sexta-feira, julho 17, 2020

Enquanto os caranguejos festejam a chegada de mais um ano, o calor aperta, as noites embelezam-se e o teletrabalho ajusta-se





Depois de jantar, o bebé, no intervalo das suas brincadeiras e patifarias, veio sentar-se ao meu lado, pegou no meu telemóvel e perguntou se eu tinha ali o YouTube Kids. Creio que não e como os pais não o querem agarrado ao telemóvel, eu disse que não. Diz ele: 'Então, descarrega'. Se calhar, se eu o deixasse, saberia ele fazê-lo.  Passado um bocado, numa de palhaçadas, pôs-se a revirar os olhos, só a parte branca à vista. Faz-me impressão, digo-lhe: 'Não faças isso. Não gosto' e, qual não é o meu espanto, quando me responde: 'Então vais ter que aprender a gostar...'. Não páro de me surpreender com eles mas, por agora ser este o mais pequeno, é com as 'saídas' deste que fico estupefacta. Sabe tudo, percebe tudo e tem um vocabulário e umas reacções que me deixam espantada.

À noite, com o calor que está, estivemos cá fora, primeiro a jogar a um jogo de mistérios de que agora não me lembro o nome, inicialmente à luz de velas, depois nos bancos e espreguiçadeiras a ver o céu, as estrelas e os planetas tão próximos. O mano do meio que gosta de cantar e ouvir música, esteve depois a ouvir os Xutos de quem a mãe também é admiradora, a mana estava já a ficar perdida de sono, o pai deitado a ver o céu ou a brincar com a mangueira para molhar toda a gente e ele, o bebé, de pistola de água em punho a fazer das deles. Às tantas vem a correr na minha direcção, a esguinchar-me: 'Toma lá, velhinha...!' e depois, para o avô, 'E toma lá tu também, ó velhinho.,.'.  E ria, travesso, jocoso, como se bem consciente das diversas dimensões da brincadeira. Menino mais divertido.


O meu dia foi mesclado. O trabalho presencial está a trazer-me sentimentos indefinidos. Quando se fala em teletrabalho há quem aponte, do lado dos malefícios, a distância do local onde se cultivam os relacionamentos pessoais, os contactos de corredor em que se estabelecem laços informais que são importantes para que se sedimente uma cultura relacional. E é verdade. Em casa, a pessoa trabalha sozinha ou tem reuniões com quem é necessário. Não se marcam reuniões simplesmente para conversar ou com pessoas com quem nada temos a tratar em conjunto. Pois eu, tendo estado no escritório durante horas, por incrível que possa parecer, praticamente não consegui trabalhar. Uma a uma, as pessoas vieram ao meu gabinete, sentaram-se na mesa de reuniões que está a uns metros da minha secretária. Antes, quando isto acontecia, eu levantava-se da secretária e ia também sentar-me à mesa. Agora não. Agora, quem vem, vem de máscara e eu, de cada vez que alguém vem, ponho a minha, e mantenho-me na secretária, mantendo o devido distanciamento. E, portanto, praticamente, estive sempre de máscara -- o que me desconforta, dá-me calor, não gosto, gosto de ter a cara à vista. Neste gabinete tenho agora uma facilidade que me é relevante: tenho uma janela que abro, mal lá chego. Mas, dizia eu, um a um, todos vieram contar-me do seu confinamento, dos aspectos mais pessoais do seu trabalho, do que aconteceu, entretanto, na sua vida, dos seus medos e preocupações. Ao passo que, no outro dia, o espaço estava quase fantasmagórico, agora estava a começar a querer compor-se. Não houve indicações para isso. Aparentemente, sentiram que deviam começar a aparecer. Ou isso ou uma fadiga de estar sempre em casa.

