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domingo, abril 20, 2025

Também tendo a achar o mesmo que a jornalista que andou um ano inteiro a namorar tipos de extrema direita: são, antes de mais, uns seres inseguros, perturbados

 

Quando ouço alguns dos youtubers da moda ou quando ouço a conversa de fulanos de extrema direita geralmente penso o mesmo: deviam tratar-se. São incoerentes, inconsistentes, muitas vezes agressivos, mal educados, assumem posições extremadas, frequentemente de raiva ou ódio, demonstram zero empatia. Em contrapartida, viram-se do avesso, se necessário for, para agradarem, para que gostem deles. Claro que fico sempre incomodada e perplexa por alguém lhes dar ouvidos. E penso que, com sessões de terapia, individuais ou em grupo, talvez pudessem ser ajudados a tornarem-se bons seres humanos.

Esta coisa da manosfera de que só comecei a ouvir falar na sequência da série Adolescência (em que ainda não ganhei coragem para ir além do 1º episódio) -- grupos de homens intoxicados por teorias da conspiração, com sentimentos de rejeição recalcados, misóginos por má ou inexistente informação ou por traumas mal resolvidos -- parece que está a alastrar. E, ao ritmo viral que as redes sociais propiciam, está a 'apanhar' gente de todas as idades, em especial os que ainda têm a sua personalidade em fase de formação como os adolescentes.

Mesmo, no caso da nossa política nacional, se virmos bem, o Ventura é um caguinchas, diz uma coisa e o contrário, faz de tudo e o seu contrário, para que gostem dele, e, quando é apertado, parece que até faz beicinho. É daqueles que, numa situação de aflitos, ficaria a tremer que nem varas verdes e, quiçá, até não conseguisse controlar os esfíncteres. Um pobre coitado que, muito provavelmente, se seguisse um aturado programa de psicoterapia, talvez melhorasse. Assim, por aí anda, a dizer baboseiras, a incitar à divisão tribalista e imatura dos bons contra os maus, a ser seguido por outros tão perturbados quanto ele ou débeis das ideias. Veja-se também o Trump: narcisista, irracional, imaturo, infantilóide, inseguro, sempre a proclamar-se como o maior mas sempre com medo que gostem mais de outros mais fortes (Putin, por exemplo) do que dele. Lança atoardas ou grandes medidas e, quando vê que deu barracada, recua. E quando confrontado com as alarveiradas que diz, mostra-se surpreendido e diz que não disse. Claro que com esta aleatoriedade pegada e sendo uma mente desarranjada. Não se tratou pelo que, ao longo da vida, só tem feito o número dois (como agora se diz). Gente perturbada.

A investigação que uma jornalista levou a cabo confirma isto. 

Talvez se compreendermos bem como funciona a mente e a psique desta gente, talvez, talvez, talvez se consiga que continuem a ganhar influência e a fazer tantos estragos.

This woman dated only far-right men for a year: ‘They were so insecure’

The “manosphere” is made up of macho podcasters and influencers, a space where UFC fighters are among those that reign supreme, like Jake Shields. CNN’s Donie O’Sullivan sits down with Shields and also speaks with independent journalist Vera Papisova as part of "MisinfoNation: Extreme America," airing Sunday April 13 at 8pm ET/PT on "The Whole Story with Anderson Cooper." #CNN #News


Desejo-vos um belo dia de domingo

Renasçamos todos os dias.
Renasça a esperança.

quarta-feira, abril 02, 2025

Clara Ferreira Alves e a 'manosfera' - a 'percepção' em vez da estatística
-- Isto para não dizer: a ficção em vez da realidade --

 

Li com algum espanto e até alguma pena o artigo da Clara Ferreira Alves no Expresso, "Manosfera, manual de combate". 

Parece que existe uma manosfera. Sempre existiu, sem ter meios de comunicação tecnoinclusivos ou nomenclatura e sociologia a gosto. Welcome to my world.

No mundo em que nasci, o da expansão económica do pós-guerra, e do nascimento das marchas e lutas dos direitos civis, a violência masculina era um dado adquirido. Nascer mulher era não só nascer imiscuída nessa violência e prisioneira dela como nascer forçada a aceitar essa violência. E considerá-la parte do estádio civilizacional da época. Ou seja, normal.

Começava em casa. O pai, ou pater familias, era o único detentor do poder paternal, do poder financeiro e do poder disciplinador, que exercia com maior ou menor benevolência. A mãe era o polícia bom, o pai o polícia mau, chamado a depor no tribunal do casal sempre que havia a ameaça de desobediência ou rebelião. (...)

Na minha família não havia sevícias físicas, mas a violência verbal do pater familias era assustadora. Era uma violência exercida sobre toda e qualquer liberdade residual que uma rapariga ousasse ter. O mundo estava medido e escolhido para ela. O que podia e não podia fazer era designado desde o nascimento, mesmo quando se aceitava que a rapariga estudasse. E “estudar” num curso dito superior não era assim tão comum. Mais comum era fazer o liceu, o secundário, e a seguir arranjar um emprego, talvez de secretariado, uma posição subserviente, ou de qualquer modo um emprego que implicasse saber datilografia. Escrever à máquina. Na pequena burguesia da época, a capacidade era considerada um trunfo. A seguir, a rapariga casava e o marido teria de ser alguém aceite pelas duas famílias. Depois de casar-se, a rapariga seria mãe e colocar-se-ia numa situação financeira de pura dependência em que era norma aceitar as infidelidades conjugais. (...)

Na escola de repetentes, fui confrontada pela primeira vez com abortos, alunas lésbicas, e as “galdérias”, as raparigas que tinham dormido com rapazes. Pairava uma insurreição na escola, e a violência no recreio era bestial. De besta. Dos rapazes sobre as raparigas. Era uma coisa nova, e foi uma educação. Descobri que fora do estreito círculo feminino, oprimido, a relação entre os sexos era eminentemente violenta.(...)

Ao longo da vida, as situações de violência e discriminação que tive de enfrentar ou sofrer, e foram muitas, não cabem aqui. Assisti a muitas mais. Mesmo depois do 25 de Abril, que mudou tudo e não mudou logo tudo, a violência continuava, exercida muitas vezes na clandestinidade. Como os abortos. Como as violações, nunca reportadas. A posição subalterna da mulher era um dado adquirido e sofrida em silêncio. A trabalho igual nunca salário igual. E continua. 

(...)

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Como escrevi acima, tudo o que aqui leio me espanta. Sou contemporânea de Clara Ferreira Alves. E, no entanto, se eu fizer uma resenha do que têm sido os 'meus tempos' e qual a minha experiência, quer como interveniente directa quer como espectadora, seria totalmente diferente.

O ambiente em que vivi nunca foi violento. Nunca testemunhei violências. Não digo que não houvesse violência. Haveria. Mas da mesma forma que não consigo dizer que eram tempos absolutamente tranquilos, todos eles peace and love, também me parece abusivo retratá-los como um farwest.

Em minha casa trabalhava o meu pai e trabalhava a minha mãe. Opinavam e decidiam de igual para igual. Talvez uma parte significativa das mães dos meus amigos não trabalhasse, até porque era um meio relativamente burguês, mas muitas trabalhavam.

Além disso, todas as minhas amigas desde a infantil, à primária prosseguiram para o secundário. E a grande maioria das minhas colegas de liceu seguiram para a universidade. E há várias engenheiras, gestoras (e médicas e professoras e psicólogas, incluindo de germânicas, e uma escultora e sei lá que mais). Todas escolheram o que quiseram. Se há alguma Secretária, desconheço. Não que isso fosse mau - simplesmente não era regra nem imposição nem coisa nenhuma.

