Mostrar mensagens com a etiqueta Misty Copeland. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Misty Copeland. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, dezembro 04, 2018

Pirelli 2019
[O making of]



Todos os anos é com curiosidade que espero pela notícia de que já se começam a saber as novidades sobre o Calendário Pirelli. A escolha dos fotógrafos é sempre criteriosa e a das pessoas fotografadas também. E cada vez mais há aspectos diferenciadores. Já lá vai o tempo em que bastavam umas meninas curvilíneas, descascadas. Agora é normal que se reconheça ali arte e uma história ou, vá, uma mensagem.

Desta vez há bailado e Albert Watson -- o fotógrafo convidado -- foi buscar, imagine-se,o meu bem amado Sergei Polunin. E como se já não fosse suficientemente excepcional também foi buscar Misty Copeland. Só de sabê-lo já fiquei encantada.

Ainda não tenho as fotografias dos meses mas tenho um pouco dos bastidores. A Gigi faz a capa do vídeo e, do que se vê, a edição 2018 promete.


................................

Para quem não conheça a bela Misty, aqui fica uma amostra



Maravilha.

E até já.

quarta-feira, maio 30, 2018

Cor de chocolate





Contei aqui uma vez mas recordo. Desde há muitos anos e por razões que não vêm ao caso acontece não usar transportes públicos. Se calha ficar sem carro porque tem que ir à oficina já parece que estou a pôr em causa a minha sobrevivência e só fico tranquila quando me asseguram que me trazem um de substituição.

Lido assim e, ainda mais, por quem não tem estas mordomias, há-de parecer que estou para aqui a armar-me ao pingarelho. Mas claro que não estou. As coisas são o que são e as minhas circunstâncias são estas. Claro que preferia ter também motorista mas essa sorte só tenho ao fim de semana ou de vez em quando, em viagens mais longas (mas, nesses casos, tenho que ter o trabalho de cravar alguém).

Andar de metro, de autocarro, de comboio ou de metro é experiência que não tenho há milénos.


Mas uma vez aconteceu ter que ir de autocarro não sei onde. Não faço ideia porquê. Provavelmente teria o carro na oficina e, talvez por estar de férias, ninguém tratou de me arranjar carro de substituição e não estive para me dar a esse trabalho. Não sei. Nem me recordo onde fui. O que sei é que foi uma experiência fascinante.

Relembro.

Informei-me de percursos e horários e fui para a paragem de onde partia o autocarro um bom bocado antes do horário. Quando ele chegou, entrei. Fiquei lá sozinha. Passado um bocado começaram a chegar mulheres. Todas negras. Tenho ideia que todas gordas. E tenho ideia que todas se conheciam. Curiosamente sentava-se cada um em seu banco. Percebi depois porquê. Pousaram um saco no assento ao lado e de lá tiraram o farnel. Pão. Desataram todas a comer. Rapidamente um intenso cheiro a pão com chouriço alastrou pelo autocarro. E conversavam alto e riam de gosto enquanto comiam.


Eu estava encantada. Ouvir aquelas conversas e aqueles risos era, para mim, pitéu do melhor. Depois o autocarro partiu e, noutras paragens, outras pessoas iam entrando, a grande maioria negras. Percebi que eram empregadas de limpeza. Vinham de trabalhar em casas particulares e iam trabalhar nas limpezas dos escritórios, ao fim do dia. E iam naquela alegria. O sentido de humor e a energia delas surpreenderam-me de uma maneira que ainda hoje, anos depois, recordo a minha admiração.

A vida de muita gente é árdua. Não sei como fazem para conciliar com a vida pessoal e familiar. 

Aliás, sei.


Recordo-me daquele ano em que fiz voluntariado na escola secundária que é considerada uma das mais problemáticas do país (senão, mesmo, a mais problemática). Já falei algumas vezes dessa experiência. Não é o assunto de hoje pelo que não vou deter-me nos diversos casos que me emocionaram e me mostraram uma dos lados sombrios da vida. Quero apenas falar duma jovem negra, também reboluda, também extrovertida, também muito faladora.

A toda a hora dizia que queria deixar de estudar, que estava ali apenas porque era obrigada, que queria chumbar para poder deixar de vez a escola. Já devia ter uns dezoito anos e andava ainda no 8º ano. Não sabia nada. Não prestava atenção a nada. Não queria participar em nenhuma actividade. Desinteresse puro. Foi ela que, quando eu escrevi no quadro a palavra 'bondade' e pedi que escrevessem alguma coisa sobre isso, desatou a rir, lendo a palavra com aquele sotaque negro, sincopando a palavra, silabando-a com ar de quem vê um alien em forma de palavra: "bon-da-de". E muito alto, rindo: O que é isso? Bon-da-de? Nunca ouvi. Bon-dade, bon-da-de. Ahaahaha. 

Expliquei. Não prestou muita atenção. Era um conceito que lhe era estranho.


