Mostrar mensagens com a etiqueta mãe. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta mãe. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, julho 28, 2025

Um domingo feliz

 

Festejámos, em família, o último aniversário de Julho, o terceiro. Daqui por poucos dias iniciam-se os de Agosto, mais três. Bem quero manter-me na linha, mas as tentações são sempre mais que muitas. Claro que eu poderia manter-me de boca fechada, em especial quando chega a hora dos bolos. Mas com a falta de açúcar que entra na minha dieta rotineira, quando me apanho com um doce à frente nem tento controlar-me. Pelo contrário, sobe em mim uma insana vontade de me desforrar, vontade essa que não contrario.

De cada vez que nos encontramos pasmo com o que está a acontecer-me. Estou, de dia para dia, relativamente mais pequena. Uma coisa que me deixa diminuída, digamos assim. E, contudo, fora deste contexto há quem me ache alta. Alta eu sei que não sou mas, caraças, também não sou uma anãzinha. Mas é assim que me sinto quando estou ao pé dos mais altos. E repare-se que a meio da semana almoçámos com dois dos meninos e no domingo anterior tinha estado com todos. Portanto, não passou um mês desde que os tinha visto. E, no entanto, juraria que este domingo estavam todos mais altos. Já ao fim do dia, fiz questão de me fazer fotografar entre os dois rapazes mais altos. Grandões, peludos, cabeludos, com o braço sobre os meus ombros, tenho que virar a cabeça para cima para lhes ver a cara. A impressão que me faz o ritmo a que isto se processa. 

A minha menina também já está uma mulher. No outro dia, andando em passeio, estava a apanhar banhos de sol sobre uma rocha e a fotografia que o meu filho enviou tinha sido tirada de um ângulo em que eu não via muito bem a cara. Parecia-me ela mas achei que pelo corpo não podia ser, devia ser a mãe dela. Virei o telemóvel para ver se a via de frente mas o telemóvel rodava a imagem. Só então reparei na minha nora, de pé, na água, junto à rocha. Só visto. Também já me ultrapassou. Com os seus olhos claros, toda ela grande, faz-me lembrar as jovens do norte da Europa. O mano seguinte também está mais alto, claro, quase a apanhar-me. Mas ainda não entrou naquela fase da adolescência em que, quais feijões mágicos, deitam corpo diariamente. O mais novo, ainda na primária, evidentemente ainda se mantém um menino (apesar de um espertalhão e de um reguila de primeira, o que não é de admirar face à 'escola' que tem de todos os lados - para além dos dois irmãos, pelo lado do pai tem dois primos e, pelo lado da mãe, tem mais quatro; isto já para não falar dos primos em segundo grau e dos inúmeros filhos dos amigos dos pais).

Enfim, é a vida a florescer, uma primavera radiosa.

Os telemóveis têm vida própria e o meu volta e meia, geralmente à noite, dá um toque que me parece o de uma mensagem a chegar. Vou ver e é para me dizer e mostrar que tem uma nova história. . Há dois dias era uma história de há 3 anos. Por sua alta recriação, junta fotografias, passa-as de carreirinha como um vídeo e junta-lhe uma música. Quando fui ver até estremeci. A primeira era da minha mãe, toda sorridente, jovem, bem encarada, elegante. Estávamos no Algarve. Um dos meninos já estava espigado mas o que hoje está já da altura do mais alto ainda era um menininho, bem mais pequeno, nem se compara, carinha de menino. O que eles cresceram nestes três anos nem dá para acreditar.

Fiquei a pensar que a minha mãe, naquela altura em que respirava saúde, em que andava pela praia sem se cansar, sempre na boa, em que, a caminho dos noventa, nos deixava pasmados com a sua vitalidade, mais do que certamente já tinha o mal a crescer dentro dela. Aliás, creio que foi pouco depois disso que fez um exame que alertava para a probabilidade de haver ali um problema, recomendando exames complementares, exame esse que ela escondeu de toda a gente bem como escondeu o facto de a médica lhe ter telefonado duas ou três vezes a insistir para ir fazer o exame e a informá-la do que poderia vir por aí. Mas, na altura das fotografias no Algarve, por tudo o que me recordo e pelo seu ar tranquilo e bem disposto das fotografias, tenho quase a certeza de que ela pensava que estava tudo bem. E como não, se não tinha qualquer sintoma? Sabia, isso sim, que tinha insuficiência cardíaca, mas não era nada de especial e os médicos diziam que, na idade dela, era normalíssimo. Estava medicada e eu estava descansada. Nunca a vi a tomar um único comprimido que fosse, mas, se eu lhe perguntava, dizia que já tinha tomado e que depois voltava a tomar à noite, antes de se deitar. Porque haveria eu de desconfiar? No entanto, poucos meses depois vim a descobrir que a insuficiência cardíaca se tinha agravado e que, se eu sabia que um dos comprimidos ela se recusava a tomar por achar descabido e com muitos possíveis efeitos colaterais (julgando eu que a médica estava ao corrente dessa sua decisão e a relevava), muito provavelmente também não tomava o outro que eu julgava que, para ela, era pacífico. Mas, naquela altura, ela estava tão bem que eu não tinha razão para duvidar de coisa alguma. Isto há três anos. E ela já morreu há ano e meio. Ou seja, tudo o que se passou, passou-se muito rapidamente e de uma forma muito incompreensível para mim pois a gestão que a minha mãe fez do seu quadro clínico deixava-me muito confusa. Com o que vim a descobrir aos poucos, estou em crer que o que a arrasou mais e motivou as suas decisões foi o seu pânico em tomar medicamentos e, com certeza, muito mais, em fazer quimio ou radioterapia. Preferiu fazer de conta que tomava os medicamentos e, sobretudo, preferiu fazer de conta que não sabia o mal que tinha.

Mas, enfim, não vale a pena estar a pensar nisto. Tenho que pensar que, com a idade que tinha, provavelmente não poderia mesmo fazer tratamentos agressivos e viveríamos todos na angústia de saber que não viveria muito. Assim, pensávamos que não tinha nada e ela não se viu forçada a ser tratada como uma doente terminal. E, se calhar, acreditou naquilo que em que falávamos muitas vezes: nestes casos, a idade joga a favor, as células já não se multiplicam rapidamente. Aparentemente tinha esperança de viver muitos mais anos e isso também foi bom.

Hoje os meninos lembraram-se dos belos crepes que ela fazia. O mais novo disse que nunca mais tinham comido daqueles crepes. Não sei quem disse que, sim, já tinham comido, sim. Ele esclareceu: 'Feitos pela avó não'. Apeteceu-me comentar que ficava contente por se lembrarem dela. Mas não quis parecer que estava a querer puxar ao sentimento, pensei que isso poderia deixar os miúdos constrangidos, poderiam pensar que me estavam a entristecer ao falarem nela. As coisas devem ser naturais. É bom que percebam que a vida continua, que a alegria deve viver entre nós, juntamente com as memórias que cada um guarde.

Quando chego ao fim do post, penso como hei-de resumir tudo num título. Agora vacilo. Ia escrever 'Um domingo feliz com saudades dentro' mas vou deixar ficar só o 'um domingo feliz' porque as memórias e as saudades não têm que macular a felicidade. Não maculam. Integram-na.

ººººººººººº       ººººººººººº      ººººººººººº       ººººººººººº

E ia escrever sobre mais uns vídeos que, agora à noite, vi com declarações de várias mulheres que foram vítimas de assédio e abuso por parte do Trump, mas, vejam só, derivei para esta conversa. Acontece, não é?

ººººººººººº ººººººººººº ººººººººººº ººººººººººº ººººººººººº ººººººººººº

Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

quinta-feira, junho 26, 2025

Isto é o que realmente interessa

 

Vi o vídeo que aqui partilho com particular agrado. Revejo-me em muito do que Annie Norgarb ali diz. Não na parte em que diz que passou grande parte da vida a fazer e a ser como os outros esperavam, esforçando-se por não desagradar, mas na parte em que diz que gosta cada vez mais de estar em contacto com a natureza, na parte em que diz que a vida é como remar até chegar ao outro lado, e isto em todos os sentidos, e na parte em que diz que gostaria de passar para o outro lado com calma, na boa. 

Não posso dizer que nunca fiz coisas contrariada. Fiz. Por exemplo, quando os meus sogros ou os meus cunhados combinavam almoços ou jantares em restaurantes que, segundo eles, eram muito conhecidos e muito bons, eu ia para não ser desmancha-prazeres, mas ia antevendo que era um dia que ia às malvas. Fazia um esforço para parecer bem disposta mas, por dentro, ia mais do que contrariada. Geralmente os restaurantes estavam a deitar por fora. Primeiro que fossemos atendidos era um castigo. Os meus filhos ficavam cheios de fome, impacientes. Chegávamos a um ponto em que as crianças já se portavam mal por todo o lado, os meus sobrinhos mais pequenos choravam, já todos embirravam uns com os outros.

Alguns, começavam a pedir bebidas antes de começarmos a ser atendidos e, portanto, parece que nem davam pelo incómodo das crianças. O tempo passava e a comida não vinha. Depois, quando vinha, como éramos muitos, era uma confusão. Uma confusão a pedir, uma confusão à mesa com meio mundo a querer provar o que os outros tinham pedido, a trocarem coisas uns com os outros. Depois uns eram especialmente vagarosos, e estavam ali numa de degustar. Era quatro e tal da tarde e ainda estávamos à mesa. Quando parecia que tínhamos acabado, havia quem passasse aos digestivos e aí iniciava-se uma nova e demorada fase. Depois, ao fim de muito tempo, finalmente lá vinha a conta, sempre uma verba astronómica mas que era impossível de conferir pois, pelo meio, toda a gente tinha pedido mais um pouco de cada coisa, no conjunto parcelas que não acabavam. Podia ser aquilo ou metade daquilo. Pagava-se e pronto. Mas eu gosto de coisas rigorosas. Por isso, ficava azul de largar uma nota preta sem fazer a mínima ideia se estava correcto. Saíamos de lá tardíssimo. E, não raras vezes, a cena dava-se em lugares que não eram propriamente à beira de casa. Lembro-me, por exemplo, de uma ida à Sopa da Pedra em Almeirim, aí incluindo também primos, uma confusão indescritível, ou a um cozido em broa em Sintra num restaurante numa aldeia em que só começámos a almoçar depois das quatro da tarde. Intimamente sentia-me desvairada e estafada pois perder um sábado ou um domingo daquela maneira não era o que eu mais desejasse, mas aguentava de boa cara, fazia um esforço sobre-humano para não espumar, para não invectivar ninguém, para parecer que aquela também era a minha praia. Tudo porque não era capaz de dizer que não contassem comigo. Mas, enfim, a vida também é feita de alguns fretes.

