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quarta-feira, junho 29, 2022

A estranheza em mim

 


Foi como se tivesse chegado a um lugar antes familiar e, estranhamente, agora já não o fosse. No lugar que costumava ser o meu estava agora instalada uma outra pessoa. No lugar em que antes estava o meu amigo e onde eu tanto ia dar dois dedos de conversa estava agora uma pessoa desconhecida. No espaço onde estavam 'os meus' estava agora um grupo de desconhecidos. Queria perguntar pelos que conhecia e não sabia a quem me dirigir. Não conhecia ninguém.

A sensação era de estranheza mas não de espanto. 

No outro dia ligou-me um dos antigos conhecidos e estivemos a passar em revista várias pessoas da altura em que de lá saí. E foi há tão pouco tempo que saí, há cerca de dois anos. Uns saíram para outras empresas, outros para outras funções fora dali, outros para a reforma. Muita gente nova tinha entrado. Dizia-me ele: 'Cruzo-me com desconhecidos e não sei se é gente de cá se é gente de fora. Há serviços em que não conheço quase ninguém'. Enquanto ele falava, eu pensava: 'Se ele que lá trabalha pensa isto, que diria eu se lá fosse...?'. 

Numa outra vez, estava a ter uma reunião remota com uma pessoa de lá e qualquer coisa no espaço me pareceu familiar. Perguntei-lhe: 'Então agora onde é o seu poiso?'. Ele rodou o computador para filmar em volta: 'Veja se reconhece... ' Reconheci. E ele confirmou: 'Estou no seu gabinete'. 

Ontem pensei que tinha que ligar para lá para esclarecer uma situação e fiquei a pensar: 'Com quem peço para falar? Todos os conhecia daquela área já lá não estão..'. Uma sensação estranha.

Talvez por isso, hoje, quando o despertador tocou, acordei de um sonho muito estranho. E tive dificuldade em desligar-me do sonho.

No sonho eu estava a despertar. Tinha acordado e não conhecia ninguém. Estava no meu anterior local de trabalho e a disposição dos espaços era nova e as pessoas eram outras. Olhando, aturdida, em volta, tinha ouvido: 'Esteve a dormir durante mais de um ano...'. E eu, incrédula, olhando em volta: 'A dormir? Como se pode dormir durante um ano? Não estaria em coma?'. Não acreditava. 'Alguém me alimentou?!'. E as pessoas, como se fosse natural: 'Levantávamo-la todos os dias, era alimentada, lavada'. E eu, assustada, temendo ter estado vulnerável, diminuída: 'E usava fraldas?'. Sorriram: 'Não. Tínhamos horas certas para a levar à casa de banho'. Eu não percebia nada do que estava a passar-se. 'Mas porque me mantiveram no escritório?' Depois, preocupada com medo de ter causado preocupação aos meus: 'E a minha família?'. E eles: 'Achámos que era aqui que fazia sentido estar. A sua família tem vindo visitá-la'. Eu tentava perceber: 'Mas eu estava de olhos abertos?'. Como se fosse uma coisa natural, explicavam-me: 'Sobretudo tem estado a dormir mas de vez em quando estava de olhos abertos'. Naquela que tinha sido antes a salinha das massagens e, em alturas covid, o gabinete de confinamento, estava agora uma espécie de quartinho. 'Estive aqui um ano?'. E eles: 'Mais de um ano?'. Toda a gente ali parecia conviver bem com uma pessoa que vivia ali naquela sala, no meio de um escritório, numa torre de vidro, há mais de um ano. Olhavam para mim com uma naturalidade que me parecia estranhíssima. 'Mas não deviam ter-me mandado para o hospital?'. E eles: 'Mas porquê? Estava bem'. E eu: 'Mas levavam-me às reuniões?'. E eles: 'Sim mas só às reuniões mais complicadas'. Eu não percebia nada. Aquilo não me agradava. Respondiam-me a tudo, pareciam não estar a esconder-me nada. Mas nada me parecia fazer sentido. Queria perceber. 'As pessoas da minha família conversavam comigo?'. E eles: 'Isso não sabemos mas se calhar falavam'.

Acordei e estava nisto. Sem perceber. Pensando que nada daquilo encaixava. Pensava: 'Mas estava a dormir ou estaria inconsciente?'. E só pensava que estava rodeada de desconhecidos. 

