Estou aqui a balançar entre continuar a escrever sobre alguns temas da actualidade ou em dar seguimento àquilo de que ontem vos falei.
Mas quero honrar compromissos e, portanto, largo as palhaçadas miguel-punhistas, o bicho dalmatiano rangélico-birrento, e alguns dos dramáticos efeitos colaterais da gestão laparosiana e parto para o campo.
Se quiserem ver e ler sobre essas ridículas figuras e, depois, arejar as ideias, voltando a Lisboa, a bela, ao som de Mignonne, allons voir si la rose, quando acabarem este que estou a escrever vão descendo, por favor, até se aproximarem do Tejo.
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Não será ainda hoje que mostro a alegria dos meus pimentinhas à solta in heaven. A noite vai longa e isto já vai para além da dose. Por isso, hoje limito-me a mostrar um pouco do local onde está muito de mim.
Venham comigo que eu vos conto.
Venham comigo que eu vos conto.
Vai pensamento
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Tenho sempre muitas ideias. Frequentemente não as posso pôr em prática. Vivo inserida em organizações onde nem todos andam à mesma velocidade e no mesmo sentido e, por isso, é normal que todos tenhamos que fazer cedências. Faço muitas. No trabalho ou na sociedade tenho, muitas vezes, que me esforçar por me acomodar. No outro dia, um psicólogo perguntava-me 'e consegue manter-se motivada?'. Consigo. Não posso fazer uma coisa, viro-me para outro lado, faço outra.
Mas, na minha casa, sou rainha e senhora. É certo que há um rei e o rei muitas vezes dá muita luta, ó se dá, mas, enfim, ainda assim, para ser honesta, não me posso queixar.
Na minha casa eu posso, pois, sonhar e tentar concretizar os meus sonhos.
Quando estou in heaven tenho largueza para expandir os pensamentos. Talvez por isso tenha feito escrever em azulejos a frase 'Va', pensiero, sull'ali dorate'.
Quando aquilo era apenas mato e eu olhava em volta sem saber por onde haveríamos de, um dia, caminhar, pensava muitas vezes que, nesse dia longínquo, haveria crianças pequenas à minha volta e que haveriam de andar por ali, maravilhadas, à descoberta.
Aos poucos foi sendo claro para mim onde deveriam estar os caminhos. Foi um processo lento. Os caminhos fazem-se caminhando - é sabido.
Caminhos, uma escada na pedra, um pequeno muro a delimitar o espaço, um banco, um sítio para a lenha, um outro caminho, árvores à beira do caminho.
Dias. Dias. Meses. Anos.
Um dos primeiros espaços. Reprodução de uma aguarela de Guilherme Parente |
E tanto que eu gostava de ter uma casa enorme com as paredes cheias de telas dos pintores de eleição. Mas não dá, nem a casa é tão grande assim nem o dinheiro chega para os pintores que tanto amo. Não dá...!? Dá mais ou menos.
Não dá para ter as telas, mando reproduzir em azulejo.
Não tenho fins comerciais (como é óbvio). São painéis fixados na pedra no meio do nada. São para meu deleite. Meu e dos que me são mais próximos. Nada mais que isso.
José de Guimarães, um dos que me é caro. Cores abertas, figuras livres, ironia, alegria.
Estes que aqui mostro são parte de painéis maiores. Estão num grupo de quatro paredes em losango que têm ao meio um canteiro alto que tem um cipreste lá dentro e um banco à volta.
Lá dentro não entra o vento e há pinturas em cada parede, por dentro e por fora. Oito pinturas na parede, sobre azulejo.
Sou louca?
Sou.
E há a poesia. Poesia a acompanhar os nossos passos ou as nossas leituras ou o nosso sossego.
Sophia, Eugénio, Herberto, Jorge de Sena, O'Neill e muitos mais.
Os meus amorzinhos pequeninos brincam no meio de palavras. Assim é o meu amor pelas palavras: um amor material. Passo-lhes as mãos por cima, deixo que o tempo as suje, deixo que o sol as ilumine.
Mas levei a paixão dos azulejos também para dentro de casa.
A minha casa sou eu.
A minha casa sou eu.
Não me esgoto na minha casa, bem entendido, mas há muito de mim nos recantos da minha casa. As minhas cores, os meus aconchegos.
Paul Klee, Picasso, e outros e, cúmulo do disparate, coisas minhas.
Mas que mal tem?
É a minha casa. Não tenho nada a provar a ninguém. Mais: não quero enganar ninguém, vou logo avisando, olhem que eu não sou boa da cabeça, vocês dêem desconto.
Gosto de sofás e de almofadas, gosto da cor de tijolo que é quente, gosto de iluminação de parede, de mesa ou de pé porque faz um ambiente mais íntimo, gosto de objectos que não lembram a ninguém, junto estatuetas de cariz religioso com galinhas em pâpier maché, com velas em forma de ovelha choné, ferrinhos, e sei lá que mais e gosto de juntar tudo isso a improváveis painéis de azulejos embutidos na parede.
Hoje a casa e o espaço em volta já se enche de crianças. Chegam e começam a correr para rever os sítios de que se lembram tão bem desde a vez anterior. É um lugar mágico para eles. E para mim também.
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A música lá em cima mostra o Coro do Metropolitan Ópera House de Nova York, interpretando "Va Pensiero" da ópera Nabucco de Verdi. Uma maravilha. De vez em quando volto a ela, e imagino sempre o que deve ter sido a emoção da multidão nas ruas, a cantar isto enquanto se despedia de Verdi.
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Relembro: por aí abaixo há mais uns três ou quatro posts, já nem sei bem. Vão do Bate-Punho, essa vulgar criatura, até Pierre de Ronsard, passando pelo rangélico dálmata (destes lembro-me eu). Um mix a la UJM.
NB: Sempre que isto mete fotografias e eu tento juntá-las, a coisa dá para o torto. Sai tudo meio desalinhado. Paciência. Tenho tanto sono que já nem consigo dar uma vista de olhos. Desculpem as vírgulas fora do sítio ou palavras a mais ou a menos. A ver se, lá para a hora de almoço ou ao fim do dia, consigo tempo para dar uma olhadela a ver se descubro gralhas. Relevem, está bem?
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira.
5 comentários:
Invejo-a por esse seu espaço!
Bom dia de sol!
Gosto da forma como fala da sua casa. Gostar da casa onde se vive e ter gosto em a decorar e melhorar não é de toda a gente. É de gente especial. Também, por aqui, gostamos do nosso cantinho.
Que a semana continue solarenta!
P.Rufino
PS: quanto aos quadros, pinturas, bom, quem me dera também!
Cara UJM,
sei bem quão feliz se sente nesse seu paradisíaco recanto. “In heaven”, vive-se e respira-se saúde e muita calmaria, creio eu.
Mais ou menos quinzenalmente faço, com enorme felicidade, uma dupla viagem de 480 Km para respirar paz e silêncio no meu modesto sítio alentejano, nas cercanias da Pax Júlia. Um local nem grande nem pequeno, mas “minor” quando comparado com as herdades alentejanas. Apesar de tudo, aprazível.
Ali sinto-me pluma esvoaçando de árvore em árvore, de videira em videira, com ou sem tesoura de poda. Parece risível, um médico podador e fazedor de vinhos e outras coisas rurais, mas a mudança de ares e artes (no latim, como sabe, “ars”) é benfazeja.
Não tenho a felicidade de ter nos poucos muros (é quase tudo rede) a arte de azulejaria, como a UJM, mas na verdade acompanho-a na sua felicidade!
Adoro caminhar entre a mais de centena e meia de belas fruteiras, e pela vinha, já em rebentação. Dá a sensação que somos como a vegetação e nos imiscuímos na sua seiva e dançamos nos seus verdes e floridos braços. Sabe bem do que falo, pois viverá muitas dessas sinestesias.
Não quero ser longo nem maçador, pelo que lhe desejo, e aos seus, um eterno prolongamento de felicidade "in heaven" e fora dele
Cara Jeitinho
Nos intervalos desta prova de obstáculos em que vivo há longos meses...lá vou de vez em quando abrindo o computador e espreitando os meus "lugares de culto"
Pouco motivada a escrever por enquanto, não resisti hoje à sua referência ao VA PENSIERO e como isso foi importante na minha vida de estudante.
Lembro-me de como eram desagradáveis as aulas de Canto Coral, sobretudo para os rapazes de catorze/quinze anos, hormonas aos saltos,bigodes a despontar, obrigados a cantar "pera doce, verde pera" quando focados em frutos bem mais desejáveis...
Eis senão quando, chega um tal Professor de nome ASCENSO DE SIQUEIRA, ar de lorde inglês, com um porte nobre e charmoso.
Não sei onde terá ido parar o "programa oficial" mas desapareceram as peras verdes e coisas que tais.
Em poucos meses pôs-nos a cantar Verdi, a 4 vozes, com o entusiasmo de alunos a alunas e era ver a alegria daquele anfiteatro a
ensaiar e cá fora o pessoal a ouvir nos pátios que bem conhece.
No final do ano, alinhados e afinados deslumbrámos os convidados e sentimo-nos verdadeiramente importante.
O Professor não voltou no ano seguinte. A professora que o substituiu, roída de inveja pela nossa saudade, não resistiu a contar-nos que ele fora afastado por não ter respeitado o programa.
Voltaram as peras doces e verdes e o desinteresse geral.
No ano seguinte, chegou o professor Vieira, recuperou o VA PENSIERO, outras óperas, e a festa de fim de ano teve honras de Teatro Luisa Todi.
Acabou mesmo por fundar o Coral Luisa Todi que faz parte da história cultural da cidade.
Na gaveta das nostalgias ficará para sempre, o Ascenso de Siqueira, a sua coragem e a nossa alegria, ainda pouco conscientes do significado de um Coro dos Escravos no princípio dos anos sessenta... Estava lá tudo.
E assim, pouco a pouco, fomos entendendo a vida, o País e a história que em ciclos se repete.
Olá Erinha,
Não resisto. Eu a Canto Coral tive uma professora baixinha, gordinha. Não me lembro do nome. O que sei é que nos obrigava a fazer uns vocalizos e eu, nessa altura, tal como agora, só de me imaginar a fazer figuras ridículas e a querer conter o riso, ficava logo à beira do desastre.
A turma toda no anfiteatro e eu de pé no quadro a ter que repetir os vocalizos que ela fazia. Enquanto ela cantava eu olhava para o chão para não ver a cara de ninguém mas, sempre, sempre, quando chegava a minha vez de cantar, desatava-me a rir, a rir, a rir.
Ela já me dizia 'concentra-te e canta'. Qual quê? Se tentava saía-me um som ridículo, um fio de voz, e logo desatava à gargalhada. Geralmente era enviada de volta para o meu lugar para não ser posta na rua.
Um calvário para mim aquelas aulas.
Hoje penso: coitada daquela professora.
Beijinhos, Erinha, e espero que esteja tudo bem consigo.
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