Tanto trânsito, tantos acidentes. A grande e bela cidade tem isto de mau: muitos carros em circulação. E, quando vem a chuva, vêm os acidentes. Hoje passei por vários. Felizmente, não vi feridos. Num deles, dois carros amachucados e uma mota literalmente desfeita. Impressionante o estado em que estava a mota. Mas não havia ambulâncias, apenas pessoas com coletes, trocando informações. Por isso, porque olho e não vejo sofrimento, não me compadeço. E repare-se que digo que olho não porque me detenha a olhar, empatando ainda mais o trânsito, mas porque, dada a redução de vias, quem conduz não tem outro remédio senão ir a passo. E o que acontece é que uma pessoa, às tantas, só quer é poder chegar ao destino a tempo e horas e já fica é furiosa por não o conseguir, enredada naquele horrível pára-arranca. Quer-se lá saber se é só chapa ou se algo mais, quer-se é passar ao largo e seguir viagem. E digo isto com total franqueza, sabendo que pode parecer insensibilidade, porque a verdade é que tanto tempo perdido todos os dias já nos torna impacientes, indiferentes. E, no entanto, quem se vê metido nesses assados também não tem culpa, não o faz de propósito.
Naquela altura em que parecia que tinha uma nuvem negra a pairar em cima de mim, maçadas e pressões por todo o lado, na mesma semana bateram-me duas vezes por trás, escaqueirando-me o carro. Numa das vezes foi de tal forma que o meu carro saltou e foi espetar-se no da frente, ficando o carro também espatifado à frente e até de lado, tal a violência do impacto. A seguradora chegou a equacionar perda total. Em qualquer das vezes eu estava parada. Em qualquer dos casos, quem me bateu, fê-lo por distração. No primeiro caso, o rapaz viu abrir o verde para a fila do lado e pensou que era também para ele, avançando à confiança. Três dias depois, foi um homem de uns cinquenta e tal anos que, passado um bom bocado, quando conseguiu sair do carro, apenas me disse: há dias em que uma pessoa não devia sair de casa. Pediu-me muita desculpa, perguntou-me várias vezes se eu estava bem. Estava enervado, preocupado. Tinha os óculos partidos, a cara e a camisa cheias de sangue, parecia ter o nariz partido. Presumo que, com o impacto, tenha disparado o airbag e lhe tenha feito todo aquele estrago. Não consegui perceber como foi possível aquilo. Estávamos parados e, de repente, o carro veio bater-me com aquela inexplicável violência. O do carro da frente também estava espantado com o que tinha acontecido mas o causador não se explicou, apenas pediu muita desculpa, aparentemente também sem perceber o que lhe tinha acontecido. O que sei é que durante uma meia hora ali estivemos a atrapalhar o trânsito e a atrasar a vida a muitas dezenas de pessoas. Por acaso, agora estou a lembrar-me que nem me lembrei de vestir o colete. Aliás, estava muito vento e os papéis voavam todos. Uma chatice. Quando liguei ao meu marido e lhe disse: 'Bateram-me outra vez' ele fez um tom de voz preocupado, como se fosse o cúmulo da pouca sorte, como se ficasse receoso do que poderia vir a seguir. Como não sou fatalista, não me preocupei demais, fiquei foi arreliada por tanta maçada na mesma semana.
Depois de almoço fui a um sítio sem estacionamento próprio mas com um parque público subterrâneo ao pé. Pois estava completo. Tive que ficar à espera que um carro saísse para que a cancela levantasse. A seguir, tive que dar várias voltas, em vários pisos, até encontrar o lugar vago.
Imagino que quem me lê, tendo a sorte de viver numa terra pequena onde se pode ir a pé para o trabalho, onde, querendo usar o carro, há sempre onde estacioná-lo, nem consiga perceber o que é viver assim, gastando, em média, cerca de três horas por dia dentro do carro.
Há vantagens, claro que há. Há a possibilidade de ter acesso a muitas coisas boas, interessantes. Ainda hoje. Gostei muito. Não é todos os dias que se tem uma sorte destas.
Mas a verdade é que chego a casa, chego aqui ao meu sofá, e só tenho vontade de me evadir. Não consigo falar de temas românticos, não consigo ter vontade de falar de política, não consigo pensar em assuntos com alguma substância. Só me apetece ver vídeos tranquilos, jardins, bailados, ouvir sonetos, sei lá.
Mas a verdade é que chego a casa, chego aqui ao meu sofá, e só tenho vontade de me evadir. Não consigo falar de temas românticos, não consigo ter vontade de falar de política, não consigo pensar em assuntos com alguma substância. Só me apetece ver vídeos tranquilos, jardins, bailados, ouvir sonetos, sei lá.
Passa da meia-noite, vou ainda fazer um bocadinho de tapete que só eu sei o que vai ser este dia e, se não desligo, se não esvazio a cabeça para acordar brand-new, não vou ter as asas soltas, os pés decididos a descobrir e a fazer caminho, os braços fortes para afastarem todo o mato que se me atravesse, todos os escolhos, a cabeça arejada, os olhos limpos para verem ao longe e pacientes para verem ao perto. Por isso, não levem a mal que me ponha aqui, sossegadinha da vida, a ouvir umas musiquinhas boas, umas boas pianadas, a olhar o verde da natureza, a descansar a alma. Vou buscar um soneto à toa sem querer saber do que diz, só para escutar a beleza das palavras, vou escolher um bailado solto, um jardim no meio da natureza. Fiquem comigo, está bem?.
