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terça-feira, agosto 05, 2025

Dar de mamar até as crianças terem 6 anos? Mas está tudo doido ou quê? Poupem-me.

 

Não vi, até agora, nenhuma concretização de jeito por parte do Governo Montenegro. Antes das eleições, já por duas vezes, era vê-lo, fanfarrão: que fazia e que acontecia, era só chegar ao governo, e todos os problemas se resolveriam em 2 ou 3 meses -- e, afinal, como é público e notório, tudo em que tocou ficou ainda mais estragado.

Por isso, não pode haver dúvidas sobre a minha opinião geral sobre a falácia Montenegro. Mas isso não me tolda o raciocínio. Sou, e creio que enquanto tiver a mente a funcionar normalmente, assim serei isenta. Pelo menos, esforço-me por isso. E é assim que hoje vou sair em defesa de Madame Palma Ramalho.

Enfim... mais ou menos...

No que se refere ao tema da legislação laboral, continuo sem perceber qual a necessidade de tanto fuzuê. Trabalhei durante anos e anos e nunca vi que a legislação fosse um problema. Saídas por negociação, saídas por extinção de posto de trabalho, saídas por despedimento com justa causa ou mesmo despedimento colectivo são o pão nosso de cada dia. Sem espinhas.

Claro que não se consegue despedir, unilateralmente falando, alguém só porque sim. Pode não se gostar nem um bocadinho de uma pessoa, pode saber-se que é um traste de primeira, que é uma pessoa tóxica ou psicopata, e, ainda assim, não conseguirmos livrar-nos dela. Sei do que falo. Passei por situações em que toda a gente queria ver uma doida varrida pelas costas: má profissional, má colega, perigosa mesmo. Em relação a mim, por diversas vezes, usou tácticas intimidatórias. E, ainda assim, o mais que conseguimos foi mudá-la de funções. Poderíamos, claro, ter avançado para um despedimento individual coercivo. Mas teríamos que carrear provas, teríamos que nos preparar para que um advogado nos fizesse a vida negra, teríamos que arcar com o risco de que fosse para as redes sociais deturpar tudo e causar danos reputacionais à empresa. Engolimos em seco e engendrámos uma solução em que fizesse o mínimo de estragos. Mas, ainda assim, continuo a defender que é preferível arcar com as consequências de ter gente pestilenta e imprestável nas empresas do que correr-se o risco de que patrões desonestos ajam discricionariamente contra trabalhadores indefesos que não lhes caiam nas boas graças.

Por isso, de cada vez que vejo que a bandeira da legislação laboral anda outra vez de mão em mão, dou um passo atrás e fico, cepticamente, à espera de ver o que vai sair dali. Felizmente, de forma geral, as montanhas parem ratos. Haja paciência.

Não quero com isto dizer que não haja aspectos a burilar. Há. Pormenores, aspectos específicos, pontuais. E, nesses casos, mais inteligente seria se partidos, sindicatos e associações patronais pensassem no País e não nas corporações em que se entrincheiram.

Mas, aqui chegados, eis que salta para a arena o tema da amamentação. O Governo quer limitar a redução de horário (duas horas) aos primeiros dois anos. Quando ouvi, pareceu-me normal, inócuo. 

Contudo, de repente, levantou-se um banzé do caraças, toda a gente a defender que as mulheres devem ter duas horas a menos de trabalho para amamentar crianças até aos 6 anos. De loucos. Pela cabeça de quem é que passa que é normal uma mulher dar de mamar a crianças com mais de 2 anos? Em especial, que o faz em horário diurno? Está tudo maluco ou quê?

Falo com conhecimento de causa. Foi há muito tempo mas a realidade é a mesma: uma mãe a amamentar os filhos.

Amamentei a minha filha até ela ter 13 meses. Já o contei: já falava e andava e ainda mamava. Mamava de uma mama, depois levantava-se, dizia, 'agora a outa', sentava-se na minha outra perna, encostava-se a mim, e mamava. Claro que o fazia depois de ter comido a papa da manhã, antes de sairmos, e, à noite, antes de ir para a cama. Por fim, só à noite. E eu confesso: fui eu que acabei com aquilo, já estava fisicamente saturada, já me custava. E foi um processo natural que ela também aceitou bem. Disse-lhe: 'A mãe já não tem mais leitinho nas maminhas. Sabes como vamos fazer? Já és grande, agora vais passar a beber um copinho de leite como os meninos crescidos'. E assim aconteceu, naturalmente.

De todas as minhas amigas, colegas e conhecidas eu fui a única que amamentei até tão tarde. Toda a gente achava um disparate, quase como se fosse uma cedência ao mimo de uma criança. Não quis saber. A minha intuição dizia-me que era benéfico para ela e assim foi.

Na altura, só havia licença de amamentação no primeiro ano da criança.

Com o meu filho, foi diferente. Sempre speedado, com um ritmo sempre difícil de acompanhar. Mamou até aos 4 meses, mas sempre foi um desatino. Quando a minha filha mamava, era um momento tranquilo: aninhava-se em mim e mamava pausadamente. O leite do meu peito sempre foi proporcional às suas necessidades. Com ele sempre foi o oposto: mamava sofregamente, mamava, mamava, com uma força e uma velocidade que não dava para acreditar, parecia que estava sempre esgalgado de fome. Claro que depois engasgava-se. Eu assustava-me imenso, ficava sem conseguir respirar e eu levantava-o, abanava-o. Enquanto isso, o meu peito ficava a esguichar leite enquanto ele tossia, engasgado, o leite a atingi-lo na cara, a entrar-lhe para os olhos e, quando se desengasgava, chorava, incomodado. O meu peito, face a tal sofreguidão, produzia leite até mais não poder, transbordava, encaroçava. Quando chegou aos 4 meses, deixou de querer mamar. Tive um desgosto grande, uma grande preocupação. Custou-me muito que esse elixir, essa garantia de saúde, não pudesse ser-lhe proporcionada. Tentei de tudo, mas ele foi taxativo. Fechava a boca, torcia-se, rabiava, esperneava. O leite acabou por ir secando. Por essa altura, já tinha introduzido a comida sólida no seu regime, e era só disso que ele queria. Não papas, que isso o agoniava, queria era sopa, comida com sabor. Devorava comida normal. Mas, bebé que era, como tinha que beber leite, dava-lhe no biberão. Mas só de eu lhe pôr a tetina na boca, começava com vómitos. Tinha que apanhá-lo a dormir, para lhe dar leite à socapa. Mas criou-se, cresceu, fez-se grande e forte. E mantém-se um bom garfo.

A tendência agora é que a amamentação seja exclusiva até aos seis meses. Acompanhei o processo pelos meus netos.

Mas o facto de haver mais um ou dois meses de amamentação em exclusivo ou de ser claro que o leite materno é uma mais valia e que prolongar-se até aos dois anos pode não ser o disparate que antes parecia, não significa que seja natural, saudável (lato sensu), amamentar uma criança para além dos dois anos, em especial durante o dia. Diria que é um absurdo sem pés na cabeça e duvido que haja mais do que meia dúzia de mulheres que o faça. Duvido muito.  

Dito isto não quero dizer que não faça sentido que as mães (ou os pais, à vez) não devam ter redução de duas horas de horário de trabalho até as crianças terem 6 anos. Chamemos-lhe 'licença de acompanhamento parental'. Isso, sim, faz sentido.

Relembro os meus tempos de jovem mãe, com horário rígido, sem redução após eles terem 1 ano. Eu com uma menina quase bebé, depois grávida e com ela ao colo ou pela mão, depois com um bebé de colo e ela, pequenina, pela mão. Não usava carro nessa altura. Nessa altura o meu marido estava na Marinha, sem flexibilidade para me apoiar mais, e, depois, quando saiu de lá, entrou para uma multinacional que o tirava frequentemente de Lisboa e do País. Não foram tempos fáceis. Mas era o que era e, apesar dos sacrifícios, sobrevivemos. Na boa. 

Mas poderia ter sido melhor. Não tive mais uns quantos filhos por me ser tão difícil (e por não ter suporte ou apoio logístico para as dificuldades do dia a dia). Tivesse eu tido uma vida mais facilitada e não teriam sido dois, teriam sido uns três ou quatro filhos. Se bem que o que eu gostava mesmo era de ter tido uns seis. Mas era impensável, ingerível.