A nível profissional também fiz alguns. O pior eram reuniões, não conduzidas por mim mas por alguém que gostava de fazer render e que deixava que se arrastassem por infindáveis horas sem que nada se resolvesse. Horas e horas a mastigar, sem engolir. Eu a ver as horas a passar, a querer ir para casa, e aquilo sem acabar. Por vezes mostrava alguma impaciência mas era obrigada a acatar o ritmo de quem conduzia a reunião. Lembro-me, em especial da ansiedade em que ficava quando os meus filhos ainda eram pequenos ou adolescentes e eu queria ir buscá-los à escola, estar com eles, queria fazer o jantar a horas... e nada, aquilo não atava nem desatava. Se calhar, não podia mesmo levantar-me e dizer que me recusava a dar mais para aquele peditório. Acho que não podia mesmo fazer isso. Mas foi tempo de vida que queimei a aturar pessoas que não sabiam conduzir reuniões ou tomar decisões. Não foi para agradar, foi apenas porque seria impensável desacatar a hierarquia, seria algo que irremediavelmente teria consequências, e não seriam boas.

Mas, tirando coisas assim, não tenho ideia de ter contrariado a minha natureza para agradar aos outros.

Mas, tirando esse aspecto, coincido muito no que a Annie Norgarb diz, no gosto das coisas simples, no prazer no contacto da natureza, na compreensão de que não vale a pena complicar e na vontade de que, quando o fim se aproximar, ir na boa, sem me agarrar a uma vida que irremediavelmente um dia se extinguirá.

Do que mais me custou nos últimos tempos da vida da minha mãe foi na sua total negação, na sua recusa em aceitar que o fim estava para breve, na forma desesperada como se agarrava à vida. Não aceitou que estava doente, escondeu-o, não quis tratar-se, teve medo dos tratamentos, e, sobretudo, não quis aceitar que o fim da linha estava prestes a ser cruzado. Estava numa angústia terrível e nunca permitiu que o tema fosse abordado. Gostava de ter podido dizer-lhe que partisse em paz, que nós ficaríamos bem e que ela iria descansar. Gostava de ter podido serená-la. Mas não foi possível. Ela queria viver e, sobretudo, queria viver com a qualidade de vida que teve até tarde. Eu gostava de, quando chegar a minha vez, encarar esses momentos com maior racionalidade, com tranquilidade, com aceitação. A forma como Annie Norgarb fala disso, sorrindo, agrada-me.

Mas não é só disso que ela fala. Fala de despojamento, fala de simplicidade. E alimenta os passarinhos, os patos, o pavão, os seus três cães. Passeia, acarinha as flores, desfruta da paz de existir.

É um vídeo muito bonito. (Dá para pôr legendas em português).

It took me 80 Years - Life Lessons I Wish I Knew Earlier - HERE'S WHAT MATTERS

Time, when approached with gentleness, doesn’t have to be something we resist. It can become a steady companion, offering a quieter kind of beauty — one that isn’t about appearance or achievement, but about depth and authenticity. As we grow older, our priorities shift, our understanding deepens, and there’s often a greater sense of ease in simply being who we are.

The passing years don’t take away who we are, they often bring us closer to it. Rather than chasing youth or regretting its passing, there is value in settling into ourselves more fully. When we stop measuring life by what we should be or do, we begin to recognise the richness of where we already are.

Featuring Annie Norgarb.

Filmed in McGregor, South Africa. 


Desejo-vos dias felizes

quinta-feira, junho 19, 2025

Bons momentos, boas memórias, jardins, boa gestão da água (para combater a desertificação), etc.

 

Gosto de livros, de filmes e de vídeos sobre jardins e jardineiros. Sobretudo, gosto de jardins. 

Tenho vivido bons momentos ao longo de toda a minha vida. 

Não guardo traumas (ou, pelo menos, não dou por eles). Sempre relativizei o que me desagradava. Na escola devo ter passado por situações menos boas pois toda a gente se lembra de ter passado e eu não devo ser diferente dos outros. Mas, de facto, não me lembro. Situações boas de que me lembre são aos montes. Provavelmente desde miúda que reajo como sempre me ter lembrado de ter reagido: não ligar a mínima ao que me desagrada.

Por exemplo, lembro-me de que, quando cheguei ao 1º ano do que se chamava Ciclo Preparatório, hoje 5º ano, não conhecia ninguém na minha turma. Na altura, as turmas eram inteiramente femininas. Várias das minhas colegas tinham andado juntas na escola primária e, portanto, já eram amigas. Eu aterrei num mundo desconhecido. Isso para mim foi apenas uma alegria, um mundo novo a descobrir. Era tudo desconhecido: o espaço, o ambiente, as professoras, as colegas, as regras. Com dez anos acabados de fazer ia, de autocarro ou a pé, sozinha para a escola e da escola para casa. Os meus pais trabalhavam e, por isso, eu estava por minha conta. Achava isso natural. Talvez estranhando não verem a minha mãe, perguntavam-me por ela e eu dizia que ela estava na escola, a dar aulas, era professora. Lembro-me de um dia uma colega me ter dito, com ar abespinhado, que eu julgava que era melhor que as outras e, quando eu me mostrei admirada e perguntei porque dizia ela isso, me ter respondido que eu dizia que a minha mãe era professora. Lembro-me bem do meu espanto e de ter dito: 'Mas ela é professora!'. E lembro-me de ter pensado: 'É mesmo burra, se calhar queria que eu dissesse que a minha mãe estava em casa, só para ser igual às outras'. Não me aborreci. Relativizei, achei apenas que ela era burra. E ao longo de todos os anos em que com ela convivi mantive a mesma opinião: só diz burrices.

Por isso, se alguém me chateou (e, repito, só me lembro dessa vez), borrifei.

A minha mãe por vezes arreliava-se por eu ser assim. Disse-me várias vezes que me achava excessivamente racional. Na realidade, eu sempre fui muito o oposto dela. Embora para o exterior ela mostrasse alguma resistência à opinião alheia, a verdade é que se incomodava muito com isso. E guardava mágoas e ressentimentos. Eu zero. Não queria saber disso para nada. Ela às vezes dizia-me: 'disseram isso de ti e não queres saber..?'. E eu respondia que não, não queria saber. Zero, zero. Por isso, quando ela às vezes mostrava opiniões negativas sobre alguém, eu nunca sabia porquê. Se alguma vez tinha sabido, já tinha esquecido. Ela ficava passada comigo. Achava-me excessivamente desprendida. 

Mas dos momentos bons não me esqueço. E não os desvalorizo.

Podem ser situações aparentemente insignificantes mas, para mim, muito relevantes. Por exemplo, e já falei disso muitas vezes, dos momentos bons, relembro os que vivi, ainda que fugazmente, nos viveiros em que ia comprar pequenas árvores para tornar o nosso terreno pedregoso naquilo que é hoje. Já não me lembro como se chama a terra, se é Chamusca, se é Azambuja, sempre confundi os nomes. Saía de casa muito cedo, metia-me a caminho para lá estar muito cedo (não me recordo bem mas tenho ideia que aquilo abria às oito). Depois escolhia as arvorezinhas, levava o carro cheio e regressava a Lisboa, para ir trabalhar. 

As jardineiras, simpaticíssimas, de galochas, andavam pelo meio de todo aquele mundo, um mundo perfumado, húmido, generoso, a terra negra, fértil -- e elas conheciam todas as espécies pelo nome correcto, sabiam como cresciam, como se faziam, escolhíamo-las em conjunto, eu pedia a opinião delas, elas juntavam-se para andar comigo. Acredito que achassem curioso que ali chegasse aquela mulher vinda de Lisboa, vestida daquela maneira, de saltos altos, toda produzida, e por ali andasse conversando com elas, escutando-as com tanta atenção. Cheguei a dizer-lhes que as invejava, que não me importava de trabalhar ali. A forma como faziam transplantes de vasinhos para vasos maiores, a forma como tratavam as plantinhas como bebés, como animaizinhos que precisassem de cuidados, enternecia-me.

No liceu detestei botânica. Hoje penso que a forma como se ensina destrói a curiosidade e o gosto dos miúdos. Muito se deveria repensar sobre a forma de ensino.

Mas também é certo que o meu gosto por árvores, por flores, por trepadeiras, é um gosto mais espiritual que académico ou funcional. Por exemplo, não me sinto atraída por saber as regras de uma poda correcta ou por fazer uma horta. Mas gosto de andar junto às plantas, contemplá-las, venerá-las. É um gosto poético, um gosto imaterial, quase abstracto, difícil de explicar. 

________________________________

Não obstante, gosto de ver vídeos como este que aqui partilho em que se abordam temas bem pragmáticos, muito terrenos. Muito pertinentes. Este é um dos tipos de sabedoria que me cativa.

Portugal is Turning into a Desert – Can This Farming Method Save It?

Portugal is slowly turning into a desert. But is the real issue a lack of water—or poor water management? Lars and Denise are using a powerful technique to restore the land and prevent desertification. This technique can be applied anywhere in the world—not just in Portugal or dry regions. By using this method, you’ll gain a deeper understanding of farming and how to work with nature instead of against it.

In this short documentary, Lars—who has spent years working with nature—explains the basics of his approach, inspired by syntropic farming. Want to learn more? Together with Lars and Denise, I (Sara) have created step-by-step videos to teach this method.