E, durante o dia, várias vezes pensei nisto. 

Ficou em mim a estranha sensação de lá ter ficado esquecida e de que, ao despertar, tinha constatado que tudo tinha mudado e que, estranhamente, os novos habitantes do espaço me tinham adoptado assim, como um animal de estimação que os donos tivessem abandonado, nem a dormir nem acordada, nem consciente nem inconsciente, nem útil nem inútil.

Se calhar é porque, daqui por algum tempo, depois do verão, vou ter que lá ir, já está combinado. E vai ser estranhíssimo. Vou sentir-me uma estranha. Se calhar por isso tive este sonho que deixou em mim este incómodo. 

Ontem, também, ao querer aceder ao blog, não consegui, tive que provar que não era um robot, qualquer coisa de estranho se tinha passado, mas não sei o quê. Ocorreu-me que um dia posso ficar sem acesso ao blog para o actualizar e que o Um Jeito Manso pode ficar a pairar no espaço como um blog esquecido, como aqueles blogs cujo autor morre e fica imutável, para sempre parado no tempo. Ou que o próprio blog despareça sem que eu saiba onde procurá-lo. Ou sem que saiba como avisar-vos. 

Ideias um pouco estranhas. Mas pode acontecer. E talvez por saber que pode acontecer e por ter medo que aconteça é que estou com esta estranheza em mim.


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Têxteis sagrados de Goa na companhia de Ute Lemper que interpreta Lili Marleen

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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Serenidade. Paz.

sexta-feira, setembro 15, 2017

Um olhar tão humano


Glimpse Of A Lynx by Laura Albiac Vilas, Spain



Ando há anos, e nem sei dizer já há quantos, a pensar que um dia hei-de arranjar coragem para aqui falar da minha cãzinha querida sem desatar a chorar. Ainda não será hoje. Só um breve apontamento e, de resto, já não novidade aqui.

Como já o contei, veio viver connosco com cerca de dois meses e aqui se manteve, menina querida e muito amada, até quase fazer treze anos. 

Era uma boxer cor de mel, olhos doces, doces. O que me afeiçoei a ela não saberei jamais traduzir em palavras. Da alegria dela quando me via e do afecto que trocávamos, eu abraçada a ela e ela a mim, dificilmente eu poderei falar. Do que ela me entendia, da forma como inclinava a cabeça para melhor perceber o que eu lhe pedia, da forma como também se exprimia e que eu tão bem compreendia, não conseguirei transmitir a verdadeira dimensão. Inteligente, assertiva, compreensiva, meiga. 

O mundo devia ser perfeito e deixar que estivessem junto de nós aqueles que mais amamos. Não bastam palavras, não bastam as memórias e a doçura da saudade. Não. Para sermos verdadeiramente completos, devia ser possível que, sem molestar o equilíbrio restante, tivessemos fisicamente junto de nós aqueles que sabem olhar-nos com amor, aqueles a quem queremos olhar com amor, aqueles que nos percebem mesmo sem palavras, aqueles que sempre nos acompanhariam amorosamente, incondicionalmente. Mas é sabido: o mundo em que vivemos é imperfeito. 

Saved But Caged by Steve Winter, US

O olhar, tão humano, da minha cãzinha existe ainda na minha memória. E o último olhar que me dirigiu, tão humano, ainda hoje me entristece. Tão cobarde, eu. Tão humana, ela.

O nome dela, registado na caderneta era um, o nome que lhe chamávamos era outro e eu, nos meus arroubos de ternura, tratava-a por Nhu-Nhu. Podia também, por vezes, tratá-la por Nhunhucas. Mas, tratasse-a eu como tratasse, ela sabia sempre quando era com ela que eu falava. Quando existe tão genuíno afecto, as palavras pouco importam.
Não. Não é verdade. As palavras importam. Muito. São o elo de ligação, são a parte do nosso coração que entregamos aos outros.
Não sei se era porque tanto nos gostávamos, se era porque sim, porque não podia ser de outra forma, o que sei é que entre mim e ela sempre houve uma compreensão mútua muito humana. Ou muito animal -- não o sei dizer. Uma sobre-humana gentileza mútua. Não sei explicar. Faltam-me as palavras. Sobra-me a saudade e o amor.

