quarta-feira, junho 12, 2024

Como resolver o problema da Saúde em Portugal -
uma humilde sugestão

 

Para resolver o tema da Saúde -- mas resolver de uma forma clara, adequada, robusta --, haverá que recorrer à modelação matemática, e, em particular a técnicas de programação linear. Poderá haver quem pense em heurísticas ou em filas de espera. Sim, de forma complementar. E, antes, também estudos probabilísticos e estatísticos,  seguidos de modelação que permita obter soluções, validá-las e, também, para fazer análises de sensibilidade.

Para já, de um estudo deste tipo, devem excluir-se a Madeira e os Açores pois cada arquipélago terá que ter uma solução específica. Portanto, a partir daqui refiro-me apenas a Portugal Continental

Antes, haverá que estabelecer:

- Os grandes objectivos do que se pretende. 

Exemplo:

Cada Centro de Saúde não deverá estar a mais de 15 km da residência das pessoas. Cada Hospital não deve estar a mais de 50 Km da residência das pessoas. Em cada local não deve haver filas de espera com duração superior a 2 horas para pulseira amarela, 3 horas para pulseira verde. Etc. São meros exemplos mas o que se decidir a este nível ditará a estratégia a seguir. Portanto, é o mais importante de tudo, é o primeiro passo. 

Seguidamente:

- Identificação de Funções. Médico por especialidade, enfermeiro por especialidade (se aplicável), pessoal administrativo, pessoal auxiliar, técnicos de manutenção, etc. Atribuir um custo por unidade de funcionamento a cada profissional.

- Identificação das Regiões com comportamentos especiais. Por exemplo, imagino que o Algarve tenha comportamento distinto do resto do País, por ter uma população que aumenta bastante no verão. Até poderia ter apenas duas regiões: o Algarve, R1,  e o resto do País, R2.

- Identificação dos Tipos de locais de atendimento. Por exemplo, considere-se Tipo 1, os Centros de Saúde, e o Tipo 2, Hospitais. Pode haver mais como, por exemplo, os Centros intermédios com funcionamento 24x24 e com meios complementares de diagnóstico simples, T3

- Identificação dos períodos típicos de afluência. Por exemplo, imagino que no período frio, das gripes, haja mais afluência, digamos que Período P1, no período de verão (em que tendencialmente há muito pessoal de férias e, em determinadas regiões, maior afluxo de doentes), P2.

- Identificação do quadro de pessoal mínimo para cada unidade de funcionamento e para cada tipo de local de atendimento. Por unidade de funcionamento entende-se o período mínimo, por exemplo, um turno de 8 horas. Ou seja, de cada vez que um Centro de Saúde, P1, tem uma unidade de funcionamento activa, quantos profissionais de cada especialidade têm que funcionar.

- Identificação de tempo médio de cada acto médico, por tipo. Exemplo: Cirurgia: 6 horas (o lógico seria que as cirurgias se subdividissem), Consulta normal: 20 minutos. Exames de Imagiiologia: 15 minutos. São exemplos.

- Levantamento da distância de cada pessoa de cada concelho a cada um dos locais de atendimento existentes bem como a locais de atendimento possíveis (exemplo: um novo Hospital na zona do Parque das Nações, um novo Hospital na zona de...., um novo Centro de Saúde na Zona de...)

- Identificação do Investimento associado a cada local. No caso dos locais existentes e funcionais, o investimento será zero, no caso dos inexistentes, estimar investimento. No caso dos locais que podem ser ampliados, haverá um custo que deve ser estimado.

Enfim... Provavelmente há vários mais factores determinantes. Aqui estou apenas a exemplificar.

Seguidamente, entrar-se-ia na fase de modelação. Com base na afluência típica por local e por período gerar números aleatórios que simulem a afluência ao longo do ano e a duração de estadia em cada local.

Seguidamente, tendo bem definida a função objectivo que (não me fuzilem) eu acho que deveria ser a obtenção da solução que minimizaria os custos globais (funcionamento + investimento), respeitando os níveis de serviço e o cumprimento das distâncias máximas, o sistema iria encontrar a solução que optimizaria o funcionamento global do Serviço Nacional de Saúde.