A regra também não era casar, ter filhos e ficar na dependência do marido. Não conheço uma única que tivesse ficado na dependência do marido. E a minha melhor amiga engravidou antes de casar e eu e todas as minhas outras amigas não engravidámos porque tivemos mais cuidado.

O liceu em que andei era misto mas as aulas e os recreios não eram mistas. Contudo, no meu 3º ano, actual 7º, tal como aconteceu com Clara Ferreira Alves, criaram turmas piloto. Mas o piloto traduzia-se em serem mistas. Os melhores alunos, femininos e masculinos, na mesma turma, a turma A. A partir daí o liceu passou a ter um encanto suplementar. Nunca, nunca, nunca, houve qualquer episódio de violência masculina sobre as raparigas. Pelo contrário, eram os tempos da pré-adolescência e depois da adolescência, em que nos encantávamos uns com os outros. Havia sempre alguém que fazia anos e fazia festas em que se dançava, íamos ao cinema, só miúdos, no verão íamos à praia, um grande grupo supostamente vigiados pela mãe e pela tida de uma das minhas amigas.

Depois do 25 de Abril, na faculdade, nunca, nunca, nunca assisti a nenhum episódio de violência de rapazes sobre raparigas. Zero. Eram tempos de maravilhosa liberdade, de afecto, de descoberta.

Comecei a trabalhar aos 20 anos, dando aulas. Quer a nível de alunos e alunas quer a nível do corpo docente, nunca assisti a qualquer violência masculina. Nunca.

Tinha ainda 22 quando me mudei para o ambiente empresarial, indo trabalhar para uma das maiores empresas do País, uma empresa em que a larga, muito larga, a larguíssima maioria dos funcionários, incluindo os dirigentes, eram homens. No transporte para lá, eu era a única mulher. Durante anos só lidava com homens. Nunca fui alvo de violência, desconsideração, desrespeito. Nunca. Sempre ganhei o mesmo que os meus colegas homens. Progredi profissionalmente e em pouco tempo integrei o corpo de dirigentes. Durante muitos anos era a única mulher nas reuniões de gestão. Nunca me senti inferior, inibida ou prejudicada. 

Com o tempo começaram a aparecer mais mulheres em todas as funções, sempre a par e par com os homens. 

Nunca soube de violações mas assisti a vários momentos de assédio e todos eles foram de mulheres sobre homens. E, identicamente, nunca assisti a casos de assédio de homens mais 'poderosos' sobre mulheres em situação de 'inferioridade hierárquica' mas, pelo contrário, a mulheres que faziam de tudo para terem um caso com o doutor, o engenheiro, o director. 

Por isso, se não posso dizer que o artigo de Clara Ferreira Alves é pura ficção ou um disparate sem pés nem cabeça, o que posso dizer é que tendo eu trabalhado sempre em empresas muito grandes, frequentado meios muito diversos e sendo uma pessoa razoavelmente informada, o testemunho que posso partilhar é o oposto.

Sei que há casos, certamente mais do que deviam, até porque deviam ser zero, de violência de homens sobre mulheres -- mas estatisticamente são marginais. E claro que ainda há muitos grunhos, machistas, marialvas, abusadores. Mas são uma minoria. Os que há não chegam para tornar a sociedade, no seu todo, um antro de homens violentos, estúpidos, assediadores, prepotentes.

Uma das coisas que sempre achei nocivas para a sociedade no seu todo é a atitude das mulheres que se colocam no patamar em que Clara Ferreira Alves se põe: a de vítima, de ser inferior ou inferiorizado perante os homens. Em toda a minha vida pessoal e profissional nunca, nunca, nunca me apresentei assim ou me coloquei nessa posição. Nem tal me passou pela cabeça. E tendo chefiado durante quase toda a minha profissional grandes equipas, inicialmente predominantemente masculinas mas progressivamente cada vez mais totalmente mistas, nunca nenhuma pessoa das minhas equipas me acusou de privilegiar uns ou outros em função do sexo. 

O artigo da Clara Ferreira Alves deixou-me, pois, algo incomodada. E a única explicação que tenho para o que ela escreveu é que ela está a deixar-se tomar pela grave e, pelos vistos, contagiosa doença das percepções.

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Desejo-vos uma boa quarta-feira

domingo, setembro 03, 2023

Ainda é bom ser rei...?

 

Não me interpretem mal. Não suporto machistas, azeiteiros, parvalhões. Já nem falo em assediadores, muito menos em violadores, caso em que falamos de crime e já nem tanto de costumes.

Mas não me acho uma zinha, sem voz própria, incapaz de me defender nem acho que as mulheres devam ser todas vistas como umas pobre coitadas, indefesas, necessitadas de um coro de virgens de cada vez que algum homem ponha o pé em ramo verde.

Uma coisa são situações de franca inferioridade, seja profissional, social ou, mesmo, mental, em que um chefão malandreco ponha e disponha senão a pobre coitada vai suar as estopinhas. Aí algum apoio será requerido para que a pobre mulher consiga defender-se. 

Mas outra coisa é quando um qualquer macho alfa, extrovertida ou impensadamente, faz um gesto um bocado para além do que os cânones estão dispostos a aceitar. Aí, caraças, acha-se que a mulher não sabe defender-se? Ou que é uma qualquer beijoca ou piada brejeira ou olhar malandro que vai ferir os sentimentos das mulheres? Molestá-las? Traumatizá-las? Caraças.

Qualquer dia os homens ganham medo e, por via das dúvidas, fazem-se eunucos. Que mundo mais sem graça queremos para nós? Está tudo maluco ou quê...?

Que venha, por favor, o Mel Brooks e atire uma pedrada para o charco.






Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde. Bom humor. Paz.

sexta-feira, janeiro 11, 2019

Ele não consegue amar uma mulher com mais de 50 anos.
E eu, olhando para ele e ouvindo o que ele diz, só me ocorre dizer que eu também não seria capaz de amá-lo.
Nem sequer de apenas ir para a cama com ele.


Aliás, tenho a dizer que li a notícia há uns dois ou três dias e nem tugi nem mugi. Para começar nunca tinha ouvido falar de tal pessoa. Quero lá saber do que qualquer um diz. Mas depois fui lendo notícias, o escarcéu que se foi levantando, meio mundo indignado com uma afirmação que a mim me pareceria tão inócua. 

E hoje resolvi ir perceber melhor quem é Yann Moix

Trata-se de escritor, realizador e apresentador de televisão. Parecem-me skills a mais num único corpo mas, pensando bem, o Cláudio Ramos também é escritor e apresentador e ninguém me garante que também não faça vídeos. E se puxar mais pela cabeça sou capaz de encontrar uma palete deles também por cá. Gente polifacetada, quero eu dizer.
O facto de também não o conhecer como escritor não desabona a favor dele mas, provavelmente, de mim. Na volta, salvo um ou outro maluco destrambelhado que ainda vou conhecendo, de resto sou ignorante da nova literatura francesa.

Mas não deixa de me espantar que um sujeito qualquer, seja ou não escritor decente, caia nas bocas do mundo só por dizer que as mulheres com mais de cinquenta não lhe dão pica. E que ele tenha 50 parece-e mero pormenor. Se não dão, não dão. Só gosta de jovens. Está no direito dele. Porquê tanto falatório?

