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sexta-feira, junho 01, 2012

Tempos de incómodo, inquietação, fratricídio. Tempo para uma pausa de reflexão. E momentos de beleza e mistério.


Música, por favor

Banda sonora do filme Platoon (Adagio for Strings, Samuel Barber)

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1. Fiquei incomodada por saber que - é certo por regulamentação a que é alheia - Christine Lagarde não paga impostos. Haverá razões para que isso tenha sido decidido mas a minha reflexão aqui vem apenas no sentido de que quando as pessoas se encontram afastadas da realidade quotidiana, acabam por não perceber as dificuldades de quem não tem outro remédio senão viver de acordo com as circunstâncias correntes.



Christine Lagarde, ao falar no pagamento de impostos, deu o chamado tiro no pé (mais um pouco e era na cabeça)


Há na Grécia um problema grave de fuga de impostos mas essa fuga se calhar não é fuga, é assim porque é assim e porque, lá como cá, manda quem pode, obedece quem deve. 

Os grandes isentos em termos fiscais são os armadores e a igreja ortodoxa. Ou seja, não é o zé povinho, não são os pais das crianças com dificuldades. 

Christine Lagarde sabe disso e só por uma desatenção que soou a fria arrogância se saíu com a afirmação que chocou o mundo, respondendo a quem lhe perguntava se não pensava nas crianças gregas, que pensava é que os seus pais deveriam pagar impostos. Pagasse ela impostos e estivesse ela a ser apertada pela máquina fiscal até à asfixia, talvez falasse menos displicentemente dos pais das crianças gregas. Agora diz que foi mal interpretada. Talvez. Ou talvez se tivesse explicado mal. Ou talvez esta instável realidade seja tão incerta que qualquer palavra soará sempre desajustada.

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2. Num plano totalmente diferente a todos os níveis, fiquei também muito incomodada com o assassinato de Ana Cristina Bívar - ex-assessora de Gabriela Canavilhas, actual subdirectora do IGESPAR, coisa que para aqui não vem ao caso, casada com um deputado do PSD, António Prôa, coisa que também não vem ao caso e mãe de 4 filhos - pelo que leio às mãos do próprio irmão.



O ódio, segundo autor não conhecido (pelo menos por mim)


De vez em quando ouve-se que, em algum lugar recôndito do país, em que nada mais vale na vida que a própria terra que se pisa, por questões que se prendem com terrenos, serventias, partilhas, um homem se desentende com outro e desfere uma sacholada de morte. Agora que numa cidade, com pessoas certamente com vistas mais alargadas, pessoas com vivências diversas e alargadas, por partilhas e desentendimentos familiares, um homem atropele e esfaqueie na rua as próprias irmãs, uma delas, Ana Cristina, até à morte, deixa-me perplexa. O testemunho de um homem que assistiu a tudo é de arrepiar: a aparente frieza, a incontida raiva do irmão. Custa acreditar como irmãos que brincaram juntos em pequenos, que partilharam afectos e memórias, podem tornar-se inimigos a este ponto. É uma coisa brutal que vai para além do meu entendimento, uma desumanização que nada explica. 

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3. Em dia de incómodo, e mudando de novo para um outro plano, digo que hoje também fiquei incomodada - mas não admirada - por novo erro do Ministro das Finanças. A quebra das receitas fiscais estava a ser mal calculada, foi agora revelado pelo trabalho da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental). Resta saber se foi mais uma nabice ou se foi ocultação de incompetência. A receita aplicada é um fiasco e afinal um fiasco superior ao que tinha sido anunciado. 



Vítor Gaspar explica-se, falando como se estivesse a falar com burros
Ao lado, Passos Coelho assobia para o lado


Tudo isto é aflitivo de mau. E tanto mais aflitivo quanto, apesar do descalabro que os números mostram, os responsáveis pela dita 'receita' continuam a não perceber que é imperioso alterar estas desastrosas medidas.

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4. Hoje estive a ler 'Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos' da autoria de Tony Judt. Há vozes lúcidas com quem sempre se aprende e Tony Judt, infelizmente já desaparecido, era uma delas. É importante reflectirmos sobre o rumo que o mundo tomou, sobre o papel das esquerdas, sobre a falência dos modelos a que estávamos habituados.


Tony Judt quando ainda não era prisioneiro do seu corpo


A ver se amanhã consigo avançar um pouco mais na leitura para tentar aqui dar-vos conta de alguns dos aspectos abordados. 

Para vos dar o mote, transcrevo já hoje as primeiras palavras: Há algo de profundamente errado na maneira como hoje vivemos. Durante trinta anos considerámos ser uma virtude a procura da satisfação material. 

E, mais à frente A qualidade materialista e egoísta da vida contemporânea não é intrínseca à condição humana. Muito do que hoje parece 'natural' remonta aos anos 80: a obsessão pela criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E sobretudo a retórica que vem a par de tudo isto: admiração acrítica dos mercados sem entraves, desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento ilimitado. Não podemos continuar a viver assim.

*

5. Para não ser apenas matéria soturna, deixem que vos diga que, apesar das inquietações e inseguranças, nada deve fazer-nos esquecer que ainda há, e sempre haverá, momentos de tranquilidade e beleza. Podem não passar de fragmentos passageiros, de breves instantes, de palavras soltas, de uma sombra que escorre por uma parede, de gestos, de sorrisos. Mas que valem por eternidades, que valem como bálsamos.



O relógio está fixo nas 3:20. Mas o tempo passa devagar nos veleiros brancos que cruzam o rio, na elegância da ponte Vasco da Gama que se baixa para acariciar as águas. O tempo passa devagar para que o apreciemos com vagar.