Mas agora que o mundo mudou e que a flexibilização de horários é uma coisa normal, que o regime de trabalho pode ser híbrido, pode -- e deve -- ir-se mais longe.

A demografia em Portugal é uma lástima. Mesmo que os imigrantes nos venham dar uma ajuda no rejuvenescimento populacional, não chega. 

Tudo deve ser feito para incentivar a natalidade e o mínimo que se pode fazer é garantir que os pais possam acompanhar minimamente os seus filhos pequenos, trabalhando menos 2 horas por dia até que atinjam os 6 anos.

Isso e mais medidas: todas são poucas para incentivar os pais a terem mais filhos. Creches gratuitas, horários flexíveis e reduzidos sem redução de ordenado, abono de família generoso e crescente consoante venham mais filhos para a família. E o mais que, razoável e inteligentemente, se saiba pôr em prática.

domingo, julho 06, 2025

Galinha-choca

 

Os meus avós paternos tinham, no quintal, uma grande capoeira. Havia o recinto ao ar livre, cercado por uma vedação e havia umas casinha que comunicava com o recinto através de uma passagem em arco. Podia entrar-se directamente quer para o recinto, quer para a casinha. Ao recinto ia-se para limpar e lavar o chão, com agulheta, para pôr água fresca, para lhes dar milho ou sêmeas. Aí os meus avós nunca queriam que eu entrasse. Mas deixavam-me ir à casinha. Espreitava a ver se não estava nenhuma galinha e para ver se havia ovos na cestinha. Se havia, eu recolhia-os. E, por vezes, a minha avó fazia-me uma gemada, quer com ovo completo quer apenas com gema. Mexia bem com um pouco de açúcar. Adorava.

Se alguma galinha ficava choca e isso lhe era permitido, então a galinha tinha direito a tratamento vip. Mas muitas vezes não queriam, não sei porquê, e sacrificavam a pobre da galinha com banhos debaixo da torneira do quintal, a galinha tentando fugir, estrebuchando com todas as suas forças, e o meu avô ou avó agarrando-a com firmeza.

Mas quando a coisa podia ir adiante, a partir de certa altura a galinha era deslocada para a 'casinha', não a pequenina, anexa à capoeira, mas um anexo que também havia no quintal. Esse anexo tinha uma parte com ferramentas, muitas, algumas penduradas na parede do fundo, outras em bancadas. Tinha também uma parte em que estavam os produtos colhidos pelo meu avô na horta. Batatas em caixas no chão, cebolas entrançadas penduradas em réstias, algos também pendurados, entrançados, e uma coisa de que eu gostava imenso, tomates chucha, também pendurados pela rama, igualmente entrançada. Duravam todo o ano. A casinha tinha umas janelas pequenas pelas quais entrava pouca luz e a porta, que tinha uma janela também com portada, tal como as janelas, também não deixava entrar muita luz. Era neste anexo, à meia-luz, que a galinha chocava os ovos. E era ali que nasciam os ovos. Para mim era um sentimento misto: por um lado andava sempre naquela expectativa: já nasceram? estão quase? os ovos já estão bicados? Mas, por outro lado, aqueles pintos meio molhados, esquisitos, feios, meio apardalados, intimidavam-me bastante.

A minha avó não queria que eu andasse por ali a cirandar e não queria que eu fizesse barulho. Por vezes, ajudava-os a nascer. E pegava-lhes. Eu nunca consegui. Bichinhos assim, demasiado frágeis, sempre me fizeram muita impressão.

Mas o pior foi o que uma vez aconteceu. Creio que já o contei mas, como não tenho a certeza, arrisco a contar. 

O meu pai houve uma altura que também quis ter uma capoeira no quintal. Felizmente foi sol de pouca dura pois nem ele nem a minha mãe tinham o mesmo à vontade que a minha avó. Mas, enquanto durou, calhou uma galinha ficar choca. Não sei porquê, resolveram montar apartamento para a galinha, creio que nos dias antes do 'parto', num recanto da sala de jantar. Quando os pintos começaram a sair dos ovos, foi uma atrapalhação. Para mim, pequena, aquilo era uma preocupação. Intuía que os parteiros não tinham sabedoria para a situação. E eles não queriam que eu andasse ali de roda para não stressar a galinha e os pintos. Só que eu não resistia a espreitar. E, numa das vezes, dei com um dos pintos estendido e a esticar uma perna. Apesar de ser uma criança pequena, já tinha ouvido a expressão 'esticar o pernil' e percebia o significado. Então, em pânico, saí dali a correr fui ter com a minha mãe, mas, tão, aterrorizada estava, que mal conseguia falar. A minha mãe não percebeu a razão daquele pavor mas eu empurrei-a para a sala de jantar e, com esforço, lá consegui balbuciar que o pinto estava a morrer. A minha mãe também não era corajosa para essas situações mas lá foi espreitar. Os pintos estavam todos bem. Chamou-me. Mas, quando um dos pintos se espreguiçou, meio a dormir, esticando a pata, ela percebeu o que tinha acontecido.

Ao ver, no vídeo que aqui partilho, o pinto recém-nascido a cair de sono, lembrei-me disso.

E ao ver os pintos a quererem sair do ovo, voltei a sentir, mas a sentir vividamente, aquele susto e receio que sentia há mil anos, quando, pequenina, num compartimento quase sem luz, aguardava que o milagre do nascimento se desse.

Esta galinha mãe fala com os seus ovos – e eles cantam de volta! | BBC Earth

Já se perguntou como é que uma galinha ajuda os seus pintainhos a chocar? Conheça a Patricia, uma galinha anã de Pequim dedicada, que mantém os seus ovos à temperatura ideal e cacareja suavemente para guiar os seus pintos ao mundo.


Um bom dia de domingo

quinta-feira, maio 01, 2025

Mamã-gata e os seus cinco gatinhos-bebés

 

Na casa 'urbana', dá para isolar a zona do nosso quarto de forma a que o cão não consiga para lá ir. Mas a casa, in heaven, é diferente. É uma casa, a todos os títulos, especial. Um dia conto-vos. Entre outras particularidades, tem aquela que eu sempre desejei: passa-se de divisão em divisão de forma contínua, sem portas. Mas tudo tem o reverso. Não é fácil isolarmo-nos. Poderíamos fazer mais do que fazemos mas não é fácil até porque não queremos deixar de ouvir o que se passa na outra ponta da casa. Encostamos a porta do corredor que dá acesso à zona dos quartos mas não fechamos a porta do quarto. E o que acontece é que, a meio da noite, o espertalhão do dog empurra a porta do corredor e vem deitar-se sobre a cama, aos pés. Como sou mais pequena que o meu marido, é aos meus pés que ele encontra mais espaço. A partir daí, fico com menos margem para me acomodar a meu gosto. Bem posso dar-lhe pontapés que ele não se torce nem se amolga. Ao fim de algum tempo acaba por sair e ir deitar-se no tapete aos pés da cama. Mas, até sair, tenho eu que me Não sei se é por isso mas acordei com uma dor nas costas. E, ao longo do dia, a dor foi mordendo com mais força.

Por isso, não apenas não dormi muito bem de noite como, de dia, não andei especialmente famosa.

Face a isso, quando me reclinei aqui no sofá para ver o debate, começou a dar-me o sono e... adormeci mesmo. O meu marido, de vez em do, perguntava-me: 'Mas... estás a dormir...?'. Tentava acordar mas debalde.

Por isso, não consigo pronunciar-me. Se calhar, ainda que involuntariamente, poupei-me.

O que posso dizer, e amanhã a ver se até publico um vídeo no Instagram, é que aconteceu uma coisa. O meu marido contou-me que, quando foi buscar um podão ao recanto bagunçado ao pé do forno de lenha onde costuma amontoar ferramentas desse tipo, redes, oleados e nem sei bem o quê, saltou de lá um gato bonito, pintalgado. 

