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quinta-feira, fevereiro 02, 2023

Não faço a mínima ideia de quem eram os meus antecessores.
Seria interessante conhecer as minhas raízes?

 


É verdade e já várias vezes aqui o referi. O passado não me interessa. Há algum tempo a minha mãe queixou-se que só tardiamente soube onde tinha sido baptizada porque a sua mãe não ligava a nada disso e pouco conversava sobre esses aspectos. Fiquei muito admirada. Disse-lhe: 'Eu também não sei onde fui baptizada, também nunca me contou'. Ficou desconcertada. Depois disse-me onde tinha sido como se eu devesse saber. E eu, como de facto, também não ligo, esqueci-me no momento seguinte.

Também sei que ele e a minha mãe tinham inúmeros primos, grande parte deles espalhados pelo país e pelo mundo mas também nunca me interessou saber que é feito deles. De uns ou outros tenho fugazes ideias, chegaram a ir visitar-nos ou às minhas avós mas sempre foram vidas tão diferentes e longínquas que nunca investi o meu interesse.

Mas lembro-me de um evento singular. Havia uma prima com quem a minha avó materna se dava muito. Não sei se era prima direita daminha avó ou da minha mãe ou se era filha de alguma prima direita. A minha avó era muito nova. Teve a minha mãe, acho, com 16 anos. Encobriu a sua verdadeira idade creio que para parecer que tinha sido aos 17. Só quando morreu é que isso foi descoberto. Toda a vida festejámos os seus anos numa data errada.

Fui ao casamento dessa prima. Devia ir pelos trinta ou trinta e picos quando se casou. Aliás devo ter sido, uma vez mais, a menina das alianças. Depois teve uma filha, por sinal muito bonita.

Até que um dia um burburinho, conversas a meia voz. A minha mãe, a minha avó, uma das minhas tias. Já eu devia ser quase adolescente. Percebi que havia um segredo prestes a ser revelado. Não sei como, presumo que foi trama cujo conhecimento me foi subtraído, o que sei é que a minha avó tinha recebido uma carta, tinha havido troca de correspondências. E que ia haver um encontro intermediado pela minha avó, em sua casa. A dita prima, o seu amoroso e dedicado marido e uma jovem mulher, já casada, espanhola. Sua filha. Toda a gente para morrer.

O encontro deu-se, contou a minha avó que foi muito emotivo, o marido da prima aceitou aquela mulher espanhola que diziam ser belíssima, muito parecida com a sua irmãzinha portuguesa.

Tinha vindo também com o marido, com um filho bebé. Foram conhecer os meus país a nossa casa. Era, na realidade, um espanhola toda ela sentimento e emoção, encantada por ter encontrado a família portuguesa que procurava há tanto tempo.

Nunca mais soube dela. Se calhar a minha mãe sabe. Eu não. Esqueci-me.

Sobre os meus avós, maternos e paternos sei que vieram do Algarve. 

O meu avô paterno, um aventureiro que em adolescente, tendo o pai fugido do país, andou por Espanha e por França e que me encantava por falar francês, tinha traços orientais,

A minha avó paterna, algarvia típica, relativamente baixa, senhora do seu nariz, tomava decisões sozinha que deixavam o meu pai furioso, em especial quando vendia terrenos, casas, propriedades em zonas que já estavam a bombar. Decidia que não queria chatices e desfazia-se de tudo, quase sempre a preços irrisórios. Lembro-me da estupefacção e irritação do meu pai e dela se estar a marimbar. O meu avô também. Eram coisas que tinham sido herdadas por ela, que fizesse o que quisesse. Até nisso a sua calma era oriental.

É do lado dessa minha avó, que tinha vários irmãos, que conhecemos mais tios e primos mas, apesar disso, a maioria anda pela Austrália, pela França e sabe-se lá por onde mais.

O pai desse avô foi o senhor morgado que, tendo perdido tudo no jogo e nas 'mulheres', partiu para a Argentina (ou para a Venezuela) sem se despedir ou deixar algumas indicações. Durante décadas ninguém o procurou nem ele procurou a família. Perdeu-se-lhe o rasto.

Do lado da minha mãe havia o pai dela, invulgarmente alto, invulgarmente muito louro, com olhos invulgarmente azuis. Não faço ideia das suas origens nem da sua família. Morreu novo, num horrível acidente. Presumo que se tenha pedido a ligação à sua família.

