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segunda-feira, novembro 11, 2013

Avaliação a 360º e 'assessment' - o que somos com pormenor e (suposto) rigor. A nossa descrição sem apelo nem agravo. Nós ao espelho - e não é por narcisismo.


No post abaixo falo sobre as diferenças entre homens e mulheres face a situações difíceis ou arriscadas. Vou já adiantando: as mulheres são tendencialmente destemidas. Quanto aos homens... (é melhor descerem até lá para saberem o que acho)

Agora, aqui, falo de uma coisa que não tem nada a ver com isso: vermo-nos ao espelho não por narcisismo nem por vontade própria mas porque a isso não podemos fugir.



Vénus ao espelho -  Diego Velázquez (1599-1660)






Começou por vir a moda da gestão por objectivos e a respectiva avaliação. Pretendia analisar-se se os objectivos traçados a nível de gestão eram atingidos e, se o não estivessem a ser, queria saber-se o que se deveria corrigir ou, então, perceber se os objectivos ainda faziam sentido. Daí passou-se para a avaliação de desempenho das pessoas. Tenho que confessar que, embora ache que a gestão deve ser muito articulada e seguir uma estratégia, sou um bocado avessa a traçar, de forma burocrática, objectivos individuais e sinto-me sempre a fazer um jogo onde não encaixo bem, quer quando sou avaliada quer quando sou avaliadora. Faço a coisa um bocado a despachar e, felizmente, quem me avalia segue o mesmo são preceito.

Mas nisto a coisa está sempre em evolução e, infelizmente, nem sempre no bom sentido. 

Da avaliação de desempenho por parte das chefias, passou-se para a avaliação a 360º. Uma pessoa é avaliada pelos superiores hierárquicos, pelos colegas e pelos subordinados. Acho isto não apenas um pincel como um risco.


Um colega meu, este ano, recebeu uma avaliação miserável, uma coisa que o posicionou abaixo de cão, e toda a gente acha que aquilo foi vingança de alguém que não gosta dele nem com molho de tomate.

As avaliações são anónimas por forma a garantir que toda a gente se exprime em total liberdade. As vertentes de avaliação por parte das chefias e dos chefiados é obrigatória. A avaliação lateral é facultativa embora tenha que haver pelo menos três colegas que o façam.

Eu nunca avalio colegas e apenas avalio subordinados e a pessoa de quem dependo por obrigação. Não avalio os meus colegas para que, caso surjam actos de traição, toda a gente saiba que não fui eu. Apresentei desde o início uma espécie de objecção de consciência.

Depois recebemos um relatório com o que os outros pensam de nós. Olhamo-nos a nós próprios pelos olhos dos outros. Tenho a sorte de, até aqui, ter recebido avaliações razoáveis mas tenho que confessar que é sempre com algum desconforto que recebo o dossier. Imagino o que aquele meu colega sentiu quando se viu avaliado pelos colegas como uma nódoa.


Vénus ao espelho - Peter Paul Rubens

Há também uma outra moda. De vez em quando, para verem a nossa adequabilidade às funções, ou no âmbito de planos de sucessão ou de reestruturação, somos submetidos a assessments (avaliações psicológicas, testes de personalidade, coisas assim). Aparecem uns psicólogos que nos entrevistam e que nos fazem responder a vastos questionários. Depois de tudo aquilo processado recebemos a informação sobre nós próprios. Geralmente há uma reunião individual e ali informam-nos sobre o que somos. A nossa descrição pura e dura. Você é assim, assado e cozido. A nossa imagem em palavras.

Mesmo que a gente não se queira ver ao espelho, não há volta a dar. Vermo-nos descritos, ali, não é um exercício de narcisismo: é uma coisa a que somos submetidos - e paciência, há que encarar com estoicismo. Dali podem surgir consequências para a vida profissional das pessoas pelo que nunca ninguém é leviano a ponto de levar isto na desportiva. Ouço sempre coisas muito curiosas nas quais, em regra, me revejo mas tenho, às vezes, algumas surpresas e para as quais solicito explicação. 

