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segunda-feira, outubro 03, 2016

Elena Ferrante é Anita Raja?
O grande mistério literário da actualidade foi finalmente resolvido?
E, a ser verdade, tinha Claudio Gatti o direito de o revelar?


Não caí de amores por Elena Ferrante.

Gostei, apreciei a qualidade da escrita muito terra a terra, a descrição das pequenas coisas, os pensamentos perversos que felizmente ninguém escuta mas que moldam as acções comuns, a pequena história, o quase nada que vai desenhando o caminho. Notei a rédea curta com que gosta de levar o leitor, sempre a manter a vontade de saber o que vem a seguir, e os dias passando, e a vida dos personagens acontecendo, pequenas misérias, grandes vitórias, inconfessáveis sentimentos. Apreciei, é verdade. Mas em momento algum me senti deslumbrada ou agarrada.

Passo agora pelos livros dela, em todos os escaparates, em todas as livrarias, e nem sei bem se aquele é um dos que me falta ter ou se é um dos que tenho em casa ainda por ler. Sinto que será até heresia confessar esta minha quase indiferença. Mas é verdade.


Elena Ferrante vende livros como pãezinhos quentes, a crítica é unânime, os leitores são devotos, a Time Magazine nomeou-a como uma das 100 personalidades mais influentes do planeta -- e o culto instalou-se. Por cá, só faltava mesmo o omnipresente e omnisciente Marcelo recomendar a Costa a sua leitura para que quem andasse distraído espevitasse as orelhas.


Acresce o mistério. Quem é Elena Ferrante? Ninguém sabe. Ela mesmo diz que isso não interessa, o que interessa são os livros que escreve. Diz-se mulher, nascida em Nápoles. E, se querem conhecê-la melhor, que comprem os seus livros.

Sobre isso já aqui falei e não posso estar mais de acordo. O nome verdadeiro de quem escreve ou a sua vida pessoal é-me completamente indiferente. Gosto de ler entrevistas a escritores ou gosto de os ouvir falar sobretudo pelo processo de escrita ou sobre como processam a realidade para a transformarem em literatura. Agora se têm quarenta ou setenta anos, se têm ou gostavam de ter filhos,
-- como aquele Valter Hugo Mãe que por aí anda há anos a dizer que gostava de ter um filho. O que é que a gente tem a ver com isso? Há anos que dura esta conversa. Até já houve quem se tenha oferecido para engravidar dele. E ele nisto. Agora que trocava os livros que escreveu por um filho. O meu marido hoje, no gozo, dizia que, se calhar, ele quer é ser ele mesmo a tê-los, a engravidar. Na volta é. Caraças. Conversa da treta a do Valtinho --
se o nome de nascimento é aquele ou outro ou se são de famílias ricas ou pobres, se vivem em Lisboa, Paris ou Freixo de Espada à Cinta -- isso não me parece que tenha qualquer relevância quando apreciamos uma obra.

Mas a vontade de privacidade de alguns aguça a curiosidade de outros. E desde há muito que muita gente andava a ver se descobria a verdadeira identidade de Elena. Talvez o tenham conseguido.

Trancrevo do DN:

(...) apesar de todo o secretismo, Claudio Gatti afirma ter descoberto quem é a verdadeira Elena Ferrante: Anita Raja é uma mulher, tem 63 anos, vive em Roma e é tradutora de alemão, trabalhando habitualmente com a Edizione E/O - a editora dos livros de Ferrante. Raja é casada com o escritor napolitano Domenico Starnone - curiosamente, ele próprio já foi apontado como o verdadeiro autor das obras assinadas por Ferrante.


De acordo com o porta-voz da editora, Anita Raja é uma tradutora em regime de freelancer e não é uma empregada da casa. No entanto, segundo descobriu o jornalista, os pagamentos que a editora lhe tem feito aumentaram "dramaticamente" nos últimos anos.

The New York Times deu o mote: Who Is the Real Elena Ferrante? Italian Journalist Reveals His Answer


The Guardian destaca: Elena Ferrante: literary storm as Italian reporter 'identifies' author


E o La Repubblica"Elena Ferrante è Anita Raja": svelata l'identità della scrittrice dell'"Amica geniale"?