Da mãe da minha avó materna era prima de um presidente da República e já contei que, quando morreu, vi correspondência dessa bisavó com primos algarvios, invulgarmente cultos e divertidos. Não sei onde param essas cartas. Essa minha avó teve vários irmãos, um dos quais lutador pela democracia que viveu entre prisões, deportações e clandestinidades. Mas sobre as origens mais para trás não faço ideia.

Quando vejo estes vídeos em que é revelada a geneologia até tempos longínquos a pessoas que não faziam nem ideia, fico a pensar como seria a minha reacção se descobrisse coisas das quais nunca sequer suspeitei. Faz diferença a gente conhecer as nossas raízes mais profundas? Não sei. Diria que não. Mas sei lá.

Jeff Goldblum reacts to Family History in Finding Your Roots | Ancestry


Um dia bom
Saúde. Rápidas melhoras a quem delas precisa. Paz.

quarta-feira, dezembro 07, 2022

A minha prima

 

Não sei se alguma vez disse à minha prima, ou se alguém lhe disse, que fui eu que sugeri o nome dela. Eu devia ter uns cinco ou seis anos e ouvi numa entrevista na rádio o nome da filha de uma cantora que, à data, era famosa. A minha tia tinha ido para casa dos pais depois de ter a bebé e foi lá que os fomos visitar. Perguntaram-me como é que eu queria que ela se chamasse. E saiu-me esse nome. Ao ouvi-lo, pareceu-me um nome incomum, muito bonito, um nome de princesa.

A nossa diferença de idades levava a que as nossas brincadeiras andassem um bocado desfasadas. Mas, apesar de muito mais nova, eu gostava de brincar com ela. E ela de brincar comigo. 

Quando brincávamos juntas, eu era a cabeleireira e penteava-a a ela e às bonecas ou era a merceeira e vendia-lhe produtos a peso e fazia trocos numa máquina registadora. Ela, pequenina, era a médica e fazia-me curativos, auscultava-me, via-me a garganta, tratava das minhas filhas, bonecas doentes.

Sempre fomos muito diferentes. Eu gostava de brincar na rua, tinha muitos amigos, rapazes e raparigas, era respondona, com uma vontade própria muito determinada, sem receio de enfrentar os meus pais. Ela sempre foi muito de estar em casa, sempre muito chegada aos pais, muito educada. Sempre fui de me divertir e namorar e, para estudar, sempre fui mais de 'apanhar no ar' e estudar sobretudo o que sentisse que devia ser aprofundado ou treinado. Ela sempre foi o meu oposto: muito disciplinada, muito bem comportada, muito estudiosa. Era aplicada, obediente, estudava horas a fio com a mãe. A única vez de que me lembro de estudar com a minha mãe foi na preparação para os exames de admissão ao liceu e havia sempre zaragata, lembrando-me inclusivamente de, numa das vezes, a minha mãe acabar a chorar. Se calhava eu ter algum erro (nos ditados) ela queria que eu escrevesse essa palavra umas quantas vezes. Eu recusava-me. Coisas assim. Uma luta. Ela era professora, queria que eu seguisse a disciplina que ela impunha nas aulas dela. Não conseguia e sentia-se frustrada.

Ao passo que eu andava frequentemente meio despenteada, com roupas que, na altura, pretendiam ser mais 'alternativas' (Porfírios, por exemplo), ela sempre andou muito bem arranjada, sempre se vestiu com boas roupas, boas marcas. A minha mãe dava-a muitas vezes como exemplo: vê lá se a tua prima anda assim. Claro que sempre me entrou por um ouvido e saiu por outro. O estilo dela condizia com ela: respeitável, exemplar.

A verdade é que sempre senti admiração pelas pessoas diferentes de mim. Não sei como conseguem. 

Foi para Medicina, claro. Sempre muito boa aluna, sempre mantendo a disciplina de passar horas a estudar, sempre aceitando sacrificar-se. Aliás, creio que, para ela, não era sacrifício. Enquanto eu fiz questão de sair de casa quando fui para a faculdade e mudei de namorado e ia a festas e ao cinema e não parava, e, depois, cansada de tanta animação, resolvi 'assentar' aos vinte, a meio do curso, e começar a trabalhar, e todas essas coisas, ela, como todas as pessoas que conhecíamos, manteve-se em casa dos pais até se casar. E acabou o curso e a especialidade e tudo by the book. Casou com um rapaz simpatiquíssimo, igualmente bem comportado e disciplinado. 

Tal como eu, também teve dois filhos, um rapaz e uma rapariga, mas claro, nasceram quando os meus já eram crescidos. Também aqui, muito diferente de mim: batizou os filhos, fez festas de batizado. 

