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quarta-feira, outubro 20, 2021

Crises camilianas, cães com nome de pessoas, pica-paus engalanados, abóboras japonesas e coisas assim

 



Ontem o dia esteve recheado de crises, uma maior que as outras. Aliás, uma substancialmente mais aguda do ponto de vista pessoal do que qualquer outra vivida este ano. Ligaram-me logo a avisar. Aliás, quando atendi, dispararam à queima roupa: 'Já soube?' Mas dramas daqueles já me maçam. Contaram-me: discussão, choro. Daquelas coisas. Relatam-me os factos e ficam à espera que eu faça alguma coisa. Pouco depois, ligaram-me a saber se houve evolução, se fiz alguma coisa. Não. Desviei a conversa, falei de outra coisa. Por dentro pensei que o melhor era ficar quieta, deixar que as cabeças esfriassem, não me meter, esperar que o drama saísse do ar, que a coisa ficasse por ali. Pensei que meter-me seria empolar. Portanto, deixei-me estar na minha.

Qual quê? Hoje um big mail reportando-me a situação em discurso directo mas em extensão, exponenciado, coisa quase camiliana, drama, tragédia, choro, mentiras e difamações. Olhei para aquela peça literária e voltou a ocorrer-me aquela da marquesa, mãe do meu amigo: não tenho idade nem posição social para isto.

Mas condescendi, fiz alguma coisa: escrevi um mail para o outro destinatário daquela piece of art a dizer que, por mim, punha já o autor com dono. Acrescentei: não há pachorra.

E, para ter a certeza que estava a ter a interpretação correcta, fiz dois telefonemas. Consolidei a minha opinião. O pior é que, face às proporções que a coisa assumiu, alguma coisa deverá ser feita. E o que for causará, forçosamente, mossa. E mossa na pessoa que, justamente, se está a apresentar como vítima.

Há pessoas que parece que não percebem o seu real valor aos olhos dos outros. Há cartadas que só se jogam quando se tem o domínio do jogo. Caso contrário, quem não tem unhas nem dentes não deverá pôr-se a jeito, convencido que pode arranhar ou morder. É que, fazendo-o, corre sério risco de ser posto para correr por quem efectivamente tem unhas e dentes.

O que me valeu foi a caminhada à hora de almoço. Desligo de qualquer maçada. Saio do jardim e já estou noutra. Chatices para trás das costas. 

Nunca fazemos o mesmo percurso. Todos os dias reparo no que antes não tinha reparado. Os jardins vão mudando. Onde havia flores agora vêem-se as cores outonais, há árvores que já estão nuas, há robots a apararem sozinhos a relva. As casas são silenciosas e quase parece que não está ninguém. Mas depois reparamos que há uma mulher a sachar um canteiro, um homem a aparar uma sebe, há cães que se chegam à vedação, alguém que estende roupa, hoje um homem comia qualquer coisa e ao mesmo tempo ia dando a comer a um enorme pastor alemão. Há muitas casas a serem arranjadas: ou é o telhado a ser limpo ou a casa a ser pintada ou o caminho até à porta de casa a ser calcetado. E há sempre alguém que passa a correr, alguém que passa de bicicleta. Ao cumprimentarem-nos percebemos que muitos não são portugueses.

De vez em quando sabemos de uma moradia à venda mas pouco depois já não está. Ao nosso lado também houve uma mudança. A vizinha silenciosa foi substituída por um ruidoso casal com os seus filhos e os seus cães que têm nome de pessoas. Pensávamos que teriam dois filhos e duas filhas mas afinal não são filhas, são cadelas. Chamam pelos quatro da mesma maneira e, aparentemente, portam-se todos mal pois parece que estão sempre zangados. 

Prezo muito o silêncio e as vozes faladas em harmonia. Contudo agora também eu falo a zangar-me quando ando no jardim. O meu pequeno urso só quer andar agarrado a mim, brinca, não me larga. Como nunca mais aprende a dar beijinhos, mordisca. Zango-me e ele pára mas, mal paro de me zangar, logo ele vem agarrar-se a mim. Agora, para evitar andar toda arranhada nos pés, tornozelos, mãos e braços, ando com uma vassoura na mão. Quando ele vem agarrar-se a mim, coloco a vassoura de permeio ou tento assustá-la. Ele baixa-se e ladra como que a desafiá-la. Farto-me de rir. E encho-me de ternura. Hoje deixou que o tivesse ao meu colo enquanto o escovava. Ficou macio como lã de seda. Muitas vezes, quando me vê fica num contentamento exuberante, dá ao rabinho e deita-se para eu lhe fazer festas. Olho-o e parece mesmo que está a sorrir, todo feliz. E isso deixa-me feliz.

Coisas simples.

No fim de semana o meu marido chamou-me, que fosse depressa. Tem o péssimo hábito de me chamar sem me dizer o que é. Quando lhe perguntei, insistiu: 'vem depressa'. Fui. Estava a olhar para o jardim a partir de uma das janelas da sala. Era um pássaro espantoso. Uma curiosa crista encarnada, plumagem às riscas castanhas e brancas em ton sur ton e havia ainda apontamentos em cor de laranja. Uma coisa extraordinária. O meu marido disse: são três. E ainda vi dois voando e o último voando a seguir. Fiquei maravilhada. O meu marido disse que achava que eram pica-paus pois tinha visto um ao alto como que a picar no tronco. Googlei e eram mesmo. Isto enche-me verdadeiramente de alegria. 

As romãs estão tão sumarentas, tão doces, que não se aguentam encapotadas. A casca estalada, escorrendo um sumo rubro. Acho que a natureza é um milagre permanente. 