Quando fui para aqueles lados, o cão ladrava furiosamente lá ao pé, a olhar fixamente para lá. O meu marido disse: 'Este também já percebeu que o gato se esconde aqui'. 

Às tantas lembrei-me: 'Não haverá para aqui gatinhos?'. É que estranhei o olhar fixo e o ladrar transtornado da nossa fera. E fui espreitar. Então, para minha alegre surpresa, vi a coisinha mais fofa, mais fofa, um gatinho bebé, também pintalgado, fundo branco e manchinhas pretas e manchinhas amarelas, narizinho esborratado. Uma ternurinha fofa.

E, ao longe, a gata a espreitar.

O meu marido, então, foi buscar rede e conseguiu isolar minimamente a passagem para aquela zona, senão a coisa corria sérios riscos de acabar mal. 

Passado um bocado, puxei a rede para o lado e, pé ante pé, fui-me aproximando. Já não vi o gatinho, já não estava no sítio em que o tinha fotografado. Subi, então, para cima de um banco... e vi a cena mais ternurenta, mais linda, mais maravilhosa. Do outro lado, no meio daquela inqualificável bagunça, ao fundo, a gata rodeada de gatinhos. Cinco. Cinco gatinhos fofos, lindos, um amarelinho, um pareceu-me escurinho, outro branquinho, um malhadinho e outro de que só vi a cabecinha e que me pareceu clarinho. Fofos, fofos, um milagre da natureza. Mais um milagre. Se calhar nasceram ali. 

Não sei de que se alimentam. Não sei se deveria fazer alguma coisa por eles. Admito que o melhor é não fazer nada. Mas a minha vontade é pegar neles, adoptá-los, fazer com que fiquem por aqui. Mas, claro está, tudo isto é platónico, pois, com o medo que tenho de gatos, não sou capaz de me aproximar e deitar a mão a nenhum deles. Imagino que a mãe-gata, se eu ousasse a fazer isso, me saltaria em cima e me arranharia furiosamente. Desconfio dos gatos, tenho medo deles. Estou melhor a respeitá-los de longe.

Mas não imaginam como fico feliz com isto. Se eu conseguisse ter por aqui, convivendo alegremente, gatos, esquilos, uma possível raposa, o nosso cão, passarada, ficaria ainda mais feliz. Os javalis não, podem ficar longe.

Só espero que, de manhã, a família gatinha ainda lá esteja e que eu consiga fotografá-los para vos mostrar. Hoje mostro o possível, apenas o primeiro que vi.

E mostro um pouco de como está o campo por aqui. Lindo.

O meu marido diz: 'erva e mais erva, isto está a pedir ser tudo cortado'. E, claro, eu acho o contrário. Acho tudo lindo, lindo, verdinho, viçoso, inacreditavelmente perfeito, milagrosamente perfeito.






Feliz Dia do Trabalhador.

segunda-feira, abril 17, 2023

Um domingo feliz

 

A minha mãe, sabendo que quando a maltinha está junta, é para durar, preferiu ficar a descansar temendo ter que enfrentar muitas horas seguidas de confusão. Mas os que veranearam por terras do White Lotus (segunda temporada) e redondezas regressaram no sábado à noite e a turminha que veraneou por outras bandas também tinha o domingo livre. E nós cá estamos sempre de braços abertos para os recebermos.

Por isso, foi com toda a alegria do mundo que cá os tive hoje em casa e os vi a brincar e a rir, todos desfrutando o calor de uma tarde que parecia de férias e verão.

Há pouco, quando aqui me sentei, vi o vídeo abaixo e fiquei a pensar que deve ser doloroso querer estar radiante com o nascimento de um filho e, estranhamente, sentir tristeza, incapacidade de amar e de estar feliz.

Por sorte, não me aconteceu isso. Talvez tenha a ver com a envolvência. Se uma mãe recente se sentir sozinha, sobrecarregada, cansada, acredito que sinta algum desamparo e abandono e talvez isso impeça a fruição do prazer de ter um filho. 

A mim, o mais perto disto que me aconteceu foi quando nasceu o meu filho. A minha filha ainda não tinha três anos e o meu marido estava a trabalhar há pouco tempo numa multinacional, tendo geralmente projectos com prazos apertados e responsabilidades alargadas. Nem havia licença de parentalidade.

O parto do meu filho, tal como o da minha filha, foi com fórceps. Por isso, eu tinha sido cortada e cosida. O meu filho era muito grande e sempre foi especialmente irrequieto. Mesmo na barriga, dava cambalhotas com tamanha força que me deixava incomodada, como se revolvesse todas as minhas vísceras.

Quando nasceu, mexia-se muito, nunca usou chucha, se eu tentava que se habituasse agoniava-se, e mamava sofregamente, engasgando-se. E, depois, de noite, chorava tanto que não me deixava dormir. Eu dava-lhe de mamar de duas em duas horas e, às tantas, estava tão cansada que não sabia se já lhe tinha dado de mamar ou se era isso que tinha que fazer. Por vezes, para ver se ele se calava, punha-o na minha cama mas tanto se mexia e tanto chorava e esperneava que, por vezes, bolsava-se todo, ficando a cama toda molhada e mal cheirosa. O meu marido, cansado que andava, por vezes chegado do norte às tantas da noite, conseguia dormir. Mas eu quase não dormia.

E de dia tinha que tratar dele e da minha filha que, obviamente, requeria todos os cuidados devidos a uma criança que nem três anos tinha e que, para agravar, era super vagarosa a comer. Eu preocupava-me muito com a comida dela, queria que ela comesse tudo o que era de lei e ela precisava de uma hora para comer devagarinho tudo o que estava no prato. E tinha que lhe dar à boca e distrai-la (coisa que hoje reconheço que era um disparate mas, na altura, eu temia que, se ela não comesse tudo aquilo, ficasse subnutrida). Isto com o outro a gritar por todo o lado, sempre com fome, sempre a querer colo e brincadeira.

Quando cheguei da clínica, os meus pais eram para lá ter ficado a ajudar. Mas a minha avó materna teve um problema qualquer de coração e foi internada, Por isso, a minha mãe entendeu que devia ir para junto da mãe. 

E eu, sem quase conseguir dar passo, quase sem me conseguir sentar, com o leite a subir (que é do pior que há), com o peito a encaroçar-se, quase febril, uma menina pequena a chorar porque queria o porta-bebés para a boneca, um bebé recém-nascido que não parava de chorar e que se agoniava com a chupeta, e vendo os meus pais a dizerem que não podiam ficar a ajudar-me, senti-me seriamente desamparada. Hoje o pai tem dias (ou melhor, tem pelo menos um mês) para ajudar nesta fase crítica. Mas, na altura, isso não existia.

Na altura não tínhamos empregada. E na altura ainda não havia fraldas descartáveis. E poucos supermercados havia. Não sei como conseguia ir às compras com o bebé no carrinho e uma menina pela mão, e eu quase sem me conseguir mexer. 

Mas consegui. Fiz das tripas coração, que remédio.

Uma outra vez de que me lembro pois foi mesmo muito má (e de que aqui já falei) foi quando andava a arranjar uns dentes e, para não perturbar muito a minha rotina de ir buscar um e outro e ir com eles para casa (sem carro), pedi para juntar duas ou três sessões, já não me lembro.

O dentista, familiar, desaconselhou. Mas era-me tão difícil ir do trabalho para a Avenida de Roma, de lá para a minha sogra, da minha sogra, com o bebé ao colo e nos transportes públicos, para a escola da minha filha e de lá, com os dois para casa, que lá me fez a vontade.

Anestesia para além da dose, portanto.

A meio do caminho senti-me meio zonza mas não havia telemóveis e não tinha como, na rua, pedir ajuda ao meu marido. Sobretudo, não podia deixar a minha filha à espera. Portanto, com dificuldade, lá consegui ir buscar um e outro e, com ambos, chegar a casa. Mas já ia feita num oito. Agoniada, uma dor de cabeça que não via nada. Pus o bebé na caminha dele e tentei que a minha filha brincasse. E deitei-me pois não me aguentava de pé. Não a descalcei. Então ela andava com os sapatos em cima da cama e eu sentia a cama a encher-se de areia. E foi para dentro da cama do bebé. Eu via aquilo e não conseguia impedir. E ele chorava como se não houvesse amanhã. E eu impotente, incapaz de cuidar deles. De vez em quando ia à casa de banho vomitar e de lá vinha fazendo um tremendo esforço para não desmaiar.