Profissionalmente manteve-se uma moura de trabalho. Tem cargos de responsabilidade num hospital, trabalha também no privado, e, uma vez mais, não sei como aguenta. Agora já não faz bancos mas, ainda assim, trabalha horas e horas a fio. E nunca a ouvi queixar-se de cansaço ou saturação. Gosta mesmo da profissão que tem. Quando fala de assuntos médicos, é sempre muito pedagógica. Ficamos a perceber bem as maleitas, os tratamentos, as probabilidades de as coisas irem para um lado ou para outro.

Continuamos a tratar-nos pelos nossos diminutivos e sempre que falamos, por muito tempo que tenha passado desde a última vez, é como se tivéssemos interrompido a conversa na véspera.

E hoje, orgulhosa e feliz, deu-me a notícia de que também já é avó. E eu fiquei muito feliz por ela, muito -- por ela e pelos meus tios, por todos. A minha prima, que é ainda a menina que trato pelo diminutivo e com quem acho que nunca me zanguei, já é avó! Dá para acreditar? 

[Do meu primo sonhador já falei algumas vezes mas da minha outra prima, outra que é mais na minha onda, acho que nunca falei. Um dia tenho que falar. Também gosto muito dela.]

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Boa sorte. Paz.

segunda-feira, novembro 28, 2022

Sobre a incerteza da vida, sobre o luto, sobre a fé

 

Entrei numa loja com a minha mãe, ela para ver de um 'casaquinho', eu para provar uma camisola quente e confortável. Afinal a camisola de que gostei ficava demasiado larga e ela não gostou de nenhum casaco. Enquanto isso, o meu marido foi andando com a fera. Quando saímos da loja não os vimos. Lembrei-me de ir a uma sapataria que costuma ter sapatos confortáveis de trazer por casa. Afinal estava fechada. Continuei sem saber deles. Liguei ao meu marido. Disse-me que estava no largo e que tinha encontrado um primo meu (disse o nome).

Fui com a minha mãe à procura deles. Estavam longe. Apenas os identifiquei porque vi, à distância, um grupo com um cão cabeludo. Lá estavam: o meu primo, a mulher que é metade dele, e a filha, a miúda mais nova. Já não os via há algum tempo. Ele na mesma. Altíssimo, magro, sempre com aquele seu ar levemente sonhador, sempre zen, pouco falador. Ela, muito mais nova que ele, super enérgica, super jovial, faladora, alegre. Os dois miúdos mais velhos tinham ficado em casa. O cão também. A menina, pequenina, igual à tia, irmã do pai (minha prima, portanto). Igual, igual. Olhei a menina e pareceu-me estar a ver a minha prima quando tinha a idade dela, era eu recém casada nessa altura. Nunca vi coisa assim. Como se fossem gémeas com uns quantos anos de diferença.

A mulher do meu primo contou-nos que o pai morreu há cerca de três meses e ficou triste ao falar disso. Ficámos admirados, não sabíamos que estivesse doente. Não estava. Foi no verão.

Os pais do meu primo, dois tios muito queridos de quem aqui já falei, não chegaram a conhecer esta menina que nasceu quando os irmãos já eram crescidos. O meu tio também não chegou a conhecer a menina mais nova da minha outra prima. Morreu quando ela soube que estava grávida, nem nos quis dizer isso no velório ou no enterro, só disse depois. Percebi-a muito bem. A minha tia ainda conheceu essa menina mas por pouco tempo. Estava muito mal, mas apesar disso, ainda foi para casa da filha para a ajudar pois tinha a casa cheia de crianças.

Lembrei-me do casamento do meu filho, em que ainda estavam todos vivos. O meu pai tinha tido o AVC e andava com alguma dificuldade (mas andava) e foi esse meu tio, irmão da minha mãe, que o ajudou discretamente pois o meu pai sentia-se diminuído e não gostava de ser visto assim. Esse meu tio era forte, uma força da natureza, ajudava muito. E a mulher, muito divertida, poderia ter sido uma comediante, era descomplicada e ajudava muito a minha mãe e ajudava todos, levando tudo para a brincadeira.

Afinal, poucos meses depois, viemos a saber que o meu tio, apesar de todos pensarmos que respirava saúde, estava com um cancro. Tratou-se, ficou melhor, aparentemente bem. Mas poucos meses volvidos, foi a minha tia que soube que também estava com um cancro, e neste caso avançado. Foi operada, fez tratamentos. O meu tio foi-se completamente abaixo pelo que estava a acontecer à mulher. Eram amicíssimos, inseparáveis. Pouco depois, morreu. E ela também se foi, pouco depois. 

