Anoitece muito cedo e, ainda por cima, à noite estava muito frio. Depois de virmos da clínica veterinária, já de noite, cheguei a casa e despi-me para me pôr à vontade. Pouco depois, o ursinho mais fofo jantou e, para evitar surpresas, abri a porta para ele ir ao jardim. A seguir, fui eu para o chamar para dentro. Sem agasalho, desprevenida, gelei. Noite cerrada e fria. Estamos no início de Novembro e o tempo parece pender já para o inverno.
O dia esteve ocupado. Ao longo do dia os problemas vão-me chegando. Não há tréguas. Apenas à hora de almoço e à noite consigo desligar-me. Não sei se é o que é ou se me viciei em não impedir que seja diferente.
De vez em quando alguém recomenda um livro ou sei de algum lançamento. Noutros tempos, tocariam campainhas dentro de mim e iria à livraria conferir. Agora é apenas ao de leve que presto atenção mas de uma forma despojada, sem vontade de ter. Parece que cada vez mais me acontece isto com quase tudo: deixar de ter vontade de ter.
Continuo a receber mails que me anunciam private sales ou collection items. Nem abro.
Não foi assim há tanto tempo que não apenas eu abria todos esses mails como visitava os locais onde podia tocar o tecido, apreciar o corte ou experimentar o modelo. Agora é coisa que acontece num outro planeta.
E há outra coisa em que também não estou igual. Se ouvia falar em fábricas de startups ou de unicórnios, eu sentia uma brotoeja a subir por mim acima e uma azia a consumir-me de alto a baixo. Agora não. Agora estou mais tolerante, agora apenas sinto desprezo. Agora limito-me a ignorar.
De unicórnios apenas reconheço um: o que desestabiliza a dama, pela mão de Maria Teresa Horta.
De resto, é tudo treta, ficção da pior, da mais rasteira. E os que enchem a boca para os apregoar ou louvar uns tolos. E já não consigo desperdiçar o meu tempo com eles. Gente sem substância, sem miolo.
Já estamos em mais uma quinta-feira e eu, antes, aqui chegada, pensava que estava quase na sexta. E já antecipava o prazer.
Ansiava pelas sextas-feiras para, à hora de almoço, ir à Gulbenkian passear pelos jardins, almoçar por lá ou por perto, para ir espreitar alguma temporária e... para ir à Almedina . Nunca vinha de lá de mãos a abanar. Uma livraria pequenina mas que me agradava, uma livreira simpática, uma boa onda. E à livraria da Gulbenkian, lugar de silêncios, de paz, de livros bons... e de objectos bonitos.
Desde Março do ano passado que lá não vou, nem às livrarias, nem às exposições, nem à esplanada ou aos restaurantes lá perto nem, sequer, aos jardins. Penso nesses momentos com alguma saudade. Creio que a esse hábito terei que voltar.
Se pensar nisto fico um pouco intrigada. A pandemia introduziu uma fractura nos meus hábitos. E agora que poderia retomá-los, parece que deixei de sentir a falta de quase todos. A minha vida mudou muito. Os meus hábitos mudaram radicalmente. Aboli idas a lojas, a livrarias, aboli grande parte do trânsito, aboli restaurantes. Contudo, por razões que ainda desconheço, não me sobra tempo para mim. Estou ocupada de manhã à noite. Sinto que há para aqui um estranho paradoxo que ainda não consegui perceber mas que só pode ter por base o facto de que, a par de tudo o que aboli, esteja também parte da minha inteligência.
E disse que a minha vida mudou muito mas a verdade é que poderia ainda mudar mais. Tenho presente em mim uma permanente vontade de mudança. Aventurar-me, percorrer caminhos desconhecidos. Anseio por eles.
E sei que o que custa é dar o primeiro passo.
Mas dá-lo-ei.
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O vídeo abaixo fala disso: dos dois minutos que bastam para darmos o passo que nos levará noutra direcção.
The 2 Minute Rule Will Quickly Change Your Life – James Clear
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