Depois de abaixo ter confessado alguns dos meus dilemas, exemplificando com o que se passa com os embustes do Láparo ou as boutades da Jonet, aqui agora, abro alas para um grande discurso.
Um discurso que levanta muitas pedras e as atira para cima da mesa. Perigosa, perigosa, ela. Alexandra Lucas Coelho, que recebeu o prémio APE pelo romance E a Noite Roda, é bem o exemplo de como são perigosas as mulheres que escrevem.
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Tears for Animals
Tears for Animals
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Apenas parte do discurso de Alexandra Lucas Coelho:
Este prémio é tradicionalmente entregue pelo Presidente da República, cargo agora ocupado por um político, Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o que associo mais ao salazarismo do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil tristeza dos obedientes que dentro de si recalcam um império perdido.
E fogem ao cara-cara, mantêm-se pela calada. Nada estranho, pois, que este Presidente se faça representar na entrega de um prémio literário. Este mundo não é do seu reino. Estamos no mesmo país, mas o meu país não é o seu país. No país que tenho na cabeça não se anda com a cabeça entre as orelhas, “e cá vamos indo, se deus quiser”.
(...)
Amar Portugal é estar em Portugal porque se quer. Poder estar em Portugal apesar de o Governo nos mandar embora. Contrariar quem nos manda embora como se fosse senhor da casa.
e a noite roda
Alexandra Lucas Coelho
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Este país é dos bolseiros da FCT que viram tudo interrompido; dos milhões de desempregados ou trabalhadores precários; dos novos emigrantes que vi chegarem ao Brasil, a mais bem formada geração de sempre, para darem tudo a outro país; dos muitos leitores que me foram escrevendo nestes três anos e meio de Brasil a perguntar que conselhos podia eu dar ao filho, à filha, ao amigo, que pensavam emigrar.
Eu estava no Brasil, para onde ninguém me tinha mandado, quando um membro do seu Governo disse aquela coisa escandalosa, pois que os professores emigrassem. Ir para o mundo por nossa vontade é tão essencial como não ir para o mundo porque não temos alternativa.
Este país é de todos esses, os que partem porque querem, os que partem porque aqui se sentem a morrer, e levam um país melhor com eles, forte, bonito, inventivo. Conheci-os, estão lá no Rio de Janeiro, a fazerem mais pela imagem de Portugal, mais pela relação Portugal-Brasil do que qualquer discurso oco dos políticos que neste momento nos governam. Contra o cliché do português, o português do inho e do ito, o Portugal do apoucamento. Estão lá, revirando a história do avesso, contra todo o mal que ela deixou, desde a colonização, da escravatura.
Este país é do Changuito, que em 2008 fundou uma livraria de poesia em Lisboa, e depois a levou para o Rio de Janeiro sem qualquer ajuda pública, e acartou 7000 livros, uma tonelada, para um 11.º andar, que era o que dava para pagar de aluguer, e depois os acartou de volta para casa, por tudo ter ficado demasiado caro. Este país é dele, que nunca se sentaria na mesma sala que o actual Presidente da República.
E é de quem faz arte apesar do mercado, de quem luta para que haja cinema, de quem não cruzou os braços quando o Governo no poder estava a acabar com o cinema em Portugal. Eu ouvi realizadores e produtores portugueses numa conferência de imprensa no Festival do Rio de Janeiro contarem aos jornalistas presentes como 2012 ia ser o ano sem cinema em Portugal. Eu fui vendo, à distância, autores, escritores, artistas sem dinheiro para pagarem dívidas à Segurança Social, luz, água, renda de casa. E tanta gente esquecida. E, ainda assim, de cada vez que eu chegava, Lisboa parecia-me pujante, as pessoas juntavam-se, inventavam, aos altos e baixos.
Não devo nada ao Governo português no poder. Mas devo muito aos poetas, aos agricultores, ao Rui Horta, que levou o mundo para Montemor-o-Novo, à Bárbara Bulhosa, que fez a editora em que todos nós, seus autores, queremos estar, em cumplicidade e entrega, num mercado cada vez mais hostil, com margens canibais.