Para que os leitores a possam 'conhecer', as notícias referem o vídeo em que, em Dezembro de 2015, Anita Raja aparece na sua qualidade de tradutora. Seja Anita a misteriosa Elena Ferrante ou não, gostei de a ouvir falar e, por isso, partilho-o convosco tal como partilho o respectivo texto de apresentação:

Anita Raja
LITERARY TRANSLATOR AND DIRECTOR, BIBLIOTECA EUROPEA, ROMA


Nata a Napoli, vive e lavora a Roma. Ha tradotto dal tedesco gran parte dell'opera di Christa Wolf, Il processo di Franz Kafka, testi di Jakob e Wilhelm Grimm, Irmtraud Morgner, Helga Königsdorf, Ingeborg Bachmann, Bertolt Brecht, ecc. Sono in corso di pubblicazione presso l’editore Einaudi la traduzione di Fratelli di sangue di Ernst Haffner e de La morte di Danton di Georg Büchner. Ha pubblicato articoli e saggi sulla letteratura italiana e tedesca e sui problemi relativi alla traduzione. Nel 2007 ha vinto il Premio italo-tedesco per la traduzione letteraria, assegnato dal Ministero degli Affari Esteri tedesco e dall’Incaricato del Governo federale per la Cultura e i Mass Media in collaborazione con il Goethe-Institut.

NYU Florence - Anita Raja: La traduzione come pratica dell'accoglienza



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Seja como for, os editores devem agradecer a notícia pois ela fará, certamente, aumentar a curiosidade e fazer vender ainda mais livros. E ela provavelmente ficará muito bem calada ou então responderá que a curiosidade matou o gato.

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E queiram, por favor, descer pois abaixo fala-se de Lavoura Arcaica, um grande livro do nosso Camões 2016.

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sábado, setembro 12, 2015

Os dias do abandono


Para A.





Separei tranquilamente a roupa branca dos tecidos de cor e pus a máquina em funcionamento. Queria ter a certeza chã dos dias normais, embora soubesse bem demais que persistia no meu corpo um movimento frenético noutro sentido, um relâmpago, como se tivesse entrevisto no fundo de uma cova um horrível insecto venenoso e todas as partes de mim própria continuassem tomadas ainda de um impulso de recuo, agitando os braços, escouceando. Tenho de reaprender - disse para comigo - o passo tranquilo dos que pensam saber para onde estão a ir e porquê.

(...)


Tomei um duche, arranjei-me cuidadosamente, pus um vestido que me ficava bem e fui tocar à porta de Carrano.




Senti-me observada pelo óculo, demoradamente: imaginei que ele estivesse a tentar acalmar as pulsações do coração, que quisesse apagar do rosto a emoção que a minha visita inesperada lhe causava. 

Existir é isto, pensei, um sobressalto de alegria, uma pontada de dor, um prazer intenso, veias que fremem sob a pele, e não há outra verdade que se possa contar.



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Os excertos (não sequenciais) pertencem a Os Dias do Abandono do livro Crónicas do Mal de Amor de Elena Ferrante.

Fotografei os troncos de árvores aqui, in heaven

Joana Gama interpreta Für Alina de Arvo Pärt

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E permitam que vos convide a seguir até ao post abaixo onde, num outro comprimento de onda, sugiro que a nossa Presidenta, a Srª Dona Cavaca, siga os passos da Madama Sarkozy, a versátil Carla Bruni. E a seguir ainda tenho a Cate Blanchett em Sì
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

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segunda-feira, agosto 31, 2015

Todos os rostos e nenhum


Não é a primeira vez que aqui falo dela. Ninguém sabe quem ela é. E digo 'ela' porque assim se apresenta e admite-se que, ao menos isso, seja verdade mas, volta e meia, surgem hipóteses dadas como prováveis que a dão como sendo um outro muito conhecido escritor, homem. Não se sabe. 