Be happy.
Be lucky.
5 comentários:
Aqui nas Caldas também tem dias em que os estacionamentos esgotam e ao final da tarde para entrar em certas rotundas é preciso perspicácia para apanhar um buraquinho.
Vê-se muito má condução, seja por irresponsabilidade, prepotência, inabilidade e mesmo ignorância quanto às regras, há que andar com 1000 olhos e ouvidos.
Nada como os nossos pequenos heavens.
Um abraço.
UJM,
Já que gosta de jardins (no que a acompanho), deixo-lhe uma sugestão, para a Primavera, de preferência Maio, ou então mais tarde, no Outono (fins de Setembro, princípios de Outubro): os jardins do Parque da Curia. Tudo aquilo é belo e luxuriante, da mata, aos jardins, da vegetação, às árvores (algumas bem frondosas), o lago, etc. Como se não fosse suficiente todo aquele encanto, ainda por cima é romântico.
E uma vez ali, fica outra sugestão: passe pelo elegante e restaurado Hotel Palace, que merece uma visita e, ou almoça por lá, ou toma um chá, ou uma outra qualquer bebida (como um bom espumante, por exemplo. Afinal de contas está-se em terras da Bairrada!).
Verá que não se arrependerá (ou arrependerão).
Quando tenho de ir até à Beira-Alta, onde temos uma casa de família, grande e secular (mandada construir em 1853, está lá a data na parede exterior), por vezes, havendo disponibilidade, faço um pequeno desvio, sigo um pouco em frente e páro lá.
É claro que quem ali vai pode depois sentir-se tentado em ir até ao Buçaco, que tem uma mata espantosa e jardins tão ou mesmo mais encantadores. Mas, isso, provavelmente já conhece bem.
Outra hipótese, e mais perto de Lisboa, é a Peninha, no Parque Nacional Sintra-Cascais. Entra-se na Serra de Sintra depois de passar a Biscaia, anda-se um pouco de carro e depois deixa-se estacionado por lá. Após o que se faz ali à volta e até ao topo, um belíssimo passeio, com uma vista de prender a respiração. Mas, aí, o melhor entre Maio e Setembro, a fim de se evitarem os nevoeiros (e mesmo assim, por vezes acontece um). Lá está outro local romântico (já lá tenho visto alguns casais, de todas as idades, a namorar). E antes de regressar a Lisboa, dê um salto até ao Moinho na Azóia, para tomar uma bebida e desfrutar a bela vista dali.
Logo à entrada da Azóia, há uma casa que vende plantas, à entrada pode ver-se uma espécie de carrinho de madeira, ou carroça, com plantas, e um jarrão, que fica inserida num enorme e encantador jardim (tudo ali se vende, ou quase, aquelas plantas, etc), que merece uma visita (é grátis e ninguém precisa de comprar o que lá se vende) e que possui igualmente uma belíssima panorâmica, com vista, se a memória não me falha, para o Convento de São Saturnino (onde vale a pena pernoitar por uma vez. É de sonho. Quer a vista que dali se desfruta, quer o ambiente dessa unidade hoteleira) e claro, o mar, ao fundo. Os donos desse jardim onde se vendem as plantas são uma simpatia (nós, às vezes damos lá um pulo, pois minha mulher gosta de ir lá comprar uma ou outra planta, enquanto eu gozo a vista).
E aqui lhe deixo duas sugestões de jardins (na Curia e na Azóia) e outros tantos passeios à mistura (Curia e Peninha).
P.Rufino
Olá Francisco,
Sabe que eu a sensação que tenho é que aqui em Lisboa é sobretudo canseira, impaciência, desatenção provocada pela saturação. Todos os dias trânsito, trânsito. Chega-se a um ponto que abrandam os cuidados. Nos dois casos em que recentemente me bateram foi desatenção, por vezes até quase inexplicável. Cansaço, presumo.
Uma boa sexta-feira, Francisco.
Olá P. Rufino,
As fotografias que mostrei são de Monserrate e pena, justamente em Sintra. Os jardins da Curia não conheço embora já lá tenha passado férias. Os do Buçaco sim, muito bem. E adoro. E já tomei devida boa nota do percurso Azóia-Peninha. Promete. Quando lá for, verá depois a reportagem.
Ando a precisar de férias, mesmo. Ler estas dicas fazem-me ainda sentir mais vontade de me pôr a caminho. Infelizmente agora não tem sido possível. Mas guardado está o bocado para quem o há-de comer.
Gracias very much pela aliciante descrição de belos passeios.
E uma bela 6ª feira!
O que é extremamente perigoso, pois a atenção é condição "sine qua non", de qualquer modo anda muito sacaninha por aí, sempre a tentar lixar os outros. A tal "vã cobiça e glória de mandar" de gente piquena (emocional e afetivamente, claro), como diria Camões e a tia Lili 2240.
Boa 6f, rica UJM
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