domingo, setembro 07, 2025

O relatório preliminar
-- Porque aconteceu a tragédia do Elevador da Glória? --

 

Estamos em território minado em que ninguém divulga documento nenhum sem que, primeiro, os advogados o mire à lupa, com mil olhos. 

Sabemos que o tema da responsabilidade civil* e as respectivas consequências é o que agora estará a envolver todos intervenientes, e, quando falo em envolver, é isso mesmo: há que ter mil cuidados, pois qualquer ponta que se deixe solta será usada pelas seguradoras, pelos advogados das partes envolvidas, pela comunicação social, pelos partidos, para triturar impiedosamente o primeiro que se deixe apanhar 'a jeito'. É, pois, a altura de mitigar os efeitos dos danos de toda a ordem, nomeadamente os financeiros, os reputacionais, os políticos. Claro que em background estará sempre o drama dos mortos, dos acidentados. Mas isso já aconteceu. Já não há nada a fazer. Portanto, isso estará presente, claro que sim, mas em background. Quem não está habituado a isto, dirá que há muito cinismo, muita hipocrisia nisto. Talvez, sim. Mas não sei se é isso ou se é o instinto de sobrevivência dos intervenientes. Sei bem o stress que, em situações deste tipo (e nunca passei por nenhuma tão grave, nem nada que se pareça), costuma existir sobre todos: reuniões e mais reuniões, com os circuitos todos da gestão de risco a serem seguidos ferreamente.

Quanto ao relatório sobre o que aconteceu, mais do que saber que foi o cabo solto ou a ineficiência dos freios, é importante detectar a verdadeira causa-raiz que levou a que isso acontecesse. Seja o que for, da minha experiência, o que me parece óbvio é o seguinte: por muito que o relatório preliminar seja prudente e tente dar a entender que o que se passou foi uma fatalidade, pois os procedimentos de manutenção foram todos rigorosamente cumpridos e o condutor agiu como devia, uma coisa é certa: em acidentes desta natureza não há fatalidades -- há, sim, uma ou mais ocorrências como, por exemplo, desgaste dos materiais que não foi devidamente acautelado, falta de adequação dos materiais ou dos sistemas às funções, falta de manutenção com a profundidade, a tecnicidade ou a periodicidade devida, ou a não substituição atempada de peças, equipamentos ou sistemas. E um ou vários desses aspectos serão a causa directa. E é preciso identificá-los.

Mas depois há as segundas derivadas: ou seja, porque é que isso aconteceu? Sub-orçamentação, inexperiência ou inaptidão dos técnicos (quer os da Carris que fizeram o caderno de encargos ou que monitorizam a execução do contrato quer os da empresa externa que efectua o serviço), inadequação organizativa (quem monitoriza ou quem decide sobre falhas ou decisões a tomar), inaptidão da gestão da Carris?

Numa perspectiva séria, para apurar todas as razões (e não para alimentar o espectáculo da comunicação social mas, sim, para evitar que voltem a acontecer acidentes desta gravidade), haveria uma comissão de gente séria, experiente e objectiva, a varrer todas estas vertentes.

Não podem ser totós que embarquem em banalidades, que não vão ao fundo da questão, tem que ser gente que saiba desmontar os argumentos, que saiba pesquisar, averiguar:

- Faz sentido manter aqueles elevadores, lindos, com aqueles materiais, com aquela tecnologia, ainda estarem em funções? Não seria mais seguro haver réplicas perfeitas mas robustas, tecnologicamente modernas, seguras, monitorizáveis e controláveis?

- Faz sentido os serviços de Manutenção continuarem externalizadas? Em caso afirmativo, quem define os moldes em que é executada, quais as fronteiras de responsabilidade entre os serviços internos e os externos (por exemplo, quem assegura os serviços de Oficina, a gestão de peças, quem efectua inspecções periódicas, quem assegura a transmissão de conhecimentos e a formação dos técnicos)?

- etc...

E isto de que tenho falado é uma vertente. Mas há outra: não nos esqueçamos, uma empresa tem accionistas que nomeiam a administração e é a administração que leva ao terreno as orientações que recebe. É o accionista que aprova as linhas estratégicas, os orçamentos, as grandes decisões programáticas. No caso, o accionista é a Câmara de Lisboa. E quem está à frente da Câmara de Lisboa não é uma dinastia ou uma família: são pessoas eleitas, são políticos. Logo, antes de qualquer outra responsabilidade, há a de carácter político.