Reparem que eu não condicionei, até aqui, a solução ao número de profissionais existentes. Não o fiz deliberadamente pois, estando o modelo a funcionar numa base de recursos humanos ilimitados, ficar-se-ia a saber, para tudo funcionar às mil maravilhas, de quantos médicos, enfermeiros, auxiliares, etc, se precisaria para funcionar exemplarmente.

Depois compararia a solução óptima obtida com o que temos.

Por exemplo, suponhamos que me daria que necessitaria de ter 12 obstetras em Faro e que só lá 8. E que no país deveria haver 500 e só há 400. Estou a dizer números ao acaso.

Mas, se detectasse que haveria um enorme défice em determinadas especialidades, não apenas teria que injectar já estudantes nos cursos de Medicina dessa especialidade como se teria que ver se poderia 'importar' alguns. 

Mas aqui entram as análises de sensibilidade. Ou seja, tendo modelos aptos a simular a realidade, poder-se-ia avaliar em quanto se degradaria o serviço se, em vez de trabalhar com 12, só trabalhasse com 8, podendo avaliar também até quando se poderia ir com base em recurso a trabalho extraordinário.

Mas não haverá apenas casos de défice ou casos em que a gestão é quase impossível. Poderia, por exemplo, chegar à conclusão que aumentando o horário de funcionamento de algumas unidades em que há elasticidade de recursos equilibraria a qualidade do serviço sem danificar os custos.

Claro que se pode pensar num cenário em que a optimização é apenas estudada para as unidades públicas. Contudo, eu não ficaria por aí. Os modelos devem reproduzir a realidade e, neste âmbito, a matemática só faz sentido quando é a expressão do que existe. Ora o que existe são unidades geridas pelo SNS, mas também unidades geridas por privados ou por organismos de cariz social (falha-me agora a designação usual).

Portanto, admitindo que os Privados e os Sociais aceitariam ser integrados nesta análise e que aceitariam ser remunerados por actos médicos prestados ao abrigo do SNS, eu introduziria no modelo, alcavalando, paa eles, os custos com um determinado 'prémio'. Por exemplo, se um médico especialista no SNS custar 100, eu colocaria que fora do SNS custaria ao SNS 110 (por exemplo).

Como o sistema de optimização está à procura de obter o custo mínimo, só recorreria aos mais caros em caso de necessidade. Mas, desta forma, assegurar-se-ia que a qualidade do atendimento estaria garantida e a distância percorrida estaria sempre dentro de perímetro admissível de deslocação. E saberia sempre qual o custo que o SNS teria que suportar.

O não recorrer a Privados e Sociais não é impossível. Obriga é a um maior investimento na construção de mais unidades/hospitais e a contratar mais profissionais (que sabemos que não existem) ou a pagar mais horas extraordinárias ou obrigar a fazê-las para além dos limites legais. Ou seja, não parece ser a solução mais inteligente. Note-se que isto não tem nada de ideológico, é apenas racional.

Para os utentes seria indiferente pois não pagariam mais se fossem aos privados. 

Fazer um modelo assim que tem muitos e muitos milhares (milhões, na verdade) de variáveis e de condicionantes, que tem uma função objectivo complexa, que requer dados que nunca mais acabam, parece coisa do outro mundo. Mas não é. Já fiz coisas deste género em alturas em que os recursos informáticos não tinham comparação com os de hoje. Os potentíssimos meios informáticos de hoje tornam um estudo deste género relativamente simples (eu disse relativamente...)

O ideal é que, com um modelo deste implementado, cada pessoa, precisando de uma consulta, fosse a um portal e, identificando-se, dissesse que consulta queria, se é urgente ou não e, nesse caso, mais ou menos para quando, e o sistema lhe dissesse onde deveria dirigir-se e quando e a que horas. O resto seria contabilizado na rectaguarda, de forma automática. Claro que, para quem não se sente à vontade na modalidade self-service em portais, haveria um contact center que faria esse trabalho.