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Apeteceu-me escrever isto ao ver o olhar dos três animais selvagens que aqui mostro, um olhar não 'humano' no sentido em que me referi ao falar do olhar doce da minha Nhunhucas, mas, ainda assim, humano.

São, tal como no post abaixo, algumas das fotografias escolhidas pelo Natural History Museum of London


Bold Eagle by Klaus Nigge, Germany


Lá em cima Ute Lemper interpreta Les feuilles mortes

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sábado, janeiro 21, 2012

Cavaco Silva, sem dinheiro para as despesas. Horta Osório, o ex deus ex machina. As insuportáveis provações dos muito ricos e, pior, muito pior ainda, as insuportáveis provações dos pobres. E Mario Testino, Natalia Osipova e Ute Lemper.

  
O tema do dinheiro ganho é, neste momento, um tema sensível.

Esta sexta feira deram brado as afirmações de Cavaco Silva que, com voz agastada, referiu os seus hábitos familiares de poupança e enunciou as parcelas da sua pensão de reforma, concluindo que a verba recebida (que os jornalistas referem ser cerca de 10.000 euros mensais) nem seria suficiente para cobrir as despesas. Vinha no carro e, logo a seguir, ouvi Fernando Nobre chocado, enumerando, em contraponto, exemplos dramáticos de quase miséria e agora, na televisão, já ouvi várias outras censuras.

Mas como não percebi qual o contexto em que Cavaco falou, nem ouvi toda a intervenção, não me vou pronunciar. Também não me vou referir aos esquemas de cálculo das pensões pois é tema que desconheço e não gosto de falar de cor.

Mas falemos de ordenados. Para quem tem de ordenado mensal 1.000 ou menos, ou mesmo 2.000 ou 3.000 euros por mês, ouvir falar em valores de 10.000 ou 15.000 ou verbas desta ordem, pode soar excessivo. São ricos, que paguem a crise, que se lhes aumente os impostos até sangrarem, que paguem a saúde, o ensino, que sejam proibidos de usar transportes públicos.

Ridículo. Ordenados da ordem dos 10.000 ou 15.000 ou mesmo um pouco mais não são nada de extraordinário e deveriam ser o padrão de uma classe média alta. E a classe média é essencial à manutenção do consumo e, por isso, da economia.

A classe alta deve ser situada para rendimentos mensais já bem acima disso. E a classe alta é também indispensável a um país pois puxa pela franja de economia atrás da qual vai a classe média alta e, atrás desta, vai a classe média e por aí fora e assim se ajuda a manter viva a economia.

Mas, dito isto, quero referir que se verbas desta ordem me parecem normais e aceitáveis, já verbas da ordem dos 50.000 euros por mês (45.000 em ordenado e 4.500 por mês para um ppr) para funções que não são executivas nem exigem trabalho a tempo inteiro me parecem exageradas, especialmente se forem usufruídas por pessoas que se fartam de pregar que os excessos têm que acabar, que tem que haver austeridade, que se têm que reduzir custos para se ser competitivo.


Não defendo (muito longe disso!) que a cada um segundo as suas necessidades; mas o contrário disso não deve a tresloucura de uns ganharem 500 e outros 50.000 - dizendo o que ganha 50.000 que o que ganha 500 tem que ser sujeito a mais austeridade. Rendimentos como aquele para funções como as referidas ou verbas que são o dobro ou o triplo disto são tão elevados que me parecem descabidos, ilógicos, atentatórios, quase uma provocação perante uma população a quem se exigem esforços, perante os desafortunados que desgraçadamente caem no desemprego e a quem agora se vai baixar o subsídio. Há qualquer coisa de imoral em coisas destas.

Mas entorpecidos que estamos por anos de coisas ilógicas e tão atormentados perante sucessivos anúncios de catástrofes, austeridade a doer e à toa, retrocessos fatais, já aceitamos, bovinamente, quase tudo.

Vem isto a propósito do endeusamento que se tem feito relativamente a Horta Osório que, por ter estado 2 meses a recuperar de excesso de stress, achou por bem abdicar de um bónus superior a 2 milhões de euros. Como é sabido, não se passou cá, passou-se no Reino Unido, no Lloyds.


Ora, quase tudo nesta história me indispõe. Não está em causa o mérito de Horta Osório. O que está em causa é a estupidez para a qual esta sociedade tem evoluído.

