Quem por aqui me acompanha saberá que o meu lado racional não me permite acreditar na existência de entidades divinas, muito menos se antropomórficas, que zelam e punem, tantas vezes sem critério e sem justiça.
Contudo, considero-me uma pessoa não isenta de espiritualidade. E rendo-me à minha absoluta insignificância perante a inexplicável harmonia da natureza, perante a improvável conjugação de infinitos acasos que, incompreensivelmente, mantêm o mundo a funcionar garantindo a existência da vida. E vergo-me, humilde, perante a indecifrável beleza de tudo, incluindo a beleza antes inexistente e que nasce da criatividade dos que têm a dom da arte nas suas múltiplas formas. E, por tudo isso, sinto imensa admiração.
Se existe alguma coisa de omnipresente, intangível, e que está acima de todos e de tudo, aquilo que me parece minimamente concebível é que seja esse misterioso acaso que (des)regula, aleatório, arbitrário, indiferente, os acontecimentos, sejam eles quais forem e que, apesar de tudo, faz com que o mundo continue a existir, quase como que por milagre.
E se há coisa que me custa perceber e aceitar é que, em nome de uma divindade, seja ele o deus da igreja católica seja qualquer outro deus, se ergam catedrais luxuosas em que agentes dessas religiões se paramentem, tantas vezes também luxuosamente, para espalhar medos ou ameaças com base nos quais tantas vezes se incita à intolerância (e, tantas vezes, ao ódio), para espalhar restrições não baseadas na ciência ou para usar o poder do segredo para actuarem abusivamente sobre gente indefesa.
Algumas das pessoas inteligentes que conheço e que acreditam em deus justificam a sua crença pela redução ao absurdo: se não acreditassem, então qual o sentido da vida?
Parece-me um argumento factualmente fraco mas percebo que há quem precise de sentir o amparo de acreditar que há 'alguém' sempre pronto a zelar por eles ou à sua espera quando a fronteira entre a vida e a morte for franqueada. E, portanto, tudo bem, cada um é como é.
Dito isto, achei graça ao vídeo que mostra Ariano Suassuna a falar sobre Deus e, por isso, permitam-me que o partilhe.
Gostei, sobretudo, dos versos de Leandro Gomes de Barros que ele cita:
Se eu conversasse com DeusIria lhe perguntar:Por que é que sofremos tantoQuando viemos pra cá?Que dívida é essaQue a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria tambémComo é que ele é feitoQue não dorme, que não comeE assim vive satisfeito.Por que foi que ele não fezA gente do mesmo jeito?Por que existem uns felizesE outros que sofrem tanto?Nascemos do mesmo jeito,Moramos no mesmo canto.Quem foi temperar o choroE acabou salgando o pranto?
Dias felizes
Saúde. Serenidade. Paz.