Em síntese, diria eu que, enquanto não se parar para se pensar desta forma, uma forma muito objectiva, muito integrada, sistematizada (matemática), dificilmente se saberá do que é que se está a falar. Cada um dá palpites para seu lado sem saber exactamente de que é que está a falar.

E, como ontem referi, equacionar, modelar, simular, estudar este assunto não é coisa para médicos: é para gestores, para matemáticos.

Espera-se dos médicos que cuidem dos doentes ou que ajudem a prevenir doenças. Mas o mega problema da gestão do sistema de saúde requer outras competências (nomeadamente competências de quem não sabe cuidar de doentes).

11 comentários:

Américo Costa disse...

Exma Senhora UJM:
Peço imensa desculpa, mas basicamente o que escreveu nada tem a ver com medicina, mas sim com outra actividade qualquer comercial ou industrial. Sou médico há quarenta e dois anos e, especialista em Pneumologia há 33. Sempre em exclusividade no SNS. Só enfrentei problemas de organização, de controlo de listas de espera e outros afins, com a entrada dos "ditos" Gestores com a matemática, modelos cartesianos, régua e esquadro, que consideram um doente um saco de cimento ou uma palete de tijolos. A MEDICINA é uma arte, não uma profissão para só se ganhar dinheiro. Estamos a falar de RELAÇÔES HUMANAS, não de comércio livre ou passatempos. Ás vezes demoro hora e meia numa consulta, e outras em dez minutos ponho o doente melhor. Depende do que ele tem. Uma cirurgia não demora x horas exatas. Demora o que demorar para resolver o problema. É difícil gerir? Pois, mas a solução não é a que aponta. Desculpe mais uma vez. Mas parecia estar a tentar resolver o problema de produção da Auto-Europa. Quem Não tenho solução para o problema que diz haver. Mas não é com modelos para fábrica de automóveis que iremos a bom porto. E se um GESTOR não tem noção do que é estar doente ou o que é ser médico, só atrapalha. Acredite. Com os meu melhores cumprimentos. Américo Costa

ccastanho disse...

Este é o problema do SNS.

Como duas visões intelectualmente sérias, não se cruzam.
Uma da UJM ,outra do Dr. Américo Costa. Ambos com todo um passado profissional de mão cheia que não duvido.

A pergunta dos milhões: porque razão, com estas e outras análises feitas ao longo de anos ainda não se encontrou a receita para salvar o SNS na sua operacionalidade?.

Já agora, parabéns Dr Américo Costa pela sua opção de exclusividade ao SNS, que certamente não lhe trouce --monetariamente falando-- mais valias significativas provavelmente .

Anónimo disse...

Quando se fala daquilo que não se percebe, corre-se o risco de dizer umas tantas coisas erradas.
O médico Américo Costa não só tem razão, como deu uma interessante e objectiva resposta. Uma coisa é uma visão neoliberal do problema da Saúde e do SNS, como pretendeu fazer a autora deste Blogue, outra a humanidade, dedicação e profissionalismo de como enfrentar o dia a dia dos utentes e profissionais da Saúde, médicos em primeiro lugar, bem como enfermeiros e restante competente pessoal. Como sublinhou e referiu o médico Américo Costa. Gerir um hospital não é nem de perto nem de longe o mesmo que gerir uma empresa. Pelo menos no âmbito do SNS (já que os hospitais privados regem-se por objectivos, que têm a ver com, em última instância, com os interesses dos seus accionistas. Um hospital privado, se tiver prejuízo, os seus accionistas encerram-no, visto não estarem ali para perder dinheiro. Aquilo é um negócio, como qualquer outro, sejamos honestos, deixemo-nos de ficções fantasistas). No SNS primeiro está o Utente, num hospital privado o lucro dos accionistas é o fim, sendo os atendimento aos utentes o meio para se chegar e obter esse fim. Aqui, a Saúde é um negócio, no SNS é um direito. O que faz muita diferença).

ccastanho disse...

Por razões diferentes, já necessitei do SNS e do privado.

No SNS, um internamento de 14 dias com costelas partidas. Excelente tratamento humano e grande profissionalismo e dedicação ao doente. A minha gratidão é enorme, para com todas as equipas desde auxiliares que me davam banho diário e outras coisas de que necessitasse, aos enfermeiros e médicos sempre preocupados com a minha saúde.
Já agora, no SNS, entrei e saí do hospital sem que ninguém me apresentasse a fatura, ainda hoje não sei o custo do meu internamento e não vou saber porque felizmente há SNS.

No privado, para além da imagiologia que regularmente faço resultante das consultas de especialidade, já fiz uma operação. E, antes de subir ao piso operatório, no balcão, foi-me apresentada fatura da operação que duas horas mais tarde iria fazer e que paguei de imediato.

Não posso esta mais de acordo com o anónimo na defesa do SNS.

Moraislex disse...

Cuidado, que ainda a chamam para Ministra da Saúde. Em Portugal é perigoso ter ideias, dar opiniões, e este governo está desesperado.

marsupilami disse...

É minha convicção de que há uma regra de ouro que vale (ou deveria valer) em todas as áreas que é a de que a "gestão" deve ser deixada aos profissionais de cada sector - nunca, mas nunca mesmo, a «gestores». Os hospitais devem ser dirigidos por médicos, os jornais por jornalistas, as universidades por professores/investigadores, etc etc. De preferência de forma colegial e o mais democraticamente possível. Um gestor exclusivo, sem competências específicas nem experiência prática na área, deveria ser um mero auxiliar técnico sem poder decisório. Um trabalho certamente útil, mas muito modesto e subordinado àqueles que efectivamente sabem do métier e que, por isso mesmo, estão sujeitos às suas regras deontológicas (um gestor não está, e as consequências disso podem ser trágicas, como facilmente se percebe no caso dos hospitais, nos jornais e nas universidades). Parafraseando um grande matemático aplicado: «In Applied Mathematics, the important word is Applied - in whatever field it may be, Astronomy, Biology or Ecology. What makes for a successful Applied Mathematician is the degree of his or her care for and knowledge of the specifics of the science, of the idiosyncrasies and needs of its practicioners; and on another level of the epistemological nature of the subject. Mathematics is there to serve, never to impose itself.»

Noutro contexto mais geral, já agora, o dos bancos e aos "banqueiros », o mundo da finança. Também esses estão precisos de um valente "downgrading" sócio-económico para que passassem a fazer exclusivamente aquilo para que estão vocacionados (um trabalho essencial mas modesto) e deixarem de fazer política no lugar dos representantes eleitos democraticamente. Mas isto já são outros quinhentos... ou talvez não?

Um bom dia para todos!

Anónimo disse...

marsupilami:
quer então dizer que devem seguir o sistema em vigor na psp e gnr que tem as secretarias e gabinetes cheios de gente fardada e na rua temo-los à paisana a reclamar meios.
pode concluir-se que nas casas de meninas devem ser elas a gerir ou mantemos os julios a rentabilizar-lhes a coisa?

Um Jeito Manso disse...

Anónimo que se dirigiu ao marsupilami

Saiba que me arrancou uma boa gargalhada.

Gostava que ele visse o seu comentário....

Anónimo disse...

com o devido respeito e consideração, quando o problema mete meninas até o papa se põe em pé na cadeira de rodas.

Um Jeito Manso disse...

Anónimo da cadeira de rodas,

Faz bem, ele, pois, quando chega uma menina ou uma senhora, os homens devem pôr-se de pé.

marsupilami disse...

caro anónimo,

Coloca-me uma pergunta difícil! O problema é que de lupanares percebo pouco..., Até hoje nunca precisei de pagar. Mas, sujeito prudente que sou, e tendo em vista um eventual ataque de senilidade, avento que o melhor é serem geridos e dirigidos pelos próprios utentes. Há coisas com as quais não se brinca!