Horta Osório trabalhava horas de mais, sob grande pressão e, às tantas, começou a ter distúrbios de sono. Tal como ele, inúmeras pessoas em todo o mundo têm o mesmo problema. Excesso de trabalho, excesso de pressão - e acabam por cair para o lado. Nada de muito grave. Tratam-se e curam-se. Há coisas bem piores, há quem caia morto.

Mas Horta Osório fez um a cura de sono, pôs-se bom – e, até aqui, tudo normal.

Agora entramos nas coisas ridículas.

Depois do médico que o tratou o ter declarado recuperado, teve que ser sujeito a uma auditoria médica ‘independente’ para ver se estava mesmo em condições - como se fosse uma máquina que, antes de ser colocada em funcionamento, tem que ser inspeccionada e reinspeccionada. Depois, três administradores, à vez, foram a casa dele ver com os seus próprios olhos se ele estava mesmo bem. E ele, submisso, a deixar que o observassem, que o interrogassem, a mostrar que já estava bom.

Pergunto eu: com isto tudo, não se sentiu humilhado? Tratado como se fosse um débil mental, incapaz de avaliar por si próprio a sua própria condição física?

Não, pelos vistos achou normal.

Pergunto eu: se o mal não fosse o sono, como seria? Por exemplo, se tivessem sido problemas de próstata, iriam na mesma lá a casa e far-lhe-iam o toque rectal? E ele acharia igualmente normal?  


Depois, uma jornalista do Expresso entrevistou-o e tratou-o como se ele fosse um débil mental e ele respondeu como se, de facto, o fosse. ‘Então e o que é que aprendeu?’ e ele, menino culpado, lá respondeu que tinha aprendido uma grande lição. E ela ainda não contente: ‘E a nível pessoal , o que é que aprendeu?’ - e ele em vez de a mandar bugiar respondeu que também tinha aprendido que tem que dormir e dar mais atenção à Ana.

Ridículo, tão ridículo.

Agora, depois de ter sido inspeccionado por dentro e por fora, depois de ter pedido desculpa, depois de ter voltado a ser aceite no posto de trabalho, eis que, numa derradeira assumpção de culpa por ser tão imperdoavelmente humano, renuncia a um bónus milionário. E é o delírio!

Claro que é um gesto inédito e surpreendente. Mas mais surpreendente é que estas pessoas recebam verbas tão obscenas, mais surpreendente é que existam disparidades tão obscenas, surpreendente é que uma pessoa se sujeite a ser tratada como se fosse menos do que um ser humano, como se fosse uma máquina sem dignidade nem sentimentos, surpreendente é que se ache que tudo isto é normal.

Não é. Nada disto é normal. Isto tudo é obsceno.




A sociedade não deveria permitir nenhum destes disparates, nenhumas destas absurdas disparidades.


%%%%%%

Mudança de tércio

É fim de semana, meus amigos, tempo de descontrair. Nada de pensar em toques rectais ou outras coisas que tais. Tempo de lavar o olhar para ver se a lavagem chega até à alma.

Venham pois comigo até sítios em que tudo é limpo, alvo, belo.

Sienna Millher por Mario Testino

eu volto o rosto para cheirar-te quando passas
para decorar de ti algum contorno
saber por fim que lume trazes
junto ao corpo

que incêndio apagas
ou amotinas


[Lume de João Miguel Henriques in 'Isso passa']





Natalia Osipova do Bolshoi interpreta La Bayadere




Ute Lemper, a magnífica.

ooooooo

Bom sábado!
 

terça-feira, dezembro 20, 2011

Devem os melhores emigrar? O tanas! Portugal tem que acolher os portugueses e não mandá-los embora. Passos Coelho, Miguel Relvas, Carlos Abreu Amorim não estão à altura do que se esperaria de governantes.


Hoje foi o Relvas. Com aquele seu ar de velha sabida, com um sorrisinho de quem tem alguma na manga, veio corroborar a afirmação de Passos Coelho - que quem não tem trabalho cá que emigre, que Portugal tem um longo historial na emigração e que até é uma boa coisa termos gente capaz lá fora.

Felizmente ouvi-o na televisão e não ao vivo, felizmente estava bem longe de mim. Respirar o mesmo ar que ele far-me-ia ter, certamente, um rash cutâneo (no mínimo!).