Os actuais governantes podem achar que o trabalho deles não é ouvir isto, mas o trabalho deles não é outro se não ouvir isto. Foi para ouvir isto, o que as pessoas têm a dizer, que foram eleitos, embora não por mim. Cargo público não é prémio, é compromisso.
(...)
Escrevo para acabar com história, escrevo para que a história comece. Esquece a morte e segue-me.
Sete e meia da manhã em agosto. Gosto do cheiro de jasmim pela manhã no pátio de Karim. Ainda não conheço, está no Brasil, chega em dezembro: Karim Farah. Nome estranho para um brasileiro, mas o amigo do amigo que nos pôs em contacto disse-me que há milhões de descendentes sírio-libaneses no Brasil.Não sei nada do Brasil, sabemos pouco do Brasil na Catalunha.
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Ontem, no meio dos papéis, dei com uma cantiga de amigo que transcrevi à mão por causa de um poeta português contemporâneo, Herberto Helder. Ele usou o refrão como título de uma antologia: Edoi Lelia Doura. É um refrão misterioso, talvez uma corruptela de árabe.
O amigo seria um árabe do Al Andaluz. Mas que significa Edoi lelia doura? Goso desta hipóteses: E a noite roda.
Ah, aí vem Karim.
A música lá em cima é Tears for Animals das CocoRosie (com Antony Hegarty) já que as CocoRosie fazem parte da banda sonora e dos agradecimentos da autora que aparecem no fim do livro.
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Grande discurso que pode ser lido na íntegra aqui.
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Assim começa o livro:
Se azuis são os seus olhos azul será a minha lança Ibn Al Qaysaran |
Damasco
Escrevo para acabar com história, escrevo para que a história comece. Esquece a morte e segue-me.
Sete e meia da manhã em agosto. Gosto do cheiro de jasmim pela manhã no pátio de Karim. Ainda não conheço, está no Brasil, chega em dezembro: Karim Farah. Nome estranho para um brasileiro, mas o amigo do amigo que nos pôs em contacto disse-me que há milhões de descendentes sírio-libaneses no Brasil.Não sei nada do Brasil, sabemos pouco do Brasil na Catalunha.
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E assim acaba:
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You provide the bourbon I'll provide the skin CocoRosie, versão Ana (esta página não está junto ao fim do livro, está aqui apenas porque sim) |
Eu velida nom dormia
lelia doura
e meu amigo venia,
edoi lelia doura.
nom dormia e cuidava
lelia doura
e meu amigo chegava,
edoi lelia doura.
O amigo seria um árabe do Al Andaluz. Mas que significa Edoi lelia doura? Goso desta hipóteses: E a noite roda.
Ah, aí vem Karim.
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A música lá em cima é Tears for Animals das CocoRosie (com Antony Hegarty) já que as CocoRosie fazem parte da banda sonora e dos agradecimentos da autora que aparecem no fim do livro.
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Relembro: sobre dilemas, Laparices, Jonezices e outras parvoíces escrevo no post já a seguir.
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E, por agora, por aqui me despeço.
Tenham, meus Caros Leitores, uma bela quarta feira.
Alegria, saúde e muita sorte, está bem?
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4 comentários:
Olá UJM
EXCELENTE o livro, EXCELENTE o discurso que já tive ocasião de enviar a muitos dos meus amigos e EXCELENTE a oportunidade e o texto do seu "post". Já agora recomendo o livro da ALC sobre a estada que efectuou no Afeganistão (na mesma colecção da Tinta da China)!!!
Um abraço
uma maneira de fomentar o interesse pela cultura, é dar um toque visual - https://www.youtube.com/watch?v=BKezUd_xw20#t=156
um vídeo positivo - http://www.thaigoodstories.com/
Grande discurso, realmente!
Beijinho
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