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segunda-feira, novembro 04, 2019

Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?

Ou é mesmo verdade
que nunca me soubeste?




Não há mulheres, no plural. Há uma e outra e outra e outra. Todas diferentes. Nada que as iguale. Nada.

Posso falar do que conheço de outras mulheres mas não falo por elas. Cada uma tem a sua própria voz.
Conheço-as submissas. Conheço-as desconfiadas. Conheço-as abnegadas. Conheço-as lutadoras. Conheço-as sofredoras. Conheço-as arrogantes. Conheço-as inseguras. Conheço-as ingratas. Conheço-as com os pés e as mãos na terra. Conheço-as com a cabeça na lua. Conheço-as destroçadas. Conheço-as frágeis. Conheço-as guerreiras.  
Conheço tantas mulheres. 
Posso falar delas. Mas, se não falo de alguma em particular, se falo de mulheres, falo da que desconheço melhor: de mim.

Que as mulheres que me lêem não sintam estranheza por não se reconhecerem porque, se falo de mulheres, em abstracto, é de mim que falo, uso a minha própria voz que é a única que, em toda a verdade, sou capaz de usar.


Dos homens não sei. Há homens que eu acho que não têm qualquer interesse. E, no entanto, há sempre alguém que se interessa por eles. Por isso, sobre homens, também apenas posso falar por mim. E, se falar do que como um homem deve ser para ser interessante, é em mim que penso, no que a mim me parece interessante num homem. Mas também não sei dizer muito porque, se falasse,  estaria a falar de um ser abstracto e, a mim, o que me interessa são os homens concretos, de carne e osso, de verdade. 

Portanto, se eu me pusesse aqui a falar de homens, sobre homens em abstracto, tudo não passaria de teoria, conversa vaga, coisa de nulo interesse. Não o farei.

E um disclaimer que, se calhar, nem vem a propósito: há homens e mulheres que podem ser muito próximos, muito amigos. A grande amizade entre um homem e uma mulher é possível. Os meus melhores amigos sempre foram homens. Mas o mais interessante, o mais raro, o que dá sentido e fulgor à vida, o que cintila no escuro e no coração é a paixão. E, a seguir à paixão, um grande amor, um grande amor entre um homem e uma mulher. 

E, claro, estou a falar da condição que é a minha, a heterossexual. Mas talvez tudo possa extrapolado.


Contudo, justamente, porque quero ser precisa, não posso dizer muita coisa. Não saberia o que dizer.

Sei que teria ainda muito para descobrir sobre mim mas não tenho interesse nisso. Gosto de ser surpreendida e isso aplica-se também a mim. E gosto de ser desafiada pois isso leva-me a aventurar-me por caminhos que desconheço e, mais do que conhecer-me a mim, interessa-me conhecer os caminhos por onde a minha curiosidade me pode ainda levar.

E, tirando isso, nada. Não sei o que dizer.

Dou, pois, a palavra a outras mulheres. Este é um post sobre o que pensam as mulheres. Sobre o que sentem as mulheres. Melhor: sobre o que pensam as mulheres quando pensam em homens. Em certos homens. Naqueles que trazem sal, pimenta e beleza à vida, naqueles que fazem com que tudo cintile.



Os moços tão bonitos me doem,
impertinentes como limões novos.
Eu pareço uma actriz em decadência,
mas, como sei disso, o que sou
é uma mulher com um radar poderoso.
Por isso, quando eles não me vêem
como se me dissessem: acomoda-te no teu galho,
eu penso: bonitos como potros. Não me servem.
Vou esperar que ganhem indecisão. E espero.
Quando cuidam que não,
estão todos no meu bolso.


Mas se o corpo é escrita no leito do papel
onde a mão o deita, desnuda e o invade
lhe acaricia os ombros e em seguida

o possui de bruços e mesmo assim não sabe
saciar o corpo no corpo do delírio
com a avidez de uma emoção rapace

Réstia de sol na sombra do calor
fuso do corpo
tecendo o seu orgasmo
....



Penso em ti com apreensivo carinho. Realmente, entre a dor e o sonho, até quando conseguirei manter esta obsessão prática, este quase incesto? O verdadeiro amor é um acto indisponível.



Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora

Há tanto tempo sua própria tessitura.

Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.


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Primeiro poema - de Adélia Prado in 'Bagagem'

Segundo poema - excerto de 'O esplendor do Corpo' de Maria Teresa Horta in 'Eu sou a minha poesia'

Tisana 285 - de Ana Hatherley in '351 tisanas'

Último poema e poema do título - de Hilda Hilst in 'De amor tenho vivido'

Pinturas respectivamente de Frank Dicksee, Solomon Joseph Solomon, Picasso, Solomon Joseph Solomon, Red Cloth, John William Waterhouse, Rubens e Charles Joseph Frederic

Tudo na companhia de Melody Gardot com Our love is easy 

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E uma semana feliz a todos, a começar já por esta segunda-feira

terça-feira, outubro 29, 2019

Trova de muito amor para um amado senhor






Sabeis, senhor, que tenho que esconder o que falar não posso, não sabeis? Tenho, senhor, tenho que esconder de todos. E de mim também, senhor.

Nem a luz mais impudica, nem os ventos mais desvairados, nem o silêncio mais insistente, nada me fará dizer o que junto de todos e de vós também sou forçada a calar. 

Quero-vos distante de mim, senhor, quero esquecer-vos, quero nada saber de vós, quero não sentir o vosso perfume mesmo que a outros e não a vós ele pertença, mesmo que apenas o imagine, mesmo que apenas deseje tê-lo um dia sentido. É que é tão forte a saudade, senhor, tão forte, tão forte. 

E não queirais que eu saiba o que digo ou que me mantenha coerente. Não, senhor, não queirais. Toda eu sou fogo que me arde por dentro, queixume que se não deixa ver e que abre sombrios caminhos em mim, palavras de paixão que disfarçam a paixão que confessar não posso, labirintos em que sozinha me perco, perigosos e atraentes abismos que me respondem quando em silêncio por vós chamo, senhor.

Ah senhor, que dor, senhor, que dor.

Ah, que misterioso apego é este que sinto e que tanto queria desconhecer?

E que sopro é este que até mim chega e que sei, senhor, sei, que é o surdo chamamento que por mim lançais nas longas noites em que os lobos saem à rua para uivar, loucos de solidão e amor?

Ah senhor.



Se não vos vejo

Vos sinto por toda parte.
Se me falta o que não vejo
Me sobra tanto desejo,
Que este, o dos olhos, não importa. 

(Antes importa saber
Se o que mais vale é sentir
E sentindo não vos ver)

São coisas do amor, senhor,
Desordenadas, antigas.
E são coisas que se inventam
P´ra se cantar a cantiga. 

Não são os olhos que veem
Nem o sentido que sente.
O amor é que vai além
E em tudo vos faz presente

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Fotografias de Tim Walker.

Poema de Hilda Hilst do livro Trova de muito amor para um amado senhor que me obrigou a escrever o meu texto lá mais em cima

Lá em cima Letizia Butterin interpreta Laus Trinitati de Hildegard von Bingen

Aqui em baixo Verônica Sabino interpreta De Ariana para Dionisio de Hilda Hilst com música de Zeca Baleiro

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segunda-feira, julho 02, 2018

Das rolas, das cabras, das medusas -- e do desejo



Estávamos a passear, eu, a minha filha, os dois meninos. Falávamos não sei de quê. Das pinhas, talvez. Do desenho do banco de pedra que fiz debaixo dos pinheiros. Os meninos por ali e nós conversando. De repente aquele agitado rumor. Olhámos. Uma rola soltava-se da azinheira ou da aroeira e, naquele bater apressado de asas, levantou-se por entre as ramagens e foi para outro lugar onde não fosse perturbada por vozes humanas. Os meninos já não conseguiram ver. Mas eu e a minha filha sim. Grande, cor de prata e de pérola quase rosada.

O cheiro acre da penugem nova
da jovem rola fiel, solitária,
dos próximos pinheiros exilada,
entontecia os seres que a rodeavam
para escutar a paz do seu arrulho
-- os seres tão diversos de três reinos,
o gato negro, a pedra e eu no mundo.