Quem não está habituado a estas andanças, pode pensar que  uma pessoa ver-se descrita é aquilo de que toda a gente gostaria, uma coisa narcísica, abrir um livro e ver um personagem inspirado em si. Mas para quem está habituado a ver-se olhado a 360º e ver descrito, por escrito e verbalmente, cara a cara, como é a sua personalidade e a sua atitude perante a vida e os outros, isto é apenas um episódio inevitável e que, tomáramos nós, não tenha consequências negativas na nossa vida.

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O vídeo lá em cima mostra Alela Diane interpretando Hazel Street.

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Permito-me ainda convidar-vos a visitarem o meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras por lá não me saíram especialmente animadas mas, enfim, tenho dias. O poema é de Maria Andresen e a música que se lhe segue é de Waldemar Bastos.

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Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, uma semana muito boa, a começar já por esta segunda feira.


sábado, junho 16, 2012

Vénus ao espelho - e algumas palavras soltas sobre a beleza, o amor, a sedução, a sensualidade no feminino


Música, por favor

Melody Gardot - Love me like a river does

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Olho-me ao espelho com atenção. Esta sou eu. Olho-me nos olhos. Tento captar o meu olhar mas não consigo, o meu olhar parece não querer deter-se nos olhos que me olham. Quase sinto em mim alguma timidez.



Vénus ao espelho - Ticiano Vecellio (1473/1490 - 1576)


O espelho devolve-me a imagem de uma mulher bonita, de uma beleza franca. Penso: sou desejável. Mas, depois, um súbito pudor faz-me cobrir os seios. Olho de novo. Subo um pouco a mão que descobre um dos seios. São pequenos, macios. Olho o espelho e quase sorrio. O meu cabelo já está entretecido, pronto para me apresentar ao meu amor. 

A nudez branca parece-me impúdica, assim ao espelho. Cubro-me, ao de leve, com a capa macia, o veludo é tão macio e a orla bordada, tão bonita. Coloco as pulseiras. São fundamentais, quando me despir não parecerei tão nua.

Nesta cama, sobre esta capa macia, gozarei mais logo com o meu amor. Quero ver-me como ele me verá.



Vénus ao espelho - Peter Paul Rubens (1577 - 1640)


Nasci talvez de uma concha, sou feita talvez de espuma, não sei. Os meus cabelos são louros, longos, leves, perfumados, e eu deixo-os cair sobre os ombros. O meu corpo é farto, rijo, feito para ser acariciado, carnes macias que devem estar entre mãos. Desperto amor em quem me vê. O meu rosto tem as cores de quem tem saúde e o meu olhar olha-me, quase a desafiar-me. Mulher fêmea, sem dúvida. Mulher de carnes férteis, seara fértil, macia. 

Cubro-me com este fino cendal, branco, macio. Ignoro o olhar de quem me quer vestir, agora sou apenas eu aqui, eu e eu. Quero ver-me, quero ver o que os olhos do meu amor vão ver. Quero ver-me para perceber como será o meu olhar quando o olhar do meu amor estiver preso ao meu.



Vénus ao espelho - Diego Velásquez (1599 - 1660)


Deito-me agora sobre a chaise longue que, antes cobri com sedas naturais, marfim, antracite, deito-me e eu sou agora uma outra maja desnuda. Pensativa, olho-me no espelho. Esta sou eu. A minha anca eleva-se, e eu sei que sou desejável, farta, macia, uma mulher livre dentro de um corpo livre. Afasto de mim os véus, as capas, as vestes. Esta sou eu, nua, descoberta, eu. Olho-me tranquila. A mulher no espelho olha para mim. Entendemo-nos. Sem censuras, sem pudores, ela, a mulher nua no espelho e eu que olho a mulher que os homens desejam. 

Poderia dizer que os homens que me amaram, amaram sempre demais. Mas não digo. Eu é que sempre fiz com que me amassem demais. Eu a mulher amante, amada.