O meu marido chegou tarde e encontrou aquele panorama.

Mas foi um episódio. Foram fases. Apesar das dificuldades e do cansaço, sempre me senti muito feliz com eles. E arranjava maneira de os fotografar, encantada com eles, sentindo-me bem aventurada, abençoada por ser mãe de duas crianças tão amadas, cantava para eles, arranjava maneira de lhes dar atenção, de brincar com eles. 

São agora adultos, bem resolvidos, bonitos, bem dispostos, mãe e pai de família, com filhos felizes, cada vez mais crescidos. E eu, vendo-os assim, vendo a descendência toda reunida, penso que todos os momentos que vivi desde que os comecei a sentir dentro de mim até aos dias de hoje valeram completamente a pena. Tudo valerá sempre a pena. São momentos sempre abençoados e pelos quais me sentirei sempre infinitamente agradecida.

Mas, por ser assim, mais percebo a angústia de quem sente ou sentiu depressão pós-parto. São sofrimentos que deixam marcas para o resto da vida. Ainda por cima, no caso abaixo, ela não sabia que tinha uma depressão pós parto, pensava apenas que era uma mãe desnaturada, indigna de ser mãe. Sofria porque não conseguia estar feliz e estabelecer uma ligação com a bebé e sofria porque se recriminava por isso.

Não sabíamos

[Com legendas em português]

Jenny Jackson fala da sua experiência e da sua conversa com a sua filha


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Pintura de Berthe Morisot

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Alegria. Paz.

domingo, novembro 27, 2022

Instinto maternal

 

Para uma carangueja como eu, maternal desde que nasci e provavelmente até morrer -- e que, se as circunstâncias não tivessem atrapalhado a minha natureza, em vez de dois filhos teria tido uma dúzia deles --, o instinto protector, alimentador e cuidador está sempre presente. Ter uma cria nos braços ou à minha guarda e sentir que está segura porque está comigo e porque darei a vida por ela se for preciso é daquelas coisas que deve estar inscrita no meu ADN.

Talvez por isso, percebo bem as fêmeas que agarram protectora e carinhosamente as suas crias, numa quase fusão de pele e sentidos, prontas a alimentar e dar de si o que for necessário para o saudável desenvolvimento dos seus filhos.

O vídeo abaixo, muito curtinho, comove-me. A reacção daquela mãe é tão intensa, tão feliz, tão tocante...

Mãe chimpanzé vê bebê pela 1ª vez depois de parto delicado

O zoológico do Condado de Sedgwick, no Estado de Kansas, nos Estados Unidos, foi palco de uma cena muito bonita: o momento em que uma chimpanzé conhece pela primeira vez o filho recém-nascido.

A primata gestante, conhecida como Mahale, precisou ser submetida a uma cesárea depois que os veterinários detectaram que o bebê não estava respirando bem. O procedimento foi um sucesso, mas o pequeno chimpanzé precisou ficar em observação no hospital por algum tempo. 

Quando ele finalmente foi liberado, o grande reencontro aconteceu. Mahale não reconheceu o filho de cara, mas sua reação na sequência foi emocionante. As profissionais de saúde que acompanharam o caso contam que todos choraram e ficaram bem orgulhosos da mais nova mamãe. 

O zoológico divulgou que Mahale e o bebê passam bem.


Desejo-vos um belo dia de domingo
Saúde. Carinho, afecto e bom humor. Paz.


terça-feira, agosto 24, 2021

Dar à luz

 



No nascimento de qualquer dos meus filhos houve falsas partidas. Nasceram ambos no limite, às quarenta e duas semanas, de partos induzidos. Antes houve ameaços, contrações, idas ao hospital. No caso da minha filha, cheguei a ficar lá um dia inteiro a parecer que ia mesmo nascer. Mas não nasceu. O médico, pessoa em quem tinha grande confiança, dizia que achava que se deveria deixar a natureza seguir o seu curso. Nada me parecia melhor. 

Portanto, nos dois casos, esperámos até ao limite e, no dia acordado, apresentei-me para que, a bem ou a mal, as crianças saltassem cá para fora. Nos dois casos só soube o sexo depois de terem nascido. Era informação irrelevante. Seriam os meus bebés queridos, fossem o que fossem, fossem como fossem.

Nos dois casos fiz preparação para o parto e, nas duas vezes, fui convencida de que não me ia custar nada. Nem por um instante coloquei a hipótese de que poderia doer. Pelo contrário, o que combinei é que não havia anestesia por qualquer via e que cesariana só em último caso.

Não fui nervosa. Pelo contrário, irritava-me quando me diziam que doía. Achava que a dor era psicológica e que eu, encarando a coisa na boa, não iria senti-las. Mesmo na segunda vez, depois daquilo por que passei na primeira vez, tive exactamente a mesma ideia.

Contudo, as dores que tive, horas e horas de violentas contrações, o organismo em sofrimento absoluto, transpirando em bica, por fim verdadeiramente desesperada de dores, seriam para deixar marca em qualquer animal, humano ou não. 

Lembro-me de estar num estado tal, incapacitada de todo, que, quando se aproximou o momento da expulsão, a enfermeira me ter dito que tinha que me pôr de pé e ir para a marquesa que estava mais além. Eu disse que não conseguia. As dores eram dilacerantes, parecia que alguma força invisível estava a rasgar o meu ventre, a agarrar o meu corpo por dentro, a esmagá-lo. Não sei explicar pois, na verdade, nunca antes tinha vivido uma situação de tal impotência perante o fenómeno que estava a enfrentar. Chegou a um ponto em que notoriamente as dores estavam para além do suportável. Pensei que poderia acontecer qualquer coisa de limite pois o sofrimento que estava a sentir já não era compatível com a natureza humana.

Nessa vez em que a enfermeira me mandou andar e me disse que conseguiria, não sei como mas, na verdade, consegui. Encontramos forças onde não sabemos que existem. Fui, quase inconsciente de tantas dores, o corpo todo tolhido. 

Quem não passou por isso não pode imaginar. Não se comparancom dores musculares, ósseas ou traumáticas. É coisa de outra dimensão, uma violência profunda, um espasmo doloroso, visceral, integral, o corpo em carne viva.

Acresce que, por características de família, criança não queria descer.  Melhor: não conseguia descer. No meu nascimento aconteceu o mesmo, no da minha mãe idem. Já mão me lembro mas tenho ideia que são os ossos da bacia que, na altura devida, não dão o espaço devido. Não sei. 

O médico fez de tudo para evitar a cesariana, conforme eu lhe tinha pedido. Saiu com ferros, o médico a puxar para a frente, o meu marido e a parteira a puxarem-me para trás. Não sei como resisti, não sei como não desmaiei. Mal a minha filha chegou cá fora e ma puseram em cima dizendo-me que era uma menina, apaguei. Mas apaguei condicionalmente pois vinha a mim para perguntar se a menina estava bem. Diziam-me que sim, eu caía no vazio para logo de seguida voltar a mim e perguntar pela menina. Até que cheguei ao quarto e foi como todas as dores se tivessem evaporado e se iniciasse uma nova fase em que me ia entregar a ela, dando-lhe o meu leite, alimentando-a e enchendo-a de amor. 

Fui para o segundo parto com a descontração e inconsciência da primeira vez. Contudo, foi pior. Ele era enorme. No momento do parto, sentia-me como se estivesse a rebentar, dores insanas. O médico tentou convencer-me a ser anestesiada. Não quis. O médico disse que deveria ser cesariana. Não quis. Gritavam-me para eu não fazer força pois poderia rasgar o útero mas não era eu que fazia força, devia ser ele. Ou era todo o organismo, não sei. Dores, dores, dores.

Daria a minha vida por eles.

Achava que ao natural, sem anestesias, sem artificialismos, as crianças seriam mais saudáveis. E, por isso, por elas, eu deixar-me-ia despedaçar se necessário fosse. 