Estão por todo, os pássaros in heaven. Mas mal se vêem. Conseguem esconder-se entre as folhas. Cantam, cantam. Se me ponho estendida ao sol, eles distraem-se e, então, abeiram-se. Vejo-os sobre os muros, saltitando no chão, voando de brincadeirinha de ramo em ramo.


Mas a fruta debicada prova que estão sempre atentos, sempre presentes. Como as uvas e os figos ainda não estão maduros, têm sido poupados. Mas as ameixas, como começam a ganhar cor e doçura, já estão quase comidas.


Quando íamos a caminho do terreno do lado de lá, aquele que foi limpo com uma máquina, o menino a quem em tempos chamava ex-bebé, o mais novo da minha filha, disse: 'O que eu gostava era de ter aqui animais'. E eu disse que eu também, uma cabrinha para comer o tojo e as silvas. Ele disse que ele queria um bode. E que lhe haveria de chamar Bodão. Bode Bodão, disse, sorrindo. E eu fiquei calada, a lembrar-me que esse era o nome pelo qual chamava a mãe dele um amigo que foi amigo de coração durante muitos anos. Depois, mal chegámos ao pé desse terreno, ele exclamou: 'Ah, este sítio era ideal para termos animais!'. E o seu mano veio ver mas não se entusiasma com estes temas da vida no campo, quer ser cientista e modificar o DNA para prolongar a vida humana. Ouço as coisas que ele diz, as suas investigações por vir, e fico sem saber o que dizer. Penso que prolongar a vida humana não é forçosamente bom. Mas não quero dizer-lhe isso nem tenho ideias feitas sobre o assunto. Ponho-me é a pensar na cabrinha que gostava de ter.

Falei com uma cabra
Estava só no prado atada
de erva saciada molhada
pela chuva balia

Aquele monótono balir era irmão 
da minha dor. E eu não lhe respondi primeiro
por graça depois porque a dor é eterna
Era esta a voz que eu sentia
enquanto a solitária cabra balia

Era uma cabra de rosto semita
Lamentava-se do mal alheio
da alheia desdita


E, posto e disposto tudo isto, e não querendo pensar em qualquer desdita (nem na pulga maldita), ao fim da tarde, depois de umas compras, fui fazer uma caminhada rente ao rio. Espantei-me com a beleza. Tanta, tanta. Como se nunca tivesse visto igual, assim me deslumbrei.

Olhei tudo pela primeira vez. O sol sobre o cais, o azul das águas, a magnífica cidade, linda, linda. As rochas, as águas entre elas, as medusas que julgo ver, vagueando, transparentes, cabelos à solta, e que não consigo fotografar.


Como vós oh infelizes cabeças

de roxas cabeleiras

não há coisa que mais me agrade

do que dançar no meio da tempestade

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E agora mais nada porque tenho que me levantar antes que o sol se levante do rio e já não falta muito. 

Mas vocês, que não têm que fazer centenas de áridos quilómetros -- sem rolas, cabras ou medusas -- podem ouvir Hilda Hilst a ler quatro poemas do livro "Do desejo" em gravação do princípio dos anos 90 do século passado (ah o que eu gosto de dizer do 'século passado' como se fosse coisa longínqua na qual eu não tenha estado).

Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?


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As fotografias foram feitas in heaven e no Ginjal

O primeiro poema é de Fiama Hasse Pais Brandão, o segundo é de Umberto Saba e o terceiro de Guillaume Apollinaire -- e estão no livro Animal, animal, um bestiário poético, organização de Jorge Sousa Braga

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E para verem um vídeo que mostra o corpo das mulheres antes de se depilarem queiram descer até ao post seguinte

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sexta-feira, março 03, 2017

Do desejo, da noite, do desejo, alcoólicas



Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?


[in HILST, Hilda. Do desejo]



Hilda Hilst: Quatro poemas na voz da autora



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Fotografias de Ève Morcrette

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quarta-feira, outubro 21, 2015

Se eu disser que vi um pássaro sobre o teu sexo, deverias crer?


Tenho tido uns dias cansativos e, para ajudar à festa, o trânsito anda horrível. Para quem vive em cidades mais pequenas ou, mesmo, no campo, talvez não consiga dar valor à sorte de não ter que andar metido em infindáveis pára-arranca, o tempo a passar, uma pessoa com compromissos e a ver que vai chegar atrasada - e eu odeio chegar atrasada. Das horas da minha vida passadas dentro do carro nem eu consigo fazer ideia.