After Velásquez in my Apartment - Helmut Newton (1920 - 2004)


A cama em que agora me deito é outra, pele acolchoada e negra, armação metálica, linhas direitas, quase austera mas larga, confortável. O leito está no meio de uma sala vazia e as janelas estão abertas ao exterior. Por estas janelas abertas entra a luz do dia. Talvez quem, dos outros prédios, se chegue à janela, me consiga ver. Não faz mal. 

Olho-me ao espelho. Esta sou eu. Sensual. Não disfarço. Para quê disfarçar?, esta sou eu. Os meus lábios quase se abrem num breve sorriso. Este é o esboço de sorriso que deixa doidos aqueles que gostam de ser seduzidos. Este é o assomo de malícia que se disfarça de inocência para melhor iludir, para melhor seduzir.

Penso no que Leanor, formosa e segura, disse. Num tempo de cansaço e de tecnologias, num tempo em que todos sabem tudo de todos, mas num tempo em que as pessoas mal se vêem, mal se tocam, vital a linguagem do corpo, a linguagem da sensualidade que brota dos corpos cingidos na relva, à luz e ao calor do sol: transfiguração do medo, na esperança deste tempo.

Assim é. Cingidos umas vezes na relva, outras cingidos numa cama que, aqui no meio desta sala vazia, será um altar, o altar do amor, do desejo, dos prazeres do amor, transfiguremos o medo na esperança destes tempos.

Daqui a pouco vou cobrir-me, vou cobrir-me para que o meu amor me descubra, quero ocultar-me para o ofuscar, como Natália me ensinou num Outubro, quero enleá-lo para melhor o deslumbrar. Jogos de sedução, jogos de amor, premissas de um desejo que se quer demorado, com um final longo como se diz dos vinhos encorpados, sábios.

Junto a mim, outra mulher segura o espelho e poderia, alguém que a visse, inventar histórias. Mas não me importo. Que seja o meu inocente filho, a minha criada de vestir, uma amiga, uma deusa, um ser imaginário que me impele ao sexo e ao amor, tanto faz. Alguém tinha que segurar no espelho. Agora estou apenas a preparar-me, a conhecer-me, a reconhecer-me, enquanto espero. Daqui a pouco, por esta porta entrará o meu amor e eles sairão. Ficarei só eu e ele. Agora estou à sua espera e eu estou calma, descansada, liberta, uma mulher livre que nasceu para viver o amor.

*

Notas 

* Designei as pinturas como 'Vénus ao espelho' mas encontrei também referências com os nomes 'Vénus e o espelho' ou 'Vénus e Cupido' ou outras. 

* A frase 'os homens que me amaram, amaram sempre demais' pertence a um poema de Alice Vieira.

* A Leanor a que me refiro no texto é a Leitora 'Leanor, formosa e segura' que escreve de uma forma que me agrada imenso e que, no outro dia, num comentário no meu Ginjal e Lisboa escreveu aquela frase, tendo-me autorizar a usá-la aqui. A ela os meus muito sinceros agradecimentos.

* A Natália a que me refiro é, obviamente Natália Correia no seu poema 'De amor nada mais me resta que um Outubro'.

* Aos puristas de tudo o que mexe e que apenas conseguem fazer leituras literais, faço um alerta que me pareceria escusado mas que, just in case, aqui fica: o que acima escrevi é ficção e não um registo autobiográfico (não costumo ter ninguém a segurar-me no espelho), ou alguma recensão, apontamento histórico ou o que quer que seja que pretenda ter rigor de qualquer espécie. No entanto, as legendas apresentam o nome correcto dos autores das pinturas e da fotografia e as datas correctas em que viveram (pelo menos assim o espero) - ... e aqui, com vossa licença, para que confirmem que, de facto, me estou a rir, vou ter que incluir um smile (um smile no feminino, é claro). 



Tenham, meus Caros leitores, um belo sábado. Sorriam à vida para que a vida vos sorria a vós.