Durante anos, quando pensava numa cor era apenas no encarnado que pensava. Encarnado rubro carmim vermelho carne sangue fogo alma loucura flama paixão.
Com o tempo fui tentando conter-me.
No entanto, se me vejo perante uma tela em branco é para as tintas incandescentes que a minha mão espontaneamente se dirige. Posso tentar moderar-me. Mas não consigo. É a fogosa exaltação que se derrama sobre a tela. Sou feita de extremos e o extremo para que sempre me inclino é o da paixão.
Mas tento a contenção. Abro a mente e o coração aos mil aromas de verde: o verde musgo, o verde oliveira, o verde pinheiro, o verde cedro, o vedro eucalipto, o verde bosque, o verde fundo do mar. Deixo-me envolver pelos verdes e sinto que estou em casa. Mas a vibração de uma alma tingida de paixão continua presente. Tento também a claridade do azul céu, a profundidade do azul veludo, a insolência do azul klein, a inocência do azul alfazema. Gosto do azul. Mas há no azul uma elegância conservadora ou uma pureza, não sei bem, que não me acolhe. E há o branco. Os mil tons de branco. A luz. A ilusão da luz. Não me identifico totalmente. Prefiro os reflexos, as sombras; a luz, sim, mas quando matizada de pecado, de dúvida, de excesso. Claro que poderia ser o preto, o negro, o breu, o infinito, o eterno labirinto. Mas há no negrume a maldição das trevas e eu não gosto de antecipar o funesto destino de tudo o que um dia viu a luz. O amarelo, sim, claro, poderia ser. É alegre, festivo, irradia mel e ouro, sol sobre a pele, calor, afago, doçura. Gosto do amarelo. Mas o amarelo é superficial, fica na pele, não desce onde a carne se verga ao sobressalto da paixão.
Encarnado, sim, não há como fugir-lhe. Encarnado rubro carmim escarlate fogo vermelho chama. Chamamento.
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Pinturas de Zhu Wei, Hyung Ju Park, Igor Tishin e Ligyung na companhia de The Paper Kites em For All You Give
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Desejo-vos um bom dia