Hoje pensaria de uma forma menos linear: tantas horas de dores, de contrações, de brutal sofrimento, afectarão de alguma forma a criança? Sofre também? Estará num sufoco, apertada, quase sem respirar, quase asfixiada durante as contrações? Se a resposta fosse positiva, isto é, que sim, que a criança também sofre e que tanto sofrimento seria escusado se a mãe aceitasse abreviar e atenuar o sofrimento, certamente pensaria melhor. Na altura não me ocorreu nem ninguém me falou de tal hipótese.

Também não me ocorria que uma criança, mesmo que com meses ou escassos anos, tinha sentimentos e pensamentos como qualquer ser humano. Na altura, preocupava-me sobretudo que fossem bem alimentadas, bem higienizadas, bem tratadas, acarinhadas, as suas necessidades compreendidas e atendidas. Se interpretavam bem ou mal os meus gestos ou se sofriam psicologicamente com alguns dos meus actos isso não me ocorria. Tantas vezes debaixo da pressão de trabalhar e deslocar-me e atender as suas necessidades, quantas vezes terei deixado os meus bebés sem perceberem bem as minhas opções? Terão ficado neles marcas de que nem eles próprios suspeitam?

Não sei. 

Sei que queria (e quero e sempre quererei) que sejam felizes e saudáveis. Mas será que há um ponto de equilíbrio entre o que queremos a nível de saúde e a nível de felicidade e que, muitas vezes sem querer, sem nos darmos conta, estamos a desbalancear num ou noutro sentido?

E estes são apenas exemplos de uma coisa. Conheço algumas pessoas que dizem que, se fossem hoje fazer uma coisa, fariam exactamente da mesma maneira. Acham que isso é sinal de coerência. Eu sou o contrário. Talvez seja inconsciente, incoerente. Mas mudo, penso segundo outras perspectivas. Hoje talvez os meus filhos tivessem nascido mais cedo, de cesariana. Pelo menos não teria sido tão irredutível e não pensaria tanto no lado físico, dedicando mais atenção ao seu lado psicológico. A ciência avança e, o que parece de uma maneira, rapidamente deixa de sê-lo pouco tempo depois. Temos que ter a humildade de reconhecer que, por vezes, julgando que estamos a fazer o melhor possível, estamos a errar.

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E já não sei bem a que propósito vinha isto. Caí aqui no sofá e o torpor do cansaço tomou conta de mim. Adormeci várias vezes ao escrever. Estou in heaven. Viemos ao fim do dia, depois de reuniões que demoraram mais do que se tinha previsto. Depois, parámos ainda no supermercado. Pelo meio, consegui convencer o meu marido a desviar-se para irmos aos gelados. À chegada, tivemos que arrumar as coisas. Jantámos às dez e tal. A seguir não se encontravam os cabos da televisão. E não sabíamos onde estavam os lençóis. Tivemos que fazer a cama.

Com tudo isto a pesar-me, comecei a escrever com um objectivo mas, pelo meio, perdi-o e agora, depois das duas e meia da manhã, já não consigo pensar. Portanto, fica assim. Pode ser que alguém consiga descortinar onde é que isto ia levar ou se o texto, tal como está, pode existir por si mesmo. 

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As imagens são da autoria de Adrian Murray que, de forma tão terna, sabe fotografar os seus filhos. 

Bob Marley interpreta Three little birds

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Desejo-vos um dia feliz.

quarta-feira, junho 30, 2021

Solitude. The Loneliness of Grief. A Quiet Connection

 


A fotografia de pessoas, quando o fotografado sabe que está a ser fotografado, não é fácil. Se se quer a naturalidade, pode ser difícil o fotografado despir-se da teatralidade encenada que tende a surgir quando se tem pela frente a câmara tal como pode difícil, ao fotógrafo, persistir o tempo suficiente até que o instante se desenhe, perfeito, quase autêntico. Se, pelo contrário, não se quer a naturalidade tem que se ter a inteligência e o bom gosto de obter o ângulo menos óbvio ou a estética depurada que permita chegar à essência da pessoa fotografada.

Não sou fotógrafa, sou uma mera diletante acidental. Mas, desde muito cedo, comecei a fotografar. Penso que é, na minha cabeça, uma forma de tentar captar o momento, registando os vestígios do tempo que passa. Como em tudo em que sou amadora, não gosto de me preparar ou de usar o tempo a disfarçar a artificialidade, prefiro a naturalidade ou a imperfeição que não é ensaiada. Ou seja, não gosto mesmo de fazer retratos preparados, prefiro a espontaneidade. Mas, como geralmente me acontece, admiro o que me é oposto. Neste caso, gosto de ver o retrato estudado.

Do auto-retrato nem falo. Não consigo fotografar-me. Quanto muito, fotografo a minha sombra. Gostava de ser conhecida por não mais do que as a shadow, aquela que é conhecida pelo rasto que deixa e não pelo que é. Um rasto esquivo, efémero, quase inexistente. 

Mas, também aqui, admiro as pessoas que fazem do seu rosto o seu projecto estético. Jorge Molder é um caso muito próximo. Fotógrafos que se auto-retratam têm a tarefa mais difícil de todas: desvendam-se, investigam-se, desafiam-se, revelam-se. Ou não: ou ocultam-se, mascaram-se, disfarçam-se. Seja como for, a sua persistência, minúcia e despojamento são, de modo geral, fantásticos. 

Forough Yavari é australiana, tem um rosto que é uma página em branco sobre a qual ela própria pode escrever mil histórias -- e tem recebido diversos prémios pelo seu trabalho. 

A fotografia lá mesmo em cima, Solitude, a todos os títulos uma extraordinária fotografia, foi a vencedora absoluta do 2021 International Portrait Photographer of the Year. Os muitos rostos da solidão. Uma mulher sozinha, cercada pelas suas personas. Todas e nenhuma. A solidão sem remissão.

E foi também para ela o segundo prémio da categoria portrait story com a igualmente fantástica fotografia The Loneliness of Grief. A solidão do luto. A tristeza a céu aberto. A lamúria a cercar uma mulher que vive para além da morte que testemunhou. 


Já o terceiro lugar da categoria family sitting foi para Nancy Flammea e é a encenação de uma pintura viva: A Quiet Connection, fotografia que eu gostava que alguém tivesse feito comigo e com os meus filhos ou que eu gostaria de fazer com a minha filha ou com a minha nora e os respectivos filhos. A intimidade e o amor incondicional entre mãe e filho aparece aqui amorosamente retratada.




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Mulheres fotógrafas. Mulheres fotografadas. 
O eterno mistério, a total intimidade.
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Junho está a chegar o fim. Meio ano dobrado. Que a metade que se segue seja melhor do que a anterior.
Mas vamos com calma: um dia de cada vez. 
Desejo-vos um dia feliz. 

sábado, junho 26, 2021

Um ministro com sentido de humor
[E outras cenas cá minhas]

 



No outro dia contei que quando fui ao supermercado trouxe um little vasinho com uma hortênsia? Acho que sim. Tinha ideia de pô-la num vasinho ma escadinha da frente, perto do vaso bonito onde está a suculenta jeitosa. Mas não sabia onde arranjá-lo. Hoje, de manhã, quando dei por ela estava a florzinha toda murcha. Não as folhas mas a flor em si. Fiquei aborrecida. Peguei no vasinho e pu-lo no lava-louça, debaixo da torneira. E resolvi que tinha que arranjar o vaso. Sem saber onde desencantar vasinhos lindos, pensei que, nem que fosse de cimento ou terracota, haveria de ter onde instalar a hortênsia.

Ora é sabido que é o tipo de coisa que tira o meu marido do sério: acha que não são precisas nem mais flores nem, claro está, mais vasos. Não quer ir comprá-los, não quer que eu vá aumentando o parque de vasos a regar. Mas eu disse que, sem problema, ia sozinha. Ficou ainda mais irritado, acha que eu dizer isso é uma forma de pressão. Mas não é. Resumindo: contrariado, à hora de almoço, avisando que era 'para despachar', lá fomos à loja dos vasos. 