00:00 - 00:37 Intro

00:37 - 02:17 Results

02:17 - 05:56 How to regenerate the land? Permaculture vs. syntropic farming

05:56 - 08:06 How long does it take to regenerate? No dig vs. dig

08:06 - 12:20 Water management

12:20 - 13:03 Step-by-step tutorials

_______________________________________________________________

Dias felizes

quarta-feira, maio 07, 2025

Fazer o que apetece fazer

 

A minha filha dizia que a avó se autoboicotava. E eu concordava. E, apesar de já passar mais de um ano desde que a minha mãe se foi, penso cada vez mais isso. Na aparência, era uma pessoa solar, bem disposta, sorridente, alegre, conversadora. Mas, no seu íntimo, escondia medos. Para os esconder, refugiava-se dentro daquela persona desempoeirada e feliz que exibia perante terceiros. 

Mas, se, até quase ao fim, escondeu várias coisas de mim, houve uma de que eu sempre estive muito ciente, embora também a escondesse dos outros: a sua grande preocupação com a opinião alheia. Desde que me conheço, sempre a senti muito condicionada pelo que os outros pensavam ou podiam pensar. Tentou passar-me isso. Mas sem sucesso. Talvez até como reacção, não sei, a verdade é que sempre me estive nas tintas para a opinião alheia. Mas eram permanentes as recomendações de que não dissesse ou fizesse isto ou aquilo pois a minha tia, a minha avó, o meu pai, os meus sogros, os meus vizinhos ou fosse quem fosse poderiam pensar de mim. No entanto, no convívio social, não deixava transparecer nada disso. 

Mas a questão de se autocondicionar foi uma constante na sua vida. Desde que me lembro, a minha mãe deixava transparecer que, por ela, faria não sei quantas coisas. Mas, segundo ela, o meu pai não alinhava. Geralmente não dizia isso ao pé dele, supostamente para não o incomodar. Mas não sei se era por isso ou se era para não correr o risco de que ele rebatesse o que ela dizia.

Quando o meu pai estava limitado e, posteriormente, acamado, nós dizíamos que ela poderia fazer uma série de coisas pois a senhora que lá ia pelo menos três vezes por dia tratar dele poderia ficar lá em casa enquanto ela fosse sair para se encontrar com amigas, para passear, para o que lhe apetecesse. A própria senhora estava sempre a oferecer-se e a incentivá-la a isso. Mas nunca quis. Ao mesmo tempo falava com pena do que as amigas faziam, mostrando ter vontade de fazer o mesmo. Contudo, creio que a razão para nada fazer era que temia que pensassem mal dela por ir distrair-se enquanto o marido ficava fechado em casa.

Quando o meu pai morreu, tentámos que finalmente fizesse tudo o que sempre tinha querido fazer. A duras custas conseguimos que fizesse algumas coisas. Mas sempre como se estivesse contrariada, como se estivesse a fazer o sacrifício apenas para não a chatearmos mais. E arranjava desculpas para tudo e mais alguma coisa. Para vir passar o dia a minha casa, era uma luta. O meu marido aborrecia-se comigo pois achava que estava a forçar a minha mãe a fazer uma coisa que não queria. Mas eu tinha a sensação que era aquela sua postura de sempre, a de mostrar que não queria, que, por ela, não vinha, não lhe apetecia, para, por fim, quase como se não conseguisse ouvir-me mais, lá ceder. 

Para passar férias connosco no Algarve foi o bom e o bonito. Não queria, não, não, não. Mas, ao mesmo tempo, eu parecia-me perceber que, no fundo, no fundo, até queria, mas que ofereceria resistência até mais não poder, até parecer que ia obrigada. Depois, estando lá, estava tudo bem, mas, até ir, era uma luta incrível. E às amigas e vizinhas, do que eu depois percebia, transmitia que, por ela, não queria mas que tanto a tínhamos pressionado que, contrariada, lá tinha feito o sacrifício.

Guardo esta mágoa de pensar que a minha mãe, por motivos lá dela, nunca conseguiu libertar-se de amarras imaginárias para fazer tudo o que lhe apetecia. Mas também admito a hipótese de que  talvez nunca lhe tivesse realmente apetecido fazer aquilo com que parecia sonhar. A mente tem coisas insondáveis, não é?

As pessoas por vezes constroem barreiras dentro de si mesmas e, para lhes darem credibilidade, criam também narrativas para as justificarem e, de tanto alimentarem alguma auto-comiseração e de tanto se sentirem cercadas, acabam por acreditar que são reais.

Pela parte que me toca não sou muito disso. Geralmente, se meto uma na cabeça não descanso enquanto não a faço. Posso até admitir que vão censurar-me ou que não irão aplaudir-me, mas, muito sinceramente, nada disso me tolhe. 

Há coisas que nunca fiz. Nunca andei de helicóptero, nunca fiz paraquedismo nem asa-delta, nunca montei, nunca fiz mergulho ou escalada, nunca fumei erva (e, muito menos, qualquer outra droga), nunca conduzi uma mota, nunca cantei num karaoke, etc. E sei que nunca vou fazê-lo. Não porque não tenha oportunidade mas porque não quero. Não acho piada fazer coisas que me dão medo ou que vão contra a minha natureza. Por isso não lamento o que não fiz porque se as não fiz foi porque não quis. Em contrapartida, se houver coisas que gostaria de fazer, tudo farei para as fazer. Geralmente adequo os meus desejos às minhas possibilidades. Por exemplo, não me ocorre conduzir um Ferrari descapotável e isso não apenas porque não é coisa que me seduza mas também porque não é coisa que esteja à minha mão de semear. Ou seja, não sou de ter sonhos pois sonhos são, por definição, coisas imateriais, quase intangíveis. Sou de ter vontades pois das vontades a gente pode ir atrás. E pode agarrá-las.

Mas, do que conheço da vida, uma coisa dou como muito certa: se a gente gostava de fazer uma coisa, se tem essa vontade, deve concretizá-la. Senão, vai chegar ao fim da vida carregadinha de mágoas.

O exemplo deste vídeo é até tocante. 

Diana, de 87 anos, interpreta uma composição original, 'Dreams'
| The Piano Series 3


Nunca é tarde para ousar
________________________________________

Dias felizes

terça-feira, abril 22, 2025

Jorge Bergoglio aka Francisco

 

Se nunca estive ligada à Igreja a verdade é que, cada vez mais -- à medida que vou assistindo a histórias continuadas de abusos, encobrimentos e meias palavras --, me incomodam demais todos os luxos, rituais, ortodoxias, hipocrisias, manipulações a partir da psicologia de massas, alienação de consciências que todos os agentes da igreja perpetuam.

Não obstante, e apesar de também tenha achado que Francisco, o Papa, vacilou quando deveria ter sido firme ou compactuou quando nada tinha a perder e podia ter cortado a direito ou usou palavras elíticas quando se exigiam palavras inequívocas, a verdade é que simpatizava com Jorge Bergoglio e reconheço que foi melhor que os antecessores.

Mas, neste momento de comoção quase colectiva -- em que parece que não se fala de outra coisa senão nas memórias pessoais que cada um tem com ele ou das suas virtudes ou do que ele disse ou fez --, o que penso é no homem idoso, doente, de saúde débil, certamente muito limitado na sua autonomia, tendo que ser lavado, com fraldas, medicado até mais não poder, com dificuldades respiratórias, que, apesar de tudo, conseguiu arranjar forças para ir desejar boa Páscoa à multidão.

Quando o vi, ainda antes de ser internado com a pneumonia bilaterial, pensei: está tão inchado, provavelmente já a fazer retenção de líquidos, se calhar os rins já a começarem a falhar. Depois achei que não devia ser tão pessimista e pensei que talvez fosse apenas cortisona para tratar a bronquite. Pode parecer parvoíce mas depois de ter acompanhado a situação do meu pai e, mais recentemente, a da minha mãe, eu ainda não consegui desligar-me deste hábito de vigiar sintomas, de intuir (ou temer?) o significado do que vejo.

Quando o meu pai morreu, já está quase a fazer 5 anos, estávamos confinados, impossibilitados de circular, eu no campo, a trabalhar de manhã à noite em teletrabalho e sem poder meter-me à autoestrada para ir lá a casa (e, com receio de que, se fosse, pudesse contagiá-los, pois, aparentemente, isso tinha acontecido com o pai de uma pessoa que me era próxima). E, em simultâneo, eu inquietava-me diariamente, e não era pouco, com a situação do meu pai. Primeiro foi a minha mãe que, em pleno pico de covid, para não ferir a susceptibilidade de fisioterapeuta, continuou a recebê-la apesar de ser totalmente desaconselhado. Depois, tendo mesmo que receber a senhora que ia fazer a higiene ao meu pai e dar-lhe a comida através da sonda nasogástrica, não lhe pedia que se descalçasse e, até muito tarde, tinha vergonha de lhe pedir que usasse máscara. Eu passava-me com a minha mãe por continuar a achar que só acontecia aos outros e parecia preferir correr riscos para não melindrar as duas, não fossem elas levar a mal se ela e suspendesse os serviços de uma e pedisse à outra para andar de máscara e calçasse outra coisa quando entrasse lá em casa. Isto, no início, quando não se sabia como é que o vírus se propagava e as notícias nos traziam diariamente um número crescente de mortos e de ventilados.

Mas o pior foi quando começou a achar que o meu pai estava inchado. Nessa altura, já tinha passado para o polo oposto, já tinha terror de tudo. Telefona-me cheia de medos de tudo, chorava. Muito a medo ligou para o INEM, pois recava que eles próprios fossem fonte de contágio. Mas lá o fez e eles lá foram a casa. Disseram que o meu pai estava a fazer retenção de líquidos e teria que ir para o hospital. Mas como estava a oxigénio, teria que ir para a ala covid. E aí a minha mãe não quis. E então ligou-me outra vez, a chorar, aflita, a dizer que não queria, senão ele apanhava covid. Depois pôs-me a falar com os do INEM. Coitados, que poderiam dizer? Não poderiam isolá-lo pois o hospital, na ala covid, estava cheio. Faltavam os meios. E não poderiam levá-lo para o hospital contra a vontade da família. E a minha mãe chorava, não queria que ele fosse. Recomendaram, então, que se chamasse médico a casa pois certamente receitaria Lasix. Assim se fez. E o médico, mostrando que a situação o preocupava, foi o que receitou. E o meu pai melhorou.