Carlos Moedas não pode esconder-se atrás das saias do falecido Papa, não pode encostar-se a Marcelo ou a Montenegro nem pode continuar a andar a correr atrás da comunicação social para se gabar de tudo o que mexe ou não mexe. Carlos Moeda, por uma vez, tem que se portar como um homenzinho. A menos que não saiba o que isso é.

* Num comentário abaixo, que agradeço, levanta-se a possibilidade de vir a haver também uma questão criminal. Não a referi por admitir que esse caminho não será trilhado pois, a haver responsabilidades dessa natureza, elas provavelmente seriam de tal forma partilhadas que não se chegaria a lado algum. Mas, de facto, nunca se sabe. Estou a lembrar-me de um caso que não tem a ver com acidentes ferroviários ou afins  mas com saúde pública e o tema foi aí parar, com muitos dos responsáveis da empresa envolvida sentados no banco dos réus. Portanto...

sábado, setembro 06, 2025

A tragédia do Elevador da Glória -- a infeliz ilustração prática do que é a Lei de Murphy?

 

Tenho cá os meninos em casa em regime de pernoita e, em dias assim, tenho dificuldade em mudar o chip para falar de coisas sérias. 

Antes de se ir deitar, o meu marido deixou-me várias sugestões para o que eu poderia abordar no que fosse escrever no blog. Concordei e disse que sim, que o faria. Simplesmente, as minhas mãos estão com dificuldade em falar de concursos públicos, em externalizações, em planos de manutenção, em escassez de mão obra especializada, em gestores políticos de meia tigela. 

É que, tal como ele, também eu posso falar destes assuntos, não do caso do Elevador da Glória em particular, que não conheço, mas destes temas em geral. Mas, para eu falar disto, porque só consigo falar com seriedade e rigor, teria que me alongar. E a esta hora, com os meninos a dormirem nos quartos ao fim do corredor, não sei se consigo forçar as minhas mãos a temas sérios quando só me apetece falar da graça das crianças, do menino que chegou a casa, do treino, já às dez da noite, e, depois, ainda foi tomar banho e, depois, jantar, para pouco depois ter que ir dormir pois este sábado tem que estar a pé cedo já que tem reunião e treino antes das dez da manhã, ou do mais novo, arisco, que me deixa abraçá-lo e dar beijinhos, revelando ser um falso arisco, ou a menina, mais alta que eu, já não criança mas uma bela adolescente, que veio carregada com uma valise dentro da qual se encontram dois necessaires, um com produtos para o cabelo, outro com maquilhagens, sempre toda decidida, toda organizada, e que me faz recordar-me de mim com a idade dela.

Por isso, como conseguir fazer a agulha para os temas que estão na ordem do dia e que, de uma maneira ou de outra, farão parte da causa-raiz da tragédia?

Bem.

Vou tentar. 

Mas vou ver se abrevio. 

Externalizar? 

Sempre fui totalmente contra quando se trata de áreas críticas, de utilização permanente e em que a retenção de conhecimento é relevante. Era a favor em sectores indiferenciados, de utilização sazonal, em que não é requerido conhecimento específico do 'entorno' ou da função. 

No caso da manutenção, em que os técnicos são sempre necessários ao longo do ano, em que é importante reter o conhecimento para que exista um historial de avarias, do que as provocou, da forma como se resolvem, para que acompanhem os novos investimentos e recebam formação no seu manuseio, sempre fui a favor da não externalização. 

No caso da Carris, tendo sido tomada essa decisão há uns anos, e ainda não tendo havido a coragem de a reverter, a única forma de assegurar uma boa manutenção é haver internamente, na Carris, quadros técnicos altamente experientes e conhecedores, que consigam plasmar no caderno de encargos do concurso público, todos os requisitos e, depois, que acompanhem o seu escrupuloso cumprimento: Por exemplo, quais os planos de manutenção preventiva, qual o plano de inspecções, tempos de chegada ao local em caso de manutenção correctiva (e, se já estiverem evoluídos, planos de manutenção condicionada e preditiva). Coloquei entre parêntesis pois temo que os equipamentos do elevadores não estejam ainda sensorizados para emitirem alertas em situações de desgaste, de perda de tensão ou outras situações críticas. Mas o caderno de encargos deve ainda prever de quem é a responsabilidade por gerir os stocks de peças de reserva ou de consumo corrente e de quem é a responsabilidade pelos trabalhos em oficina (está também externalizada? se não, como se integra a sua gestão, num fornecimento externo?). E nos planos dos trabalhos deve estar bem definido o que fazer e com que periodicidade bem como quais as habilitações, formação profissional e experiência dos técnicos que integrarão as equipas. Tudo isto tem que ser, depois, contratualizado e rigorosamente monitorizado.