Mas nem todas as conversas foram maravilhosas: em dois casos tive que dizer o que não queriam ouvir. A uma pessoa tive que lhe dizer que seria melhor que se pusesse em campo para ver se arranja outro trabalho, um mais adaptado à sua maneira de ser e mais à medida das suas competências. Reconheceu as suas dificuldades e pediu uma última oportunidade. Mais uma. Tantas que já lhe foram dadas. Quando, numa outra vez, eu lhe disse que parecia que ele trabalhava apenas para ter dinheiro para fazer as férias que adora planear e gozar, confirmou e disse que todas as pessoas devem ter objectivos na vida e os dele são viajar.  E até pode ser que isso seja inteligente mas o que também é é incompatível com o tipo de função que tem. Com a sua maneira de ser, não consegue ser um bom exemplo para a sua equipa, nem ser respeitado. Olhem para ele como um puto com dinheiro que mostra que não precisa do dinheiro para viver mas apenas para curtir. 

Com um outro tive também que contrariá-lo. Tem uma função bem definida mas apenas se motiva a fazer trabalhos que são de outras áreas. Gosta de se portar como um free lancer, desenquadrado, a fazer o que lhe dá na bolha. Não pode ser. Mete-se onde não deve, cria anticorpos, faz coisas que nunca dão em nada porque lhe falta know how. Há pessoas que só se motivam a fazer o que não é suposto.


Mas, tirando estes casos, com os outros notei-lhes ainda outra coisa: sabem que sou portadora de uma mudança e estão ansiosos, querem perceber o que é, querem perceber qual a extensão, se conto com eles, deixam conselhos indirectos, marcam território. Ouço-os com atenção e pouco adianto. Há coisas que só podem ser anunciadas quando tudo estiver pronto para isso. Mas, percebo as suas preocupações pelo que é com total empatia que ouço o que têm para me dizer. 

Saí de lá a pensar: não me deixam trabalhar. Em casa, não há conversa, não há tempo desperdiçado com isto, há muito mais produtividade. Mas, é verdade, reconheço, não se sente o ambiente dos bastidores -- e talvez isso seja, de facto importante.

Claro que tenho que deixar passar mais algum tempo, perceber como é que isto vai estabilizar. Mas, se calhar, o equilíbrio vai estar num regime misto, uma ida regular ao local de trabalho. E, se calhar, em teletrabalho, deveremos arranjar maneira de inventar momentos de partilha e informalidade, team meetings apenas para fofocas, lamentações, desabafos. Talvez. Talvez isso não seja perda de tempo, talvez seja a cola que falta para que nos mantenhamos unidos.

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E, por hoje, fico-me por aqui. Está muito calor. Vamos ter que instalar aqui ar condicionado. Os tempos de calor vieram para ficar e cada vez piores. Estou com uma ventoinha apontada na minha direcção mas não chega. O calor em excesso não é bom.


As fotografias são de Simon Lehner 
e estão ao som de Ghostly Kisses que interpreta Touch

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Dias felizes. Saúde e alegria.  E haja leveza e frescura nas nossas vidas.

4 comentários:

Maria disse...

Boa Tarde, Ujm

Parabéns por mais este aniversário.

MARIPA disse...

Vejo que faz hoje anos! Que bom que está com os seus queridos!

Parabéns! Muito amor, saúde, paz, alegria e que tudo de bom seja realizado na sua vida. São os meus desejos.

Um abraço com carinho.

Paulo B disse...

Também faz anos hoje (17) UJM?!?!?!

Que engraçado!!!

Tenha um excelente ano novo!!

Um Jeito Manso disse...

Olá a Todos,

Não, não foi ontem, foi uns dias antes. Nem foi ontem que um outro caranguejo fez anos, só que no dia dele não pudemos estar juntos. Ontem festejámos os dele. E para a semana teremos outro, o caranguejinho mais novo. Até ao ano passado, festejávamos antes os anos do primeiro caranguejo da lista. Este ano, já não pudemos fazê-lo. Mas a vida é assim, uma passadeira rolante em que saem uns, entram outros. E, enquanto estamos em cima dela e ela rola, que a aproveitemos o melhor possível, todos os dias do ano.

Muito obrigada. E saúde e felicidades para vocês.

E, Paulo, não se esqueça nunca de aproveitar os bons momentos e de se sentir agradecido pela maravilha que é ter a vida pela frente. Parabéns também para si e que tenha uma vida longa e feliz, repleta de instantes surpreendentes e bons.

Um abraço a todos.