Quando lhe perguntei que profissão queria ter, olhou-me admirada. Não queria nenhuma. Quando lhe perguntei porque não queria aprender, respondeu que tinha que ficar em casa a tomar conta dos irmãos porque a mãe ia trabalhar e os irmãos mais novos ficavam em casa sozinhos. Fiquei a olhar. Nestes momentos, sinto crescer em mim uma emoção forte e sinto que felizmente sei conter-me porque, por dentro, as lágrimas avançam como uma onda. Ela deve ter sentido que eu queria perceber melhor porque me explicou. Quando aqui estou, só penso neles. Devia estar lá a tomar conta deles.  A minha mãe não tem a quem os deixar. Nessa altura, estava a falar baixo e sem se rir. Eu queria dizer-lhe que deveria estudar, para poder ter uma melhor vida, para melhor poder ajudar os irmãos. Mas como dizer isso, sabendo das outras crianças sozinhas em casa?


Como se fazem adultos saudáveis e alegres e como é que estas mulheres que, para poderem sobreviver e alimentar os filhos, trabalham de manhã à noite, deixando os filhos entregues a si próprios, ainda são capazes de rir e brincar, abstraindo-se das dificuldades e festejando a vida, é coisa que me enche de espanto e admiração.

Talvez seja a pele cor de chocolate que tem o condão de lhes adoçar o coração. Mas não sei.

..........................................................................................................

Há excepções. Mas são isso mesmo: excepções.

Misty Copeland


..........................................

E os casos excepcionais: Mandela

[Invictus - lido por Morgan Freeman]


...............................................

As fotografias são da autoria de Tim Walker

Lá em cima, quem canta é Le Gateau Chocolat, esta outra gloriosa excepção

..................................................................

segunda-feira, abril 03, 2017

Milagres


De ano para ano ficam na terra grossas sementes, raízes, bolbos. Misturam-se com as pedras que estão por todo o lado e que, ali, são seres quase vivos. Vêm os grandes calores, depois os amenos entardeceres, e logo os frios, as chuvas, o granizo -- que, ainda há poucos dias, pedras transparentes saltavam no chão -- e, tantas vezes, os ventos inclementes. Terra, lama, ramos e folhas secas.

Depois vem a primavera e da terra começa a rebentar o que no seu ventre se acolheu durante meses.


Sobem as hastes, nascem as folhas, despontam as graciosas flores, pétalas cobrindo pudicamente os segredos mais íntimos.

E eu encanto-me, encanto-me. Não me entendam mal, não estou a usar palavras à toa. Muita coisa me encanta, sim, mas algumas maravilham-me como milagres.
Não acredito que uma senhora tenha aparecido sobre uma azinheira a falar sobre a guerra a pastorinhos encandeados pelo sol. É milagre que, no meu entender, claramente não existiu e sobre o qual não vou nem falar. Mas sei bem o que é começar por alimentar um desvario, fechar os olhos ao exagero ou ao delírio, e depois já se ser cúmplice -- e depois já há muita gente envolvida, e começa a ser materialmente impossível arrepiar caminho e reconhcer: foi um engano. Engano ou embuste, tanto faz. Torna-se impossível. Há embustes colectivos que ganham vida própria. Não é possível retroceder e repor a verdade dos factos. Por isso não falo de Fátima ou de milagres ou de pastorinhos canonizados. Nem falo dos promotores de milagres, autênticos lobbystas junto do Vaticano, gente com voz de sacristia, gente que dedica uma vida a convencer o bispo, o cardeal, o adjunto e o próprio Papa. É um mundo paralelo, um comércio, uma máquina bem oleada. Movimenta a economia de forma não negligenciável: o turismo religioso não é sazonal, traz gente de todo o mundo. É bom para o país e cada um acredita no que quer e, para além disso, acreditar em alguma coisa é uma forma, como qualquer outra, de exercitar a mente. Portanto, no que a isso diz respeito, siga a fanfarra.
Mas, se quiser falar de milagres, de milagres de verdade, é do milagre do nascimento que eu sempre tenho vontade de falar. O nascimento de uma criança, o nascimento de uma flor.

Milagre ou magia -- o inexplicável que nos mostra a existência de algo superior a nós. Talvez seja o ventre da terra, talvez seja o infinito que nos cerca. Talvez.


Chega a primavera e os lírios do campo aparecem-nos à porta. De uma elegância extrema, com umas cores irreais, um desenho divino, uma fragilidade tocante -- e eu encanto-me com a sua beleza. Um milagre. 

E um milagre tanto mais tocante quanto, parecendo que morrem, os lírios voltam a renascer a cada ano que passa. Até a falsa fragilidade é, na realidade, uma discreta e silenciosa resistência. E renascem sempre perfeitos nos seus indescritíveis azuis, na sua beleza tão efémera.

___________

E, por falar em elegância, beleza e resistência: Misty Copeland, um milagre feito leveza e força



.................