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quarta-feira, dezembro 07, 2016

Renegociar a dívida
- um desafio à altura da inteligência de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa




Vou ser lapaliciana: negociar significa dar e receber, ceder e obter. Negociar a dívida não é sinónimo de obter o seu perdão. Negociar a dívida, ainda que de forma incipiente e quase irrelevante, é o que tem vindo a ser feito. Mas não é suficiente.

É preciso encarar de frente a necessidade de renegociar a sério a dívida pública e acho que teríamos todos a ganhar se essa discussão fosse feita com maturidade e de forma desapaixonada. É preciso perceber que encarar este assunto de forma maniqueísta (ou mortaguiana) é um erro crasso. Não somos nós, os coitadinhos, versus os outros, os malvados. É que quem está do outro lado, na ponta final, não é forçosamente um abutre. Podem até ser reformados que, na sua boa fé, contam ter uma boa rentabilidade dos seus fundos de pensões.

Renegociar a dívida de um país não é, pois, coisa para meninas estridentes que -- como dizia, creio, o João Oliveira do PCP -- gostam de espalhar com as patas o que os outros andam a juntar com o bico. É, na verdade, trabalho de sapa, trabalho de fundo, trabalho de análise, trabalho de diplomacia, trabalho de gente adulta.

Com uma Europa descomandada e que facilmente se desengonçará ainda mais do que já está e com um presidente americano que se adivinha um poço de incertezas, com os chineses e os russos já com as hostes a caminho, é bom que quem tem olhinhos de ver perceba que está na hora de pôr os motores a aquecer porque os tempos que aí vêm têm tudo para ser tempos de mudança. António Costa e os seus pesos pesados e Marcelo Rebelo de Sousa terão uma oportunidade única para abrir uma brecha no rançoso status quo europeu e mostrar que há outra forma de estar na democracia. Às vezes basta um bater de asas de borboleta ou um cravo na ponta de uma baioneta.

Os países têm vindo a ser abanados pelos ventos de descontentamento que sopram um pouco por todo o lado. O povo, essa insondável mole humana, tem vindo a mostrar que não quer mais os xaropes que lhe têm vindo a enfiar goela abaixo. Votam à esquerda ou à direita desde que lhe cheire a mudança: pode ser um populista, um palhaço ou um pato. Tudo menos alguém que personifique 'os de sempre'. Pasto fácil para o populismo, este é o terreno que, quem tenha dois dedos de testa e que saiba ver ao longe. tem para pisar e do qual pode tirar vantagem.

Renegociar a dívida*, restituir a dignidade e a racionalidade à economia, voltar a colocar o humanismo no centro da política, apostar no europeismo como motor de coesão e desenvolvimento -- estes são alguns dos passos que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa deveriam começar a equacionar (com discrição, com sabedoria, com determinação). Inteligência e tacto político não lhes falta. Empatia entre eles e capacidade para estabelecer empatia com os outros também não. Talvez esteja, pois, na hora de começarem a trabalhar a sério -- de olhos postos no futuro.


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Brendel interpreta Schubert, Op. 90/3
Fotografias da National Geographic

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* E calma, isto é o que eu penso numa lógica absolutamente racional, desprovida de simpatias partidárias (até porque a questão da dívida tem sido bandeira do BE e do PCP, partidos sobre os quais não se pode dizer que eu morra de amores por eles)

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quinta-feira, outubro 08, 2015

Sobre os nossos impolutos 'amigos' alemães, sobre a VW, e sobre a forma como nós, os gazeteiros e preguiçosos do sul, somos papados que nem anjinhos, aconselho a leitura de 'Mestres dos Disfarces'






Quando eu for grande, gostava de ter o poder de contenção, a precisão algébrica, a limpidez de escrita, a capacidade de investigação e de síntese que leva a, em meia dúzia de palavras, agarrar em mil pontas soltas que reconheço no autor do fantástico blog Xilre (a que, aqui na minha galeria lateral, chamo Livro de Horas).

Em tempos, num outro blog, li que o Xilre é um dos melhores blogs de homens, ou o melhor (já não me lembro), e achei isso tremendamente injusto porque, classificando-o dessa forma, parecia reduzi-lo ao género, uma coisa quase tão deslocada como dizer que Ana de Amsterdam é um dos melhores blogues de mulheres. Um blog que é bom, é bom independentemente do sexo de quem o escreve, especialmente quando se distingue pela qualidade da escrita ou quando aflora temáticas que não estão agarradas aos limitados temas supostamente específicos do sexo do autor. 


Considero que um blog pode encaixar na categoria de 'blog de homens' quando grande parte do que escreve se dirige explicitamente ao sexo feminino, seja numa de galanteio, seja numa de provocação brincalhona (abundando, então, posts com títulos como, por exemplo: 'O problema das mulheres', 'aquilo de que as mulheres gostam', 'o que as mulheres não conseguem perceber', etc).

Ora o Xilre não é nada disso. Se, por vezes, ali se vêem descritos pequenos episódios do dia a dia ou referências culturais tantas vezes inesperadas e sempre gratificantes de ler, ou pequenos apontamentos poéticos, frequentemente haikus muito pessoais que certamente resultam de uma observação decantada do mundo ou das almas, e/ou uma cuidada e requintada selecção de pinturas ou músicas, é também ali que encontro das mais pertinentes, oportunas e bem fundamentadas reflexões sobre temas marcantes da actualidade.

Hoje li ali um post cuja leitura muito vivamente recomendo.

Sob o título Mestres dos Disfarces, o que ali se lê é o retrato a cru do que tem sido a actuação oportunista, prepotente e arrogante dos alemães tantas vezes em cima de práticas ilegítimas.


Transcrevo apenas a conclusão do post mas, repito, aconselho a sua leitura integral.

Wolfgang Münchau, do Financial Times, antevê: «a minha expectativa é que a VW seja mantida viva através de alguma combinação de ajudas ocultas ou visíveis por parte do estado.» Assim como já fomos chamados a salvar os bancos alemães, resta-nos saber quanto é que nos cabe na fatura das ajudas ocultas à indústria automóvel germânica. Ela chegará, não duvidemos, como a anterior. Só resta saber quando — e quanto.

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A pintura lá em cima é de Marc Chagall: I and the Village (1911). 
Alfred Brendel com a London Philharmonic Orch. interpretam o concerto para piano "Emperor" de Beethoven

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E, se para aí estiverem virados, desçam um pouco mais que verão a escola onde os PàFs aprenderam a fazer contas.

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