O que se sabe é que é uma das escritoras mais conceituadas da actualidade. Dão-na como italiana, supostamente napolitana - já que ela o refere. Falo de Elena Ferrante que, naturalmente, também não se chama Elena Ferrante.


Desde que publicou o seu primeiro livro, em 1992, que a sua opção foi esta: o que havia de valer seriam as suas palavras e as histórias dos seus livros, não o seu rosto nem a sua própria história.

Claro que este anonimato tem concitado toda a espécie de curiosidade mas a autora não desarma: não, não e não. Não se mostra, não diz quem é. Responde por escrito a entrevistas, a algumas entrevistas, poucas - e é se querem.

Escuso de dizer que acho muito bem pois é essa justamente a minha atitude perante os livros: gosto do que leio sem querer saber da vida de quem o escreveu. Posso até dizer que não gosto muito de ver os escritores a exporem-se em feiras ou a darem entrevistas em que se desvendam como se esse strip-tease valorizasse a sua obra. 
Ou melhor: não é bem isso, não estou a ser rigorosa. Até gosto de ler entrevistas a escritores mas falando da sua actividade de escritores; ou até gosto de ler entrevistas, em geral, a pessoas interessantes -- mas não gosto de ver essa exposição ser posta ao serviço do marketing dos livros escritos pelos entrevistados até porque, nesse caso, geralmente, são entrevistas fúteis, irrelevantes. 
Não sei se me faço entender mas deixem, são coisas minhas que acho que os escritores devem recuar perante os seus livros. E devem fazê-lo até por humildade já que os livros, se forem bons, perdurarão e o corpo de quem os escreveu não. Mas o que eu penso aqui, agora, não vem ao caso.

Vem isto a propósito de uma entrevista que Elena Ferrante concedeu à Vanity Fair: Elena Ferrante Explains Why, for the Last Time, You Don’t Need to Know Her Name



[Permitam que traduza um excerto pois acho o tema interessante.
Anonimato, clandestinidade, segredos - e, no entanto, não nos esqueçamos:
les plus grands secrets se cachent dans la lumière.]



O motivo, nada a fazer..., é o lançamento do seu último livro, The story of the lost child.

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Romance


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De facto, onde é que trabalha, em que local?

Onde o possa fazer. O importante é ter algures um pequeno recanto. Ou seja, um pequeno espaço.

O que faz para descontrair?

Dedico-me a tarefas domésticas maçadoras.

É interessante que você -- escolhendo manter secretos alguns detalhes sobre a sua identidade -- em certo sentido, se tenha apagado a si própria. Poderia escrever tão honestamente se fosse uma figura pública? Ou isso não interessa para nada?

Não, se uma pessoa escreve e publica dificilmente se apaga a si própria. De facto, eu tenho a minha vida privada e pública completamente representadas nos meus livros. A minha escolha foi, de certa forma, diferente. Eu simplesmente decidi de uma vez por todas, há 20 anos, libertar-me da ansiedade da notoriedade e da necessidade de fazer parte do círculo das pessoas bem sucedidas, aquelas que acreditam que ganharam sabe-se lá o quê. Isso foi um passo importante para mim. Hoje sinto, graças a esta decisão, que ganhei um espaço próprio, um espaço gratuito (ou livre), onde me sinto activa e presente. Ceder face a esta decisão seria muito doloroso.

No entanto, ainda me sinto curiosa sobre o que leva um autor - especialmente uma autora tão bem sucedida e tão aclamada pela crítica - a escolher manter-se anónima?

Eu não escolhi o anonimato. Os meus livros são assinados. O que se passa é que me retirei dos rituais onde os escritores são mais ou menos obrigados a representar de forma a apoiar o seu livro emprestando-lhe a sua dispensável imagem. E tem funcionado bem até aqui. Os meus livros demonstram cada vez mais a sua independência pelo que não vejo razão para mudar a minha posição. Seria deploravelmente incongruente. 

O escritor nunca quer que o leitor sinta a sua presença, nunca quer chamar a atenção para si próprio, e, no entanto, um leitor atento saberá detectar aqui e ali algumas das impressões digitais do criador. Que direcções poderia indicar aos leitores desesperados de forma a que pudessem encontrá-la a si no seu trabalho (para além de os mandar dar uma volta?)