Como o meu marido referiu ontem, se isto estava tudo bem definido e se nenhuma empresa apresentou proposta no concurso que entretanto decorreu, é porque as empresas concorrentes acharam que, pelo valor base do concurso, não era possível fazer o trabalho. Atendendo a que esse valor é cerca de 20% superior ao que estava a ser praticado, das duas uma: ou a empresa que andou a fazer a manutenção até ao fim de Agosto andou a perder dinheiro, muito dinheiro, ou andava a cortar as unhas, mas a cortá-las muito rentes, ou seja a não fazer o trabalho que devia ser feito, pelo menos de acordo com os requisitos do concurso que ficou deserto. 

O meu filho, no dia do desastre, dizia que parecia ter acontecido o worst-case scenario, aquele cúmulo de azares que, quando a coisa dá para o torto, parece que os azares se atraem uns aos outros: parece ter falhado o cabo, o freio, e sabe-se lá mais o quê. Mas vamos ver se, em cima de tudo isso que se traduziu num número tão elevado de mortos e feridos, não aconteceu ainda um outro. Não nos esqueçamos que, quando acontecem acidentes desta natureza, as indemnizações e os gastos de reparações e outros são exorbitantes. As empresas têm uma responsabilidade civil que, geralmente, está segura (leia-se, coberta por um seguro). Mas, para não pagarem prémios excessivos, limitam a responsabilidade coberta. E está tudo bem... até ao dia em que deixa de estar. Portanto, vamos ver qual o tecto da responsabilidade civil da empresa responsável pelo que aconteceu. Vamos ver se, a seguir a toda a desgraça que aconteceu, não começam a surgir outros dissabores. Claro que não há maior dissabor do que uma vida ser ceifada num acidente destes mas, a seguir, começam a surgir as consequências e, neste capítulo, vamos ver se estava tudo bem acautelado.

E aqui um tema que será certamente avaliado: supostamente, a empresa externa que fazia a manutenção vai ser chamada à pedra e vai averiguar-se se os planos contratados foram cumpridos. Se não foram cumpridos, estará encontrada a empresa responsável. Mas se os planos foram cumpridos e o que se conclui é que os planos estavam mal feitos, aí a responsabilidade reverterá para quem os definiu. E aí entrarão as contendas jurídicas, os pareceres, as complicações que, às tantas, se transformam em complicados enredos.

Mas há ainda um outro aspecto: pelo que vi, a empresa MNTC que fazia a manutenção dos elevadores de Lisboa terá sede num prédio residencial na Margem Sul, um capital social de apenas 15.000€ e 30 trabalhadores. Não consegui encontrar o site, talvez não tenha. Não posso questionar a competência e a estabilidade da empresa e dessas 30 pessoas pois delas nada sei. E também não sei se os trabalhadores que faziam a manutenção pertenciam mesmo à MNTC ou se seriam subcontratadas. É que o que frequentemente acontece, nesta perversidade de externalizar e contratar pelo menor preço, é que as empresas a quem é adjudicado o trabalho, para o conseguirem fazer por tão baixo custo, recorrem à mão de obra mais barata que arranjam (muitas vezes pagando parte do ordenado por baixo da mesa, para pouparem na Segurança Social e nos impostos). Não faço ideia se é o caso mas não me admiraria se fosse.

E ainda um outro aspecto: li que o contrato com a MNTC acabou no fim de Agosto. Não havendo empresa para a substituir (dado o concurso ter ficado deserto), a Carris terá feito um ajuste directo com a MNTC para mais 5 meses. E pergunto: fez contrato? Quais as cláusulas do contrato? O contrato está assinado? Em vigor? Certinho. direitinho? Ou foi na base do 31 de boca? É que, numa situação como a que aconteceu, tudo isto faz a diferença -- e as Seguradoras e os advogados das diferentes partes não costumam condoer-se, é o business deles, costumam defender-se com unhas e dentes, e todas as pontas soltas são boas para desmontar pretensões com pés de barro.

Só espero que o worst-case scenario não se aplique também a estes aspectos, senão a dimensão do problema alastrará e de que maneira. 

Claro que há muitos intervenientes que, de uma maneira ou de outra, têm a sua quota parte de responsabilidade no que aconteceu: no que se refere a questões técnicas, a questões jurídicas, a questões administrativas, a questões de organização e, claro, a questões de gestão.