Talvez por isso, chego a esta hora com sono, a cabeça meio esvaída, a pensar que amanhã ainda tenho que me levantar mais cedo, tanto que fazer, tanta canseira todos os dias. No carro, venho na Antena 2, não me apetece vir a ouvir notícias, e chego tarde a casa, pouca televisão vejo.

Dei agora uma volta pelos jornais online e penso que até me apetecia comentar isto do acordo alcançado entre o PS, o PCP e o BE, o contra-relógio entre a coligação dos PàFs e a nova coligação de esquerda, tal como me apetecia falar da surpreendente conversa que tive há bocado, pelo telefone, com o meu filho. Ou da situação de Sócrates, uma situação que me enche de perplexidade e preocupação, aquela sensação que, a toda a hora, um de nós. sem mais nem ontem, pode ver-se caído num buraco escuro do qual terá a maior dificuldade em sair. Ou responder a um Leitor que, no outro dia, me escreveu a dizer que eu devia falar também do Carlos Cruz. Mas eu não conheço bem o caso de Carlos Cruz, acho que ele foi julgado, condenado e isso confirmado em todas as instâncias. Já li que o caso também assenta em suposições - mas não sei e, estando em causa um crime tão grave, não quero correr o risco de, por desconhecimento, cometer eu alguma injustiça. Ou também podia falar de uma outra notícia, do além, que me chegou, de tarde, por um amigo e que, há pouco, me foi confirmada pela minha filha. Enfim, assuntos não faltam; mas a verdade é que hoje me sinto vencida pelo cansaço: não tenho energia para me empolgar e, como é sabido, quando escrevo sobre estas coisas toda eu vibro.

Por isso, vou antes virar-me para o lado lúdico da vida. Não direi, ainda que na brincadeira, que vou dedicar-me à sem-vergonhice porque haverá Leitores que se espantam com esta minha liberdade de movimentos. Mas não há nada a estranhar: sou assim, sempre fui. Sinto-me livre para falar ou escrever sobre o que me apetece e faço-o com naturalidade. A noção de pecado é uma coisa que, em mim, praticamente não existe. Indigno-me contra quem eu acho que faz mal aos outros e aí indigno-me a sério mas, tirando isso, sou mesmo peace and love e poucos preconceitos tenho. Guio-me pela minha consciência e melhor guia não conheço. Isso não faz de mim uma desregrada libertina, que não sou, mas revela que tenho uma mente aberta, tolerante, predisposta para me sentir bem e para fazer bem.

Bem, já chega de conversa.

Este intróito todo tem a ver com aquilo sobre o qual vou escrever. Encontrei na Elle francesa um pequeno artigo sobre oito coisas que os homens apreciam na cama, ou seja, no decurso do acto sexual. Não sei como chegaram a esta conclusão, se houve sondagem, estudo científico ou se foram os jornalistas que se confessaram. Mas, porque me parece bem, aqui estou a partilhar convosco. A ordem pela qual aparecem não tem a ver com a importância, é uma ordem ao acaso (acho eu). E a tradução que fiz do dito artigo é mais do que livre. Melhor: apropriei-me do texto e, na prática, escrevi o que me apeteceu, respeitando o conceito.


Mas vamos com música, que vamos melhor



Ama-me. Ainda é tempo. Interroga-me. E eu te direi que nosso tempo é agora. Esplêndida de avidez, vasta ternura. Porque é mais vasto o sonho que elabora há tanto tempo sua própria tessitura. Ama-me. Embora eu te pareça demasiado intensa. 








Oito mandamentos do sexo na perspectiva masculina



1. Os homens gostam de ver o rosto das mulheres enquanto fazem amor - um olhar mergulhado no olhar do outro só serve para que o mergulho seja mais perfeito.

2. Gostam da espontaneidade. Nada de atitudes premeditadas, posições muito rebuscadas. A entrega de forma natural, a boa disposição, a franqueza funcionam muito bem - em tudo na vida e também no sexo.

