente adaptáveis às circunstâncias, mesmo às mais modernas e tecnológicas.
As línguas bantu são extraordinariamente lógicas, baseadas em jogos de prefixos e de sufixos, que se acrescentam a conceitos e ideias expressos em vocábulos básicos chamados radicais.
Por exemplo, a própria palavra bantu, que significa "seres humanos". Esta palavra tem dois elementos: o radical ntu, que exprime a ideia de humano, e o prefixo ba, que indica o plural. O singular de bantu é muntu, sendo mu o prefixo singular que corresponde a ba.
Mas se eu, por exemplo, quiser dizer "humanidade", não tenho problema nenhum em aplicar o prefixo u, que é o prefixo que se usa para as palavras abstratas.
Não errarei muito, portanto, se empregar a palavra umuntu para significar "humanidade", "condição humana", etc.
Mas se eu, por exemplo, quiser dizer "humanidade", não tenho problema nenhum em aplicar o prefixo u, que é o prefixo que se usa para as palavras abstratas.
Não errarei muito, portanto, se empregar a palavra umuntu para significar "humanidade", "condição humana", etc.
As línguas bantu são fascinantes, porque além de terem uma lógica irrepreensível, praticamente não têm exceções às suas regras.
São línguas onde não há que enganar e são relativamente fáceis de aprender, embora não sejam tão fáceis como algumas pessoas poderão pensar.
No fundo, basta conhecer as regras gramaticais (que são claras) e os radicais das palavras (que de claro não têm nada).
Fascinante. Perceber a lógica, o funcionamento, a plasticidade de uma língua é conhecer um povo.
Ler um texto como o que Fernando Ribeiro escreveu sobre a invenção de novas palavras por parte dos africanos é um prazer. Muito obrigada.
NB: Volto aqui para informar que, em comentário a este post, há um esclarecimento adicional. Não deve ser perdido, digo-vos eu.
São línguas onde não há que enganar e são relativamente fáceis de aprender, embora não sejam tão fáceis como algumas pessoas poderão pensar.
No fundo, basta conhecer as regras gramaticais (que são claras) e os radicais das palavras (que de claro não têm nada).
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Fascinante. Perceber a lógica, o funcionamento, a plasticidade de uma língua é conhecer um povo.
Ler um texto como o que Fernando Ribeiro escreveu sobre a invenção de novas palavras por parte dos africanos é um prazer. Muito obrigada.
NB: Volto aqui para informar que, em comentário a este post, há um esclarecimento adicional. Não deve ser perdido, digo-vos eu.
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Já agora. Muito gostaria de vos ver lá pelo meu Ginjal e Lisboa onde hoje recebo a visita das palavras de Adélia Prado com a sua Com Licença Poética e, por causa das suas palavras, faço uma declaração de interesses. Coisa de mulheres (onde os homens também são muito bem vindos, claro)
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E, por agora, fico-me por aqui. Se estiverem interessados em conhecer qual o meu conselho ao analista Henrique Monteiro, desçam por favor até ao post seguinte. Se não quiserem desperdiçar o encanto das palavras que acabaram de ler, então não se afundem nas recalibrações monteiristas e deixem-se ficar por aqui.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.
12 comentários:
a palavra "umuntu" , já é usada num sistema operacional chamado "ubuntu-Ubuntu é uma antiga palavra africana que significa algo como "Humanidade para os outros" ou ainda "Sou o que sou pelo que nós somos". A distribuição Ubuntu traz o espírito desta palavra para o mundo do software livre.", o meu preferido "mas experimentos todos" - http://www.ubuntu-br.org/ubuntu
ou aqui - http://ubuntu-pt.org/
por falar em povos - http://www.slideshare.net/melectra/palestinacomic-csca
A propósito de Angola,o "sejemos" da outra Assunção, a Cristas, faz parte de algum dialecto?
;)
Fora de sítio, sobre a minha dificuldade em ler o blogue com a atenção que merece e eu gostaria de lhe conseguir dar, veja este exemplo, copiado e aqui colado:
"Li sem espanto mais uma das maravilhosas crónicas do grande analista Henrique Monteiro no Expresso online. Calibrar - não há como fugir, diz ele."
Acrescente-lhe o fundo colorido e as letras coloridas que os meus olhos confundem com o fundo. O problema é seguramente meu e dos meus pobres olhos.
http://jose-catarino.blogspot.pt/2010/02/mal-dolhos.html
Caro José Catarino, não sei se usa o Chrome, mas caso não use pode descarregar daqui - http://portableapps.com/apps/internet/google_chrome_portable, a versão portátil, não precisa de instalação no sistema operativo (sempre que posso , uso este tipo de software).