Mas, acima de tudo, e convém não a relativizar, há a responsabilidade política. Na forma como as empresas sob responsabilidade municipal se organizam, na aprovação do plano de investimentos e do orçamento de gastos correntes, nas prioridades, nas linhas vermelhas, a primeira e última palavra vai para a Câmara que, no caso, funciona como o accionista, o grande decisor.

Estar à frente de uma autarquia não é ser como o Moedas, esse oportunista que parece achar que se nos aparecer, televisão adentro, a toda a hora, em todo o sítio, como um emplastro, sempre a gabar-se, sempre em bicos de pés -- é ele que faz tudo, é ele que pensa em tudo --, uma figurinha ridícula que se acha o máximo. Não. Ser responsável por uma autarquia é tomar as grandes decisões, é garantir que o que é crucial é seguido à risca (por exemplo, é alguém que traça linhas vermelhas como 'nunca por nunca pôr em risco a vida humana'), é assegurar que há medidas de controlo para monitorizar o cumprimento dos planos. Ser responsável é saber gerir prioridades como por exemplo, ser capaz de dizer: 'não vou cortar na manutenção de equipamentos de utilização pública nem na higiene urbana nem no apoio à recuperação de consumidores de droga; pelo contrário, vou aumentar, nem que, para isso, tenha que cortar em dispêndios exagerados como os das Jornadas da Juventude ou outros folclores de utilidade duvidosa'. 

Não sei o que vamos ficar a saber da responsabilidade da tragédia mas temo que conheçamos apenas uma versão superficial das coisas e temo que o Moedas, na sua hipocrisia travestida de beatice, ainda tente reverter o problema, tentando capitalizar a seu favor. Quando, em cima do desastre, o ouvi dizer que Lisboa nunca tinha sofrido uma tragédia desta dimensão (ah não? o terramoto de 1755 não lhe diz nada?) só me fez lembrar o Trump que, na estupidez do seu narcisismo exacerbado, consegue gabar-se da porcaria que faz só porque é uma grande (huge, fantastic) porcaria.

Enfim.

É tarde, daqui a nada a minha maltinha está a pé e, portanto, é bom que eu esteja antes deles. Portanto, fico-me por aqui.

Desejo-vos um bom sábado.

sexta-feira, setembro 05, 2025

Compreender bem o que aconteceu
-- A palavra ao meu marido --

 

A tragédia que aconteceu em Lisboa, no elevador da Glória, é absolutamente chocante e difícil de admitir. Um acidente como este no centro da cidade ultrapassa a perspectiva que temos do que nos pode esperar no quotidiano. É terrível! 

Espero que esta tragédia tenha resultado de uma falha fortuita e imprevisível no sistema. Espero também que o inquérito aponte conclusões para percebermos o que falhou e quais as razões da(s) falha(s). 

Ao ouvir hoje uma parte da conferência de imprensa do presidente da Carris, houve dois aspectos que me chamaram a atenção. 

  • Primeiro, afirmou que os custos de manutenção tinham aumentado 25 por cento, não me lembro se em 3, se em 5 anos, mas só após a pergunta de um jornalista informou que os custos com a manutenção dos elevadores tinham sido os mesmos nos últimos 3 anos (995.000 € por ano). Parece que queria dizer só meia verdade. 
  • Mas o que me suscitou mais dúvidas foi ele ter dito que o concurso para prestação do mesmo serviço para 2025 tinha como valor base 1,2 milhões de euros, e nenhuma empresa tinha apresentado proposta. Quando um concurso fica deserto, geralmente isso significa que nenhuma empresa achou que conseguia fazer o trabalho pelo valor base. E, ainda assim, comparando com o valor que vigorou até agora, estamos a falar de uma diferença para cima, de mais cerca de 20 por cento (mais de 200 mil euros) -- e mesmo por estes valores bem mais altos ninguém apresentou proposta. Face a isso, a Carris vai ter que lançar novo concurso por um valor superior. Admitamos que o valor passará para 1,3 milhões de euros. 

A minha dúvida é: como é que a empresa a que foram adjudicados os trabalhos nos últimos três anos podia prestar um serviço de qualidade, parecendo que o valor que recebia era manifestamente insuficiente. A Carris pagava 995 mil euros, e, de um ano para o outro, o serviço vale mais de 1,2 milhões de euros, provavelmente 1,3 ou mais milhões de euros. Esteve a empresa prestadora do serviço disposta a perder centenas de milhares de euros por ano? Ou, porque o valor não era suficiente, fez algumas economias na prestação do serviço? Gostava de ver esclarecido este ponto.