Passo a explicar os nervos que isto me dá:

1. É um facto que há professores a mais, tanto mais que a demografia está numa perigosa recta descendente, havendo cada vez menos crianças. Há professores a mais, advogados a mais, jornalistas a mais e um montão de gente das mais diversas profissões a mais. O desemprego está a aumentar e está a ferir dramaticamente as camadas mais habilitadas da população. É um facto.


2. É um facto que, com o trabalho a rarefazer-se, cada um que se veja nesta dramática situação equacionará a melhor forma de sobreviver e quantos, quantos, fazem as malas, dizem adeus à família e vão para outro país...! Mas cada um é livre de fazer o que quer, especialmente quando estão em causa necessidades primárias e é, pois, mais que legítimo que partam.




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A. É um facto também - e agora vou fazer uma analogia - que numa família, ao ver o desemprego a bater à porta e o dinheiro a escassear, alguns pais olham para os seus filhos e dizem «que cada um se faça à vida, vão para a rua, peçam esmola, roubem, façam o que quiserem'. Mas outros pais há, felizmente a maioria que, nas mesmas circunstâncias, pedem ajuda, reaquacionam a sua vida, viram-se do avesso, mas nunca deixam de se sentir responsáveis pelos filhos que têm a seu cargo.


Governar é idêntico, é ser responsável por gerir o presente e o futuro de um país - não de cada pessoa em particular, não de cada grupo de pessoas, mas de toda a gente em geral. Ora um Governo sacudir a água do capote, dizer que cada um vá à vida, que vão morrer longe, é desumano, irresponsável, é inaceitável.


B. É um facto também que Portugal tem um gravíssimo problema de desequilíbrio económico e financeiro - há cada vez mais pessoas a receberem subsídios e pensões (porque há mais pessoas no desemprego, porque as pessoas vivem mais anos) e cada vez menos pessoas a descontarem. A linha demográfica deveria sofrer uma inflexão, fomentando fortemente a natalidade. Outra forma seria estimular a imigração pois é gente que entra no país e começa logo a fazer descontos, a pagar impostos. Ora emigrar nesta altura é fazer o reverso. Demograficamente é um disparate. São pessoas em cuja educação o País investiu e que vão usar os seus conhecimentos noutro país, pagar impostos noutro país. Que seja o Governo a estimulá-lo é de uma ignorância e incompetência que assusta.


C. É claro que não havendo emprego cá, as pessoas não estariam a pagar impostos. Claro. Mas mandá-las embora é fazer disparate em cima de disparate.


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E agora, depois destes considerandos, a ver se chuto à baliza:


Remate nº 1 - Um país desenvolve-se com população qualificada. Professores, advogados, jornalistas (e já nem falo de engenheiros, economistas, etc) são pessoas qualificadas que podem ajudar a desenvolver o país. Pode acontecer que não haja, de momento, lugar para eles na sua exacta profissão. Contudo, sendo gente com habilitações superiores, podem certamente ser muito úteis mesmo fazendo outras coisas. Cabe ao Governo traçar linhas estruturais e desenvolver políticas que as incentivem. Se o Governo perceber isto poderá começar a dirigir as suas políticas estrangeiras no sentido de atrair investimento para criar, por exemplo, empresas de Shared Services de multinacionais. Este tipo de empresas tem como objecto fazer a gestão administrativa das empresas (área financeira, área jurídica, área de informática, etc), empregando, portanto, mão de obra qualificada nas áreas financeiras, jurídicas, informáticas, etc, e gente que saiba falar línguas. Grande parte das grandes empresas mundiais tem a sua gestão espalhada por empresas deste tipo em vários países (Irlanda é um local prevalente). Portugal tem todas as condições para ser um destino privilegiado para a instalação deste tipo de empresas. Ex-professores, advogados, gente formada em comunicação social, relações internacionais, gestores, etc, é gente perfeitamente qualificada para trabalhar nestas empresas.




Empresas de manutenção e desenvolvimento de software são outra hipótese. Empresas multinacionais de informática têm recorrido muito à Índia mas a coisa não tem corrido bem. Há questões linguísticas, questões culturais, grandes diferenças horárias. Portugal seria excelente para isso.

E poderia dar mais exemplos.