Tanto quanto sei, os meus leitores não desesperam de todo. recebo cartas de apoio a favor desta minha pequena batalha pela centralidade do meu trabalho. Evidentemente, para os que amam literatura, os livros bastam.
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Nem mais.

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  • As fotografias que usei para acompanhar o texto mostram mulheres que se expuseram perante Steve McCurry, da série Retratos.

Portraits reveal a desire for human connection;
a desire so strong that people who know they will never see me again
open themselves to the camera,  all in the hope that at the other end
someone will be watching, 
someone who will laugh or suffer with them.

A primeira foi feita em Itália, a segunda na África do Sul, a terceira na Etiópia, a quarta no Brasil e a última na Indonésia. 
  • O Romance de Liszt é interpretado por Lang Lang.
  • O artigo completo com a entrevista de Elena Ferrante pode ser lido aqui.
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E permitam que vos convide a descer até aos dois posts abaixo: aos Mirós deixados à beira-mar e aos veleiros deslizando sobre um rio de luz. 

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela, belíssima semana, a começar já por esta segunda-feira.

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terça-feira, junho 23, 2015

A verdadeira autora de Um Jeito Manso. E uma cá das minhas, Elena Ferrante, pela mão de Pedro Mexia







Desconhecem-me e, por vezes, isso não chega a quem aqui me acompanha. Recebo mails em que Leitores se deitam a adivinhar a minha idade ou como sou do ponto de vista físico. Outras vezes há quem espere encontrar-me em lançamentos de livros para poder ver quem sou e como sou, e me escreva referindo a pena de ainda não ter sido dessa vez que conseguiram, finalmente, encontrar-me.

E, no entanto, se eu quisesse despertar interesse através de mim enquanto corpo, rosto, nome ou profissão, criaria uma conta no facebook ou até no linkdin e exporia esse meu lado exterior. Se essa fosse a minha opção, ir-me-ia mostrando a olhar o rio e escreveria uau, que bem se está aqui, ou mostrando-me a comer um gelado e escreveria nham nham, tão bom, ou fotografando os meus pés com uns sapatos novos e escreveria olha eu a fazer de conta que sou maluca por sapatos, e, portanto, centraria a minha comunicação internética na minha pessoa. Ora, a questão é que me acho deveras pouco interessante para isso. 

Pelo contrário, embora também não me ache a última coca-cola do deserto, penso que, quem aqui procura este espaço, o fará não por eu ser loura ou morena, magra ou gorda, engenheira ou doutora da mula russa, bem vestida ou mal enjorcada, mas, sim, porque o que aqui escrevo ou divulgo tem alguma graça. Pelo menos, tento iludir-me assim.

Se eu fosse escritora, também não me daria a conhecer. Não quereria que a minha escrita pudesse ser lida à luz da minha vida. Nem quereria ter que explicar o que escrevesse. Nunca. O que se escreve tem explicação para o próprio e tem-no no momento em que se escreve -- a menos que escrevesse sobre política, gestão ou qualquer uma dessas tretas de cariz mais prático. Agora, se escrevesse ficção, alguma vez eu teria paciência ou discernimento para explicar porque é que aquela personagem disse aquilo ou a outro fez outra coisa qualquer? Nunca. Cada um diz e faz o que quer: é coisa que assoma aos dedos de quem escreve sem se saber porquê. Ou, se souber, não é para estar a divulgar, ora.

Se eu escrevo aqui sobre fogo, sobre mar, sobre abismos, monstros, nuvens, flores, mulheres sedutoras, homens de perdição, gaivotas, espelhos, lágrimas, fúrias, desconsolos, desacertos, paixões, abraços perdidos no tempo, ou seja sobre o que for, a última coisa que eu quereria seria que alguém pensasse que essas rêveries têm alguma coisa a ver comigo ou com alguém que eu conheça ou que tentassem interpretar as palermices que aqui aparecem escritas à luz de quem eu sou na minha vida 'à civil'.