Claro que os jornais e revistas logo se encheram de fotografias mostrando toda a espécie de apetecíveis idosas, com mais de cinquenta. Há montes delas, claro. 


Não desfazendo, eu própria me insiro aí (presunção e água benta, ora pois). Mas, claro, gostos não se discutem e o facto de eu me ver dentro do prazo de validade não quer dizer que um Yann qualquer desta vida não me veja senão como uma avozinha daquelas em quem nem o lobo mau pega. 

Agora duma coisa eu sei: vendo as fotografias dele ou vídeos em que o vejo a falar, não tenho dúvidas que ele a mim também não me inspira nada, nem sentimentos nem apetites. Não é por ter cinquenta anos porque eu, nisso, sou agnóstica: é porque aquela cara parece que indicia um candidato a tarado ou, se olhar melhor, um tipo com ar de campónio metido a besta. Ná. Nem tem um ar sereno nem civilizado nem parece ter sentido de humor. Pior: tem ar de quem não tem uma 'boa pegada'. 

Pode acontecer que uma teenager -- linda, fresca, inexperiente e com pouco mundo -- se deixe deslumbrar por uma vedeta televisiva e vá na conversa de um mal encarado destes. Agora uma mulher feita, que saiba que há mais marés que marinheiros e que são as mulheres que escolhem e não o contrário, olha para uma fraca figura daquelas, disfarça o desinteresse (não vá a florzinha amachucar-se) e segue em frente.

Tirando isso, nada.

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Para quem queira conferir: Yann Moix, o chopinha de macha por ele mesmo


quinta-feira, dezembro 20, 2018

O fantástico Bercow e a 'mouthing stupid woman'


Pode ser que, presentemente, o cargo de Primeiro-Ministro esteja ocupado por uma criatura sem jeito, sem tarimba, sem caco, sem tino, sem calo, sem golpe de rins, sem golpe de asa. Ou seja, uma criatura destituída.

E pode ser que antes disso o que lá esteve também não fosse grande espingarda. E pode ser mil coisas.

Mas, independentemente de tudo isso, acho que aquele parlamento é uma coisa deliciosa de se ver e que aquele Mr Speaker é um bacano -- e isso já todos os que por aqui me acompanham estão fartinhos de saber. 

E pode aquele lugar não ter um mínimo de condições -- todos encavalitados em cima uns dos outros, todos perna com perna, todos muito à vista uns dos outros, sem poderem estar a ver a net ou as fofocas no computador, sem sequer poderem pintar unhas -- mas não há lugar melhor para aquelas cenas shakespeareanas, para aquelas rábulas onde a democracia é praticada ou encenada em cada sessão.

Desta vez estavam todos encanitados porque o Speaker, o fantástico John Bercow, não deu uma rabecada num tal por causa daquilo da mouthing stupid woman. Ver as acusações e ver o que ele contrapõe é um prazer.


sexta-feira, dezembro 14, 2018

A origem do mundo e a origem da guerra
[Post com bolinha encarnada para pessoas muito pudicas]


Não sendo eu dada a metafísicas nem a parábolas do género quem é que apareceu primeiro, o ovo ou a galinha, devo dizer que, apesar disso, gosto da origem do mundo. Não acho que contenha pêlo púbico de escândalo. E acho graça que tenha sido um homem, Jean Désiré Gustave Courbet de seu nome, a olhar para o ventre e o sexo de uma mulher e a lembrar-se de dizer que é ali que o mundo tem origem. Qual big bang, qual obra de um deus hiperactivo: não senhor, é da boca do corpo da mulher que nasce o mundo. 

Quem daqui me conhece, sabe que, do meio de todas as minhas contradições, resulta que não sou daquelas feministas que endeusam as mulheres e demonizam os homens. Valorizar as mulheres à custa da desvalorização dos homens não é a minha praia. Muito menos suporto o machismo. Acho que o machismo puro é prova de insegurança masculina, é coisa de homem a caricaturar-se para disfarçar inseguranças ocultas. Gozar com um machista é a melhor forma de o desarmar. Experimente uma mulher virar-se para um homem que promete muito e, olhando-o de alto a baixo, dizer com ar duvidoso: 'Jura...?'. Baqueia no acto.

Gosto de igualdade. Sei que em relações de domínio, pode acontecer que uma mulher não consiga afirmar-se como igual do homem. Mas o mesmo acontece com uma mulher debaixo de outra mulher ou de um homem debaixo de uma mulher. Quem está por baixo, só às vezes é que pode tanto como quem está por cima. Claro que aqui poderia abrir um parêntesis para dissertar. Mas é daquelas coisas: filosofia numa hora destas...? Ná. Filosofia só quando contemplo o sunset, não quando as estrelas tombam do céu. 

E gosto do corpo das mulheres que é coisa feita para ser amada com sabedoria e arte tal como gosto do corpo dos homens que é coisa feita para ser devidamente apreciada, quando não degustada.


Por isso, comecei por achar que a doida da Mireille Suzanne Francette Porte, aka Orlan, estava a ser um bocadinho tendenciosa ao achar que a guerra tem origem no sexo masculino. Mas depois, pensando um pouco melhor, ocorreu-me que os senhores da guerra são homens (La Palice não diria melhor), que as guerras têm geralmente origem em burrices, coisa de testosterona a embebedar os neurónios. Pensei em várias guerras e percebi que é coisa de pirraças, de basófias, macacadas de gente metida a besta, ou seja, coisa tipicamente masculina. E os homens que me perdoem pois tenho até carinho pela raça. Mas é um facto: é raça dada a burrices inenarráveis. 
Ocorreu-me agora que o PAN ou a PETA não querem que a gente metaforize com animais. Burrice é coisa que, a partir de agora ofende os burros. Portanto, deleto as burrices e, não podendo substituir por cavalices ou macacadas, direi que a raça masculina é dada a palhaçadas. Também sem ofensa para os palhaços.
Mas, pronto, aqui fica a obra: 'A origem da guerra'. Não sei se foi ela que fotografou o guerreiro ou se apenas o pôs entre lençóis para fazer pendant com a senhora lá mais acima. Não interessa, teve a ideia.


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Para quem perceba a língua, aqui fica a explicação da autora.

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E é isto. Queiram agora seguir o conselho contido no post abaixo. 
Não se aplica a carecas --- embora, pensando bem, porque não...?

sexta-feira, outubro 19, 2018

A mulher peluda


Há hábitos que se arreigam de tal forma que os nossos conceitos estéticos se formatam inconscientemente para incorporar aquilo que já nos parece natural.

Os pêlos das mulheres são aquele tabu que, quando é quebrado, nos causam alguma estranheza. E digo estranheza para não dizer relutância, incómodo. Nas axilas, nas pernas. Se calhar, daqui por algum tempo já acontece também isso com os homens. Quando ouço algumas jovens mulheres falarem quase com asco dos pêlos masculinos fico espantada. Dantes essa repugnância era apenas reservada para as mulheres que, ao levantarem o braço, deixavam ver pêlos nunca imaginados.

Lembro-me de quando era jovem adolescente e me apareceram os pêlos. Não era muito peluda e os pelos eram claros mas, para mim, eram um horror. Quando nos juntávamos em grupo para irmos à praia, eu não conseguia admitir a possibilidade de me apresentar com um único pêlo à vista. Se por acaso não conseguia ter tempo de os tirar, em especial os das pernas, quase preferia não ir. Ir com meia dúzia de pêlos claros e ralos à vista, isso é que não. E, se ia, ia incomodada, quase inibida -- apesar de ser mais do que óbvio que ninguém daria por eles. Mas, para mim, era como se toda a gente não pudesse deixar de reparar e, por isso, ficasse forçosamente com má impressão de mim.. 