Ao chegar lá, mal estacionou, repetiu: 'É para despachar'. Nesse comprimento de onda, ao chegar lá, olhei em volta e inclinei-me para um em forma de cálice. em cimento. Perguntei-lhe o que achava. Seco: 'Não gosto. Parece coisa de igreja'. Pedi que escolhesse ele. Disse que não, que pegasse num qualquer, que por ele qualquer um servia. Isto depois de ter rejeitado a minha primeira opção. Apontei outros. Disse que sim. Trouxe um simples, sem história.

Quando íamos para a caixa, vi no corredor, no chão, um vasinho de cerâmica esmaltada, bonito. Fui perguntar à empregada se era para venda. Nem sabia do que estava a falar. Descrevi-o. Disse que havia vasos de louça ao fundo da loja. Fui ver e, apesar de não encontrar nada das belezuras que gostava de trazer, descobri um verde, simples, discreto e bonito. Perguntei ao meu marido se gostava. Já estava farto, queria ir-se embora, pelo que a resposta foi curta: 'Não sei'. Eu disse que achava bonito. Ele: 'Faz o que quiseres. 

Trouxemos.

Depois de termos chegado da faena dos vasos e quando estávamos a almoçar, já perto das duas, o meu marido piurço porque já era tarde e tinha muito que fazer, chegou a minha filha com os seus rapazes. Três dias de férias que teve a sorte de gozar com um fantástico tempo de verão. Estiveram ali um bocado, à fresca no jardim, até que se fez horas de irem para a praia. Andarem a espantar formigas e a tirar a casca a pinhões. O mais crescido já me ultrapassou. Parece mentira mas é verdade. A voz já começa a dar sinais de querer mudar e, quando se veste e despe já tem vergonha que lhe vejamos a pilosidade que começa a despontar com força. Ainda há tão pouco tempo me fez pregar um susto dos valentes ao avô. Já contei mas gosto de recordar esse dia inaugural. O meu marido foi trabalhar mas eu não. Estava na clínica. Uma pilha de nervos. Quando soubemos que tinha nascido, que estavam os dois bem e quando a vi a sair na maca sorrindo, feliz, feliz e quando vi o bebé pequenino, fofo, querido, fiquei tão avassaladoramente emocionada que logo quis dar a novidade ao meu marido mas, quando quis falar, não consegui. Queria dizer-lhe: já és avô. Mas só chorava. E nem bem isso. A voz embargada, um solução prendendo as palavras. Do outro lado, ele assustado: Que é que aconteceu? E eu, querendo falar e sem conseguir. O que foi? O que aconteceu? e eu a perceber que estava a assustá-lo mas sem conseguir falar. Até que, com muito esforço, lá consegui. Uma felicidade imensa. Um novo serzinho nas nossas vidas e a minha filha também tão feliz.

E agora, meia dúzia de dias depois, já me põe o braço pelos ombros, encosta a sua cabeça à minha, uma ternura, um menino muito querido. E já mais alto que eu.

A tarde foi tranquila e concentrei no fim da tarde as tarefas que requeriam mais atenção. Depois fui buscar terra e transplantei o meu vasinho pequenino para o vaso novo. Acho que fica ali bem. Não é a mesma coisa que o outro mas acho que não desmerece.

E fui regar os outros vasos. 

Também tive uma visita ao fim da tarde. Uma conversa animada, cheia de revelações e risos, com um lanche apalavrado. 

Tirando isto, o que tenho a dizer é que o sentido de humor britânico do ministro da Saúde me parece delicioso. Tendo o The Sun publicado fotografias dele, no seu gabinete de trabalho, aos beijos na boca e com a mão no rabo de Gina Coladangelo, sua assessora, ambos casados e com filhos mas cada um com seus respectivos cônjuges, eis que Matt Hancock veio publicamente assumir e lamentar que tenha quebrado o distanciamento social. Igualmente divertido a reacção de Boris Johnson: accepts Matt Hancock’s  apology for breaching social distancing rules and ‘considers matter closed’.


E eu, para além de achar que, depois da barracada e do susto que é ter a sua fotografia no tablóide, Matt Hancock revelou um sentido de humor fantástico, só me ocorreu a sorte que ainda temos por a imprensa em Portugal ainda não ter chegado ao despudor de apontar objectivas de longo alcance para dentro dos gabinetes de muito boa gente. É que, há uma regra sagrada: o que se passa da porta para dentro supostamente fica da porta para dentro. Mas não no Reino Unido. Uma pouca vergonha. 

Mas imagine-se a chicana que por cá não seria -- as puritanas as rasgarem as vestes e os diáconos a lamberem-se pelos cantos -- se o Correio da Manhã apanhasse um ministro, sei lá, talvez o da Defesa (acho que o Cravinho tem uma certa pinta), aos beijinhos e abraços com uma sargenta, fosse num quartel, fosse no seu gabinete. Mas isso seria o expectável. Pinta, pinta, teria o ministro se, perante a cegada e o drama doméstico incontornável, fizesse o mesmo: pedisse desculpa por ter quebrado a regra do distanciamento social. 

Enfim.

E, por agora, é isto. Já é sábado. Fim de semana. Bem bom. A ver se o tempinho de verão se aguenta para ver se eu faço de conta que estou de férias. 

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Os quadrinhos mostram a criatividade de Ali Beckman que diz coisas recorrendo ao nome dos insectos (fly, bee). 

Arpi Alto interpreta Moon River.

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Um dia feliz e luminoso

terça-feira, março 09, 2021

Compartimentos secretos, momentos mágicos, mulheres

 


Ando naquela fase em que, depois de um dia de trabalho tão preenchido, chego aqui e só me apetece pôr-me a ver televisão, seja lá o que for -- ou, melhor, não prestando atenção a nada -- ou ver os vídeos que me apareçam à frente. E não é só isso, confesso: é que, ao fim do dia,  colocaram-me questões que não sei bem como resolver e não me apetece pensar nisso pois as soluções costumam aparecer sozinhas mas, por outro lado, acho que devo pensar nelas pois as implicações são tantas que receio tomar decisões erradas por me ter esquecido de alguns factores. Depois, a noite passada dormi mal.  Fui para a cama sem sono e isso é trágico. E é igualmente trágico passar um dia com défice de horas dormidas (e logo a uma segunda feira).

E agora tenho sono. Sono, temas rodopiando na minha cabeça, e, pairando, vontade de ir ver como se pintam móveis de madeira, vontade de me entreter com coisas que me ocupem sem me trazerem preocupações. Estou aqui com a cabeça nas nuvens e os pés a quererem puxar-me para chatices terrenas. 

Não tenho respondido a comentários e bem sei que isso parece impossível. Deveria ter tempo de sobra para tudo e o que me parece é que não estou a saber geri-lo bem. Desculpo-me dizendo a mim própria que isto se deve à minha nova ocupação, àquela que abracei há uns meses, e que sabia de antemão que seria assim, tomador de todo o meu tempo e energia. Mas o facto de esta fase coincidir com este período de teletrabalho é propício a que o trabalho se expanda absorvendo toda a minha disponibilidade.

Por isso, chego a aqui e sinto-me quase vazia, sem nada de nada nada para dizer. Não sei de assuntos dos quais se possa fazer conversa. Das notícias que leio em diagonal pouca coisa me suscita vontade de opinar. Há aquilo de o medicamento que tem estado a provar bem no combate ao corona ser um que é usado no combate aos piolhos. Acho isso de uma ironia extraordinária. Pois não se está mesmo a ver que o corona é um bicho tinhoso, piolhento? Mas, para falar do assunto, deveria ter pedigree e não tenho. Farmaceuticamente falando, sou rafeira. Por isso, mais vale que fique caladinha.

Também li hoje que uma mulher, em Nova Iorque, sentindo frio em casa e sentindo que o frio era maior quando estava na casa de banho, como que uma aragem que até lhe fazia esvoaçar um ou outro cabelo,  resolveu tentar descobrir de onde vinha. Parecendo que a aragem vinha de dentro da parede, resolveu investigar. Até que percebeu que parecia vir do espelho. Então, resolveu tirá-lo. E aí, para sua surpresa e susto, descobriu um buraco. E, de lanterna na cabeça e esquecendo todos os riscos, fez o que não devia: entrou. E foi dar a um apartamento secreto de três divisões. Ao ver uma garrafa de água ainda mais se assustou. Mas depois percebeu que ninguém poderia sobreviver num apartamento sem janelas. Claro que não sei se será bem assim já que alguma corrente de ar deverá haver, senão não sentia a aragem. Mas, enfim, façamos de conta que sim.