O Moedas está sempre na televisão a gabar-se do que faz e, especialmente, do que não faz. Devia ter sido homenzinho e ter estado hoje ao lado do presidente da Carris, empresa tutelada pela Câmara, e assumir a responsabilidade política. 

O Marcelo veio dizer que era preciso apurar rapidamente a responsabilidade por esta tragédia. Concordo. O problema é quando se apuram as responsabilidades para nada, ou seja, apesar de conhecidas, ninguém as assume -- e o caso da Saúde tem sido sobejamente paradigmático disso, com a agravante de isso acontecer perante a conivência de Marcelo.

quinta-feira, setembro 04, 2025

Um dia difícil -- e uma notícia horrível ao fim da tarde

 

Primeiro quero ver a situação resolvida. Tenho testemunhado, com alguma perplexidade, como, nos temas da Administração Pública, a forma como os assuntos são resolvidos tem muito a ver com as pessoas (ou as repartições) onde o assunto vai tratar. E há do lado de quem tem o poder de os resolver uma total prepotência. Dizem que é assim e, por muito que esse 'assim' seja absurdo, arbitrário, e mesmo que digamos que no Atendimento Telefónico ou noutras repartições nos tenham ito que pode ser resolvido de outra maneira, respondem que não querem saber, que ali é assim e que estão a cumprir os procedimentos. E tenho testemunhado, repetidamente, que dali não saem. Pode o assunto ficar empancado e podemos tentar mil abordagens que não adianta.

Por isso, não quero cutucar a fera com vara curta. Vou manter-me sossegada até ter o mais recente assunto resolvido. Há outro dos assuntos de que já desisti com grande prejuízo meu e apesar de ser a coisa mais aberrante do mundo. Mas desisti. Não tenho energia para continuar a marrar numa parede que não cede, só a minha cabeça é que fica moída. Mas este último assunto estou em crer que vai ficar resolvido. E aí apresentarei uma reclamação e tentarei expor o absurdo e a prepotência a que nos submetem.

Por ora limito-me a dizer que foi mais um daqueles stresses em que parece que tudo corre mal, em que parece que estão a fazer um favor, em que, no fim, quando depois de para ali estar a apresentar papéis, a preencher, a assinar, a esperar, a bolinha baixa, baixinha, e penso que finalmente vou conseguir sair de lá com tudo resolvido, não senhor. Dão-me um papel em como entreguei um papel. E o chefe irá analisar e irá resolver. Haverei de receber em casa o que houverem por bem resolver. E boa tarde.

Como sempre me acontece, e há-de haver uma explicação para isto, quiçá somática, saí de lá a sentir-me meio esgazeada, desidratada de todo. Para além disso, aflita para fazer chichi. Por inacreditável que possa parecer, num local daqueles em que uma pessoa pode passar uma tarde, não há casa de banho. 

Portanto, saí de lá exaurida, a sentir-me agredida, violentada, e sem vontade de falar, e, como se já não bastasse, também com vontade de ir a uma casa de banho e com vontade de, a seguir, ir repor os meus níveis funcionais. E assim foi. Depois de descobrir uma casa de banho, fui a uma pastelaria e comi um bolo altamente calórico e altamente glicémico e bebi um sumo fresco também altamente glicémico. O meu marido, que não foi comigo tratar dos assuntos (e ainda bem que não foi, senão ainda armava para lá um escabeche), mas que, depois, me acompanhou à pastelaria, estava escandalizado, que eu não tinha cuidado nenhum com o que ingeria, que era um total disparate, tanta caloria, tanto açúcar. Mas, vá lá eu perceber porquê, sentia que precisava mesmo daquilo para ressuscitar e voltar ao meu estado habitual.

Quando cheguei a casa, despi-me, refresquei-me (ainda por cima estava um calor dos diabos), reclinei-me no meu cadeirão relax e, claro está, adormeci profunda e instantaneamente.

Quando acordei ainda me sentia meio esvaída. Pode parecer um exagero da minha parte mas não imaginam o que isto me maça. Eu sou muito prática, gosto de resolver tudo, de resolver rapidamente, de resolver da forma mais ágil e mais eficiente. E ver-me manietada, sujeita a ter que aceitar a falta de ritmo e os absurdos procedimentos públicos, o não poder fazer nada para ajudar a desbloquear imbróglios evitáveis, estúpidos, que não deveriam existir, o ter que me resignar a aceitar que me imponham métodos, procedimentos e prazos que ultrapassam tudo o que é razoável, desgasta-me moral e fisicamente, fico exausta, exangue.