Mas, ao fim de algum tempo, a minha mãe voltou a dizer que ia voltar a chamar o INEM pois o meu pai estava outra vez inchado. Chorava, chorava. Insisti para que confiasse que ele não ia apanhar covid e o deixasse ir para o hospital pois a situação poderia ser grave. Tive um mau pressentimento. Morreu poucas horas depois.

Com a minha mãe, que foi aquela situação de que aqui falei, uma situação rápida, complicada, em que tudo se agravou abuptamente, senti um aperto no peito quando vi como tinha um braço todo inchado, a mão toda inchada. A médica e as enfermeiras diziam que era do cateter, do soro, da mão imobilizada, sei lá. Mas aquele inchaço assustou-me como se fosse mais uma confirmação da sentença de morte. 

Até ao fim, a minha mãe parecia preocupar-se com pequenas coisas, como se quisesse ignorar o que era verdadeiramente preocupante. Por exemplo, queixava-se que tinha as unhas daquela mão grandes. Dizia-me que, antes de ter sido internada, tinha conseguido cortar as da outra mão mas não tinha conseguido cortar as da mão direita. Como aquilo parecesse afligi-la sobremaneira, pedi à enfermeira se poderiam fazer isso, mas disseram-me que não tinham serviço de manicura. No dia seguinte, levei corta-unhas. E foi para mim um momento muito angustiante. Por um lado, era a situação de diminuição da minha mãe, até tão pouco tempo antes tão autónoma e, naquele momento, a já não ser capaz de cortar as próprias unhas e a querer que eu lhas cortasse. Por outro, a situação anacrónica de estar em situação terminal e, no entanto, tão preocupada com as unhas. Mas, o pior de tudo foi que mal se conseguiam cortar pois a mão quase parecia um balão e não havia espaço entre a unha e a pele do dedo para eu poder encaixar o corta-unhas. Tentei que ela não percebesse a minha angústia. Fingi que estava a cortar sem dificuldade, disse-lhe que já estavam bem. Mas o meu coração estava apertado, apertado.

E depois já não era só aquele braço inchado. Era apenas o mais inchado. Eu vigiava, tentando fazer de conta que não via, mas o ânimo fugia. Um dia, estava ela no cadeirão, com as pernas sobre o sofá. Vi que as pernas também estavam inchadas. Senti um tremendo pavor. O coração dela quase não funcionava, a taxa de ejecção estava reduzida a quase nada, os rins também já não conseguiam funcionar bem. Isto já para não falar que, no peito, o tumor lhe crescia todos os dias. A morte a avançar diariamente, a invadir o seu corpo.

Jorge Bergoglio felizmente não tinha nenhum tumor a devorá-lo mas tinha também insuficiência cardíaca e respiratória. Chega a uma altura em que o corpo atinge o seu limite. Por mais que se tente, que se trate, por mais que se faça de tudo, o corpo já não consegue assegurar o seu cabal funcionamento. Nessas alturas, o sacrifício que o corpo faz para se manter vivo é inglório, já é apenas sofrimento.

Jorge Bergoglio morreu. O seu corpo humano não conseguiu mais mantê-lo vivo. 

Apesar de tudo, recordá-lo-ei com simpatia.

E só espero que o próximo Papa seja bondoso, corajoso, simpático, humanista, inclusivo, justo, aberto, valente. 

terça-feira, fevereiro 04, 2025

Quanto tempo o tempo tem

 

Ontem e hoje dias de reencontros, daqueles em que as pessoas se lamentam dizendo que é pena é que seja nestas alturas que a gente se encontra. Pois. E despedimo-nos a dizer que 'temos que combinar qualquer coisa.' Mas depois o tempo passa.

Em pequenos grupos, vai-se conversando. Onde eu estava, conversas de médicos, vários, racionalizando, descrevendo as maleitas que vão aparecendo com o tempo, constatando o óbvio: chega a uma altura em que, se a pessoa vive, é apenas para morrer mais devagar.

E, ao mesmo tempo, duas jovens mamãs, cada uma com os seus dois filhos, idades variáveis entre os 4 anos e os 4 meses. As crianças não sossegam e as mães tentam que os filhos não se magoem. O bebé, agasalhado, no carrinho. Entraram há pouco para a passadeira rolante que é a vida. Correm, brincam e riem ao mesmo tempo que outros choram quem acabou de sair dela, alguém para quem a linha do tempo se extinguiu.

Revi também uma 'rapariga' que apenas reconheci pela mãe. A mãe manteve as feições mas ela está muito diferente. Devia ter cinco, seis, não sei, devo ter-me encontrado com ela até ela ter uns nove ou dez anos. Agora, se calhar uns quarenta e tal anos depois, quando a abracei tratei-a pelo diminutivo com que a tratava. Espantaram-se. 'Ah, ainda te lembras...'. Claro que me lembro. Sorrimos: continuamos a tratar-nos assim. Não faz sentido tratarmo-nos de outra maneira, o afecto que nos une é o mesmo de quando éramos pequenas.

Mas o tempo passa. 

Disseram-me: 'Há um ano passaste tu por isto.'. Pois foi. E desatei a chorar. 

As flores que a minha filha lá pôs há um ano, ainda estavam boas e deixei-as ficar. Juntei-lhes outras. Com carinho, ajeitei-as. Mas, na verdade, é um gesto simbólico. Mais flor, menos flor. Para mim, a minha mãe não está ali, nunca esteve. O que ela era, a nível material, o que sobrou, diluiu-se na terra (e ainda bem que assim é). O que ela era, imaterial, vive ainda em nós. E está ainda bem vivo.

Mas, enfim. É o que é. É a vida. É o tempo que passa. Nada a fazer. São as circunstâncias da nossa condição humana, finita, efémera.

----

Por isso, adiante. Para a frente é que é caminho.

Para que não me fique um travo a uma certa tristeza, talvez a uma certa impotência, se não levarem a mal, a ver se espaireço, vou ter com a Philomena CunK que tem aquela maluquice irreverente que me agrada.

Philomena Cunk on Time – A Deeply Confusing Investigation | Moments of Wonder

What is time? Can we see it? Can we touch it? And if we stop all the clocks, does time stop too? In this hilarious episode of Moments of Wonder*, Philomena Cunk takes a *very serious (but mostly wrong) look at the concept of time.  

Join Philomena as she visits the Greenwich Clock Museum to investigate what clocks actually do, asks experts deeply confusing questions, and delivers her trademark deadpan wisdom on one of life’s biggest mysteries.  

⏳ Prepare for an educational experience like no other—because after watching this, you might know even less about time than you did before.  


Desejo-vos dias felizes

quinta-feira, janeiro 23, 2025

Não tenho muito a dizer

 

Hoje haveria vários temas divertidos para abordar, desde a possibilidade de termos um deputado larápio, um upgrade dos que fanam carteiras no 28, até à graça de ter o delfim Musk a criticar no X uma das mega decisões do Trump.

Mas não estou muito para aí virada. Faz um ano que o telefone tocou à noite trazendo a notícia que eu mais temia. E ainda não consigo perceber como é que já passou um ano nem consigo passar por cima deste grande paradoxo que é a vida humana, tão efémera, tão destituída de lógica. E parece que ainda não há muito andava eu a tentar convencê-la a tomar os comprimidos para aquilo que afinal nem era o principal problema, a rebater os seus argumentos sobre efeitos secundários, efeitos esses que, de tão variáveis e tão erraticamente empolados, eu achava que eram fantasia mas que provavelmente era apenas a sua maneira de desviar a atenção do problema sério que ela escondia, provavelmente até dela própria.

E depois há as saudades. A falta.

Mas o tempo corre, a vida continua. É assim mesmo.

Neste momento, mais dois familiares próximos estão internados e eu espero, espero, que se ponham bons. Mas sei que bons, bons, bons como antes, dificilmente ficarão. 

Mas, ao mesmo tempo, novas crianças vão entrando na passadeira rolante, crianças que riem, que brincam, que aprendem. E adolescentes que se estreiam nas artes do amor. Jovens adultos que progridem na sua vida. 

Portanto, há que saber conviver com memórias, com perplexidades, com preocupações, com saudades e com expectativas e esperanças e com alegrias.

Apesar de estar bem consciente disso, hoje não estou propriamente inspirada ou motivada para grandes conversas.

Mas vi um vídeo que me agradou imenso e que aproveito para partilhar convosco. A dona da casa é artista que admiro e com quem simpatizo. E a sua casa é fantástica.

Isabel Teixeira expõe literatura, arte e história em sua casa! | Pode Entrar | GNT

O lar de Isabel Teixeira se resume à história. Seja de seus avós ou de sua própria caminhada, a atriz tem desde o piano de sua avó, passando pelos livros autografados de Guimarães Rosa de seu avô até a fotografia de seus bisavós❣️

Dias felizes.

E não nos esqueçamos que a vida é para viver.

segunda-feira, janeiro 13, 2025

Coisas da vida

 

O domingo foi tranquilo. Estive muito ocupada mas isso não tornou o dia menos tranquilo. 

O tempo esteve afável e, depois de almoço, pus-me em trajes menores ao sol. O buganvília fornece a cortina que garante a minha privacidade face aos vizinhos da casa ao lado. 

Tenho dois familiares internados e, dada a idade que têm, claro que fico bastante preocupada. 

Há cerca de um ano estava eu numa angústia, aterrorizada sempre que o telefone tocava, aterrorizada sempre que entrava no quarto, aterrorizada sempre que não sabia o que dizer à minha mãe sem deixar perceber que sabia que ela podia morrer de um momento para o outro.

Nessa altura, quando estava em casa, via todos os vídeos que encontrava, colocava mil questões ao chatgpt, percorria toda a literatura que encontrava para tentar perceber o comportamento da doença e se havia alguma coisa que se pudesse fazer ou para perceber quais seriam os sinais de que ela estava mesmo a morrer. O meu marido queria impedir-me, achava que eu estava a martirizar-me desnecessariamente. Mas tenho uma necessidade insaciável de querer compreender tudo ao pormenor. A minha filha também me criticava, dizia que era assunto para médicos, não para leigos, e que estava a deprimir-me para nada. Creio que o meu filho talvez me compreendesse pois é um bocado como eu mas acho que o meu marido não chegou a comentar com ele que eu andava, obsessivamente, a tentar saber tudo o que se passava dentro do corpo da minha mãe. Depois, poucos dias depois, morreu. 