Claro que hoje já não sou tão fundamentalista. Também era só o que faltava. Mas não consigo usar cavas se não estiver escrupulosamente depilada nas axilas. Vejo imagens da filha da Madonna e acho feio.

Mas, de facto, pensando bem: que mal pode haver numa mulher apresentar-se no seu estado natural? Nenhum. Mas a formatação cerebral é um espartilho tramado. Não há pior do que isso. 

Apesar da mulher se apresentar peluda, o vídeo abaixo é muito bonito. 

The Art of Change: Feminism // A Prickly Subject de Helen Plumb


segunda-feira, maio 21, 2018

Porque lavorare stanca, abrandemos.
Fiquemo-nos pelas ligeirezas e pelas pseudo-profundidades.

Faça o teste:
É masculino/a? É feminino/a? Ou... está a meio caminho...?





Estive a passar fotografias para o computador e revi, com este meu encantamento que, racionalmente, chego a pensar que é quase pueril, aquelas múltiplas camadas de muitos verdes, aquelas súbitas flores encarnadas, a luz irrompendo por entre a folhagem, as cores que me trazem a memória dos perfumes quentes do campo ao meio dia.


Penso muitas vezes: será que podia mesmo passar in heaven o resto da minha vida, todos os dias, no meio das árvores, como um bicho, progressivamente melhor adaptada às estações, capaz de andar à chuva, ao sol, ao vento, capaz de distinguir os sinais da natureza, de identificar os sons e os calores, de subir descalça as barreiras de pedra, de comer os frutos e as folhas, de ser aceite pelos outros animais?

Não sei. Penso que teria sempre que intercalar com uma ida até ao mar ou até às margens dos rios, até às livrarias, até às ruas cheias de gente. Depois mergulharia de novo nos acolhedores e perfumados verdes, passando as minhas mãos agradecidas pelas flores, pelos troncos das árvores, pela terra.


Tinha pensado escolher algumas para aqui as ter, imagens capturadas momentos antes do céu enegrecer e soltar rasgadas chispas pelos céus. Talvez a das flores que nascem, rosadas, solares e elegantes, por entre as folhas secas. Ou as que, mais à frente, à sombra, nascem subtis e azuladas entre folhas verdes. Ou outras.


Mas a indolência tomou conta de mim. Apeteceu-me sentir uma ventoinha fazendo fresco na minha direcção. Liguei-a. Estou bem assim. Entre o meio sono, a meia consciência e a meia preguiça -- que, bem sei, juntas ultrapassam a unidade e está certo pois é como se um véu de macieza me envolvesse e, de certa forma, me moldasse, já fazendo parte de mim -- pus-me a ler um dos livros que agora aqui me acompanha. O acaso guia as minhas mãos que abrem o livro ao acaso e que, a cada vez, me traz uma mensagem que vejo como dirigida a mim.

Transcrevo um pouco:
Lavorare Stanca é o título de um livro. Significa trabalhar cansa.
Mestre José de Almada Negreiros costumava colocar-se nessa convicção de um modo um pouco mais agressivo. Dizia ele que "quem trabalha como uma besta não passa, evidentemente, de uma besta". (...)
O povo meteu num provérbio esta paz de consciência e de corpo: "Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo."
O que a população deveria arrojar, em vez de tantos gestos, de tantas obras (que depois se obriga a desarrojar) seria ficar quieta, olhando à volta, ou em frente, que ainda cansa menos. Veria inumeráveis espectáculos que, com tanto entusiasmo trabalhador, lhe passam fora e longe. Veria as estações do ano, por exemplo.(...)

Pois. Tenho pela frente uma semana durante a qual não vou ver as estações do ano e durante a qual trabalharei como uma besta. Chegarei ao fim dos dias exausta, com a sensação de me ter gasto toda em urgências à toa e de nada restar dentro de mim. Talvez, com sorte, sobrem algumas exangues palavras que jogarei ao vento e que, com sorte, se enlaçarão noutras palavras.

Mas isso é durante a semana. Agora, apesar de já ser segunda-feira, ainda me sinto em fim-de-semana. Por isso, vou, uma vez mais, laurear por aí, procurar pequenos nadas que façam prolongar um pouco mais a sensação de descanso e despreocupação.


De novo, o Youtube tem um teste de personalidade para me entreter. Desta vez vai descobrir se sou mais masculina que feminina, se mais feminina que masclina ou se estou in between.

Penso, antes de o fazer: sou mulher da cabeça aos pés. Mas a verdade é que me sinto muito bem entre homens. Quase prefiro estar entre homens do que entre mulheres. No outro dia fui visitar uma empresa. Só homens na reunião e na visita às instalações. Depois fomos almoçar: só homens e eu. Não me senti nem um pouco deslocada. Outro dia, uma reunião, uma larga maioria de homens. No fim, diz o meu congénere alemão: uma surpresa ter do outro lado uma mulher, nestas empresas e nestas funções é muito raro encontrar-se uma mulher. Bem o sei. Mas, nestas situações, o género não é coisa que me ocorra. Sinto-me em casa. Dirigir reuniões, mesmo que complicadas, mesmo que só com homens, não me deixa desconfortável. Por isso, será que tenho um lado masculino que se traveste de mulher?



Então, vamos lá fazer o teste. Escolher decorações, maneiras de fazer a mala antes de viagens, escolher filmes, escolher reacções, escolher cores.  Convém não perder muito tempo, é responder à primeira. Não esquecer que isto não é nem pretende ser rocket science. Quanto muito, caso não se saiba a que eles se referem ou não se conheça o significado de algumas palavras, alguma pesquisa lateral mas, de resto, fazer na boa. Eu fi-lo sempre a abrir, na base do whatever -- que é das melhores bases que há (logo a seguir à decimal).

Depois de terem feito o vosso teste, já vos digo o que me deu.

Atenção: é preciso tomar notas e fazer uma continha no fim. Eu usei o excel mas, para quem não esteja à vontade, um papelinho e um lápis, serve bem.



Pronto. Espero que não tenham tido uma revelação que vos convide a sairem do armário.

Pois bem. No meu caso deu uma coisa que, na volta, se calhar até era expectável. Meio, meio. O que, segundo a explicação, vivo no melhor dos mundos, significando isso que, no trabalho, sou focada e racional como os homens costumam ser e, no resto, apaixono-me e faço coisas espontâneas a toda a hora o que, segundo quem o diz, deve ser coisa de mulher.


E eu o que concluo é que quem elaborou o teste e escreveu as conclusões está mas é cheio de preconceitos e de teias de aranha no sótão. Coisa mais parva e machista, credo. 
Ora vejam bem:
If your masculine and feminine halves take turns driving you, you’ve got the best of both worlds. You can keep your head straight and follow strict logic at work, then fall in love and do something spontaneous the next day.
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O excerto lá em cima é do livro 'em minúsculas' de Herberto Helder.