Como não sou escritora nem considero que o que aqui vou escrevendo tenha algum valor por aí além, não me ponho em bicos de pés e, portanto, não posso estabelecer comparação com a pessoa sobre quem Pedro Mexia falou aqui há dias. Mas gostei de ler.

De facto, no Expresso de 13 de Junho, Pedro Mexia escreveu uma crónica a que deu o título: O verdadeiro autor, em que fala sobre a irrelevância do 'verdadeiro autor' enquanto elemento determinante na apreciação da respectiva obra.


Sobre o assunto, escreveu ele a propósito de um nome grande da literatura actual, alguém que ninguém faz a mínima ideia quem seja: Elena Ferrante. Transcrevo alguns excertos.


Agora, os seus editores conseguiram entrevistá-la, e o texto, revisto, apareceu na última edição da 'Paris Review'.

Ferrante não desvenda o seu verdadeiro nome e não revela quase nada sobre a sua vida, mas conversa sobre métodos de trabalho e sobre a questão da autoria.

Um leitor inteligente não verá autobiografia em tudo, mas saberá reconhecer a 'autenticidade' do texto, que aliás não obsta à sua impecável ficcionalidade.

Não é a morte do autor que está aqui em causa mas a morte daquilo a que se chama um autor, e que é uma falsidade e uma desnecessidade. 'Se a autora não existir fora do texto, dentro do texto ela oferece-se a si mesma, acrescenta-se conscientemente à história, de um modo muito mais verdadeiro do que nas fotos a cores de um suplemento dominical, num lançamento, num festival, num programa de televisão, numa entrega de prémios'. Fazer desaparecer o autor empírico abre um espaço criativo. E essa ausência é colmatada pela escrita. Os leitores, acredita Ferrante, serão capazes de descobrir o 'verdadeiro' autor, 'em cada palavra ou violência gramatical ou nó sintático', tal como descobrem, aos poucos, a personalidade de uma personagem.

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Por isso -- e agora dirijo-me, em especial, aos meus Caros Leitores mais curiosos -- tenham por favor, alguma paciência comigo: não queiram saber quantos anos tenho, se sou feia ou bonita, se sou atraente ou antipática ou qual a área em que trabalho. Isso é irrelevante, passageiro. Uma desnecessidade. A minha verdade está nas ficções simples com que me entretenho, nas palavras que se soltam de mim à noite aliviando-me do peso dos dias, nas cores ou, mesmo, apenas no preto e branco com que levo até vós aquilo de que gosto, nos sonhos inocentes ou tresloucados que por aqui podem passear à vontade, nas minhas opiniões políticas, no humor que, por vezes, de mim se evade à rédea solta. E no amor que, por aqui, tantas vezes transparece.



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E, por falar em coisas de que gosto, aqui vos deixo duas delas.




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As fotografias são da autoria de Christian Coigny  
Eva Cassidy interpreta Over The Rainbow
Aurélie Dupont e Manuel Legris dançam o pas de deux Abandon de "Le Parc" numa coreografia de Angelin Preljocaj
E por vezes, David Mourão-Ferreira é dito por Teresa Coutinho

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.

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segunda-feira, dezembro 29, 2014

Grandes livros. Grandes Hotéis. Mais alguns dos meus livros de 2014 e locais onde eu não me importaria nada de os ter comigo. E, porque de castelos, palácios e hotéis vos vou também falar, quero estar em boa companhia: 'Uma noite com Kylián'


No post abaixo falei-vos do filme 3 Corações que fui ver este domingo, um bom filme que não encaixa nos filmes saison, apalermados e banais. 

Mais abaixo ainda, encontrarão dois post de humor, de um humor tristemente actual.

Mas tudo isto é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.


Se ontem falei de livros que li em 2014 e os fiz acompanhar por magníficas bibliotecas, hoje continuo com leituras deste ano que está prestes a findar, mas mudo de cenário. Saio do labirinto infinito das bibliotecas para me entregar a outros tipos de prazeres: vou procurar locais onde eu gostaria de estar tranquilamente, vendo a paisagem, degustando o conforto, lendo um livro.

