Música, por favor
Gustav Mahler - Sinfonia Nº5 Adagietto
Se De Chirico é o pintor das desoladas paisagens urbanas nas quais o género humano se rarefez, se Chagall é o pintor do sonho e da joie de vivre, já Edward Hopper será talvez um pintor a meio caminho entre ambos.
Hopper pinta essencialmente paisagens urbanas habitadas, mas paisagens estáticas habitadas por personagens humanas também estáticas. Há nas pinturas de Hopper um estranho imobilismo.
São quase sempre mulheres que olham através da janela e diríamos que nada vêem, que se encontram em puro estado de introspecção, ou que se sentam abandonadas a si próprias, desiludidas, entediadas.
Numa mesa de restaurante, na beira de uma cama, de pé a olhar a janela vazia, são geralmente mulheres -solitárias, corpos sem vitalidade, corpos já não acariciados, seios que, face à situação, quase parecem inúteis, ventres desaproveitados, rostos sem esperança - que Hopper pinta.
E, se pinta a rua, a estação de serviço, o balcão de um bar, um motel, uma mesa de restaurante, é para nos mostrar um ambiente inerte, excessivamente neutro, parece que a vida não passa por ali. Quem ali está parece estar suspenso no tempo, à espera de coisa nenhuma.
Acontece, por vezes, as cores serem fortes, contrastantes mas, contudo, parecem artificiais, como se a cor tivesse sido saturada apenas para disfarçar a ausência de luz natural.
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Pintor americano, de Nova Iorque, Edward Hopper nasceu em 1882 numa família com algumas posses e viveu até 1967, 84 anos de vida, portanto. Morreu no estúdio.
Foi pintor de óleos, aguarelista e fez também gravuras. Como free lancer fez também muitas ilustrações.
O ambiente em que cresceu foi marcadamente matriarcal, e as presenças da mãe, da avó, da irmã, as criadas eram dominantes. Talvez isso explique a quase omnipresença de mulheres nas suas pinturas.
Edward Hopper (que poderemos ver abaixo, num auto-retrato) era um homem alto, magro, calado, introspectivo, tímido, com um sentido de humor contido e social e politicamente conservador.
Não era, pois, um impulsivo, muito pelo contrário. Passava largos períodos algo deprimido, sem inspiração, sem saber que motivos escolher para pintar, invadido pela inércia. Talvez sejam, justamente, esses os estados de espírito que a sua obra mais nos transmite.
Tinha já 42 anos quando se casou com uma mulher que era o seu oposto.
Oriunda de uma família de uma classe mais baixa, extrovertida, sociável, liberal, Josephine Nivision (Jo, que pode ser vista no retrato acima) era também pintora mas, no entanto, na prática abdicou da sua carreira para se dedicar quase exclusivamente à do marido. Foi a sua companhia, a sua modelo, a sua gestora (geria as entrevistas, a venda de quadros, escolhia os títulos das pinturas, e até, por vezes, inspirava os motivos das pinturas a partir de motivos usados por si enquanto pintora).
Viveram juntos quatro décadas e apenas sobreviveu 10 meses a Edward Hopper. Contudo, ficou a saber-se através dos diários que manteve que o seu relacionamento atravessou fases bastante conturbadas, havendo brigas e até agressões.
No entanto, sempre pareceram levar uma vida normal (e, se calhar, era normal até porque as ‘anormalidades’ geralmente não se vêem de fora).
Uma vida normal e simples, foi, portanto, o que sempre pareceu. Iam vivendo de acordo com o produto do seu trabalho. À medida que iam vendendo pinturas por maior valor (coisa de que Jo se ocupava), iam adquirindo aquilo que poderia ser considerado com bens secundários, isto é, que denotavam já sinais de maior desafogo. Assim, em 1927 compraram um carro, em 1934 compraram uma casa de férias.
Edward era um homem culto, lia muito (aliás, talvez por isso, é frequente na sua pintura aparecerem pessoas com livros) e era uma pessoa que pensava maduramente antes de começar cada obra. Pensava, fazia esboços e nada era fruto do acaso, nem a disposição dos elementos figurativos, nem a luz, nada.
Dava grande ênfase à geometria da composição, aos ângulos. Aliás o efeito da luz num dos cantos da casa é recorrente na sua pintura. Mas, independentemente até da geometria, a luz e a sombra foram elementos indispensáveis nas composições, usadas para criar os efeitos expressivos, os estados de espírito.
A pintura de Edward Hopper mostra-nos com frequência personagens que nos parecem perdidas no meio do espaço que ocupam. Diz-se que Hopper retratava o minuto antes ou o minuto depois de ter acontecido o clímax da cena.
Mulheres que receberam uma má notícia, ou abandonadas, à espera de alguém que está para aparecer ou que não apareceu, ou sem esperança face a uma janela de onde nada se vê ou afogadas em tédio e inércia.
António Lobo Antunes dizia que um dos seus livros tinha nascido da ideia de solidão nas casas às 3 da tarde. Assim são as casas de Edward Hopper: silenciosas, vazias, tristes.
Hopper, conservador, nunca se deixou tentar pelo cubismo, pelo impressionismo. As suas pinturas retratam a realidade urbana da época que viveu e retratam a solidão das pessoas perdidas de si próprias, perdidas dos outros. Talvez retrate ainda estes tempos em que vivemos, tempos de uma inquietação inerte, de um vazio suspenso, sem objectivos estruturados, sem uma esperança com contornos definidos.
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Saburo Teshigawara e Rihoko Sato da companhia Karas - Obsession
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Hoje no Ginjal e Lisboa as minhas palavras (molhadas) voam em volta da poesia de Assis Pacheco e, de novo, ao som de Bellini, belíssimo.
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E tenham, meus Caros, uma boa terça feira!
E tenham, meus Caros, uma boa terça feira!