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Enquanto escrevo, estou a ver a reportagem do desastre com o elevador da Glória. Um horror. Tantas e tantas vezes passei por ali, por São Pedro de Alcântara, tantas vezes me encantei com a graça daquele elevador, tantas vezes o fotografei. Imagino a aflição das pessoas que lá iam ao sentirem como aquilo se desgovernou. Deve ter sido uma fração de segundo. E, na fracção seguinte, 15 pessoas antes felizes, estavam mortas. E 18 ficaram vivas, no meio daqueles destroços, mas feridas, algumas em estado grave. Um horror. A vida, por vezes, é traiçoeira.

O que se passou, por que se passou, o que falhou -- isso se verá a seguir. Para já, o que sinto é muita pena ao ver o que se passou.

quarta-feira, setembro 03, 2025

E não digam que elas não avisaram...


Diziam que estava morto. Vários dias sem aparecer quando toda a gente que se pela por falar aos jornalistas, três conferências de imprensa por dia, e isto numa altura em que as mãos aparecem cheias de derrames (que ele tenta cobrir com base), que se esconde atrás de mesas para ninguém ver os tornozelos inchados a transbordarem dos sapatos. 

Depois, quando apareceu, disseram que os da Segurança andavam a passear o morto. Tornaram-se virais os memes que parodiavam o fim-de-semana com o morto em que o morto era ele, de polo branco, barrigudo, e com aquele boné encarnado ridículo a dizer 'o trump teve razão em tudo'. Depois, quando ele falou mas sem aparecer, disseram que não estava bem, que a voz estava estranha, que mais parecia um tate-bitate a falar, que o mais certo é que tivesse tido um avc. Depois apareceu em pessoa e viu-se que, afinal, não só estava vivo como continuava igual a ele. Vi um pouco: continua repulsivamente megalómano, narcisista, doido varrido. E vingativo e pronto para levar a dele avante, seja lá o que for que lhe passe pela cabeça. 

Os avisos sucedem-se: ele é autoritário, incompetente, ignorante, maníaco, e quer fazer dos Estados Unidos a sua coutada, usar o país em seu próprio benefício. Expulsa e maltrata aqueles que elegeu como inimigos, silencia os que o denunciam, corta financiamentos aos que ousam ter voz própria, despede os que mostram independência. Explicam: foi assim que nasceu o nazismo, foi assim que se espalhou o fascismo. 

Agora meteu na cabeça que ser ser Nobel da Paz e anda a espalhar que já acabou com várias guerras. Começou por falar em quatro, depois passou para seis, agora já vai em sete. Tudo aldrabices sem ponta por onde se lhe peguem. Mais parece um filme cómico, tanto o disparate.

O Putin, então, anda a gozar com ele mas a gozar à cara podre: depois de o tourear no Alasca, agora anda a mostrar que faz dele o que quer e, às claras, mostra quem é a sua turma. Chama a Xi Jinping 'querido amigo' e, na volta, vai dizer o mesmo a Kim Jong-un e aos outros ditadores da grupeta que se juntou em Pequim. Aposto que os amigos do PCP, que tanto defendem Putin e que não conseguem ver porque é que o resto do mundo acha que Kim Jong-u é um ditadorzeco, também gostavam de ter sido convidados. Afinal, sentir-se-iam em casa porque aquilo lá, aquele grupinho de ditadores, é tudo uma maltosa que também abomina a Europa, a democracia, o livre pensamento.

Há muita gente que anda a falar publicamente contra Trump, a denunciar as suas patranhas, as suas jogadas de risco, o seu autoritarismo que não conhece barreiras nem lei. 

Mas hoje trago aqui um grupo de avozinhas que acho o máximo: as extraordinárias Piedmont Raging Grannies. Acho-as o máximo. Quando tendo a cair na desesperança, vejo coisas assim e encho-me, outra vez de esperança. Resistir. Resistir. Resistir. De todas as maneiras.

Tem que se arranjar maneira de furar a tacanhez, a grunhice dos burros do Maga, e, talvez com coisas assim, alguns, sentindo-se gozados, se sintam levemente vacilantes. Não sei. Mas, pela parte que me toca, diverte-me partilhar isto. Tenho a certeza de que no dia em que Trump (e J.D. Vance, esse outro bicho asqueroso que anda danadinho para tomar o lugar do palhaço-mor cor de laranja) caia e os Maga percebam a banhada que é o trumpismo, todos os movimentos populistas que por aí despontam também vão sofrer um revés. O Ventura inflou como inflou alavancado pela vitória de Trump -- é certo que levado ao colo pela Comunicação Social e depois levado em ombros pelo Mentenegro.