Portugal tem uma população que é early adopter nas novas tecnologias, o que revela a sua enorme plasticidade na rápida assimilação de novas ferramentas de trabalho; Portugal tem uma população que na maioria sabe mais que uma língua e que rapidamente percebe outras línguas ou dialectos; Portugal tem um excelente clima e uma geografia que agrada a outros povos; Portugal tem boas estradas, bons acessos, boas comunicações; Portugal tem um povo afável e hospitaleiro e tem uma cultura de tolerância. Portugal tem todas as condições para atrair investimento de qualidade do tipo que referi.

É assim que o Governo deveria pensar. O Governo deveria pensar que, ao fazer o contrário, dizendo para pessoas qualificadas se irem embora, está a condenar o país ao definhamento, está a alijar responsabilidades, está a desviar impostos para outros países, está a rejeitar pessoas que se deveriam sentir acarinhadas, está, em suma, a agir miseravelmente.


Remate nº2 - Poderia dizer-se que este Governo e este Primeiro Ministro, em particular, mais o Relvas e outros que tais, estão apenas a constatar o óbvio, a ser francos, a não dourar a pílula e que isso é que se quer: quem nos dê más notícias todos os dias.  Talvez haja quem ache que os portugueses andaram a viver à tripa forra e que é bom que agora lhes tirem o pão, o chão, lhes dêem estaladas na cara se necessário for.

Errado, erradíssimo.

Quem viveu à tripa forra e fez mal a este país não foram as pessoas que agora estão a ser incentivadas a sair do país,
  • [Abro aqui um parêntesis: sempre me revoltei contra o Sindicato dos Professores. A luta que Mário Nogueira e que tais travaram, de uma forma conservadora, egoísta, corporativa, fez muito mal à classe. Mas uma coisa é o Sindicato dos Professores e outra é agora cada um dos que está desempregado]
quem faz mal ao país mas mal a sério foram os especuladores financeiros agindo impunemente (como ainda hoje o fazem), foram os que formaram grandes fortunas sem terem que trabalhar, quem se endividou avidamente para apostar em acções, em empresas, deixando depois enormes vebras incobráveis nos bancos, foram os corruptos, os incompetentes e gananciosos, quem fez mal foi também o sector financeiro que assentou a sua estratégia comercial na concessão ad hoc de crédito a quem nitidamente nunca poderia pagar - e, portanto, estou a falar de oportunistas de toda a espécie que, ao longo de décadas, na ânsia do enriquecimento rápido e fácil,  na ânsia de oferendas e prebendas de toda a espécie, deixaram que a economia fosse destruída e as finanças desequilibradas.

Ou seja, não foi o Zé Povinho, individualmente, que causou isto para que agora seja ele a pagar de todas as maneiras que à Merkel, ao Passos Coelho, Moedas, Relvas, Gaspar, ocorra.

Há quem tenha fortemente arreigado um sentimento de culpa e que, a cada desgraça, ache logo que há culpa que lhe assista e que, portanto, há que expiar essa culpa. Ora não é assim. Qual culpa, qual carapuça. Que paguem os culpados, não as vítimas.

O que há que fazer é repensar a política toda, há que se ser exigente (onde é que se viu pessoas como um Passos Coelho, um Relvas, um Álvaro, uma Cristas e outros que tais serem ministros? E ainda por cima numa altura destas em que se exigia gente competente, experiente...), há que ser ambicioso quanto ao futuro do País, há que apelar ao sentido de inovação e empreendedorismo, há que cativar os melhores - e não escorraçá-los como cães sarnentos!

.&. !!!  .&.

Por isso, alguém me faz um favor? Se alguém os conhece, podem dizer-lhes que me recuso a ouvi-los em mais conversas destas? Se não há lugar para todos, que vão eles, xô, xô...!




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Ah, que até estou cansada de tanto escrever...

E, então, agora vou-me embora acabando assim...?

Ná... Já passa da 1 e meia da manhã, já estou com sono (coisa habitual...) mas ainda vou ali ver se descubro uma coisinha boa. Já venho.

Ok, cá está. Mudança de ares.

A bela e de fortíssima presença em palco Ute Lemper interpretando dois clássicos da música francesa. Bora lá. La vie en rose é tudo o que eu desejo e sim, é verdade, je ne regrette rien.





Enjoyez!

 

(PS: Se encontrarem letras trocadas, coladas às palavras indevidas, etc, relevem, que eu estou com sono, não tenho paciência para ainda ir reler, ok?)