[Deixo informação de ordem prática para os happy few que se possam dar ao desfrute da verdadeira qualidade de vida (telefone, preços, etc) e poderão reparar que há para quase todas as bolsas - excepto, claro, para quem vive honestamente em Portugal mas, enfim, deixemos isso para lá, que isso é uma pieguice e estamos mais do que avisados de que devemos deixar de ser piegas].

Adiante, pois.

Mas, para começar, se não se importam, vamos com música. 

Acompanhar-nos-á o Peter Erskine Trio (John Taylor no piano) com Amber Waves 






Castello Di Santa Santa Eurasia, Italia
Colonnata - Lavender bedroom

When Evgeny Lebedev found this 12th-century castle in Umbria, he was determined to open a hotel here. The only problem? It was utterly dilapidated. Cue a restoration by the architect Domenico Minchilli and the interior designer Martyn Lawrence Bullard. They scoured the world for the finest Umbrian Renaissance art and furniture; local artisans produced ironwork to 17th-century designs. The result is like a time warp – open fires, rustic food and views over rolling hills towards Florence make for Medici levels of splendour. This is a place to escape the world: loll on your draped four-poster or wander across olive groves to a state-of-the-art pool, gym and hammam. [via Harpar's Bazaar]

(+39 075 857 0083), from about $5,400 a night for exclusive hire
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Apesar dos amigos, vivo isolada. Não estou feliz nem em paz, antes envolta numa dormência melhor do que todas as alternativas. É então que começo a aperceber-me das tentativas dos outros para se aproximarem, mas não posso corresponder-lhes sem trair o desfasamento brutal em que vivo. Não obstante, avançam. Vejo-os como inimigos que tentam acostar de todas as formas possíveis para me expor e sugar. Quando afugento os barcos aterram os helicópteros, quando despisto os aviões emergem os submarinos, numa marcação cerrada. Por fim, na impossibilidade de me livrar de todas as ameaças, cedo e sucumbo, oferecendo aos outros o espectáculo desta minha dificuldade. As ameaças são caricatas: é um filho a pedir apoio ou uma editora a lembrar-me um prazo ou alguém a desafiar-me para um cinema. Na minha mente alucinada, tudo é dramatizado como uma perseguição. Quando, finalmente, conseguem vencer a minha resistência, encontram-me bem, e há até quem se deixe contagiar pela minha energia arrebatadora. Na verdade, tenho tanto medo que descubram esta lama em que vivo que passo ao outro extremo.


Rita Ferro in Veneza pode esperar, Diário I


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Castello Di Santa Santa Eurasia, Italia
Collonatta- exterior
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Só se sentia liberta quando ficava sozinha,
sem o destino, a desgraça, o abismo dos outros pesando nos seus ombros de menina vulnerável, pequena sibila contra quem se volta sempre a lâmina afiada do próprio dom de adivinhar o impossível.
E eram as noites em claro que passava escutando os astros e as demoradas tardes de mar ou à beira do rio que a salvavam. Sentada nas suas pedras duras e escorregadias, quentes, lisas e macias, que lhe reequilibravam o corpo frágil de menina arredia, pés descalços que mergulhava até aos tornezelos fininhos, a molhar a bainha da saia e em seguida a ponta do bibe apertado na cintura,
por um laço de borboleta,
duro de goma seca pelo ferro de passar, que as mulheres abriam levantando a parte de cima, a fim de soprar as brasas que refulgiam como rubis por entre o cinzento vulcânico das cinzas.