Parece que quem lhe vendeu a casa também não tem explicação. Nem a empresa de construção a tem. 

E esta história verídica, sim, esta dá-me alguma vontade de me deter um pouco.

Quando viemos aqui visitar esta casa, caí de amores à primeira vista. Assim caio sempre quando caio de amores: à primeira vista, de caixão à cova, sem apelo nem agravo. Não há cá isso de não ficar muito convencida e de a coisa só lá ir aos poucos, à medida que se vai conhecendo melhor. Treta. Comigo não, eu sou mais de cair de amores na base do desconhecido. Total blind date com um instantâneo coup de foudre. Saímos daqui, fizemos logo uma proposta, passado um bocado veio a resposta e, assim, na hora, a coisa deu-se. Mas, dizia eu: estavam a mostrar a casa e tudo batia certo, o santo da casa a cruzar-se com o meu, tudo na mouche.

Na segunda vez, já o negócio feito, viemos para a minha filha conhecer e para eu tirar dúvidas. O meu filho tinha podido vir na primeira vez. Mas eu estava baralhadíssima. Queria descrever a casa e não atinava. Na minha cabeça, tudo se tinha misturado do ponto de vista geográfico. Não sabia onde estavam os quartos, onde estava a porta, como se ia para o piso de cima. Então, a dona, que eu estava a conhecer nessa altura (na primeira visita não estavam cá), ao mostrar-me tudo, ao chegar ao sótão, perguntou se eu já tinha visto um certo compartimento. Eu achava que não mas não sabia. E, então, para meu espanto, dou com um compartimento que parecia secreto, a biblioteca privada do marido, uma biblioteca toda feita por ele. Estava cheia de documentação técnica ligada à profissão dele. Foi a última coisa que foi esvaziada, contaram-nos eles depois. Quando os meninos vieram conhecer a casa, fui logo mostrar-lhes aquilo: deliraram. Parecia coisa de filme, um compartimento mesmo secreto, só quem sabe dá com ele. 

Está vazio. Ainda não pus lá nada. Para já, não preciso, tenho agora muito espaço para livros e para tudo. Mas também é outra coisa: parece que assim tem mais graça, um compartimento secreto, mágico, à espera do seu destino. Talvez seja ali que um dia vou pôr objectos especiais, velharias que resgate por aí, peças que eu construa. Não sei ainda. Só sei que não devemos precipitar as coisas. O que interessa acontece por si. Não temos que forçar nada.

E, pronto, não sei que mais dizer. 

Foi dia da mulher mas não ia pôr-me para aqui a deitar foguetes. Não é um dia que faz qualquer diferença. Mas tinha pensado contar qualquer coisa relacionada com a minha condição de mulher e o que me ocorria era falar do nascimento dos meus filhos. O parto que, das duas vezes, a meu pedido, foi a sangue frio. Eu a sentir o corpo a despedaçar-se por dentro, temendo não conseguir aguentar tantas dores, até que as crianças me foram arrancadas a ferros e vieram para os meus braços. Não há sensação melhor no mundo do que termos nos nossos braços os seres que se geraram dentro de nós. Aliás, há sim. Há sensação tão boa ou melhor do que essa: é vermos o amor, a realização e a sensação feliz dos nossos filhos com os seus filhos nos braços e é, a seguir, termos nos nossos braços os filhos dos nossos filhos. Amor maior, sem explicação, coisa visceral.

Mas depois resolvi que não, que não deveria falar nisso: há mulheres que ainda não tiveram filhos ou que não tiveram nem vão tê-los e que nem por isso são menos mulheres do que as que já tiveram a bênção de os ter. Por isso, deixei-me dessa conversa. E depois, acreditem, estou mesmo cansada, com sono, sem assunto. Que me desculpem os queridos Leitores que generosamente me deixam as suas palavras. Não levem a mal. Leio com gosto mas a esta hora já só dá para deixar que os dedos para aqui andem no vício. A cabeça já está encostada às boxes há algum tempo.

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Pensei: pelo menos podia colocar aqui um vídeo com uma mulher e peras. Pensei: Paula Rêgo. Depois pensei: uma escritora. Depois pensei: uma médica. Depois: uma engenheira. Depois: uma sem abrigo. Depois pensei: uma professora. Depois: uma bombeira. 

Depois deixei-me disso. 

E resolvi colocar a Meryl Streep que gosta de se divertir e que não se leva a sério que é como as mulheres de bem devem ser.

E, portanto, cá está ela.

Meryl Streep's the most iconic moments



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As fotografias foram obtidas em: Women: an exhibition of British press photography.
Fotógrafos -- Teri Pengilley, Lindsey Parnaby, Ray Tang, Kiran Ridley, Katja Ogrin, Charlotte Graham

Maria João Pires interpreta Mozart: Piano Concerto No. 20, K. 466: II. Romance

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Desejo-vos uma terça-feira feliz

sexta-feira, fevereiro 14, 2020

Bebés acabados de nascer e meninas afegãs a andarem de skate





Esta semana já me levantei às cinco e picos da manhã para me meter a caminho para ter uma reunião à primeira da manhã a norte, já me constipei, já tive, por junto, uma mão cheia de reuniões, algumas com duração de uma meia dúzia de horas, já tive que ler relatórios com muitas páginas carregadas com coisas chatas. E agora dói-me a garganta.

Chego ao sofá para me distrair e, a seguir aos noticiários, ou falam de presos ou de minas abandonadas ou de incêndios transactos ou de culpados e, pelo meio e por cima de tudo, eutanásia. Ou, então, corona vírus (ou conan osiris como dizia, no outro dia, na Prova Oral, a avó de um), agora transmutado em  Covid-19. E é sempre isto, sempre, sempre, sempre: gente doente, gente incapacitada, gente que padece nos hospitais, velhos abandonados, tarados à solta, infectados, isolados, mortos -- desgraça, drama, tragédia. 

Não tenho paciência. Juro: não tenho paciência. É demais.

Se calhar, se esta minha semana não estivesse a ser assim ou se o meu corpo aguentasse um dia inteiro de pés gelados ou entrar e sair de ambientes aquecidos para o frio ou almoços de pé rodeada de simpáticos cavalheiros para, logo de seguida, retomar mais um reunião, e tudo tão non stop, talvez eu tivesse paciência para ver a Isabel Moreira em todos os canais ou para ver desgraças, reincidências, taras, abandonos all over. Assim, lamento, não tenho. Não tenho mesmo.

Acresce que esta sexta vai ser também de arrebimba e eu já estive a escolher o que vou vestir porque de manhã não tenho tempo mas também sei que mal vou ter tempo para almoçar e estou naquelas fases em que só me apetece vestir-me já com manga curta e andar leve, bem disposta e toda eu colorida, antecipando a primavera e os primeiros calores de verão e, à hora de almoço conseguir escapar-me para um jardim e veranear a ouvir passarinhos -- e, afinal, o tempo continua chuviscoso, friento e não consigo pôr-me à fresca nem ter tempo para arejar. A minha mãe arrelia-se: mas não hás-de andar constipada e mal da garganta se nunca andas agasalhada, se andas sempre esgargalada? Pois é. Mas acho que não tem a ver com isso, acho que tem a ver com a seca de vida que levo. A minha filha diz que anda meio mundo assim, que isto são viroses, cenas. Não sei.

O que sei é que, com isto, no estado em que estou e só droga a passar nos ecrãs, desisti da televisão. Qualquer dia desisto de vez. Que estupidez é esta de, em horário nobre, competirem para ver quem fala mais de desgraças? Gaita. Uma pessoa a precisar de peace and love, coisas boas, tranquilidade e afectos e... nada.

Portanto, com vossa licença, mudo-me para uma twilight zone onde não há nada de stresses. Ou há mas dão-lhes a volta. Não dá para ficar a pessoa a afogar-se em desgraças.