Fascist Donald Has a Game  -  Piedmont Raging Grannies


Trump is in the Files  -- Piedmont Raging Grannies

He’s trying everything he can think of to distract from breaking his promise to release the #Epstein files. So, here’s a reminder! 

Vivam as avozinhas! 
-- estas e as de todo o mundo, em especial as que se mantêm vivas, jovens, com a cabeça arejada.

terça-feira, setembro 02, 2025

Estas contradições que alimentam os nossos dias

 



Hoje não estou inspirada. De tarde, quando estava num outro comprimento de onda, por sinal até animada e já com ideias para uma outra coisa, recebi um telefonema: 'Não tenho boas notícias...'. E, pronto, uma bomba. Uma inesperada bomba. E aquilo que eu achava que estava encarrilado e a caminhar para uma boa solução voltou à estava zero. 

Fiquei ali um bocado a digerir. Uma desilusão que não vem nada a calhar. 

Mas depois respirei fundo. Nestas situações, respiro fundo. Penso no que se segue. É coisa minha: para estes contratempos, tenho um mantra: há mais marés que marinheiros. E tenho outros, todos igualmente banais. Mas é nas grandes banalidades que se escondem as grandes verdades.

Portanto, bola para a frente.

Claro que tinha pensado regar a parte da frente da casa, e, com isto, passou-me a vontade. Não me apeteceu, fiquei com pouca energia.

Gostava que caísse uma pinga de água. Mas nem uma. Detesto quando vejo a terra seca, só me apetece que caia não uma pinga mas uma chuvada das valentes. Mas nada, nem sinal de água. Amanhã talvez regue. 

Depois fui para a cozinha e fiz uma bela bacalhauzada. Bacalhau com todos é sempre uma coisa boa, aquece a alma. 

O passeio que fizemos à noite foi diferente: foi feito já bem de noite e debaixo de frio. Os dias encurtam a um ritmo desconcertante. E arrefeceu bastante. Levava calções relativamente curtos mas, por cima da tshirt, levava um casaco já um pouco quente. Soube-me bem. De início senti frio nas pernas mas, com o andamento, ficou até agradável. Cheguei a casa arrebitada, a pensar que amanhã é um novo dia. Todos os dias são um novo dia.

E todos os dias vão chegando notícias: alguém que faz anos, um menino que foi convocado e a quem o jogo correu bem, um menino que compõe um rap a gozar com os primos, uma menina que monta e edita um vídeo para o mano, outro menino que vai passar uns dias com a namorada, outro que começa um novo desporto, e depois chega uma notícia triste, alguém que morreu, alguém que nos faz pensar aquilo que tantas vezes piedosamente pensamos, que mais vale que morra do que sofra, e até nos esquecemos que ninguém devia sofrer assim nem assistir à vinda da morte de dentro do próprio corpo, e depois já é uma amiga que vai viajar e todos lhe desejamos uma boa viagem... e a vida vai andando, um dia depois do outro, e depois outro, e depois outro, todos os dias muitas coisas, coisas díspares, umas que nos fazem felizes, outras que nos entristecem, mas não param, a seguir a uma vem outra e outra e outra e outra.

E ainda bem que é assim. Só assim, porque temos termo de comparação, sabemos dar valor às coisas boas, só assim nos obrigamos a viver com vagar e apreço os momentos bons. 

E pronto, vou-me, não posso ficar por aqui senão não paro de dizer lugares comuns. 

Tenham um belo dia, ok?

segunda-feira, setembro 01, 2025

Sou seguidora do Padre David Gierlach, confesso

 

Há muitas coisas perversas nas redes sociais e, desde logo, a terminologia. Ser seguidora ou ter seguidores é qualquer coisa que, por si só, me causa aversão. É um conceito que me é adverso. Não sou seguidora de ninguém e agradeço que também me larguem a bainha da saia. Mas, nas redes sociais, é assim que funciona e é o abstruso nome escolhido, portanto, nada a fazer.

Também me faz impressão o hábito de deixar corações. Só em casos raros me lembro disso, geralmente porque aquilo me toca de forma particular. 