Se calhar deveria ser capaz de dizer que, felizmente, poucos dias depois morreu. Mas ainda não consigo associar o conceito de felicidade à antecipação da morte.

Contudo, o meu lado racional começa a interiorizar que, nestas situações, querer que a morte chegue mais tarde é apenas querer que aqueles que amamos sofram cada vez mais. Por isso, tento ter sempre presente o que uma amiga, médica, amiga também da minha mãe, me disse já por mais de uma vez: 'Ainda bem que foi rápido, ainda bem. Não percebes que foi melhor assim?'. Pois, se calhar devia mesmo perceber.

Foi em Janeiro.

Também me lembro de que, quando morreu a minha avó materna, o meu tio, tentando consolar-me, disse: 'É assim, no inverno cai a folha', como se fosse uma coisa natural, chegando-se ao inverno da vida, partir.

Não fixei o mês das mortes de mais ninguém, a não ser a do meu pai que morreu no início de Maio. Dos meus outros avós, tios, sogra, etc, não me lembro. Mas sei que o meu sogro também morreu por estas alturas. Se fizesse uma pesquisa aqui talvez descobrisse o dia da partida de alguns. Mas não quero, não me apetece.

E espero que estes meus familiares que agora estão doentes recuperem. Um parece que está a melhorar, outro nem tanto. A minha prima usa termos médicos e eu depois vou ver no google ou no chatgpt o que é mesmo aquilo. Quando as pessoas chegam a estas idades avançadas, a vida começa a ser um equilíbrio. Felizmente viveram bem até agora pelo que isso já ninguém lhes tira. Não é?

Seja como for, começo finalmente a encarar estas coisas como naturais.

Em contrapartida, ainda fico muito impressionada, mesmo um pouco angustiada, quando alguns dos meus amigos, da minha idade, têm coisas chatas. Dois deles tiveram-nas muito recentemente. Um ainda está em tratamento. Isso faz-me impressão. Um dia estão na boa, toda a gente, incluindo eles, julgam-se na boa, curtem a vida com gosto e alegria, e, afinal, no dia seguinte, descobrem que não estão. Desses dois, um era (e é) médico do outro. A vida é, por vezes, traiçoeira. E breve.

O meu marido não gosta que eu fale disto. Acha que é uma conversa da treta. Mas não sou pessimista, fatalista, nada disso. Acho que é o contrário. Se encararmos a nossa condição humana, precária, frágil, efémera, de forma racional, saberemos dar valor ao que temos, enquanto temos. 

Penso que se tivermos consciência de que coisas assim acontecem a toda a gente, melhor saberemos aproveitar a vida, dar-lhe valor, darmos graças por estarmos bem.

E é isto. Não tenho conseguido responder a mails, comentários ou ver televisão porque, quando me meto em alguma, é de cabeça e pouco ou nenhum tempo sobra para o resto. Hei de voltar à superfície.

Entretanto, desejo-vos uma boa semana.

quinta-feira, dezembro 26, 2024

O almoço de natal - menu e receitas

 

Estou a ver se não adormeço... Vou ver se consigo manter-me acordada para contar o que foi o almoço de Natal.

Prato de peixe

Como os meninos nunca querem comer peixe no dia de Natal, nomeadamente bacalhau, lembrei-me de inventar qualquer coisa que fosse mais apelativa para eles.

Trouxas de Bacalhau:

Cozi batata doce roxa (que fica negra como breu quando coze e que é deliciosa), batata roxa normal, ovos, couve Pak Choi, bacalhau.

Depois de tudo cozido, tirei as espinhas ao bacalhau, descasquei os ovos, esmaguei tudo com garfo. Numa frigideira, fritei em azeite cebola com uma folha de louro. Quando estava frita, retirei a cebola e o louro e envolvi o puré. Depois temperei com salsa picada e pus um puco de sumo de limão. Envolvi.

Tinha massa folhada rectangular, comprada. Cortei cada rectângulo em quadrados pequenos, talvez de 10 cm de lado. Em cada quadrado pus uma colherada generosa do puré. Fechei a trouxinha. 

Num tabuleiro coloquei azeite e mel. Rebolei lá as trouxinhas. Depois polvilhei bastamente cada uma com sementes de sésamo e sementes de chia.

Rolinhos de salmão

Cozi batata doce cor de laranja, ovo, lombo de salmão. Depois esmaguei tudo e temperei com azeite e limão.

Cortei os rectângulos de massa folhada em rectângulos. Em cada pequeno rectângulo coloquei uma colherada de puré e enrolei. 

Fiz a mesma coisa que às trouxas. Envolvi-as em azeite e mel e polvilhei com as sementes de sésamo e chia.

Entretanto, tinha o forno a aquecer. Com o forno a 170º, introduzi as trouxinhas e os rolinhos. 

Quando estavam tostadinhas, estavam prontas.

Foram servidas com salada de alface e quase funcionou como uma entrada.

Prato de carne

Para carne: Perna de borrego, um peito/entrecosto de borrego, uma peça de entrecosto alto de porco. E uma morcela de arroz e uma alheira.

De véspera preparei uma marinada com cerveja, alhos, pó de pimentão doce, orégãos, tomilho, alecrim, sal, azeite. Num tabuleiro temperei a perna e num outro a peça de entrecosto de porco. Não temperei de véspera o entrecosto de borrego pois, como era baixo, poderia ficar excessivamente impregnado.

Rebolei cada peça na marinada. cada peça tinha levado uns golpes para ficar mais saboroso e para assar melhor. Tapei cada tabuleiro com papel de alumínio e coloquei no frigorífico.

Ontem quando chegámos a casa, seria uma e tal da manhã, o meu marido colocou lenha de azinho no forno de lenha. Como se levanta cedo, lá para as sete e tal, já o forno estava mais ou menos quente, colocou mais lenha para se formar mais fogo e aumentar o calor. E tirou os tabuleiros do frigorífico pois, segundo o meu filho, grande mentor destas incursões gastronómicas, a carne não deveria entrar muito fria no forno.

De manhã, escorri o caldo da marinada para que o sabor não se impusesse demasiado. Temperos puxados não são connosco. 

No tabuleiro maior, coloquei legumes: cebolas grandes, um grande alho francês cortado em bocados, uma beringela, com casca, aberta ao meio, courgettes, cenouras, abóbora em cubos, um ramo de salsa, duas couves pak choi. Ficou completamente cheio. Polvilhei com um pouco de sal. Em cima dessa fofa cama, coloquei a grande perna de borrego.

No outro tabuleiro, também a marinada escorrida, coloquei uma grelha. E a peça de entrecosto ficou alto, na grelha. Cobri ambos com papel de alumínio.

La para as dez e tal, o meu marido empurrou as brasas para o canto e colocou os tabuleiros. 

(Nestes dias é tal a azáfama que não me ocorre fotografar. E depois, quando chegam, é a confusão de sempre e a alegria das trocas de presentes. E, às tantas, já está tudo esfomeado. E, portanto, nunca consigo ter a reportagem do making of nem sequer fotografias do produto final. Por isso, coloco aqui apenas a fotografia da lareira. Lá em cima, a arvorezinha das luzinhas que está por cima. E foi porque a minha filha felizmente fotografou a troca de presentes e o ambiente e eu agora repesquei estas pois, assim como assim, sempre dão alguma cor ao post)

Continuando...

Acompanhamentos

Arroz de forno

Entretanto, numa panela cozi uma perna de frango e um osso de vaca, uma grande cebola, um alho francês, salsa. Sem sal e já explico porquê. A água era o triplo do arroz que ia fazer.

Quando estava tudo cozido, retirei o osso de vaca que era destinado ao cão, para estar entretido. 

Depois desossei a perna de frango e escorri o caldo.

No caldo acima descrito, juntei uns mini-cubinhos de bacon, uns bocadinhos de chouriço de carne alentejana e um pouco de sal. Quando ferveu, juntei o arroz. Antes que estivesse pronto, retirei, coloquei num tabuleiro, cobri com mais cubinhos de bacon e chouriço às rodelas. Um pouco antes de irmos almoçar, foi para o forno de lenha. Nessa altura, em assadores de barro, a morcela de arroz e a alheira foram também para o forno, para estarem na mesa como entrada.

Batatinhas de forno

Cozi, com pele, batatinhas das pequeninas. Quando estavam quase, escorri e coloquei num tabuleiro Temperei com bacon aos cubinhos, sempre pouco, só para dar sabor, um pouco de orégãos e alecrim e azeite. E foi para o forno, neste caso para o forno da cozinha.

Empada de galinha

(Extra)

Foi um extra de última hora. 

Tinha-me sobrado quase um rectângulo de massa folhada fresca. Então, juntei os legumes da cozedura para o caldo do arroz e a carne de galinha desossada, coloquei um pouco de sal, um pouco de hortelã, misturei tudo com um garfo. Coloquei na massa folhada e fechei o rectângulo. Pincelei também com azeite e mel e também coloquei sementes. Ficou uma empada de galinha que também foi aprecada.

Volto às carnes de forno

A meio do processo de confecção, tirámos os tabuleiros para virar a carne ao contrário, voltando a ir para lá. Pincelei com o caldo da marinada e com azeite e mel. 

O processo foi monitorizado. Estaria pronto quando o interior da carne chegasse aos 70º. E só o ficou lá para as 13:30 ou talvez um pouco mais. Ou seja, cerca de 3 horas.

Esqueci-me de falar no entrecosto de borrego. Só foi para o forno já mais para o fim. 

Devo dizer que foi tudo apreciado. 

Sobremesas

Para sobremesa, eu e o meu marido fizemos um doce de abóbora e queijo cottage mas não seguimos exactamente a receita pelo que não ficou extraordinário. Por isso, não o descrevo. Se voltarmos a fazê-lo e resultar bem, depois conto.