Depois clique em "clicando aqui, deste artigo), vai para uma página para instalar uma extensão ao chrome.Que depois de instalada, vê qualquer artigo em forma de livro, letras pretas e fundo branco ,tirei um print screen que pode ver aqui - https://dl.dropboxusercontent.com/u/23568230/ler.png
Espero que ajude, qualquer coisa, pergunte.
Estou todo babado com o destaque dado ao meu despretencioso comentário e ao meu blog. Muito e muito obrigado.
Há um escritor angolano notável que foi muito mais longe na invenção de palavras do que o Mia Couto. Trata-se do Luandino Vieira, que não é tão popular como o Mia, porque os seus livros são difíceis de entender para quem não tenha convivido de perto com angolanos. O Luandino não se limitou a passar para o papel a linguagem coloquial popular luandense, com os seus "erros" e idiossincrasias. Ele foi mais longe e criou novos "erros" e novas idiossincrasias, que fossem de sua própria lavra mas que estivessem na mesma linha que a linguagem popular. O resultado está a meio caminho entre um dialeto crioulo e o português padrão. Julgo que isto foi uma forma que ele encontrou de acentuar as diferenças culturais entre angolanos e portugueses, pois ele era (e é) um destacado nacionalista, que passou vários anos preso no Tarrafal e tudo.
O nome do sistema operacional Ubuntu, baseado no Linux, corresponde precisamente à palavra umuntu que referi. O uso de b ou de m varia de língua bantu para língua bantu, assim como ao prefixo ba usado numas línguas corresponde o prefixo ma ou a noutras. Por exemplo, em quimbundo (que é a língua falada numa faixa do território angolano que vai de Luanda até Malanje, inclusive) diz-se mutu em vez de muntu, atu em vez de bantu e umutu em vez de umuntu.
Resta acrescentar que, apesar das grandes semelhanças que existem entre as línguas bantus, elas não são mutuamente inteligíveis. Os falantes de uma língua apenas compreendem umas quantas palavras soltas ditas noutra língua.
Olá Caro Anónimo,
Não sabia desse sistema operacional e tem graça o nome pois, de facto, a palavra simboliza esse espírito de abertura ao mundo.
Obrigada pela informação e pelos links fantásticos que sempre aqui nos deixa.
jrd,
Se não faz parte de algum dialecto, os amiguinhos da cultura do governo 'há-dem' arranjar maneira de encaixar o 'sejemos' nalgum sítio. Recalibram o vocabulário, está a ver?
:)
Olá José Catarino,
Tem razão. Desta vez escolhi uma imagem e um fundo que tem excesso de cores. Pretendi que tivesse ar de festa (porque era o réveillon) e, de facto, não me tem sido fácil encontrar cores que sobressaiam sem ficarem berrantes demais. Já as alterei um pouco para ver se agora já fazem um contraste que proporcionem melhor leitura.
A ver se um dia destes mudo isto tudo para ficar mais sóbrio e mas fácil de ler.
No meu computador volta e meia vejo de uma maneira e a minha filha queixa-se que, no dela, as cores parecem diferentes e eu já tive oportunidade de confirmar isso. E no telemóvel também fica diferente.
Tudo se simplificaria se eu me cingisse ao preto e branco e Às cores simples mas parece que não consigo. Gosto de ver os outros assim, simples, mas, quando vou fazer, só me puxa a mão para a exuberância de cores. Quando pinto acontece-me também isto. É uma coisa quase involuntária, sabe?
Mas vou tentar moderar-me.
Chato mesmo é esse problema de visão. Aqui há tempos a minha filha andava a ver uns clarões mas os médicos pensaram que era efeito secundário de uns comprimidos que estava a tomar. Mas, no seu caso, do que percebo, não é. Tomara que já esteja bom.
Resta-me agradecer as preciosas dicas.
Obrigada e um bom dia!
Caro Fernando Ribeiro,
Eu é que lhe agradeço por valorizar, com as suas palavras, aqui o UJM. O tema é fascinante. Aliás África é fascinante. Atrai-me imenso.
Apenas estive em Angola durante um mês e fiquei encantada. Recordo esse tempo como um tempo de maravilhamento.
Obrigada por tudo e pelas palavras também de hoje.
esqueci de deixar o link da extensão, aqui vai - https://chrome.google.com/webstore/detail/magicscroll-ebook-reader/ghgnmgfdoiplfmhgghbmlphanpfmjble
Caro anónimo, muito obrigado pela dica. Uso o Safari, vou ver se é possível aplicar a extensão.
Cara Um Jeito Manso: deve fazer o blogue como acha melhor, eu só me lamuriei como bom português...
Na vista, tenho queratocone
http://jose-catarino.blogspot.pt/2009/11/queratocone.html
As "luzes" ultimamente não têm aparecido, podem ter sido provocadas por tensão alta ou serem prenúncio de dor de cabeça. Eram assustadoras.
Um abraço.
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