De longe chegam-me ecos de negociações para o orçamento. Longínquos. Pouca televisão vejo, já nem consigo ouvir aquelas vozes que encenam e provocam crises, todos os anos a mesma coisa, a mesma conversa, as mesmas ameaças. Gente que nasceu velha. Muito menos consigo ouvir os comentadores televisivos, esses ruminantes avençados que mastigam a comida já mastigada pelos outros. Talvez um dia também pegue nela e a ofereça a um grupo de teatro para a espatifarem em palco, em grande estilo. 

Tirando isso, agora não sei mais o quê. 

Só se for que tenho muitos pinhões. Enquanto ando no jardim, vou apanhando. Mas, por pouca sorte, não caem dos pinheiros já descascados. E parti-los é o cabo dos trabalhos. Não sei que lhes fazer. No outro dia tentei mas fartei-me de dar marteladas nos dedos. Além do mais, de cada vez que era bem sucedida, comia-os. Portanto, fiquei sem nenhum para depois. Não sei se haverá algum utensílio para os partir, como o quebra-nozes. Ou uma maquininha de dar à manivela que a gente ponha lá os pinhões dentro e a casca salte deles como por magia. Era bom que houvesse, senão como descalço a bota? Na volta é pela complexidade do descasque que o miolo de pinhão é tão caro.

Posso ainda acrescentar que o meu filho e a minha nora nos trouxeram, no fim de semana, uma abóbora japonesa. Pus uma parte, aos cubos, na sopa, com casca e tudo. Uma inesperada delícia. Depois cortei outra parte às fatias e assei-as no forno temperadas com azeite, orégãos, sal e mel. Também com casca. Outra delícia. Desconhecia esta variedade de abóbora e desconhecia que a casca das abóboras fosse comestível. Sempre a aprender e descobrir, sempre a surpreender-me e agradar-me.

Na volta, ainda pode acontecer que a vida acabe mesmo por ser uma agradável caminhada. 

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Fotografias do Tales of Beatrix Potter pelo Royal Ballet dançado na Royal Opera House ao som do mesmo

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Desejo-vos uma radiosa quarta-feira

Saúde e boa disposição que o resto virá por acréscimo

terça-feira, abril 02, 2019

A Vogue francesa recomenda Lisboa para visitar em Maio --
e isto apesar do Tio Basílio não ter deixado o cavalo da Madonna pastar na sua Horta*


No fim de semana passado, pela primeira vez desde há várias semanas, não fomos podar árvores. Os carneiros atacaram e de gosto fomos rodeá-los e fazer a festa.

Mas se, por um lado, sinto sempre saudade de me misturar com a natureza e gozar a quietude que se vive in heaven por outro tenho uma grande vontade de ir passear. E se as circunstâncias da minha vida familiar me inibem de me afastar a verdade é que, contentando-me com pouco, visitar esta Lisboa amada me basta e enche de alegrias. 




Aliás, falar de Lisboa e dizer que é pouco é a primeira heresia. Lisboa é muito. E tanto que, se me puser a descobri-la, me surpreendo com as suas infinitas novidades. 

Há tantas cidades tantas vezes superiores, tantas tão mais majestosas, tantas tão mais boémias. Tantas. Mas esta tem tudo isso na dose certa e tem mil apontamentos diversos, novos, luminosos.

Estava a ver a Vogue francesa e logo a abrir a sugestão de cinco cidades a (re)descobrir em Maio. Intuí que Lisboa tinha que ser uma delas. E é. A seguir a Roma e entre Amesterdão, Madrid e Copenhaga lá está a mais bela de todas, Lisboa a magnífica.

Vai em francês que soa melhora:
Une vie nocturne qui fait penser à la Havane, des tramways et des ponts comme à San Francisco, des docks réhabilités rappelant Londres, un quartier d'Alfama pareil aux médinas du Maghreb, Lisbonne est un voyage à elle seule. A deux heures en avion de Paris, c'est surtout la destination idéale pour profiter des premiers rayons de soleil du printemps le temps d'un week-end en mai.

E recomenda o hotel Verride Palácio de Santa Catarina que não conheço mas cuja fotografia me deixa com vontade de ir lá dormir. Melhor nem ver o preço não vá mudar de ideias.

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O bailado não tem nada a ver, acho eu. Mas é muito bonito e tudo o que é bonito condiz com Lisboa. Transcrevo:
The Royal Opera House presents this short film by Andy Margetson featuring dancer Marianela Nunez who graces the pages of this month's Bazaar UK
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* O trocadilho lá em cima, no título, é fajuta, trocadinho mesmo -- bem sei. Começou por me apetecer chamar Primo ao Tio e, como resisti, acabei com a parvoíce da Horta quando queria era dizer Palácio. Mas um palácio para a Madonna pôr o ginete a pastar é capaz de ser o mesmo que uma horta com estilo.


E se esse episódio é ridículo, mais ainda é a birra dela e mais ridículo é se tudo for verdade. Gosto que as pessoas gostem do meu País, que falem bem dele -- mas gosto mais ainda que o respeitem. No entanto, devo confessar: não é para mim líquido que ter um cavalo dentro de um palácio seja desrespeito e que o cavalo, ao ver-se aburguesado, fosse fazer estragos. Ou seja, não é para mim completamente claro que o birrento aqui não seja o Primo Basílico.


E, nada me sendo líquido, fico-me por aqui que estou mais do que sólida de sono, quase a passar ao estado de 'pedra', 'pedregulho' mesmo. Salve.