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E queiram continuar a descer caso queiram saber as vantagens e desvantagens de se dormir nu 

sábado, março 17, 2018

Sobre dois livros ditos fundamentais.
E dois vídeos que mostram parceiros muito old fashion



Como já tenho dito, os meus Leitores são de uma simpatia a que lamentavelmente não tenho como corresponder. Não consigo agradecer ou retribuir a gentileza com que me agraciam, diariamente, enviando-me coisas engraçadas ou que dão que pensar ou, de quando em vez, belos e sensuais poemas. Ou é o sono que me faz vergar quando aqui à noite tento seleccionar alguns dos presentes recebidos para lhes dar algum enquadramento ou, outras vezes, venho com algumas em mente para aqui escrever e acaba por não se proporcionar divulgar o muito que recebo. Que me desculpem aqueles a quem não me sobra energia para agradecer directa ou indirectamente.

Mas hoje deu-me para isto. Se no post abaixo já partilhei convosco um dispositivo que é um achado (por permitir encher um copo de vinho com uma rapidez e limpeza que só vistas), agora permitam-me uma incursão por dois lugares comuns: que os homens são uns totós que nem sabem apreciar as beldades que têm em casa ou que as mulheres arranjam todos os pretextos para fugir ao truca-truca. Mitos urbanos. Ortodoxias. Não acredito nem num nem noutro como regra geral, tal como, já agora, não concordo que os dois livros fundamentais sejam a Biblia e o Kamasutra. Ainda não li um nem outro e não sinto que as paredes do meu edifício intelectual estejam mais frágeis por me faltarem tais alicerces. Poderão os eruditas e eremitas desta vida sorrir com desdém e dizer que não admira já que o meu edifício intelectual não passa de uma palhota ou de uma tenda de campismo. Seja. Tá-se bem numa ou noutra e, ademais, não sou esquisita nem exigente. E acredito piamente no oposto do que os dois vídeos insinuam. Claro que isso pode acontecer por eu ser de vistas curtas e não ver o que toda a gente topa à légua. Pois que seja também. Mas, também aqui, tá-se bem vendo o mundo sob a lente impressionista.

Mas, pronto, adiante que se faz tarde e saiam os dois vídeos.




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E queiram por favor, continuar a descer.

quarta-feira, fevereiro 28, 2018

Um homem, de vez em quando, tem uma certa serventia
- reconheço



Não sou feminista a ponto de achar que as mulheres são melhores que os homens ou que passam bem sem eles. 

Eu acho que não somos melhores. Nem melhores, nem piores.

E não acho que passemos bem sem eles. Quer dizer: se não os houver, paciência, lá terá que ser. Mas, havendo-os, há que não desprezar. Dão sempre jeito.

A mim, pelo menos, dão. Não sei mudar pneu nem ver a pressão, não sei onde se abre o capot do carro e, mesmo que o abrisse, ficaria a olhar como boi para palácio. Também não me dá jeito pôr a lavar o carro na estação de serviço. Nem me dá jeito o berbequim. Pregar prego ainda vá. Mas usar broca, escolher bucha... não tenho sabedoria para tal. E tentei usar a serra eléctrica e aquilo escorregou no tronco e não cortou. Desentupir o sifão também nunca fiz. Quando se monta um candeeiro de tecto, também seria incapaz de juntar os fios e aquela caixinha pequenina (acho que se chama de derivação).

Coisas assim, por exemplo.

E já uma vez o contei e conto de novo para mostrar outro aspecto da valia dos homens.

Um dia, à noite, desci uma rua estreita que tinha carros estacionados dos dois lados. Quando cheguei ao fim, para entrar na avenida, vi que que estava em obras, cortada. Devia ter sinal com aviso no início e, àquela hora, doida para chegar em casa, nem tinha reparado. Fiquei logo atrapalhada. Não tinha espaço para fazer inversão de marcha. Resolvi enveredar pela mais difícil missão: vir de marcha atrás numa rua estreita, a subir, e com uma curva de cotovelo pelo meio. Uma coisa pavorosa. Afastava-me dos carros da esquerda, ficava quase a roçar nos da direita, desviava-me destes e logo fazia tangentes aos outros. E quando estava a ponto de desistir, chamar um táxi e deixar o carro no meio da rua, aconteceu o pior: um carro a vir na minha direcção, também a descer a rua. Fiquei para morrer. O outro carro fez o óbvio: pôs-se também de marcha atrás e ficou à espera no topo da rua, onde a rua alargava. Pior um pouco.
Não pode acontecer nada que me atrofie mais do que estar atrapalhada com alguma coisa a nível de condução e ver que os outros estão à minha espera. Aí a nabice cresce exponencialmente. 
Imaginava o pratinho que ele estaria a gozar: uma naba a vir de marcha-atrás, aos zigue-zagues, devagarinho, devagarinho. Pensei: nunca mais vai ser sábado, uma vergonha. Então, tomei uma decisão drástica. Saí do carro, pus-me a pé rua acima e fui ter com o homem que estava no carro. 'Olhe, faça-me um favor. Traga-me o carro até cá acima.' E dei-lhe a chave para a mão. O homem saíu do carro, apalermado. Era um homem que não tinha aspecto de executivo, digamos que proleta do mais proleta que há e em fim de jornada, numa carripana a cair de madura. O homem hesitava. Insisti: 'Não me ajeito. Se ficar à espera que eu chegue cá acima, vai ter que esperar muito. Fico-lhe agradecida'. O homem estava banzado. Eu, de saltinho alto, toda nove horas, num carro todo dez horas, e a passar-lhe a chave para as mãos. Ainda me assaltou a ideia peregrina: 'Se for esperto, pisga-se no carro e diz que fui eu que lhe pedi'. Mas pensei que o risco valia a pena.

Coitado, lá foi. Fiquei cá em cima à espera. Em dois segundos pôs o carro cá em cima, certinho, direitinho. Sem espinhas. Uma coisa humilhante. Fiquei a pensar que só podia ter a ver com o tal cromossoma. Outra explicação não podia haver. Desconcertado, veio entregar-me a chave. Eu só me apetecia rir. Sentia-me absolutamente ridícula. 

Também me acontece vir eu a conduzir com o meu marido ao lado e ter que estacionar. Se passo por um lugar paralelo ao passeio em que só cabe um carro, faço de conta que não vejo. Se houver lugar para dois ou três, tudo bem, vai de frente. Mas, à justa e com ele ao lado, é complicado. Ele insiste. 'Estaciona. Faz como eu te digo. Chega-te à frente. Vira o volante. Não. Mais. Não, para o outro lado. Desfaz. Já, todo. Não! Para ao outro lado.' Aí desisto. Nessa altura já a porcaria do carro está quase perpendicular em relação ao passeio ou a galgá-lo. Obviamente, largo o carro. Não lhe resta outro remédio senão sair também ele e ir para o volante. E, então, para minha surpresa, de uma penada, chega o carro à frente, ajeita o volante e, à primeira, põe o carro no sítio. Uma coisa que não se percebe. Só o tal cromossoma pode explicar tal coisa.

Isto para dizer que, de facto, os homens têm alguma serventia.

Veja-se o vídeo abaixo que Leitor, a quem daqui agradeço, me enviou. Confirma a aptidão natural que os homens têm para tarefas elementares. Falham é nas coisas complexas mas, enfim, isso agora não é para aqui chamado.

Mas, no que se refere ao vídeo, vou já avisando os homens: nada de risinhos irónicos ou boquinhas foleiras, ok? 


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Mas, recapitulando, tirando coisecas destas, as mulheres têm muito brain e muito power.

Viramos o mundo do avesso, se necessário for. E a cabeça dos homens, então, nem se fala.

Yes, we can.


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E agora queiram, por favor, conferir se a criança que abaixo se mostra será mesmo filha do Bruno de Carvalho. Parecer, lá isso parece. Mas vejam com os vossos próprios olhos.

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terça-feira, fevereiro 06, 2018

Homens, temos que falar - disse a Fernanda Câncio.
E o José Cid falou: diz que foi assediado por um fadista.
E o Bruno Maçães também: confessou que uma professora de mitologia e agente de moda talvez lhe tenha dado as melhores explicações sobre as diferenças entre a Europa e a Ásia.
(Sim, sim, ó Bruno, já ouvi chamar muitas coisas a explicações dessas... agora Eurásia... Só contaram pr'a você, ó Brunocas)
E um cavalheiro anónimo do PS já veio pedir desculpa por, a propósito de Bruno de Carvalho, ter feito a revelação de um segredo envolvendo os seus "três olhos".
A torrente apenas ainda vai no início.
Esperam-se novas sensacionais revelações.
Homens, cheguem-se à frente. Contem-nos tudo.
Não vos condenaremos. Acreditem. Quanto muito, rimo-nos (mas só à socapa).
Vá, #YouToo.



O título da crónica chama pela gente. Nem sempre leio o que a Fernanda Câncio escreve mas desta vez li.

O tema não é linear. Já algumas vezes falei sobre ele mas isso não significa que tenha ideias feitas sobre o assunto ou que consiga reduzir a meia dúzia de mandamentos o que há a saber sobre o tema. Longe disso. Há as subtilezas de que Fernanda fala, as do desejo e da sedução, os pudores que nascem das incertezas, do respeito ou do receio, os interditos, os mistérios, o que não se diz mas que se deixa perceber. Felizes são os que sabem descodificar os intangíveis sinais.

Não falo de violações, não falo de sexo forçado, não falo de sexo como abuso de poder. Isso é inequívoco, crime sob qualquer perspectiva. Falo de outra coisa. Falo do que é mesmo assim, avanços, recuos, vontades confessadas ou inconfessáveis, terreno que se pisa sem guião, desacertos, passos em falso, riscos que se correm.
[Ou não. Vidas que nunca chegam a convergir porque alguém não ousou no momento certo.]
Mas passo ao texto de Fernanda Câncio, transcrevendo alguns excertos (a imagem é escolha minha, não dela):
(...) Homens despedidos de séries, ostracizados no métier, retirados de listas de candidatos a prémios. Vou dizer uma coisa que já disse várias vezes sobre isto mas que já fui várias vezes acusada de nunca ter dito (sucede-me muito, e o contrário também): não suporto linchamentos. De nenhum tipo. Não gosto daquilo a que os anglófonos chamam "saltar para as conclusões". Não gosto de ir nas correntes. (...)
Mas há também, claro, casos como o de Aziz Ansari, acusado por uma mulher que mantém o anonimato de ter insistido em ter sexo com ela durante um encontro, apesar de ela lhe ter dado a entender que (já) não estava nessa. Apontado como exemplo da histeria acusatória do #metoo e denunciado como contraproducente numa série de artigos irritados de mulheres feministas que certificam que nada do descrito pela narradora constitui assédio, obrigou-me a pensar.(...)
Ora é precisamente porque nas relações íntimas as coisas se passam com subtileza, sem papéis assinados nem certidões, porque o desejo é algo de fluído, misterioso e inconstante e o que queremos ou julgamos querer num momento pode mudar no seguinte, e também porque vivemos num quadro cultural de ascendente dos homens sobre as mulheres do qual faz parte - não dá para negar isso, certo? -- a ameaça da violência masculina, que o caso Ansari, ao invés de ser uma prova da alegada histeria do #metoo, é um tão excelente ponto de partida para a nossa conversa. Vamos falar, meus senhores?
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Sobre o tema lembro-me muitas vezes de um dos filmes que me marcou. A condenação de Marco Bellocchio. La Condanna. The conviction. Filme inteligente. Filme que sabe como lidar com as subtilezas. Mereceria um debate.
Qual a fronteira? Qual a inequívoca linha? 



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Enquanto o debate não é feito -- o debate sério, verdadeiro, olhos nos olhos, um debate que reproduza a verdade escondida, as mentiras expostas, os subentendidos, o não que quer dizer sim, o sim que quer dizer talvez, o talvez que quer dizer que alguém vai ter que descobrir -- 
e se calhar esse debate não é feito porque, simplesmente, não pode ser feito pois talvez os segredos da alma ou os avanços titubeantes ou falsamente seguros não possam ser expostos à crua luz da realidade e da intriga 
deixem que vá parodiando o exagero e a acefalia que, aqui e ali, me parece ir tomando conta da conversa. 

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É que, parece que respondendo ao apelo da Fernanda Câncio, já fomos surpreendidos com os testemunhos de dois briosos e viris cavalheiros
Houve um [homem que me assediou], mas eu não posso dizer, já faleceu. Assediou-me uma vez. Eu estava no meu quarto, tínhamos ido a Inglaterra, num grupo de cantores, fazer uma digressão para a emigração. De repente, há um colega que me bate à porta e eu estava a fazer a barba em tronco nu. Eu era muito atlético e ele diz-me assim: 'Sabes, é de homens como tu, muito musculados e com pelo, que eu gosto! 'E eu disse-lhe: 'Pois, olha, esquece e deixa-me fazer a barba em paz'", conta. "Só posso dizer que era um fadista"

E Bruno Maçães, outro garboso machão, publicou um livro depois de ter andado durante seis meses na passeata. Quando lhe perguntam se conheceu gente importante, respondeu com aquela sua famosa ingenuidade (que alguns mal-intencionados confundem com burrice):
Há um arqueólogo russo que, sem ser um Indiana Jones, tem um certo elemento de mistério e de aventura; há um agente secreto russo, com quem passei um dia inteiro a ser entrevistado. Foi possível aprender mais sobre a Rússia do que a ler 20 livros. Há uma professora de mitologia e agente de moda que talvez me tenha dado as melhores explicações sobre as diferenças entre a Europa e a Ásia, e estão citadas no livro.

E outra. Este anónimo, creio eu. Um adepto do PS, parece que tem pensamentos estranhos depois de ver um outro elemento do meio artístico nacional, o pimbérrimo Bruno de Carvalho que, diga-se em abono da verdade, tira qualquer um/a do sério:
Por breves momentos, e ainda quando decorria o discurso do máximo dirigente leonino, surgiu a seguinte frase no Twitter do PS: "Assustador: Eu não sou daqueles que dorme com um olho aberto. Eu quando durmo tenho os três olhos fechados", lia-se.
O tweet foi de pronto apagado e levou mesmo a um pedido de desculpas por parte do Partido Socialista: "Por lapso, foi publicado nesta conta um twett que se pretendia publicar numa conta pessoal. O PS pede desculpas ao Sporting Clube de Portugal, aos seus adeptos e ao seu presidente", revelaram

Portanto, parece que começamos a assistir ao coming out dos homens. Que venha ele. Contem-nos tudo.
Quem vos assediou? Fadistas? Forcados? A artista Vasconcelos? A Santa Mana? 
Quem vos apetece assediar? A falsa taróloga Teodora Cardoso? A sensível Teresa Guilherme? O  valentão Super Judge Alex? Os pavilhões auditivos do escritor José Rodrigues dos Santos? O  reservado Desembargador Dâmaso
Contem-nos. Contem tudo. Cá estaremos para vos ouvir. Nada de titubeações. Vá. Sem medo. São capazes. #YouToo

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sábado, fevereiro 03, 2018

O novo macarthismo




Eu -- mulher livre que não admitiria que um qualquer parvalhão pousasse em si o peso da uma lascívia abusadora e indesejada e que não se sente bem em alinhar-se acefalamente com carneiros de qualquer espécie, nem amorais nem moralistas -- olho de lado para o coro de mulheres que vem, alegremente, liquidando a reputação de homens atrás de homens na praça pública.

Se defendo o direito ao contraditório e à defesa do bom nome, não consigo fazer coro com quem lança ofensivas na praça pública, queimando de imediado o homem a quem apontaram a arma da denúncia.

Só para que se possa ver mais do que um lado da questão, transcrevo o que acabei de ler na Bula da autoria de Edson Aran. As fotografias são de minha escolha e mostram personagens ou momentos de filmes de Woody Allen. A música que escolhi também foi minha opção e talvez apenas porque sim, o que é um motivo tão bom como outro qualquer.
Note-se: não estou, com isto, a dizer que estou a tomar partido por A ou por B, estou simplesmente a dizer que não tenho condições ou conhecimento exacto dos factos e das circunstâncias para crucificar ou defender uns ou outros.

Em dezembro de 2017, a revista americana The Hollywood Reporter publicou um textão da crítica de cinema Miriam Bale no qual ela conta, orgulhosa, que nunca mais verá um filme de Woody Allen na vida. Esse tipo de atitude jamais daria certo em outra área do jornalismo. “Sou torcedor do Corinthians e não assisto mais jogo do Palmeiras, valeu, chefia?!” Demissão, né?

No entanto, no mundo festivo do jornalismo cultural, o mimimi infantiloide da moça foi legitimado pela “The Hollywood Reporter” e diversas outras revistas e jornais que reproduziram o chorume sem qualquer ponderação.

No dia 4 de janeiro foi a vez do Washington Post publicar um ensaio rasteiro de um tal Richard Morgan (who?), que revira arquivos do diretor (projetos não filmados, anotações etc) para formular a tese de que toda obra de Allen gira em torno da “mulher objetificada pelo homem”. A Ilustrada republicou o texto.


“Zelig” não é isso. “A Rosa Púrpura do Cairo” não é isso. “Crimes e Pecados”, “Memórias”, “Celebridades”, “Annie Hall”. Nada disso é isso. Mas certamente Morgan, como Miriam Bale, não se deu ao trabalho de ir ao cinema antes de batucar no teclado.

Woody Allen e Mia Farrow ficaram juntos por 12 anos. O fim do relacionamento foi dramático. Allen se comportou como um dos seus personagens inconsequentes e trocou Mia por Soon Yi-Previn, filha adotiva da atriz com o ex-marido dela, André Previn. Foi só o começo da baixaria.

Moses Farrow, filho adotivo de Allen e Mia, ficou do lado do pai. Ronan Farrow, filho legítimo do casal, ficou do lado da mãe. Ronan, jornalista do “The New York Times”, tornou pública a denúncia de Dylan Farrow, outra filha adotiva do casal, que afirma ter sido molestada por Allen quando tinha 7 anos. O diretor argumenta que Dylan foi manipulada por Mia e Ronan para inventar a história. O filho Moses concorda com ele. Mia Farrow, por sua vez, também sugeriu que Ronan não é filho de Woody Allen, mas sim de Frank Sinatra, com quem ela foi casada nos anos 1960 e sempre manteve relação próxima.

Alguns dos mais brilhantes filmes de Woody Allen e Mia Farrow foram resultado da parceria entre eles. É uma pena que a relação dos dois tenha virado uma novela vagabunda e esteja de novo na mídia, catapultada pelas recentes denúncias de assédio sexual em Hollywood. É preciso lembrar, no entanto, que o “Caso Woody Allen” é completamente diferente da historia de Harvey Weinstein, por exemplo. O produtor usava o poder para constranger atrizes a fazer sexo com ele. Isso é criminoso. Já Allen, até onde se sabe, nunca fez nada parecido. O repúdio a ele nasce das alegações de Mia Farrow por conta da separação.

A atriz Mira Sorvino escreveu carta lamentando ter trabalhado com o diretor em “Poderosa Afrodite”, que deu a ela o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante. Greta Gerwig (“Para Roma com amor”) fez o mesmo e Rebecca Hall (“Vicky Cristina Barcelona”, indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme) seguiu o exemplo. Muitas outras foram atrás.

Em 26 de janeiro, o musical “Tiros na Broadway” foi cancelado em Nova York. Em 28 de janeiro, o New York Times fez artigo declarando que a carreira de Woody Allen está acabada. A Ilustrada reproduziu o texto. Já não se trata mais de denúncia, isso já ficou para trás. O que existe agora é uma campanha organizada para que o diretor nunca mais consiga filmar.

A crítica de cinema Miriam Bale, assim o ensaísta Richard Morgan, têm todo o direito de se comportarem como noveleiros e torcer pelo personagem favorito deles na trama. O que não podem, penso, é destruir a obra do diretor e serem aplaudidos por uma mídia que deveria ser mais responsável.

Mas a verdade é o que “The Hollywood Reporter” nunca foi responsável. A publicação praticamente iniciou o “macarthismo” em 1946, quando listou 11 comunistas que deveriam ser expulsos de Hollywood. Entre os denunciados estava o celebrado roteirista Dalton Trumbo. Foi essa lista que incentivou o senador republicano Joseph McCarthy a iniciar uma “cruzada” para banir os socialistas da indústria do cinema.

O movimento feminista #MeToo, que começou com os mais nobres objetivos, evoluiu rapidamente para algo muito semelhante ao macarthismo. E não sou eu quem está dizendo isso. Alec Baldwin e Liam Neeson já falaram a mesma coisa. Catherine Deneuve e Brigite Bardot também.

Multidões de linchadores nunca estão com a razão. Jamais. Em hipótese alguma. Isso é básico numa sociedade civilizada. Mas a mídia, que deveria interditar a barbárie, é a primeira a fazer festinha pra ela. E depois ninguém sabe porque revistas e jornais agonizam.

Eu, de minha parte, vou continuar vendo tudo o que Woody Allen dirigir e escrever. Um dos maiores cineastas da história tem muito mais a me dizer que a revista “The Hollywood Reporter”.

Na verdade, ele tem muito mais a dizer do que a maioria do jornalismo cultural produzido no mundo (o mundo inclui o Brasil).


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Um bom fim-de-semana a todos!

quinta-feira, janeiro 11, 2018

'Os porcos estão inquietos?', desafiam algumas.
'Os homens têm o direito a importunar', afirma Catherine Deneuve (e outras).

Os assediadores. As feministas. As vítimas. As pseudo-vítimas.

E a virilidade, a feminilidade, a sedução. E a graça de viver.





Da mesma forma como -- e já aqui falei disso -- mais facilmente me punha ao lado das prostitutas do que das 'mães de Bragança', também agora, intuitivamente, me sinto mais próxima da Catherine Deneuve e outras do que das Oprahs Winfreys desta vida.

E, no entanto, não apenas não li qualquer dos manifestos como nem reflecti muito sobre o tema. É mesmo uma questão de intuição (ou genética, coisa cá da minha maneira de ser). Aliás, acho que nem é bem uma coisa nem outra, nem intuição nem genética, mas está a faltar-me a palavra certa. Mas é qualquer coisa nesta base.

Sobre este tema, várias vezes tenho pensado: trabalhando desde menina e moça em empresas maioritariamente masculinas, alguma vez fui assediada? Que me lembre não. E na rua? Que me lembre também não.

No outro dia, o meu marido, a propósito de uma que na televisão se insurgia sobre o facto de em Portugal nenhuma mulher se ter chegado à frente a acusar alguém, dizia, na brincadeira: 'A ela, de certeza, nenhum homem assediava, até para não ficar mal visto perante os outros homens'. Afirmação politicamente incorrecta, nos tempos que correm. E, no entanto, eu ri-me.


Penso nos piropos e graças que ouvi ao longo da minha vida e não tenho dúvida de que alegraram e apimentaram os meus dias. Desde os mais inteligentes e sofisticados até aos mais brejeiros, não me lembro de alguma vez me ter sentido verdadeiramente incomodada. Lembro-me, sim, de, em tempos idos, em autocarros apinhados, ter sentido homens parvos encostarem-se ou apalparem-me e eu me virar para eles e dizer: 'Agradeço que se afaste porque me está a incomodar', deixando-os aparvalhados, envergonhados. Lembro-me que um, uma vez, se armou em ordinário e desatou a ripostar, tendo-lhe eu dito que se calasse e tivesse vergonha. Portanto, quando saía do autocarro vinha até satisfeita com a sensação de ter posto na ordem um parvalhão.

Lembro-me também de, ao passar na rua, ouvir indecências e de fazer de conta que não ouvia ou, pelo contrário, olhar com ar interrogador, deixando os cobardolas atrapalhados.

Mas assédio, por exemplo, no trabalho, nunca. Nem nunca nada de parecido se proporcionou. Desde sempre a única mulher a chegar a um cargo de direcção, e tinha apenas trinta e um anos quando isso aconteceu, sempre me senti respeitada e nunca a nenhum passou pela cabeça ousar pisar o risco. 


Lembro-me de uma colega que, insegura e psicologicamente algo frágil (embora aparentando o contrário), confidenciava que um qualquer lhe fazia convites ousados, dizendo ela que cedia pois percebia que, se não aceitasse, ficaria prejudicada. Sempre achei isso uma ficção da parte dela pois assistia à atitude a priori permissiva da parte dela e à forma até cautelosa como ele se aventurava. 

E já aqui contei algumas vezes. Tempos houve, trabalhando eu uma grande empresa, em que havia em permanência casos e mais casos. Uma festa. A minha secretária tinha um caso com o meu melhor amigo, outro meu amigo tinha um caso com uma estagiária, um colaborador meu tinha um caso com a secretária do presidente, outro colega tinha casos com umas atrás de outras (e, como contei há pouco tempo, foi apanhado em pleno acto em cima da mesa de reuniões do gabinete um dia em que ficou até mais tarde), o vice-presidente tinha um caso com a contabilista. Etc., etc. Tantos casos que nem dá para acreditar. Alguns destes casos acabaram, outros deram em casório ou união de facto. Antes de serem casos, havia a fase da sedução. Assédio? Não direi. Melhor: nunca vi vestígios disso. Sedução, isso sim. Assisti de perto a muitos destes casos. A minha secretária, por exemplo, que andava de brincadeirinha com o meu colega (casadíssimo) e ele com ela, queixava-se-me uma vez: 'Muita conversa, muita conversa... mas passar à acção está quieto...'. Até que um dia, na sequência de um jantar de despedida de outro colega, a coisa se deu. No dia seguinte, descreveu-me ela como finalmente lá o tinha conseguido levar para casa. E eu parva com aquilo, ele tão apenas brincalhão e tão amigo da mulher, e ela, contrarando-me: 'Sim, sim... Pois olhe que não... Muito bem, lhe digo eu'. E um ar aprovador sobre a performance dele.


Ou seja, no meio daquele forrobodó (e estou a falar de uma grande empresa, moderna, produtiva, rentável), nunca vi nada que se parecesse com assédio ou sexo forçado ou moléstia de algum tipo. 

E falo no passado mas poderia falar no presente. Mas menos, muito menos. Não sei porquê mas parece que há menos hormonas em circulação. Casos assim, às claras, no puro descaramento, já vejo muito menos. Piropos malandros ou divertidos também muito menos. Os homens parece que estão a desabituar-se da arte do galanteio. A malandrice com graça pode não ser minimamente ofensiva e trazer divertimento aos dias. Mas parece que é coisa que está a sair de circulação.

Já aqui contei uma que a mim me divertiu imenso e que ainda me faz rir. Por isso, desculpme se me repito. Tinha um colega, muito engraçado e onde a malícia, ainda que inocente, era permanente. Uma vez a minha filha foi visitar-me e levou o que na altura era o seu único filho. Então, uma colega minha foi lá vê-los e, para minha surpresa, disse-me: 'Já ali estive com o avô'. E eu, admiradíssima: 'Com o avô? Mas ela veio sozinha..'. Esclarece, então, ela: 'Estou a falar do Dr. M'. Ri-me mas quase me ofendi: 'Ah, olha o disparate...'. Ao fim do dia, aparece-me ele no gabinete, todo lampeiro. Digo-lhe, toda cheia de repreensão: 'Olha lá... mas estás parvo ou quê...? Então andas a dizer que és o avô da criança...?'. E ele, ar de santinho: 'Mas não disse de quem é que sou pai...'. O que eu me ri a imaginá-lo pai do meu genro... ou seja, a ter um caso com a sogra da minha filha... 

Enfim. 

Claro que há casos e casos e o que não faltarão serão sabujos e badalhocos que se aproveitam da fragilidade de algumas mulheres vulneráveis. Sei que sim. Por exemplo, estou a lembrar-me que tive um colega, mais velho que eu, que foi criado na Casa Pia pois a mãe, trabalhando como empregada doméstica e tendo engravidado do patrão, não pode ficar com ele nem o pai o perfilhou. Só muito mais tarde, já ele a trabalhar, pode libertar a mãe da sua condição de quase escrava da casa onde trabalhava como interna. Quantos casos destes. Casos e casos. Casos tantas vezes vividos em silêncio, acobertados pelos mais pios usos e costumes, tantas vezes sob o beneplácito da igreja.


Mas aí, mais do que assédio, o que há é abuso sexual ou franco abuso de posição dominante (digamos assim) -- o que nada tem a ver com situações em que, por vezes, as mulheres falam como se fossem umas virgens ofendidas, umas tadinhas que fazem sexo oral contrariadas, umas beatas que ficam melindradas porque ouviram brejeirices e que agora, ao fim de vinte anos, vêm falar disso como se tivessem andado todo esse tempo com o piropo atravessado ou como se nunca tivessem contribuído para a situação em que se envolveram. Menorizam-se as mulheres que se fazem de indefesas e frágeis quando, tantas vezes, aceitaram, interesseiramente, favorecer esse tipo de situações.


Saibam as mulheres, antes, ver-se como iguais em direitos e poderes em relação aos homens, saibam afirmar as suas vontades sem se inferiorizarem, saibam as mulheres gostar de ser mulheres, nomeadamente prezando a sua natural feminilidade, saibam as mulheres apreciar a virilidade masculina e dar valor aos naturais jogos de sedução, saibamos todos apreciar a vida em tudo o que ela tem de bom. E não tentemos moralizar e beatificar tudo, incluindo os sentidos, o humor, a alegria, a malícia, a sedução. 


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E eu por mim fico de bom gosto a apanhar a almofada que o malandro do David Gandy está a atirar. Mas, para os meus Leitores mais moralistas que não gostam de ver homens mal comportados, então recomendo que desçam até ao post seguinte para lerem sobre a orelha encarnada do Santana Lopes.

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