No post abaixo falei do Homem Irracional, o último filme de Woody Allen, e nas ténues fronteiras que separam conceitos morais como os do bem ou do mal.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, com vossa licença, volto à vaca fria: as eleições do próximo domingo.
Mas como há pouco, ao chegar a casa, me encantei com a beleza de noite que estava - uma noite azul, um céu limpo e estrelado, uma lua quase dourada, escandalosa - é com Noche Azul que vos convido a virem comigo.
Não é só aqui em casa, é um pouco por todo o lado onde se respira algum gosto pela democracia de verdade e vontade de avançar no sentido do futuro, que sinto algum desânimo, como se uma doença contagiosa estivesse a alastrar, deixando todos um pouco prostrados. Teme-se que a praga Passos Coelho e Paulo Portas continue a invadir as nossas vidas. Começo a sentir em alguns quase a convicção de que este é o destino dos portugueses: não ser felizes.
A evidência é que viver desune
o tecido da esperança: não viemos
ser felizes neste lugar que é tempo
nem sabemos se um dia acreditámos
no que dissemos quando mergulhados
no mar interrompido pelos nossos braços
sem o saber nadámos
para nenhuma água ou para um cais deserto
Nos últimos dias tenho-me envolvido em acesas discussões com amigos, colegas e familiares, sobre a situação política actual.
Embora profissionalmente me mova num meio muito conservador, não encontro uma única pessoa que manifeste ponta de simpatia pela coligação PSD+CDS. Toda a gente que conheço, mesmo os que sempre foram simpatizantes de partidos de direita, fala deles com algum desdém.
Um votante fiel ao CDS agora diz-me que acredita, e di-lo com um toque de esperança, que acha que o PS é que vai ganhar. Pelo meio aponta críticas ao PS, desenterra conversas do passado, fala-me de escritórios de advogados ligados ao regime, mas eu equilibro com os escritórios ligados aos pafs que têm ganho fortunas com as privatizações a eito da era Passos Coelho. Ele concorda. Para minha surpresa, penso que, pela primeira vez na vida, vai votar no PS.
Encontro também gente que descrê do PS por achar que o aparelho está minado pelos interesses que corroem o Estado e que, em geral, os partidos portugueses anquilosaram e que verdadeiramente não têm sabido adaptar-se aos tempos. Esses, embora sejam pessoas que se esperaria que fossem mais ligados à direita do que à esquerda (um deles até já esteve ligado a um governo PSD), mostram-se decididos a votar no Bloco de Esquerda ou no Livre. Com estes, confesso que fico parva. Afirmam que a democracia tem que se regenerar e que, para isso, é preciso que o PaF perca as eleições e que o PS leve um abanão. Falo-lhes no desperdício de votos quando se vota em pequenos partidos que, pelo método de Hondt, não atingem o mínimo para eleger deputados e que, na prática, são votos deitados para o lixo, mas dizem-me que, votando em Lisboa, os votos no BE ou no Livre não são desperdiçados.
Depois há os que sempre votaram PCP e que, haja o que houver, se mantêm fiéis. Claro que a gente pode perguntar-lhes onde têm andado a Avoila, o Mário Nogueira, o Arménio e toda essa gente que, durante os governos do PS, não se calou por um segundo e que, agora - durante, todo este tempo de descalabro da governação Passos Coelho em que se assistiu a um sistemático e violento ataque aos trabalhadores - tem andado tão comprometedoramente calada. Nunca perceberei a bipolaridade do PCP que, defendendo o bem do povo, sistematicamente se une à direita para dar cabo do PS.
Mas, depois, o que eu encontro, e em larga maioria, é gente que, apesar de algumas críticas ao PS, acredita que António Costa, sendo um homem inteligente e sério, será melhor primeiro-ministro do que Passos Coelho.
Por isso, não consigo acreditar no que as sondagens dizem. Vejo as capas dos jornais e o que vejo é a propagação de mentiras, balelas, ligo a televisão e vejo o Marques Mendes em prime time e o que diz são balelas, uma reconstrução da história recente, tretas, balelas, e ao domingo é o Marcelo, e a comunicação social, toda ou quase toda ela, está atulhada de avençados manipuladores. E eu, vendo isto, interrogo-me se toda a gente andará tão adormecida ou embriagada que engula tanta balela. E acho que não.
Pelo contrário, acho que há todas as condições para que o PS consiga uma vitória inquestionável. Acho.
Mas o que me anda a fazer uma grande confusão é não ver gente conhecida, gente prestigiada, personalidades públicas, artistas, gente da televisão, desportistas (que já vi a Rosa Mota, mas queria ver mais) a apoiar publicamente o PS.
Onde anda essa gente?
Tudo colado aos sofás a praguejar contra os PàFs?
A pregar contra a direita mas sem levantar o rabo do bem-bom?
Será possível que nem perante uma ameaça destas - de Portugal continuar a retroceder, de ter uma posição cada vez mais marginal na Europa, de lambe-botas da Alemanha, de continuar na senda da venda ao desbarato do País e na senda do empobrecimento dos portugueses - os socialistas, os filiados e os apoiantes, vão continuar maria-ameliamente incapazes de ir para a rua, de darem as mãos numa luta que impõe mobilização a sério?
Caraças. Os direitolas todos unidos, em peso nas televisões, nas capas dos jornais, tudo a aldrabar, a prometer mundos e fundos, a espalhar atoardas e embustes... e os apoiantes do PS, armados em meninas, a chorarem pelos cantos? Caraças.
Por isso, só espero que acordem rapidamente. Já só têm uma semana. Apareçam, chamem a comunicação social, dêem entrevistas, mostrem força, convicção.
E, depois, quando tiverem a vitória nas mãos, façam uma gestão acertada dela, não desperdicem a confiança dos apoiantes, pensem com os olhos no futuro, sem concessões a interesses espúrios, sem provincianismos interesseiros, sem mediocridade mas, sim, com competência, humanismo e grandeza.
Mas isso é depois. Agora o que é preciso é ir buscar a vitória. Fazem, portanto, o favor de se despacharem e mostrarem que não têm sangue de baratas. Derrotem os PàFs. Mas derrotem à séria.
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- As pinturas em azul (que acho lindas) são do pintor argentino Juan Lecuona.
- Noche Azul é da autoria do compositor cubano Ernesto Lecuona e é interpretada no piano por Thomas Tirino. O vídeo mostra imagens de La Habana à noite
- O poema "Não viemos aqui para ser felizes" é de Gastão Cruz in Óxido
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E agora, se estiverem para aí virados, desçam até ao post seguinte onde falo do inquietante novo filme de Woody Allen.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.
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