Água, quando dormes - deusa
horizontal
invadindo lentamente as terras secas
de quem fui antes de me deitar
contigo. Água e boca.



Das belas e arruinadas paredes do Ginjal saem, por vezes, seres aluados. Esta gata negra de olhos verdes andou atrás de mim e deixou-se fotografar em várias posições, arisca e tentadora. Seres mágicos e belos num local mágico e belo.


Ando por aqui a ver o mundo
e só vejo buracos e ruínas. Pudesses tu regar
as folhas secas que me invadem o sexo
com o teu mel   com as tuas lágrimas.


***

Os poemas acima são de Casimiro de Brito e podem ser lidos no livro 'Amar a Vida Inteira'

E, por falar neste belo livro, se estiverem para isso, gostaria de vos ter lá no meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras voam, cheias de um amor que voga no rio, em torno de um outro poema deste livro e ao som de Händel.

***

E tenham, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira. 

Tentem, meus Caros, descobrir a beleza à vossa volta para que ela atenue os incómodos que, de vez em quando, surgem por aí.

domingo, dezembro 11, 2011

Têm tomado o comprimido de Murti-Bing em doses excessivas e adoptam o modo de vida Ketman vezes demais. Quem? Grande parte da classe política actual, dos comentadores, dos jornalistas.


Continuo a transcrever de O Chalet da Memória de Tony Judt.


Referindo uma descoberta de Milosz num 'romance obscuro' de 1927 de um tal Witkiewicz, Judt relata: 'Os habitantes da Europa Central que estão perante a hipótese de serem subjugados por hordas asiáticas, não identificadas, tomam um comprimido, o comprimido de Murti-Bing, que lhes tira o medo e a ansiedade; encorajados pelos seus efeitos, não só aceitam os seus novos governantes como estão contentíssimos por recebê-los.'

A seguir, continua Judt, voltando a referir uma outra descoberta de Milosz, desta vez num livro de Gobineau, que descrevia um fenómeno: 'Os que interiorizaram o modo de vida designado por Ketman podem viver com as contradições de dizer uma coisa e acreditar noutra, adaptando-se à vontade a cada novo requisito das suas regras, ao mesmo tempo que creem ter preservado em si mesmos a autonomia dos livres pensadores - ou, pelo menos, um pensador que escolheu livremente subordinar-se às ideias e imposições de terceiros.'



Desta forma, Judt retrata o que ele designa por 'cínicos servidores', os que vivem em estado de 'servidão', os que comodamente afirmam que 'não há alternativa'.

Referindo os que defendem cegamente 'os mercados', ou os que defendem cegamente 'a austeridade', Judt estabelece uma comparação: 'Foi precisamente nestes termos que o comunismo foi apresentado aos seus beneficiários após a II guerra Mundial; e foi por a História não apresentar alternativa aparente ao comunismo que muitos dos admiradores estrangeiros de Estaline foram arrebatados para um cativeiro intelectual'.

Antes, Judt tinha dito: 'A nossa fé contemporânea no 'mercado' segue os mesmíssimos trilhos da sua sósia radical oitocentista - a crença cega na necessidade, no progresso e na História. Tal como o infeliz chanceler trabalhista britânico entre 1929-1931, Philip Snowden, desistiu perante a Depressão e declarou que não valia a pena contrariar as leis inelutáveis do capitalismo, assim os dirigentes da Europa de hoje se refugiam à pressa em medidas de austeridade orçamental para acalmar 'os mercados'.


[Hoje não transcrevo mais para não vos maçar mas há muito mais passagens que gostaria de aqui vos trazer. Talvez amanhã ou outro dia]

Tony Judt nasceu em Londres em 1948 e morreu, o ano passado, em Nova Iorque (no início de 2008, tinha-lhe sido diagnosticada esclerose lateral amiotrófica; um ano e tal depois perdeu os movimentos do pescoço para baixo; daí até à sua morte, prisioneiro dentro do seu corpo, passou a ditar as suas ideias e memórias pois já não conseguia efectuar qualquer movimento). Historiador, especialista em História Europeia, Tony Judt foi professor universitário em várias instituições (Cambridge, Oxford, Berkeley, Nova Iorque), fundador do Instituto Erich Marie Remarque, foi ensaista, investigador, foi galardoado em 2007 com o Prémio Hannah Arendt, em 2008 com o Prémio do Livro Europeu, em 2009 com um Special Prémio Orwell  for Lifetime Achievement. Foi até ao fim uma mente livre, uma voz lúcida, um inteligente intérprete da realidade.


sábado, agosto 21, 2010

José Manuel dos Santos escreve sobre Tony Judt

Do artigo hoje publicado no Expresso por José Manuel dos Santos:

O último livro (de Tony Judt, pensador, historiador, escritor) defende um regresso à grande tradição da social-democracia (a que pertence o socialismo democrático e o trabalhismo) e do Estado-Providência, aquela que, embora com falhas, melhor aliou os valores da liberdade e da igualdade. É um triste sinal do tempo a que chamamos nosso que tal defesa tenha sido olhada como um radicalismo suspeito. Estes têm sido os anos de um extremismo agressivo, ávido e vertiginoso, que fez do aumento da desigualdade, da desprotecção e da exclusão uma virtude.


(…) Isto por si prova a necessidade e o merecimento da proposta de Tony Judt. E é uma boa razão para persistirmos nela, dizendo com ele: “A social-democracia não representa um amanhã que canta nem um ontem que cantou. Mas, entre as opções políticas, é melhor que qualquer outra ao nosso alcance.”
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