E é tudo tão estranho para mim que ainda nem sei que nome dar às coisas. Digo 'aquilo' porque nem sei como nomear. Post? Feed? Reel? No outro dia estava a publicar um dos meus vídeos marados e sem querer escolhi uma opção. Pensava que tinha escolhido feed mas, ao avançar, pareceu-me que era uma reel. Ainda não me dei ao trabalho de perceber as diferenças mas, por via das dúvidas, recuei e avancei como feed. Afinal hoje verifiquei que estão os dois publicados, ao lado um do outro. Dois vídeos iguais. Uma coisa mesmo burra. Claro que poderia ir ver como apagar um deles, porque aquilo assim não tem jeiteira nenhuma. Mas também não me apetece. 

Mas, voltando aos corações, o que acontece é que, por muito que me agrade, o meu gesto habitual é o de passar adiante, ao post seguinte. Não é por desinteresse ou de propósito: é simplesmente porque nem me ocorre parar e assinalar um coração. Identicamente também nunca vou ver se me puseram corações ou comentários. De vez em quando, reparo nisso. Mas é por acaso. Na vida real também não faço as coisas à espera de receber palmadinhas nas costas. Se as pessoas gostam e querem manifestá-lo, tudo bem. Mas se não se manifestarem está tudo bem na mesma. 

Em casos excepcionais, guardo (isto é, marco para guardar) algum post do instagram. Mas guardo apenas porque, como geralmente não sei o nome dos autores, se quiser voltar a ver, se não guardar, já não consigo recuperar. É que aquilo é uma espiral infinita, o mundo inteiro canalizado para aquele interminável, sempre vivo, desfiar de coisas.

Mas isto para dizer que, como o algoritmo mostra infindáveis coisas, sempre que vejo alguma coisa que me parece interessante, marco para seguir. E isto para ver se o algoritmo não se esquece de me mostrar o que essa pessoa for publicando. Com isto já estou a seguir mais de 3.600 pessoas, a maior parte das quais não portuguesa. 

E o que tenho que constatar é que, na realidade, se uma pessoa se focar no que lhe interessa, o algoritmo acaba por perceber os nossos interesses e desencanta matéria que sem dúvida vai de encontro aos nossos gostos. No meu caso, maioritariamente mostra-me temas de política (a larga maioria) -- política do lado democrático --, de arte, de arquitectura, de decoração, de jardinagem, de ciência, de saúde. E, aqui, tenho que reconhecer que acompanho as opiniões ou os ensinamentos de pessoas cuja existência desconhecia, e isso, sem dúvida, é uma tremenda mais valia das redes sociais.

Só vejo o Instagram. Embora a minha filha tenha definido que cada coisa que publico no instagram vai parar ao facebook, a verdade é que nem me lembro disso, e quando, muito esporadicamente, lá vou -- pois tenho a caixa de correio cheia de mails a avisar-me que tenho notificações, pedidos de amizade e mensagens no facebook --, quando lá chego é tal a confusão que geralmente arrepio caminho. O Instagram tem um look and feel mais arejado, mais moderno, mais organizado. O facebook tem um aspecto mais antiquado, e, sobretudo, parece-me uma balbúrdia, não encontro o que procuro, perco-me a meio do caminho.

Mas isto a propósito de um personagem que me apareceu e que me surpreendeu pela positiva. Marquei para seguir pois fiquei a modos que intrigada. E agora, de vez em quando, aparece-me. E vejo de gosto. Um padre interveniente, um padre que fala sem ser por meias palavras, um padre que parece interessar-se, deveras, pelo bem das pessoas. Não fala em nome da Igreja, essa veneranda e imbeliscável insttituição, mas em nome das pessoas. Casca no Trump que não é brinquedo, mas casca de forma serena, civilizada. Gosto de ouvi-lo. Não deixa passar uma. Fr David Gierlach. Seria interessante que, por cá, também tivéssemos padres a desmontarem as alarveiradas do Ventura ou, em geral, as patacoadas dos populistas, escondam-se eles em que partido se esconderem. Mas, se temos, nunca dei por nenhum.

Como não consigo colocar aqui os vídeos do instagram, fui à procura no youtube. Mas não fui bem sucedida: só há uns 3 ou 4 vídeos e não têm nada a ver com o que ele publica no instagram, são vídeos de sermões. Mesmo assim, para que o conheçam (caso ainda nunca tenham ouvido falar dele), partilho aqui um. Mas os que ele coloca no Instagram denunciando as estuporadas decisões e comportamentos do Trump são outra coisa. Se têm possibilidade de ver, aqui está o link para a página dele https://www.instagram.com/davidgierlach/. Creio que também tem conta no Facebook.

Este é apenas para o conhecerem.

Your Weekly sermon: nice or real?


Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira