O post abaixo deste é para a palhaçada. Mete aliens, popotas, a Merkel e os berloques amestrados do Cavaco. Pena é que abduções zero.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é mais séria.
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Agora vou falar de uma notícia que, pela manhã, ia eu para o trabalho, me revolveu logo as entranhas. Uma coisa criminosa, diria eu.
Emília tem cerca de 60 anos e, após vários rastreios ao cancro colorretal, surgiu uma análise positiva. O médico de família encaminhou imediatamente o processo para o hospital, de modo a que a paciente fosse seguida no hospital Fernando da Fonseca, conhecido como Amadora-Sintra, na consulta de gastrenterologia. A mulher levou um ano para ser chamada para a consulta e esperou outro para fazer o exame.
Continuo a transcrever para agora referir as declarações de Nuno Alves, director de serviços do Hospital, declarações que me arrepiam. Sinceramente: arrepiam-me.
A unidade hospitalar reconhece o atraso e argumenta que, mesmo quando a análise é positiva, tem de haver uma seleção dos doentes por falta de recursos, como refere ao jornal o diretor de serviço de gastrenterologia do hospital, Nuno Alves: «A população do hospital é vasta, 500 a 600 mil pessoas, e só temos sete médicos no serviço. Estamos à espera há um ano para contratar». Com «uma resposta limitada, temos de triar».
E o artigo continua:
O diretor do programa nacional para as doenças oncológicas, Nuno Miranda, afirmou ao diário que a espera por uma colonoscopia «não devia passar os dois meses, mas se atingíssemos seis não era mau». Emília está agora a fazer «quimioterapia neoadjuvante» para reduzir o cancro e «ver se pode ser operada».
A associação de luta contra o cancro do intestino, Europacolon, considera esta espera «criminosa», porque «o rastreio reduz em dois terços a probabilidade de se ter um cancro avançado», refere Vítor Neves ao DN.
Segundo Vítor Neves, as normas internacionais determinam que, após um rastreio positivo à pesquisa de sangue oculto nas fezes, a colonoscopia deve ser feita de imediato, acrescenta à Lusa.
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Já aqui o assumi muitas vezes: sou uma privilegiada. A nível de saúde tenho um seguro que me permite, a custos suportáveis, usufruir de cuidados de saúde em todas as unidades de saúde privadas do País.
Quando aqui mostro a minha indignação, não o faço por mim. Faço-o por dever de consciência, porque não quero que os meus concidadãos tenham menos direitos que eu. Não acho que a medicina privada seja melhor do que a pública mas a questão aqui não é essa. A questão é que a saúde pública deve ser universal, seja para os que a podem pagar (e que todos os meses descontam dos seus rendimentos para que os serviços existam e sejam bons), seja para os que não a podem pagar.
E haver cuidados de saúde significa que tudo se fará para que todas as vidas possam ser salvas, para que todas as doenças sejam tratadas, todo o conforto e assistência proporcionados. Se não se governa para o bem do povo de um país, para que raio se anda a governar?
Há um ano e tal, na sequência da cirurgia a que tinha sido submetida, estava eu de férias fora de Lisboa, apareceu-me um coágulo muito doloroso numa perna.
O cirurgião que me operou estava longe, também ele de férias fora e, pelo telefone, mandou que fosse de urgência para o hospital mais próximo. Lá fui e até era gente simpática, nada a dizer a esse nível. Mas não apenas não me fizeram um exame para avaliar o tipo de coágulo (poderia ser superficial e não grave como felizmente era, mas poderia ser uma coisa perigosa) como me disseram que tinha que levar de imediato uma injecção anti-coagulante (e ficar a tomá-las durante uma semana) - mas que tinha que ir eu à rua, a uma farmácia de serviço, comprá-las e que lá voltasse para a levar. Na altura contei isso aqui.
Sem conhecer bem a cidade onde estava, à meia noite, foi o bom e o bonito para dar com a farmácia de serviço, e isto mal podendo andar e num quadro que exigia repouso e a perna para cima. Claro que parte da busca se fez de carro e que quem mais se maçou foi o meu marido. Mas aquilo foi uma coisa mesmo impensável, nem queríamos acreditar numa coisa daquelas. Imagino como eu me teria visto em palpos de aranha, verdadeiramente atrapalhada, se estivesse sozinha ou sem carro... Mas, enfim, o meu mal foi o menos, apenas quis deixar um testemunho na primeira pessoa. Não me queixo por mim, já o disse.
O cirurgião que me operou estava longe, também ele de férias fora e, pelo telefone, mandou que fosse de urgência para o hospital mais próximo. Lá fui e até era gente simpática, nada a dizer a esse nível. Mas não apenas não me fizeram um exame para avaliar o tipo de coágulo (poderia ser superficial e não grave como felizmente era, mas poderia ser uma coisa perigosa) como me disseram que tinha que levar de imediato uma injecção anti-coagulante (e ficar a tomá-las durante uma semana) - mas que tinha que ir eu à rua, a uma farmácia de serviço, comprá-las e que lá voltasse para a levar. Na altura contei isso aqui.
Sem conhecer bem a cidade onde estava, à meia noite, foi o bom e o bonito para dar com a farmácia de serviço, e isto mal podendo andar e num quadro que exigia repouso e a perna para cima. Claro que parte da busca se fez de carro e que quem mais se maçou foi o meu marido. Mas aquilo foi uma coisa mesmo impensável, nem queríamos acreditar numa coisa daquelas. Imagino como eu me teria visto em palpos de aranha, verdadeiramente atrapalhada, se estivesse sozinha ou sem carro... Mas, enfim, o meu mal foi o menos, apenas quis deixar um testemunho na primeira pessoa. Não me queixo por mim, já o disse.
Paulo Macedo, numa imagem do blogue We Have Kaos in the Garden |
Paulo Macedo, o ministro que tem sido poupado à erosão pública, de fininho, vai racionando os cuidados de saúde à população, reduzindo os medicamentos, mandando os doentes para casa mesmo quando acabaram de levar uma transfusão de sangue ou quando, instantes antes, estavam a oxigénio (caso real de há poucos dias com uma pessoa conhecida), fazendo com que os médicos tenham que escolher os doentes a que vão acudir.
Estou a escrever isto e sinto um nó no peito. A sério. Apetece-me chorar. Ou dar um murro na cara destes estúpidos que, em dois anos e tal, têm desprezado as pessoas de uma forma vergonhosa - porque a prioridade para eles, a única, é agradar aos mercados.
O meu Caro Leitor, se tem a sorte de ter algum dinheiro de lado, saberá que a taxa de depósitos neste momento, na melhor das hipóteses, anda à volta de 2% ao ano e é quando é. Na Alemanha, a taxa de referência anda à volta dos 0%, veja bem como não há-de ser fácil financiarem a economia (e logo eles que não precisam). Ora veja bem, meu Caro Leitor, o belo negócio que é para as instituições financeiras obter juros à volta dos 5%. Veja os alemães se puderem vir cá aplicar o seu dinheiro - imagine-se o lucro acrescido que obtêm. Ou seja, nesta altura, levarem-nos juros a 4 ou 5% é óptimo para eles, mas péssimo para nós.
Acresce que com uma economia com crescimento abaixo de zero e com uma inflação baixa, tudo o que seja acima de uns dois e picos por cento é dinheiro que vai acrescer à dívida. Ora, quando se pagam juros da ordem dos 5% ou mais, isto significa que é dinheiro que não resulta de excedentes gerados pela economia mas sim de dinheiro esbulhado à população (são os cortes nos ordenados e nas pensões, são os colossais impostos, são as colonoscopias que não se fazem, é parte do ensino especial sem professores, é este triste e vil empobrecimento).
Como é que alguém pode andar a apregoar loas sobre o sucesso do regresso aos mercados nestas condições? E como é possível falar-se de sucesso acerca deste maldito programa de ajustamento tão brutalmente posto em prática por Passos Coelho com o ámen de Cavaco Silva? Como é que alguém pode ficar contente com o que se está a passar? Como, caraças?!
Sinto-me revoltada, triste com isto. Por falta de prevenção, por falta de assistência, pode deixar-se morrer muita gente, podem desgraçar-se muitas famílias. Isto não é justo.
Mas, nas guerras, os vencedores ocultam e desvalorizam os danos colaterais - mesmo que os danos colaterais sejam um País a viver pior, sem direitos, sem confiança, a regredir civilizacionalmente, um país mais velho, mais doente, mais triste.
Mas, nas guerras, os vencedores ocultam e desvalorizam os danos colaterais - mesmo que os danos colaterais sejam um País a viver pior, sem direitos, sem confiança, a regredir civilizacionalmente, um país mais velho, mais doente, mais triste.
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Bem. O tema é pesado. A mim, pelo menos, pensar nisto, dá-me cabo da cabeça. Por isso, para aliviar o ambiente, desçam, por favor, até ao post seguinte. E vamos todos torcer para que os aliens venham cá buscar esta gente desumana que tanto mal anda a fazer aos seus concidadãos, em especial aos mais frágeis e carentes.
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Permito-me ainda convidar-vos a virem até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Hoje tenho palavras de Cecília Meireles na voz de Paulo Autran sobre um filme muito bonito: Retrato.
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E, por agora, já chega, não é? Passa das duas da manhã e estou cansada. Uma vez mais nem vou rever o que acabei de escrever.
Desejo-vos, meus Caros leitores, um dia muito feliz.
E muito sinceramente vos desejo saúde porque sem saúde somos muito pouco.
11 comentários:
Excelente e assertivo post !
Que nunca a "voz" lhe doa, estimada UJM.
Vivemos tempos de revolta bem tristes e frustrantes !
Melhores Cumprimentos
Vitor Gomes Freire
Subscrevo Victor Gomes Freire.
Um Post que, se não vê inconveniente, gostaria de fazer um copy-paste e repassar a vários, chamando á atenção para este seu Blogue (o que já fiz antes). Revoltante tudo isto! E quando se ouve aquele estupor da Maria Luís Albuquerque a falar com aquela voz cínica, como hoje nas TVs, aquilo mete-me náuseas, asco, sabendo-se bem a indiferença dela (bem como de Passos, Portas, Macedo e o bando todo) perante estas inaceitáveis situações – inaceitáveis numa Democracia, ainda por cima com uma Constituição que defende a saúde para todos.
Vivem-se hoje tempos que considero de selvagens, cruéis, devastadores para a larga maioria, em resumo, tempos onde o ser humano deixou de contar. Contam os mercados, em vez da vida das pessoas.
Somos governados por gente repulsiva. Indiferentes ás debilidades dos mais fracos. Quer na saúde, na educação, no trabalho, nos aspectos sociais, em tudo. Gente que governa não para a população, mas para o espelho que têm em casa – a olhar para eles.
Este governo, só pelo que aqui é neste Post escrito e denunciado merece ser considerado um bando de malfeitores.
Até me dói a alma de ler este caso que nos descreve!
P.Rufino
Estou triste com isto, tão triste...
Defendo a racionalização dos gastos, a cautela nas compras, o juízo nas utilizações e a monitorização dos inegáveis abusos que se verificavam (e nem vale a pena desenrolar as historietas do que saía à má fila de hospitais e centros de saúde e afins; adiante); defendo o controle que detecta as mafias que nos roubam descaradamente, como aquela que ainda ontem foi publicamente denunciada, desviando verbas do estado que, como se sabe, somos nós.
Mas quando a coisa toca as pessoas que necessitam de cuidados - seja um Band-Aid, seja uma cirurgia! - e isso descamba e descamba feio, quando se fica num corredor de hospital mais de dois dias à espera de internamento ou se aguarda um ano e tal por um exame URGENTE, isso aí, dá vontade de GRITAR!
NÃO PODE SER! NÃO PODE SER, MESMO!
Senhor ministro Paulo Macedo, que tão bom trabalho tem feito na seriedade com que se deve olhar para os gastos públicos, uma coisa destas é obscena. Nem sequer é absurda, não, é OBSCENA! É da vida que se trata, senhor! É do sofrimento! NÃO PODE SUCEDER! Não, pode, e pronto. Erros, sucedem, enganos acontecem, agora coisas destas?! Esperar-se anos por exames porque não há solução suficiente?! Recorram ao privado, credo! Para isso não me importo de contribuir, para isso, para quem sofre e necessita, agora dinheiro roubado aos nossos bolsos para deitar fora, para entregar aos usurários que vivem do nosso sangue, isso já me custa de caraças...
Pessoalmente, não tenho nenhuma reclamação. Nenhuma. Até tenho elogios a delcarar. E escrevi a quem de direito a elogiar, e fiquei surpresa e feliz com imensas provas de rapidez e profissionalismo de que sou testemunha. Mas basta que exista um caso Um único (e infelizmente, não é apenas um), para que me sinta atacada, para que me sinta irmanada naquela doente que passa o que nenhum de nós quer sequer imaginar. Isso não pode suceder. Isto não pode repetir-se.
Um homem de bem, como é este ministro (tenho a certeza), há-de fazer alguma coisa radical para acabar com este atropelamento aos direitos dos doentes. Poupar dinheiro sim, desbaratar vidas, não.
Ou isto vai ao sítio depressinha, ou ainda voltamos a ponderar nova revolução. E desta vez quem a faz não serão militares. Embora possam existir flores. Apenas de um material qualquer mais duro...
Estou mais triste do que consigo traduzir. Tristíssima, fónix! Esta m**** não se admite!
Perante este poste, cujo tema, me provocou um grande desconforto ou até revolta, só me ocorre fazer uma variação sobre Karl Valentim e dizer:
-E não se pode julgá-los?
Cara jrd, realmente ler este post é o equivalente a bater num poste-))))
Caro Vítor Gomes Freire,
Eu a mim não me dói a voz, pelo menos por enquanto. O que me dói é a alma (se é que a alma pode doer; mas se não é a alma é o peito, é o que me é mais íntimo). E todos os dias vou sabendo de mais coisas aterradoras. Não percebo como se atingiu este ponto de impunidade. Esta gente é perigosa. Eu, quando eles eram oposição, intuía que a coisa não podia correr bem. Mas, à medida que os vejo em acção, mais assustada vou ficando.
Obrigada pelo apoio. Sabe-me bem.
Cumprimentos também para si.
Olá P. Rufino,
Estive agora a ler o seu post de novo, com atenção e tem graça que acaba como eu comecei o que acima acabei de escrever, na resposta ao comentário do Caro Vítor Gomes Freire, com a dor na alma.
Estamos pois a sentir o mesmo. Uma revolta, um desgosto, uma impotência, um asco. Nem sei.
Hoje soube de mais uma coisa assustadora (a venda da Caixa Seguros). Como se pode estar a passar isto e tudo ser possível? Ninguém os impede? Que horror.
O País está a ser esfrangalhado e todo vai parecendo cada vez mais concertado. Os portugueses já não valem nada nas mãos desta gentalha.
Quanto ao que diz de fazer copy-paste: claro que sim. Quanto mais pessoas pensarem no que está a acontecer, talvez mais se revoltem.
Que será que podemos fazer pelo nosso País, P. Rufino?
Olá Margarida,
Comecei o ano a esforçar-me por seguir os seus votos, de me tentar amansar. Volta e meio, tenho vontade de me revoltar à força toda mas depois respiro fundo, tento arranjar uns vídeos que me acalmem, que me façam esquecer o que está a acontecer ao País.
A questão é que os atentados ao meu País são diários e cada vez mais graves e, perante isto, a minha mansidão vai ao ar.
A questão, Margarida, é que isto não tem a ver com o Paulo Macedo ser bom ou mau, ou de as pessoas do hospital serem bons ou maus responsáveis. Isto, infelizmente, é bem mais grave. Isto, Margarida, é um bando de gente sem moral, sem ética, deslumbrados com o poder que adquiriram, e ignorantes, e manipulados por quem, cada vez mais, manda no País. O País está, de dia para dia, mais exangue.
Todas as medidas que tomam são ao contrário do que deviam ser, todas as medidas empobrecem o país e, com o país cada vez mais pobre, está cada vez mais à mercê do que lhes passa pela cabeça, sem pensarem nas consequências. E à mercê de quem lhes faz a cabeça.
Isto é gente sem princípios, sem escrúpulos, sem um mínimo de bases morais.
Ninguém consegue fazer nada de forma individual. Os hospitais vêem os seus orçamentos cortados de forma cega. Há que cortar. Triar. Triar significa atender a uns e deixar outros de fora.
É a isto que chegámos. E as pessoas que com as suas magras reformas pagam lares. E a reforma já não chega. E agora cortam ainda mais. E as fraldas e os medicamentos e todas essas despesas? Pagam os filhos? E os filhos alguns desempregados? E com filhos a estudar?
Isto está a virar uma miséria eivada de desumanidade.
Não estou apenas revoltada, Margarida. Estou preocupada. Estou assustada.
Não percebo é porque é que não é possível travar esta selvajaria.
Olhe, não digo mais nada para não a preocupar ainda mais.
Beijinhos! E festinhas às patudinhas.
Olá jrd,
É isso. Ainda hoje estivemos a falar nisto: isto que se passa é legal? Não há infracção de leis nestes actos?
Mas não são os empregados das instituições: são os mandantes. São os selvagens, os ignorantes, os desumanos. Não se poderá julgá-los?, pergunta bem.
Poderá assim roubar-se o dinheiro às pessoas? Roubar-lhes o direito à saúde? Roubar-lhes o futuro? Roubar-lhes a dignidade? Será isto legal?
Caro anónimo,
Não é por nada mas deixe-me corrigir. O Caro Leitor jrd é do sexo masculino.
tinha visto, depois de enviar o comentário, foi mau , desculpe , jrd.
o comentário foi bom-))
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