 Maria Teresa Horta in Meninas


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Balfour Castle, Orkney islands

As temperatures plunge in the Highlands, where better to curl up by an open fire with a dram of sloe gin than the world’s most northerly castle hotel? Nestled on the Orkney island of Shapinsay – a private launch, Reggie, transports guests from the mainland – this 19th-century Baronial pile has Gothic turrets from which to survey the grounds and islands beyond. Its five-star rooms boast giant, cloud-like beds, and bathrooms lined with De Gournay painted silk. Chef Jean-Baptiste Bady makes clever use of the kitchen garden, surrounding shores and game-filled woods in his quest to win Orkney’s first Michelin star. Those who venture out can shoot, fish, birdwatch or hike across the wild beauty of the island, but with Balfour’s enchanted world offering a spa, billiards- and cinema-rooms, and even a golf simulator to hand, there’s really no need to leave.  [via Harpar's Bazaar]
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(01856 711282), from $6,700 a night for exclusive hire 
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Tive de passar seguramente várias vezes a borracha sobre as linhas suaves so seu rosto de mulher de vinte anos antes de redescobrir o rosto ácido, anguloso, ainda infantil de Carla, a adolescente que estivera na origem da nossa crise conjugal de havia uns anos. E decerto também, foi só depois de a reconhecer que, fulminada, reconheci os brincos que ela usava, os brincos da avó de Mario, os meus brincos.

Pendendo-lhe dos lobos das orelhas, realçavam-lhe a graça do pescoço, iluminavam-lhe o sorriso tornando-o mais brilhante ainda, enquanto o meu marido, diante da montra, a abraçava pela cintura com um gesto de proprietário feliz, ao mesmo tempo que ela lhe pousava nas costas um braço nu.

O tempo pareceu dilatar-se. Atravessei a rua com grandes passadas firmes, sem sentir a mais pequena vontade de chorar, de gritar ou de exigir explicações, mas apenas um desejo negro de destruição.


Elena Ferrante in Crónicas do Mal de Amor


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Cap Rocat, Espanha

Cut into the cliffs of a private peninsula on Majorca’s Bay of Palma, a golden castle-cum-hotel welcomes guests. The sandstone walls and crenellations of this former fortress teeter above more than a mile of secluded coastline. The castle opened to the public in 2010 after a refurbishment by Claudia Schiffer’s personal architect, Antonio Obrador. The 24 spacious and stylish bedrooms carry reminders of the building’s past: there are bullets for door handles, and gun carriages reworked as coffee tables; the original gunpowder bunker is now a magical events space. You’ll also find a glittering saltwater swimming pool overlooking the bay, along with an endless supply of fresh seafood..  [via Harpar's Bazaar]

(+34 971 747 878), from about  $535 a suite a night B&B.
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"De acordo, as nossas cidades e os seus princípios estão a tornar-se famosas no mundo - comentou o irmão - mais que não seja pelas orgias, os escândalos, as obscenidades,"

"Ah, há um pormenor de que me estava a esquecer", disse Lucrécia. "Na obra a que assistimos, quase no proscénio actuavam crianças que, no culminar das pantomimas grotescas mais grosseiras, se limitavam a olhar perturbadas. Depois puxavam, fazendo-a deslizar, a longa tela que fazia de pano de boca, quase a apagar aquele mundo obsceno e cruel que os actores tinham mostrado até então. Erguia-se de imediato um canto, quase de história infantil, e as crianças começavam a dançar, a abraçar-se e a fazer gestos afectuosos e puríssimos na sua ternura. E foi ali que nos revi a nós, em pequenos, quando vivíamos todos na mesma casa e brincávamos à família."


Dario Fo in A Filha do Papa


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China Tower, Devon

The Landmark Trust’s newly refurbished China Tower was built by Lady Louisa Rolle as a surprise birthday gift for her husband, the first Baron Rolle, in 1839. This octagonal Gothic revivalist folly stands among conifers atop a knoll with sweeping coastal views. On four storeys, China Tower sleeps four guests comfortably. Perfect for acting out your favourite folk-tale fantasy.  [via Harpar's Bazaar]

(01628 825925), from £265 for four nights mid-week; from $600 for three nights over a weekend.
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Uma noite com Kylián




COMPAÑÍA NACIONAL DE DANZA
Director Artístico: José Carlos Martínez
COREOGRAFÍA: Jiri Kylián

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Permitam que relembre: para saberem sobre o filme 3 Corações que vi este domingo e que recomendo, e para se rirem com duas piadas muito oportunas, deverão percorrer os três posts seguintes.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

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