Passo para um vídeo que me comove. No meio da guerra, no meio da falta de tudo, em situações limites, alguém resolve ensinar as meninas a sentir o gostinho bom da liberdade e de como é bom brincar, em paz: skating. Um vídeo que, completo, deve ser uma maravilha. Para já, só dá para ver a apresentação. Mas é uma lufada de ar fresco.

E, para contrariar o cinzentismo das palavras, fotografias de bebés a nascer. Um milagre que nunca festejaremos o suficiente e de que nunca me cansarei de falar e de ver.


Só tenho pena de não ter o filme do nascimento dos meus filhos. Estava acordada, sem anestesia, mas estava com tantas dores e sem possibilidade de ver o que se passava lá em baixo que só me lembro deles já cá fora, pousados sobre o meu peito, cobertos ainda de restos do ninho de onde tinham vindo. Momentos mágicos. Duas pessoazinhas a saírem de dentro de mim, tão ligadas a mim, tão independente de mim. E a magia continuou: cresceram, ficaram grandes, maiores que eu, tão lindos, tão queridos. Pensar que se formaram no meu ventre parece-me um daqueles milagres que nunca conseguirei compreender e de que nunca me cansarei de me sentir agradecida.

E o vídeo das meninas afegãs a andarem de skate é este aqui abaixo. E a descrição do filme e do reconhecimento que tem reconhecido está aqui: Documentary Telling The Story Of Courageous Afghan Girls Learning To Skateboard In A War Zone Wins Oscar


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As maravilhosas fotografias de nascimentos provêm daqui, onde há mais.
As autoras são Daniela Justus, Jessica Vink, Rebecca Coursey-Rugh e Jana Brasil

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(E agora vou ali buscar uma pastilha para a garganta)

sábado, janeiro 11, 2020

Instinto maternal




No lugar onde trabalho uma percentagem razoável de mulheres não tem filhos. Provavelmente, umas ainda não têm mas talvez venham a ter, outras não levam qualquer jeito de que tal venha a acontecer, outras não me parece que tenham qualquer apetência por tal e outras não tiveram porque não calhou ou não conseguiram. Nunca lhes falo nisso. Há que respeitar. Não sabemos o que está por trás: se é incapacidade, se é falta de vontade, se é falta de oportunidade. São assuntos muito pessoais.

Sei que uma tentou durante anos e não conseguiu. Entretanto, já se habituou e já várias vezes, ao falar da vida livre que leva, viajando, fazendo o que quer, quando quer, com quem quer, diz que é o lado positivo de não ter tido filhos. E há outra, que o tempo veio a revelar ser uma mente perturbada, que durante muito tempo disse que andava a fazer tratamentos que sempre corriam mal, e contava histórias pungentes, e que agora toda a gente acredita que aquilo era inventado de ponta a ponta. Nunca faltava, nunca chegava atrasada, nunca saía mais cedo e, no entanto, contava que tinha andado a fazer tratamentos exigentes que exigiam repouso. Era sempre tudo tão estranho e pouco credível que ninguém tinha coragem de lhe dizer que tudo o que ela dizia parecia manifestamente impossível. Contudo, contava isso com voz martirizada, como se fosse verdade. Quando alguém leva lá os filhos, ela desdobra-se em gentilezas, tem lápis de cores, imprime folhas com bonecos, tem coisas nas gavetas. Mas aquele excesso de simpatia quase parece forçado e doentio. Se a conversa vai no sentido dos filhos, toda a gente desvia a conversa, como se não houvesse já muitas dúvidas de que há ali pancada da grossa.


Mas há outras que têm filhos e duas das jovens até já vão no terceiro. A uma que agora está de baixa de parto surpreendi eu um dia quando lhe perguntei se estava grávida, tendo ela, num sobressalto, dado uma resposta curiosa: 'Ainda não...'. Depois questionou-me: 'Mas porque pergunta?'. Expliquei-lhe que tinha olhado para ela e me tinha parecido. Estava então de poucas semanas e apenas uns dois meses depois, ou mais, divulgou o seu estado. Contou-me, então, que naquela altura, tinha acabado de saber e que não tinha percebido como tinha eu adivinhado. Pois bem. Hoje, uma das jovens, outra, ia à minha frente e, ao sentir os meus passos, voltou-se para trás, sorriu para me cumprimentar e depois continuou. Nesse relance em que a cumprimentei, pensei: 'Está grávida'. Depois pensei: 'Se calhar ainda não sabe'. E, no entanto, não vejo nela qualquer jeito maternal. Mas nunca se sabe. Há instintos que nascem quando se tem a cria nos braços. 

Outras vezes nunca acontece. Já contei aqui daquela minha amiga que de instinto maternal tinha zero. Nem sabia pegar na criança ao colo. Uma vez salvei a bebé de quase morrer asfixiada. Tinha dias. Era verão. Tinham ido para a casa de praia dos pais dela. Estava a dar banho à bebé no lavatório da casa de banho. Tinha a bebé sobre o braço, de bruços, e segura pelo pescoço. Quando entrei na casa de banho, estava a criança já meio roxa. Tirei-lhe a menina do braço e mostrei-lhe como era. Mesmo para dar de mamar, fazia-o sem contacto físico com a filha: em vez de a aconchegar junto ao peito, não, deitava-a sobre as suas pernas, em sentido oposto, tendo a criança que torcer a cabeça para alcançar um mamilo. Quando a menina começou a falar, chamava-me mãe e fazia birras quando se iam embora de minha casa ou eu de casa dela, tendo a mãe que a arrancar à força do meu colo. Muito estranho. Impressionava-me mesmo, imaginava como ela deveria ficar entristecida (embora nunca percebesse se ficava, mais me parecia que não, que não ligava). Por mais que eu tentasse ensiná-la a lidar com a filha, ela fazia tudo ao contrário. Quando se separou do marido, a filha ficou com o pai. Mais tarde, sei que teve outra filha mas, nessa altura, já nos tínhamos afastado. 

São assuntos complexos e não devem ser feitos juízos de valor por quem está de fora pois, nestes casos, cá para mim, a realidade geralmente é oculta ou inexplicável.

Mas, quando existe o instinto maternal, ele é bom, compensador, e, de certa forma, completa a mulher. Ou melhor: a fêmea. E não é nada que se aprenda: o que há vem de dentro, é espontâneo, é visceral, é incontornável.


Estava aqui a ver as notícias do dia e o que me atraíu foi, justamente, a prova provada da relação orgânica, animal, que há entre uma mãe e a sua cria (tenha a cria a idade que tiver e sejam quais forem as circunstâncias).

E se há lugares do mundo sobrelotados, outros há que estão num caminho oposto, em que a população está em decréscimo, a envelhecer. País com fraca natalidade é país velho, tendente para o empobrecimento. Num país como Portugal, nada há de mais relevante a nível político do que conseguir inverter a queda demográfica. Creches gratuitas com horário alargado, redução de horário para pais com filhos pequenos, flexibilidade de horário para pais com filhos em idade escolar, escolas com espaços de tempos livres também gratuitos e também em horário alargado. Coisas assim. Coisas que ajudem as mães a ser mães, a terem vontade e gosto em serem mães.

(E esta derivação para a demografia apareceu aqui a modos que fora do contexto, especialmente se atentarmos às duas fotografias; mas pronto, a minha cabeça é mesmo assim, dada a caminhos diferenciais)

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A primeira imagem é uma ilustração da autoria de Delphine Desane para a Vogue italiana, integrada num trabalho que intitulou como Madre Natura para a Dior. A segunda é uma fotografia feita na síria da autoria de Esra Hacioglu. Mostra Anud Suleiman, 25, com os filhos num campo de refugiados. A fotografia da mãe leoa e da sua cria foi feita em West Midlands Safari Park por Jacob King. Vi as duas no The Guardian.

Lá em cima, A Bailarina de Rodrigo Leão conta com a participação da filha, Sofia, e faz parte de um novo álbum que lançará em Fevereiro.

E o vídeo, no final, mostra imagens de uma tocante ternura. São animais como nós e o carinho e a graça como aquele bebé é cuidado, são uma maravilha.

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E talvez até já.