A minha filha trouxe um bolo de iogurte que fez com cobertura de chocolate que ficou mesmo bom, um bolo-rei dito da Versalhes (passe a publicidade) e um bolo de limão estrela de natal da Padaria Portuguesa (passe também a publicidade). A minha nora trouxe arroz-doce, sempre uma delícia, umas rabanadas muito boas que fez com a mãe e com a minha neta (mulheres de armas, que dão belas sovas na massa) e ainda bolo-rei. E tinha também doces de ovos e bombons. E, como fruta, um prato com dióspiros às rodelas em volta, com centro de uvas.

Também havia queijos mas, para dizer a verdade, nem lhes toquei...

Vinhos

Aqui receio errar pois é pelouro do meu marido e, sinceramente, não prestei bem atenção. Só bebi o tinto e era muito bom. Tenho ideia que o branco era Burmester e que o tinto era Reguengos Reserva mas se calhar devia confirmar e ser mais específica mas agora não consigo, ele já se retirou. Ainda por cima tem andado um bocado constipado e à noite fica cheio de tosse.

Para quem não bebeu vinho, também havia Pleno (creio que de chá verde e limão) e água....

____________________________________________

E agora já estamos a pensar no repasto para o dia de Ano Novo. E já há algumas sugestões no ar e parecem-me bem. Depois conto. 

Chateia-me um bocado fazer comida só para nós os dois mas adoro fazer comida para muita gente. A rotina maça-me. O que gosto é de confusão, de estar sob stress e de improvisar.

_____________________________________

Claro que, quer antes, quer agora, não consigo deixar de pensar na minha mãe que no ano passado, por esta altura, estava tão mal, internada, com os médicos a dizerem-nos que a situação era terminal, que poderia ir-se de um momento para o outro. Naquela altura, não só a aflição de vê-la tão mal como a inquietação e perturbação por termos descoberto que ela estava tão mal quando já não havia nada a fazer, deixavam-me de rastos. 

Mas a vida é assim mesmo: efémera. Chega a uma altura em que, para uns, se acaba. São lugares comuns, mas é o que é. 

Mas a vida continua para quem cá está. Os miúdos estão felizes da vida, a sua alegria preenche todos os espaços. E o ambiente é harmonioso, afável, todos numa boa onda. Neste nosso primeiro Natal sem ela, hoje não se falou na sua ausência, mas sei que todos, ou quase todos, pensámos na tristeza que foi a sua partida. Mas há que aceitar que não há nada a fazer. A vida continua. E que continue bem e que seja bondosa para todos e que nós, os que estamos cá, saibamos apreciá-la, honrá-la, e saibamos sentir-nos agradecidos por tudo o que ela nos dá. Mesmo que, por vezes, seja ingrata.

E, pronto, já chega de conversa, estou cansada, com sono.

_______________________________________________

E dias felizes para todos

segunda-feira, dezembro 09, 2024

Revisitar o passado

 

No outro dia, aqui nesta vossa humilde chafarica, verifiquei um número anómalo de visitantes a reler um post já antigo. Fiquei muito admirada. Quando vi o título, percebi. 

Éramos felizes e não o sabíamos...? Voltaremos a sê-lo e ainda não o sabemos...?

Muita gente foi aos motores de busca escrever "éramos felizes e não o sabíamos", expressão que, como sabem, foi usada pelo desbocado Marcelo a propósito dos 8 anos em que trabalhou com António Costa. (Anda a ver se se limpa... mas não se limpa porque não somos desmemoriados nem mentecaptos). Mas, então, os algoritmos mandaram essas pessoas aqui para o Um Jeito Manso.

Nesse post, escrito no fim de Março, eu questionava-me sobre o que estava para vir. A crise Covid era recente, ainda se sabia muito pouco, estávamos todos confinados. Por sorte, temos possibilidade de nos refugiarmos num dos lugares do mundo em que nos sentimos melhor. Estávamos, pois, no campo. Mas trabalhávamos desde manhã muito cedo até às tantas da noite, passávamos os dias inteiros ao telefone ou em frente ao computador e os problemas choviam-nos em cima, em catadupa. Mal tínhamos tempo para almoçar e via-me aflita para conseguir preparar as refeições.

Acresce que nessa altura a minha mãe ainda resistia e dispensar a fisioterapeuta que ia lá a casa e não queria correr o risco de melindrar a senhora que lá ia ajudar com o meu pai pelo que não lhe dizia para se descalçar ou para usar máscara. Achava que era tudo um bocado exagero ou que só acontecia aos outros. Isto enquanto eu acompanhava a aflição de um colega com o pai com uma dor nas costas, depois sem respirar e, por fim, em meia dúzia de dias, a morrer de covid. Contava à minha mãe e ela achava que eram pessoas sem cuidado. Tive que dizer que ia eu telefonar à fisioterapeuta e à outra senhora para ela se encher de coragem e passar a seguir as indicações da DGS. 

Os noticiários abriam e fechavam com os números crescentes de casos e de mortes.

Por isso, naquele post eu relembrava os tempos tranquilos pré Covid e interrogava-me sobre o que estaria para vir.

--------------------------------------------------------------------------------------------

Entretanto, ontem, de novo, um número grande de visitantes a lerem um outro post antigo, este de 2019.

Com incansável inteligência e alguma ocasional petulância

E, também aqui, reli com prazer. Lembrava os tempos em que um grupo de directores, praticamente todos da mesma idade, todos muito irreverentes e bem dispostos, todos amigos uns dos outros, curtiam à grande. Curtíamos no sentido de nos divertirmos à séria. Também trabalhávamos (e, sempre tive essa ideia, trabalhávamos articuladamente e bem) mas era um prazer, uma alegria. 

Ao escrever, relembrei alguns episódios que me fazem sempre sorrir. Ainda ontem o meu marido relembrou um episódio, dos mais picantes e salgados a que assisti, e assisti no meu gabinete (que era um ponto de encontro), que me faz rir à grande sempre que dele me lembro. Como o meu marido conhecia bem os dois envolvidos, na altura contei-lhe. E também achou o máximo. Passou para os nossos anais da truculência, da malícia, da malandrice. (Não faz parte do que contei no post referido).

Depois mudei para uma empresa em que eram todos muito betos, na realidade, supé-betos, daqueles que não se acham betos porque acham que os betos são uma classe inferior, nouveau riches, pois eles, pelo contrári,o são sobretudo old money. Mas que, na verdade, são betada da maior, até à medula. Tudo boa gente, educadíssimos, simpatiquíssimos... mas incapazes de uma brejeirice, de um palavrão. Senti-me desterrada. Era só trabalho, trabalho, trabalho... e, caraças, uma seca...

-----------------------------------------------------------------------------------------------------

Convido-vos, pois, a clicar nos links acima. Por vezes, sabe bem revisitar o passado.

-----------------------------------------------------------------------------------

Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Esperança. Alegria

quinta-feira, outubro 24, 2024

Ah que bom poder estar em casa, descansada...

 

Já aqui falei nisso muitas vezes: casei-me com vinte anos. Estudava (ia às aulas, fazia trabalhos, tinha exames) em metade do dia e, na outra metade, dava aulas. 

Depois fui trabalhar para uma empresa. Usava diversos transportes públicos e, numa parte do percurso, uma carrinha da empresa. Saía de casa às sete e picos da manhã e chegava às sete e tal da tarde e, como coincidiu com o inverno, já era de noite. Entretanto engravidei. E ali andava eu. E até aproveitava um dos transportes para fazer rosetas de lã em crochet para fazer mantinhas para o berço. 

Depois nasceu a minha filha. Mudei de local de trabalho mas continuei a usar diversos transportes, aliás ainda mais, pois, antes de ir trabalhar, ia deixar a bebé a casa da minha sogra. E ao fim do dia a mesma coisa. Com ela ao colo, com sacos, em eléctricos, em autocarros. O meu marido estava na altura na Marinha e não conseguia andar ele a levar a nossa filha. Além do mais, eu amamentei-a até tarde. Ou seja, dava-lhe de mamar antes de ir trabalhar e, à tarde, mal chegava a casa da minha sogra, dava-lhe outra vez de mamar.

E logo a seguir engravidei do meu filho e aí levava-o a ele, levava-a a ela ao colégio. Felizmente (felizmente, neste sentido), entretanto o meu marido já estava a trabalhar numa empresa e já conseguia participar nesta logística, aliviando-me um pouco.

Nessa altura comecei a ter muito mais trabalho, com muitas reuniões, indo de vez em quando para fora de Lisboa e, por vezes, para fora do País.

Ou seja, não conseguia ter tempo de qualidade em casa.

Nessa altura os nossos filhos ainda não namoravam nem tinham os seus próprios compromissos, salvo algumas festas de anos ou práticas desportivas. Por isso, tínhamos margem para, ao fim de semana, combinar almoçaradas, picnics e passeios com amigos. E tínhamos também que visitar a família. Nessa altura ainda estavam todos vivos. Por isso, nem ao fim de semana eu conseguia estar calmamente em casa.

Quando vinham as férias, e geralmente nunca conseguíamos ter mais que três semanas, íamos sempre pelo menos uma semana para o Algarve, outra semana íamos passear e lá conseguíamos estar cerca de uma semana em casa para ir à praia por cá. Quando eu pensava o que queria fazer nas férias, o que eu gostaria mesmo era de ficar em casa, Mas, claro, em especial com crianças pequenas ou adolescentes, fazer praia era fundamental. Além disso, também gostava de passear.

E depois arranjámos a casa no campo e, por isso, os fins de semana passaram a ser lá mas era uma logística complicada, carregados de comida e toda a espécie de tralha. E havia obras, andávamos a plantar arvores, a família também ia muito lá.

Depois veio o tempo da velhice e das doenças dos pais de ambos, o que nos exigia visitas, trabalhos, fazer compras e ir lá levar, etc. 

Até ao fim (salvo os tempos do confinamento e do teletrabalho) diariamente saía cedo de casa e chegava ao fim do dia. Horas e horas de trabalho, rematadas e iniciadas com horas de trânsito. 

Quando estava a aproximar-se o tempo de nos reformarmos, o meu maior sonho era poder ficar em casa sossegada. 