A morte deles foi um abalo muito grande para todos nós. Pensávamos que eram saudáveis, fortes, felizes, uma ajuda para todos, eternos. E, no entanto, foi um instante enquanto desapareceram. 

O meu pai também já cá não está. Hoje, ao saber da morte do pai dela, não muito mais velho que eu, lembrei-me dele e da mulher no casamento deste meu primo. Um casal bem disposto que não sei como terá reagido ao casamento da sua menina com um homem quase com idade para ser seu pai. Casou tarde, esse meu primo, depois de uma vida algo aventureira e quando se pensava que haveria de ter namoradas, uma aqui, outra ali, em países para os quais viajava e de onde elas vinham para visitá-lo, mas que, se calhar, nunca se sentiria tentado a 'assentar'. Afinal foi esta miúda, simpática, alegre e desempoeirada, que o levou à certa. Com semblante triste, falou da mãe, agora sozinha, abalada pela morte prematura do marido.

A vida é assim, incerta, por vezes efémera, por vezes traiçoeira, tantas vezes injusta. 

Mas a verdade é que, apesar do desgosto que sentimos quando se vão os que nos são queridos, a verdade é que a vida continua, regenera-se sem eles.

Temos que é que aproveitá-la bem enquanto dura tal como temos que aproveitar a companhia dos que amamos enquanto cá estão. Não sabemos nunca o que vai acontecer no dia seguinte pelo que levar uma vida incompleta à espera de poder vivê-la mais tarde pode vir a revelar-se uma aposta furada. Não sei se as pessoas que têm fé ou que praticam os preceitos de alguma religião se sentem mais acomodados perante a incerteza da vida mas eu que sou agnóstica tenho para mim que a vida é finita e milagrosa e que devemos agarrar cada instante como se tivéssemos sido abençoados em recebê-lo. E devemos estar na vida de coração aberto, generosos, bondosos, compreensivos, tolerantes. Nada disto é sinónimo de sermos bonzinhos, caridosos, passivos, beatolas, panhonhas, maria-vai-com-as-outras. A vida é boa se dermos o peito às balas e soubermos erguer bem alto as bandeiras das nossas convicções. 

E não digo mais nada porque a partir daqui já seria eu a deitar-me a filosofar, coisa para a qual notoriamente sou desprovida de competências.

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Posso apenas acrescentar que penso que o meu marido hoje percebeu que teria muito a ganhar se passasse a usar óculos na rua.

Já no carro, contou que ia a passear com a sua fera quando ouviu, ao longe, chamar o seu nome. Olhou, não reconheceu ninguém, admitiu que não seria com ele. Mas o chamamento continuou, 'Aqui!'. Então, olhou nessa direcção. De longe, pareceu-lhe que era a cunhada de quem ontem aqui falei. De facto não diferem muito, excepto que a minha cunhada deve ter uns vinte anos a mais que a mulher do meu primo. E, quando, de longe, viu o homem ao seu lado, pensou, atónito, que o irmão estava muito diferente. Devo dizer que o meu primo tem à vontade trinta centímetros a mais de altura que o meu cunhado e que, a nível de peso, é capaz de ter menos uns trinta quilos. De cara então não há comparação possível. Portanto, face a esta inexplicável confusão, acredito que talvez o meu marido admita que teria muito a ganhar se passasse a usar óculos na rua.

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Bem. Se não tenho mais a dizer posso, no entanto, recomendar uma entrevista muito interessante. Muito interessante, mesmo. Posso ser suspeita porque gosto muito do Nick Cave mas não quero saber: ele é um homem carismático, com uma densidade artística que me prende. Além disso, a sua vida tem tido momentos de fractura e dor que dão corpo a algumas das suas criações artísticas mais tocantes e intensas.

Lamento que não esteja legendada mas, ainda assim, até como se de um repositório de agrados o blog se tratasse, incluo-a aqui. 

Nick Cave on faith, grief, and music: The Newsnight Interview

The artist talks about the death of one of his fifteen-year-old twin sons, Arthur, seven years ago, and how he has addressed loss and grief through music, particularly his hugely lauded album Ghosteen.  

He talks about his new book, Faith Hope and Carnage, which is distilled from a series of telephone conversations during lockdown between Cave and journalist Sean O'Hagan, in which the musician talks about questions of belief, faith, grief, love and his music.  

In a rare TV interview, Kirsty Wark also hears about his project, The Red Hand Files, in which he solicits questions online and then responds to the ones which pique his interest with advice and musings which are often tender, and sometimes funny.

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As pinturas são de Manuel Cargaleiro

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Boa sorte. Paz.