3. Eles gostam que a mulher assuma o comando. Talvez não sempre, ou seja, não queiram propriamente uma sargentona sempre em exercício;  mas de vez em quando, sim, vão gostar de ver que a mulher tem iniciativa, que sabe ao que vai.

Se eu disser que vi um pássaro sobre o teu sexo, deverias crer? 
E se não for verdade, em nada mudará o Universo. 
Se eu disser que o desejo é Eternidade 
Porque o instante arde interminável 
Deverias crer? 
E se não for 
verdade 
Tantos o disseram que talvez possa ser.






4. E gostam de ser surpreendidos. Toda a gente gosta, acho eu. Mas agora é dos homens que falo: gostam. E não vou entrar em pormenores, que nisto cada um que improvise por si.

5. Os homens gostam daquilo a que em inglês se chama dirty talk (e que em português soa um pouco vulgar se se disser conversa porca). Mas, enfim, gostam de uma ou outra expressão que demonstre que a mulher está descontraída, sem tabus. Mas pode ser apenas um incentivo como 'mais depressa'. Como este é um blog de família não me vou alargar. Só acrescento que muita conversa, ou conversa muito explicada, muito descritiva, produz efeito contrário.

6. Eles gostam de ser guiados, gostam que a mulher os leve ou lhes diga o que fazerem para que elas sintam mais prazer. Percebe-se: quem é que não gosta de aprender ou de se portar bem...?

7. Os homens gostam de perceber se as mulheres têm prazer. Por isso, o melhor é não disfarçar ou não se fazer de ausente. Claro que todos os exageros ou manifestações forçadas são contraproducentes.

8. E, claro, gostam da simplicidade. Gestos simples que demonstrem o afecto ou o desejo são altamente apreciados pelos homens. Não vou alongar-me pelos motivos já aduzidos mas as minhas Leitoras não se inibam nem se esforcem muito. Naturalidade, simplicidade, afecto - e as coisas correrão bem, a contento.


E por que haverias de querer minha alma na tua cama? Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas, obscenas, porque era assim que gostávamos. Mas não menti gozo prazer lascívia. Nem omiti que a alma está além, buscando aquele outro. E te repito: por que haverias de querer minha alma na tua cama? Jubila-te da memória de coitos e acertos. Ou tenta-me de novo. Obriga-me.



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Lá em cima Veronica Sabino interpreta a Canção II ( Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé), poema de Hilda Hilst musicado por Zeca Baleiro

As fotografias mostram a longilínea Gisele Bündchen

Os poemas (por vezes incompletamente transcritos) são de Hilda Hilst, uma mulher que falou do amor completo, físico, visceral, apaixonado e a quem, por isso, chamaram transgressora, mesmo obscena.
A propósito disso, ela disse:
“O que é obsceno? Obsceno? Ninguém sabe até hoje o que é obsceno. Obsceno para mim é a miséria, a fome, a crueldade, a nossa época é obscena.”
O título da mensagem foi extraído de um dos seus poemas.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia muito feliz.

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quinta-feira, maio 14, 2015

Histórias em azul na luz da caridade - Chagall, Kandinsky, Hilda Hilst, Abdullah Ibrahim. E, para terminar, o Grupo Corpo: No es por ti. E ainda um PS sobre este desavergonhado desgoverno.


Depois da loucura alegre, pintada de absurdo e despida a preceito no post abaixo, para equilibrar (porque há quem se encandeie quando vê o destempero estampado no rosto dos outros), eis que entra agora a felicidade em azul-triste dos que um dia pensaram amar-se. Podia vir temperada por saudades, esta felicidade azul, temperada por doces nostalgias, por promessas rasgadas como perfumadas cartas românticas, por lágrimas escondidas, recordações de vozes de veludo, olhares atraentes como doces abismos. Mas não, não vem temperada. Vem nua. Límpida. Livre. Voando sobre o dorso das aves, dançando alegremente sobre os rios, esmagando espelhos, correndo como cavalos azuis nas calçadas luzidias da noite, espalhando sóis e soltando asas feitas de palavras loucas.






Se a tua vida se estender
Mais do que a minha
Lembra-te, meu ódio-amor,
Das cores que vivíamos
Quando o tempo do amor nos envolvia.
Do ouro. Do vermelho das carícias.
Das tintas de um ciúme antigo
Derramado
Sobre o meu corpo suspeito de conquistas.
Do castanho de luz do teu olhar
Sobre o dorso das aves. Daquelas árvores:
Estrias de um verde-cinza que tocávamos.

E folhas da cor de tempestades
Contornando o espaço
De dor e afastamento.

Tempo turquesa e prata
Meu ódio-amor, senhor da minha vida.
Lembra-te de nós. Em azul. Na luz da caridade.



Canção das mãos
que ficaram na minha cabeça.

Eram tuas e pareciam asas.

(...)

O que foi feito
da ternura dos que amaram...

Ficou na minha cabeça,
mas tuas mãos que pareciam asas.
Que pareciam asas.

....
......

[Pausa para que termine a límpida música de Abdullah Ibrahim]

......
....

E agora, em azul: No es por ti




Abdullah Ibrahim: The Song is My Story (e mil vezes obrigada ao Leitor que me tem dado a conhecer música tão maravilhosa)


O tango em azul é dançado pelo Grupo Corpo - "No es por ti" de Ernesto Lecuona, numa interpretação de Zoraida Marrero e com coreografia de Rodrigo Pederneiras.


O primeiro poema e um excerto de outro são de Hilda Hilst (1930 – 2004)


A primeira imagem é Yellow-Red-Blue de Wassily Kandinsky (1866 – 1944)


A segunda é Entre guerre et paix de Marc Chagall (1887 – 1985)


...

Post scriptum


E sobre a politicazinha pequenina e rafeirolas desta coligaçãozeca laporiana e portista que nos desgoverna à grande e à francesa, já não se diz nada aqui pelo Um Jeito Manso

- perguntar-me-ão os Leitores que não são dados a frescuras.


Pois bem, explico.

É verdade, confesso: tenho andado sem vontade de comentar a actuação deste governo miserável. Para mim é já quase como se fosse carta fora do baralho, é uma gente que não tem maneiras, que não sabe quando é chegada a hora de se levantar da mesa, gente que se arrasta mesmo quando a festa já acabou, que aí estão querendo ainda privatizar coisas às três pancadas, gente desqualificada da pior espécie. Aumentaram a dívida, os níveis de desemprego, arrasaram com o investimento, expulsaram do país uma parte importante da população, atentaram contra a esperança e o sossego mental dos que ficaram. Mas, pior que isso, tem sido o manto de lama pantanosa, de miséria moral, de falta de vergonha na cara, de ignorância impudica. Têm trazido a política para o chão mais conspurcado, onde a palavra de nada vale, onde a honra é o que as agências de comunicação quiserem que seja, onde os números significam uma coisa e o contrário. Envergonha-me ser governada por gente desta laia. Por isso, dizer mais o quê? Que já não os posso ver à minha frente? Mas isso já vocês estão carecas de saber, certo? (sem ofensa para os carecas, claro está).

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Relembro que no post já aqui abaixo há do bom e do bonito.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quinta-feira em grande, feliz e boa, boa, boa.

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sexta-feira, janeiro 23, 2015

Obscénica - pornografia da boa em palavras e desenhos a cargo de uma dupla de primeira água, Hilda Hilst e André da Loba. --- [Post pouco recomendável a quem não se dê bem com cores e palavras fortes]


No post abaixo já falei da bazuca do Draghi, nos milhões e milhões que vão limpar as contas dos bancos, da esperança que haja gente decente e capaz que saiba tirar partido desta medida e, finalmente, dos camaleões sem vergonha e língua de pau (que é como quem diz, langue de bois) que já começam a sair à cena.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra e vou ver se não me alongo porque ando a deitar-me tarde demais e estou perdida de sono. Isto de agora ter que acompanhar uma primeira-ministra todos os dias úteis das dez às onze e picos (Refiro-me ao Borgen, claro), ainda reduz mais uma hora à minha já de si tão fraca disponibilidade.

Ando com temas em atraso e não estou a conseguir pôr-me em dia, e hoje tinha aqui uns quantos em carteira mas, dadas as limitadas circunstâncias, vou ter que me cingir ao que me parece mais rápido.

Desde antes do Natal que não comprava livros. É que nem sequer tinha conseguido entrar numa livraria e, a sério, parece que já andava em estado de carência.

Fui hoje e, embora tenham sido não mais que uns rápidos minutos, o bem que me soube...!

Cheguei a casa feliz da vida e fui logo fotografá-los para vos mostrar.


No sentido dos ponteiros do relógio:

  • O mundo em que vivi - Ilse Losa, edit. Afrontamento
  • Diário de um Velho Louco - Junichiró Tanizaki, edit. Relógio d'Água
  • 20 Poemas para Ângelo de Sousa (com uma pintura de Ângelo de Sousa) - Albano Martins, Amadeu Baptista, ... Regina Guimarães, Vasco Graça Moura, Vergílio Alberto Vieira; edit. Modo de Ler
  • 150 anos de Arte Moderna num piscar de olhos - Will Gompertz, edit. Bizâncio
  • Obscénica - Hilda hilst, André da Loba, edit Orfeu Negro
  • e ainda a Estante Nº4, revista da FNAC


Mas vamos com Ângela Rô Rô, minha gente.

Cantemos a Canção V com letra de Hilda Hils e música de Zeca Baleiro 
da Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio




Na Estante leio o que o futuro administrador da RTP, o Nuno Artur Silva das Produções Fictícias, diz sobre a adaptação dos livros ao futuro, e transcrevo um pequeno excerto:


Os livros que escolhemos ter nas nossas estantes vão ser, literalmente, escolhidos a dedo como objectos de colecção e, tal como hoje acontece com os livros infantis, podem ter mil e uma formas e feitios.
("Os livros são objectos transcendentes/ Mas podemos amá-los de amor táctil" - Caetano Veloso)

Objectos transcendentes de mil e uma formas, um amor táctil pelos livros. Percebo bem. Acontece-me isso. Livros belos pelo seu conteúdo mas também pela sua forma. Gosto de os ver, tocar, cheirar.

De entre os de hoje, o livro de Hilda Hilst incontornável: não são apenas as suas palavras que têm uma vida própria, que nos dão vontade de partir a correr atrás delas, sair voando pelos campos, saias ao vento, pernas ao léu - é também a cor, a provocação, o sexo descarado, a alegria tresloucada da transgressão inocente. As ilustrações de André da Loba são fantásticas. Ter um livro destes nas mãos é um prazer para o qual o sono já não me permite encontrar descrição.


Já me fartei de rir com os poemas que acabam com uma moral da história que é do mais imoral que se imagina, mas uma imoralidade radiosa, festiva.
Eu sei que uma mãe de família e executiva bem comportada, não deveria sequer olhar para estas obscenidades, uma pornografia pegada... quanto mais comprá-las. Mas esta euzinha aqui, vocês sabem, tem algumas particularidades e gosta à brava de tudo o que lhe cheire a transgressão, alegria, palavreado gostoso, cores felizes, insinuações saborosas. Como passar ao lado de um objecto tão provocante? Impossível. Foi vê-lo e anda cá que és meu. 

Ainda li apenas uma parte mas, do que vi, posso dizer que é uma coisa do além. Amanhã vou organizar aqui em casa um sarau de poesia. Vou pôr-me a declamar estes poemas e talvez filme a expressão do meu marido enquanto me for ouvindo. Corar não vai corar, isso já sei, que, moreno como é, só mesmo quando é apanhado em falso é que se ruboriza (por exemplo, quando me diz que uma dada colega é velha e gorda e eu a vejo na rua, jovem e boazona). Capaz é de ficar de boca aberta sem querer acreditar no que está a ouvir.

Poderia transcrever aqui um pouco mas teria que procurar com atenção e persistência a ver se descobria algum excerto que não fizesse fugir a sete pés os/as leitores/as mais recatados/as.

Contudo, já não consigo. É muito tarde, estou com muito sono e ainda deixava escapar alguma expressão que não encaixasse bem no salão que é o Um Jeito Manso, salão de meninas finas e de cavalheiros bem falantes.

Por isso, alertando os mais pios de que deverão, a partir de agora, avançar de olhos fechados, vou mostrar apenas uns pares de folhas.

Com vossa licença.



E, para disfarçar, para ver se não me tomam por uma libidinosa desencabrestada, junto a pintura de Ângelo de Sousa sobre os desdobráveis com as lusas poesias,




E agora uma imagem sem palavras porque, afinal, um desenhinho que mal tem?




E com uma história simples, nada de mal.




Uma gracinha. Este André da Loba que belo ilustrador me saíu! E que belas, apesar de desabridas e libertinas, as bem dispostas palavras de Hilda. 


Amanhã a ver se, mal acabe a saga da Primeira-Ministra, não me disperso e vos transcrevo uma parte. É que, diversão à parte, a qualidade da escrita é um espanto e as ilustrações também.


Engraçado este vídeo: Hilda Hilst, Zeca Baleiro e Zélia Duncan
onde Hilda diz que as pessoas cagam para os poetas




Ah, a felicidade de ouvir as vozes de quem ama as palavras.

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Recordo que no post já a seguir falo de um fim de ciclo marcado pela bazuca do super-Mario. A ver vamos é se há capacidade para a saber aproveitar.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.

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quinta-feira, janeiro 22, 2015

Se eu disser que vi um pássaro sobre o teu sexo, deverias crer? - pergunta a obscena Senhora Silêncio




Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?




Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas
e buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas.
Algumas tinham manchas azuladas
E o dorso reluzia igual à noite
E as manhãs morriam
Debaixo de suas patas encarnadas.

Vi-as sorvendo as uvas que pendiam 
E os beiços eram negros, e orvalhados.
Uníssonas, resfolegavam.

Vi as éguas da noite entre os escombros
Da paisagem que fui. Vi sombras, elfos e ciladas.
Laços de pedra e palha entre as alfombras
E vasto, um poço engolindo meu nome e meu retrato.

Vi-as tumultuadas. Intensas.
E numa delas, insone, a mim me vi.





Se te ausentas há paredes em mim.
Friez de ruas duras
E um desvanecimento trêmulo de avencas.
Então me amas? te pões a perguntar.
E eu repito que há paredes, friez
Há molimentos, e nem por isso há chama.
DESEJO é um Todo lustroso de carícias
Uma boca sem forma, um Caracol de Fogo.
DESEJO é uma palavra com a vivez do sangue
E outra com a ferocidade de Um só Amante.
DESEJO é Outro. Voragem que me habita.




É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A vida é líquida.





Hilda Hilst lê quatro poemas do livro "Do desejo" em gravação do princípio dos anos 1990.




Paulistana de Jaú, nascida no dia 21 de abril de 1930 e falecida a 4 de fevereiro de 2004, Hilda Hilst é reconhecida, quase pela unanimidade da crítica brasileira, como uma das nossas principais autoras, sendo consideradas uma das mais importantes vozes da Língua Portuguesa do século XX. Segundo o crítico Anatol Rosenfeld, “Hilda pertence ao raro grupo de artistas que conseguiu qualidade excepcional em todos os gêneros literários que se propôs - poesia, teatro e ficção”.


Distinguida por vários de nossos mais significativos prêmios literários, presente em numerosas antologias de poesia e ficção, tanto nacionais como estrangeiras, há muito seu nome está incluído nos dicionários de autores brasileiros contemporâneos.

De temperamento transgressor, prezando a liberdade, dona de uma rara beleza e coragem, culta e poeta, Hilda teve uma personalidade marcante e sedutora que ia de encontro aos costumes tradicionais vigentes nos anos 50, criando-se um folclore ao seu redor que, segundo alguns críticos, até chegou a ofuscar a importância de sua obra. 



Maria Bethânia - Canção III
Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio

Hilda Hilst musicada por Zeca Baleiro

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A singular poeta e escritora brasileira Hilda Hilst viveu no jet-set até os 33 anos, quando se retirou à Casa do Sol e dedicou-se inteiramente a escrever, cuidar de cerca de setenta cães, realizar transcomunicações e viver visões e epifanias. 



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As fotografias que usei junto aos poemas são auto-retratos da fotógrafa Patty Maher do  Ontario, Canada, feitos num lugar chamado Newfoundland.

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Permitam que vos sugira que desçam até ao post já a seguir: um momento de boa disposição, um jogo de nomes, um charme, um actor de excelência: Benedict Cumberbatch.

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