Contudo, mal me reformei, tive um problema num joelho que me obrigou a exames e tratamentos, depois veio a Covid e o sono que nos trouxe, depois vieram as crises da minha mãe, estando duas vezes internada, depois veio aquele período em que eu julgava que ela andava constantemente com crises de hipocondria e várias vezes fui com ela para o hospital passando lá a noite inteira à espera. O desfecho foi o que eu não esperava, ao descobrir que, afinal, estava mesmo doente e de forma terminal. 

A seguir veio o calvário de esvaziar a sua casa.

Portanto, só recentemente me vi com disponibilidade para ficar em casa sem encargos, sem afazeres, sem preocupações. De vez em quando sinto que o meu corpo e a minha mente ainda não aprenderam esta nova realidade pois parece que ainda receio que venha alguma má notícia, parece que ainda receio afastar-me muito pois 'pode acontecer alguma coisa'. Mas, finalmente, começo a usar os meus dias para fazer aquilo de que gosto.

Por exemplo, hoje, depois do pequeno almoço, pus-me 'à verão' e fui sentar-me ao sol. Levei um chapéu e um livro. Ouvia os passarinhos enquanto lia. Uma maravilha. Entretanto, o meu marido foi desbastar um bocado de uma sebe para podermos ter mais sol no sítio onde eu estava. 

Depois fomos ao supermercado, ele foi comprar uns jeans e trouxemos o almoço de lá.

Aqui já em casa, almoçámos e fui outra vez sentar-me ao sol a ler. Depois vim para casa, estive a fazer coisas que devia. Mas tudo tranquilamente, na boa, sem pressas, sem stresses. 

Ao fim da tarde, a temperatura amena, a luz muito dourada, os passarinhos a esvoaçarem junto a mim, o cão sentado ao meu lado, pensei que finalmente, ao fim de tanto e tanto tempo, posso usar descansadamente a minha casa.

E é tão bom, tão, tão bom. Sinto-me feliz, agradecida.


terça-feira, setembro 10, 2024

Time out

 

Tive um dia bastante complicado. Nem me apetece falar no assunto pois, sobre ele, pode falar-se de muitas maneiras mas a que mais me convoca remete para o sentido da vida. Mas como não serei a pessoa mais indicada para conversas que visitam o fundo da noite, acho que mais vale abster-me. 

Prefiro descansar, física e emocionalmente, deixar assentar, distrair-me e, então, com algum distanciamento, falar. De qualquer forma, primária como sou, se calhar bastará um par de dias para me sentir mais estável, mas tranquila.

Além disso, mesmo no meio de cansaços, tormentas e desgastes, tendo a ser optimista e, nessa perspectiva, quero convencer-me que hoje dobrei um cabo das tormentas. Não está totalmente dobrado, e com que esforço o dobrei, talvez até esteja ainda um bocado longe disso, não sei, mas quero acreditar que o pior desta fase foi hoje ultrapassado e que o que falta será menos difícil. Quero acreditar nisso. Conforta-me pensar nisso.

Mas tenho sono, praticamente não dormi, durante a noite não tinha sono, e tive que me levantar muito cedo, e todo o dia me esgotou. Por isso, agora não consigo disfarçar, fingir que estou noutra, esparvoar. Preciso é de descansar, de descontrair, de relativizar, de pôr para trás das costas. Sou boa nisso. Por isso, amanhã talvez até já pareça estar fresca.

Portanto, assim sendo, contando com a vossa compreensão, por hoje fico-me por aqui.

____________________________________________________________

The Parting Glass - Loreena McKennitt

___________________________________________________________

Dias felizes

terça-feira, agosto 27, 2024

Caro Leitor, não se assuste. Não fuja. Isto não tem que meter medo.
Vou falar, mas muito ao de leve, em Ser mortal

 

Sempre tive pavor da morte. Nunca consegui ver, ao vivo (passe o disparate da expressão neste contexto), nenhum morto.

Há pouco tempo uma amiga contava que, quando a mãe tinha morrido, tinha resolvido que ela iria (ora aqui está outro verbo desajustado neste contexto pois nenhum morto 'vai', quando muito 'levam-no') vestida com uma camisa de dormir branquinha com rendinhas. Depois resolveu mandar fazer uma bandelete com florzinhas para a mãe levar no cabelo. Diz que o pai, quando viu a mãe, disse que ela estava mesmo bonita assim. Perguntei se ela tinha conseguido ver a mãe, Disse que sim, claro. Corajosa.

Também nunca gostei de conversas sobre a morte. 'Ai que mórbido', sempre disse quando o tema deslizava para esse buraco (desculpem o mau gosto da expressão). Fugia a sete pés de conversas sobre doenças terminais, sofrimentos atrozes, estados de quase morte. Parece que tinha medo de ter medo, tinha medo de ficar a pensar no assunto e ficar aterrorizada.

Por isso, morreram-me pai e mãe sem que nunca nenhum de nós tivesse falado em vontades relacionadas com o seu fim. Quer dizer, o meu pai pedia muitas vezes para o deixarmos morrer. Mas ficávamos chocadas, não queríamos que ele dissesse isso, parecia quase coisa de mau gosto (olha que coisa mais estúpida de eu agora dizer). Mas quando ele, coitado, infeliz até à última das suas células, queria que o deixássemos desistir, eu era parva até dizer chega, dizia para ele não dizer isso, dizia que ele estava confortável na sua cama, não tinha dores. Burra, mil vezes burra. Como se estar numa cama (embora sem dores) fosse motivo suficiente para se querer viver.

Mas eu não estava preparada nem fui formatada nem aconselhada nem nada para lidar com uma situação assim. Apegamo-nos à vida daqueles que amamos e não os queremos deixar desistir. Nem paramos para pensar que, com isso, estamos apenas a querer que sofram mais.

Nunca me passou pela cabeça ter uma conversa assim: 'A sua vida vai disto para pior. Por isso, vamos falar francamente. Como gostaria de viver daqui até morrer?'. Nunca. Nunca. Nem teria coragem. Parece que estaria a assumir que admitia que ele fosse morrer. E, assumindo, poderia parecer que estava a desistir. 

Fui muito cobarde. Fingi até ao fim que ele teria razões para estar bem, que não deveria querer desistir. Se calhar, por isso, por me saber frágil, nem ele, nos seus momentos mais lúcidos e deprimidos, foi capaz de me dizer para deixar de ser parva, para cair na real, para assumir de vez que ele era mortal e que merecia poder ter uma palavra sobre como queria viver os seus últimos tempos.

Sobre a minha mãe, ainda foi mais traumático. Estando obviamente moribunda, nunca consegui deixar transparecer que sabia que ela estava por dias, nunca fui capaz de ajudá-la a enfrentar a sua mortalidade. Ela não queria morrer. As enfermeiras diziam que ela chorava e pedia para não a deixarem morrer. Eu ficava transida de medo que ela me pedisse isso a mim pois não saberia o que dizer, seria um sofrimento insuportável para mim pois, deixando que ela percebesse o meu sofrimento, provavelmente fá-la-ia sofrer ainda mais.

Quando a psicóloga da ala dos Cuidados Paliativos me chamou para falarmos, nunca cheguei a perguntar como, perante uma pessoa moribunda, devemos comportar-nos. Eu gostava de ter tido coragem de dizer: 'Vai morrer em breve, mãe. Toda a gente morre. Não é uma fatalidade morrer. Estamos a fazer de tudo para que sofra o menos possível. Não tenha medo, mãe. Não vai custar. Pode ir em paz que eu cá me arranjarei, não se preocupe comigo.' Claro que não tive coragem. Nem de longe nem de perto. O meu comportamento foi o mais oposto disto. Dizia: 'Está com melhor aspecto hoje. Não chore. Já esteve pior, está a melhorar. Tenha esperança'. 

Saía de lá arrasada. Não apenas me era doloroso até ao limite por vê-la assim como vinha atordoada por intuir que a minha cobarde atitude não seria a mais indicada. Ficaria ela mais tranquila se soubesse que eu iria aceitar bem a sua morte? Não sei, não faço ideia.

Já lá vão sete meses que a minha mãe morreu e quatro anos o meu pai. E continuo a achar que a forma como lidei com a sua finitude e com os momentos que precederam a sua morte foi pouco racional, muito dolorosa e que, para eles, não sei se foi a mais adequada ou se queriam também ter agido de outra forma e não o fizeram para me poupar ou porque não venceram os seus próprios medos.

Penso hoje, e penso cada vez mais, que a forma como toda a vida fugi do tema da morte e como fui poupada a isso, não faz sentido. Eu deveria ter estado melhor preparada.

No mês em que a minha esteve internada, às portas da morte, eu vi dezenas de vídeos em que médicos, enfermeiros ou doentes falavam da pré-morte. A minha família achava que eu, ao querer saber mais e mais e mais, estava a auto deprimir-me, corria o risco de ficar passada. Mas não. Estava apenas a querer adquirir algum conhecimento sobre algo para mim totalmente desconhecido. Mas não me serviu de nada. Continuei assustada, sem saber se devia assumir perante a minha mãe que sabia o que se passava ou se devia manter aquela atitude palerma de parecer optimista.

Uma outra coisa em que tenho pensado muito é na fobia e na aversão que a minha mãe tinha a medicamentos. Temia os efeitos secundários, achava que lhe faziam pior do que a doença em si. Por não tomá-los esteve duas vezes internada, o que, curiosamente, ela aceitava bem. Era como se ganhasse uma vida adicional. Pelo contrário ficava deprimida, assustada, aterrada, infeliz quando era convencida a tomar os medicamentos (e não sei se os tomava pois arranjava maneira de nunca ninguém ver). Mas não deveria eu ter respeitado a sua vontade e aceitado pacificamente que a minha mãe não queria tomar medicamentos? Só fico na dúvida pois ela não queria tomá-los porque preferisse morrer. Não. Ela queria viver. Queria era viver sem tomar medicamentos. E isso, em meu entender (e dos médicos), não era possível. Só que nunca houve a coragem de ter uma conversa franca em que num dos pratos da balança estivesse uma decisão consciente de encurtar a vida, embora vivendo a seu gosto, sem medicamentos, e no outro prato a decisão de tomar medicamentos e viver aterrada com os efeitos secundários.

São questões complexas. Ter conversas deste tipo exige preparação, coragem.

De uma maneira ou de outra todos teremos um dia que passar por situações assim ou com pessoas que nos são queridas ou mesmo connosco. Um dia, esperemos que longínquo, seremos nós a estar nas últimas. E, pelo menos pela parte que me toca, gostaria de ter a coragem de falar abertamente nisso com os meus, gostava de poder ajudá-los a enfrentar a situação da melhor forma melhor possível. 

Por exemplo, custa-me pensar que um dia, estando eu ainda lúcida e com vontade de viver, alguém possa decidir por mim que já não posso viver em minha casa, que tenho que ir para um depósito em que os velhos e os incapacitados passam os dias em cadeiras de rodas, a dormir de boca aberta, sem um único propósito de vida. Ou que, perante um cenário complicado, alguém me force a estar acamada, de fraldas, entubada, sem voz activa para coisa alguma.

Ou seja, é um tema que é bom que seja falado, discutido, que deixemos cair os tabus, que sejamos capazes de enfrentar os nossos medos, que conversemos, que troquemos experiências e opiniões.

Finalmente acabei o 'Ser Mortal' de Atul Gawande, médico. É um livro que gostei muito de ler. Fala da sua experiência pessoal e do que tem pensado e estudado sobre o assunto. O livro tem uns anos e os vídeos que aqui partilho também. Contudo parece-me que a realidade é ainda a mesma do que tudo ali se diz.

Dr. Atul Gawande on what we should .be asking in end-of-life care

Dr. Atul Gawande helped transform the conversation about aging and death in his book, "Being Mortal: Medicine and What Matters in the End." The book spent 85 weeks on the New York Times Best Sellers list and is now available in paperback. Dr. Gawande, a surgeon at Brigham and Women's Hospital in Boston, joins "CBS This Morning" to discuss the importance of focusing on how someone wants to live at the end of their life -- not just how to keep them alive.


When Should Dying Patients Stop Treatment? | Being Mortal |

Why is it so hard for doctors to speak openly with their terminally ill patients about death as the end nears? Dr. Atul Gawande, Boston surgeon and author of the best selling book "Being Mortal" had a remarkably candid and intimate conversation with the widower of a deceased patient and apologizes for offering false hope in the end. 

It's the story of Sara Monopoli who was diagnosed with Stage 4 lung cancer during the 9th month of her pregnancy at the age of 34.

Desejo-vos um dia bom
uma vida longa e feliz

quinta-feira, agosto 01, 2024

O que fazer quando uma separação não dá certo...?
E outros aspectos relacionados com isto de se ser mortal.

 

Tinha aqui um outro vídeo para partilhar apesar do que a minha filha já gozou comigo. Não acha nada que a voz seja parecida com a do Castelo Branco, acha até que o comentário de que estou mais para a voz da Lady Betty está certo. Diz ela que falo com um fiozinho de voz, quase a desfalecer. Explico que deve ser por estar a andar sozinha e não me dar jeito falar alto. Ela diz que quem está a narrar para um vídeo deve falar como se estivesse viva e não a dar as últimas. 

Mas, para fazer o teste, sugeriu que desse aos meninos para eles ouvirem. Nessa altura já só estavam cá os filhos dela, os outros meninos já tinham ido com o pai. Comecei por dar a ouvir ao seu mais novo. Ouviu até que se fartou, achou que cinco minutos a falar de abelhas era tempo a mais. Quanto à voz, achou normal, não achou estranha.

O mais velho parece que também não achou nada de mais, percebi que achou que a voz era a minha, mas não posso acrescentar mais, já apanhei a opinião meio de raspão quando já estavam a arranjar-se para sair.

Mas se não partilho hoje o terceiro vídeo não é por isso, é porque lá me atiro aos alienados do PCP que apoiam o Maduro como se não tivessem qualquer neurónio na cabeça. E hoje não me apetece falar nisso ou poluir o meu bloguinho com coisas que não me agradam. Até o PC venezuelano se demarcou da pretensa vitória do Maduro. O nosso PCP é que continua ao lado do Maduro. Não descansam enquanto o partido não tiver menos do que 1% nas eleições. 

Enfim.

Adiante.

Li o livro 'O meu pai voava' da Tânia Ganho e, apesar de ser um livrinho de apontamentos, li-o de gosto. E que não se pense que o diminutivo tem a ver com a qualidade do livro. Não será literatura da grande mas, ao contrário do lixo e das tretas que por aí circulam, este é genuíno e lê-se com prazer.

De certa forma relacionado com a temática, estou agora a ler o 'Ser mortal' de Atul Gawande que, por mero acaso, a minha nora me recomendou depois de uma amiga, médica no IPO, lhe ter recomendado a ela. 

Até há uns meses eu fugia a sete pés de livros sobre estes assuntos (lidar com a finitude da vida, a própria ou a alheia), achando que eram mórbidos, deprimentes. Agora não acho. Quando lidei com a situação terminal da minha mãe não sabia o que fazer, o que dizer. Quando um dia lá apareceu um padre, só não escorracei o homem a pontapé por falta de energia mas fiz de tudo para o interromper. Uns dias depois entrou outro padre e mais uma vez tentei pô-lo fora do quarto. Temi que a minha mãe percebesse que estava muito mal e que pensasse que tínhamos chamado o padre para a extrema-unção. O padre disse que, se a minha mãe quisesse, podia rezar com ela. E a minha mãe disse que queria. Quando o ouvi rezar a pedir para a Nossa Senhora receber a minha mãe tive outra vez vontade de o expulsar a pontapé. Não queria que ela pensasse que estávamos a desistir dela e que estávamos a aceitar que ia morrer.

Mas sempre fiquei na dúvida sobre o que dizer: animá-la? Dar-lhe falsas esperanças? Ou o quê? As enfermeiras diziam que ela lhes dizia que não queria morrer. E eu sei bem como ela queria viver até ao fim dos tempos. Não aceitava que um dia iria morrer. Por isso, até ao fim tentei fazer de conta que isso não iria acontecer.

Mas foi tudo tão difícil que me senti totalmente impreparada. Muito, muito impreparada para lidar com tudo. A minha mãe também estava impreparada para aceitar o que ia acontecer. Quando eu falava com os meus, lamentava que a minha mãe não aceitasse que o fim haveria de chegar. Mas pensava: se fosse comigo, estaria eu preparada para perceber que o fim estava a chegar e aceitá-lo-ia com serenidade?

Ainda estou no início do 'Ser mortal' pelo que não sei se vai ser esclarecedor em relação às minhas dúvidas.

O livro da Tânia Ganho não é exactamente sobre isso mas trata do luto, da aceitação de quem fica, da aceitação que a culpa não tem sentido.

E agora, quando estava por aqui a veranear, depois de um dia cheio de alegria e de brincadeiras e de juventude, apareceu-me o vídeo que aqui partilho. E gostei de ver e ouvir. É importante perceber que não estamos cá para sempre. Ou seja, o fim é natural. E é bom que saibamos lidar com isso. Talvez não seja forçoso que o fim seja triste, doloroso.

Este vídeo fala nisso.

Flávia Pedras: casamento com Jô Soares, a relação e os últimos momentos juntos | Conversa Com Bial


Dias felizes

quinta-feira, julho 25, 2024

O segredo dos Tsimane

 

Quando tirei as coisas de casa dos meus pais trouxe vários livros de saúde oferecidos por mim. Como envelhecer melhor, como não morrer, como ter um cérebro jovem, como ter um intestino saudável, qual a dieta para chegar saudável aos 100, a importância do exercício físico para uma vida de qualidade. Não garanto que sejam exactamente estes os títulos mas não devem diferir muito.

Eu queria que eles envelhecessem lentamente e bem. Para além de presentes 'normais', nomeadamente livros de ficção ou de crónicas ou outros que eu pensasse de que eles gostariam, em especial a minha mãe que lia muito mais que o meu pai (o meu pai preferia livros de cariz técnico, mesmo que a nível de saúde), eu oferecia-lhes sempre livros com 'receitas' para que vivessem muitos e longos anos. 

Esses livros agora estão na estante da cave e ainda não me apeteceu ir lê-los. Talvez um dia.

Os meus pais eram muito cuidadosos com o que comiam, com o seu estilo de vida. E de facto a minha mãe viveu bem, ágil, até jovial, e aparentemente saudável praticamente até aos 90 anos. E o meu pai também viveu até mais ou menos à mesma idade, embora, no caso dele, tenha tido uns tristes últimos cerca de doze anos. 

Só depois de ele ter tido o AVC quase fatal é que eu soube que ele não tomava regularmente os comprimidos que devia. Julgava ele, segundo a minha mãe depois contou, que por ter uma vida saudável estaria imune a danos maiores. Aliás, nem ele nem a minha mãe alguma vez nos transmitiram que o meu pai corria sérios riscos e que era fundamental seguir a medicação à risca. Sendo responsáveis e conscientes da importância de um conjunto de cuidados, não fazia ideia que ignoravam a necessidade de seguirem a  medicação que os médicos prescreviam.

Isto porque, como tenho contado, com a minha mãe veio a suceder a mesma coisa. A minha mãe era assinante de uma revista médica, lia inúmeros livros sobre saúde e prevenção, ultimamente pesquisava imenso via google, lia todos os livros que tinha. A sua alimentação era cuidada, fazia ginástica, fazia caminhadas. Mas, também no caso dela, não quis saber de medicamentos que, para ela, eram fundamentais, nomeadamente para controlar a hipertensão. Apesar da vida saudável e de comer comida sem sal, tinha sempre tensão alta, devia ser coisa congénita. Não sei se era, se não. O que vim a saber, tarde demais, é que o facto de ter o coração sempre em esforço, provocou-lhe insuficiência cardíaca que depois também acreditou que não precisava de controlar com medicação rigorosa. Claro que, em paralelo, ter-lhe aparecido um cancro que teve um desfecho fulminante só agravou mais a grave situação dos dois últimos dois meses. Mas, no caso do cancro, provavelmente foi uma degeneração celular resultante da idade avançada.

Contudo, embora ainda não me tenha dado para andar a consultar literatura sobre doenças e como preveni-las, sou sensível à necessidade de não comer fritos ou comida puxada, à de não ingerir pouco açúcar, à de dormir bem (conquista recente pois enquanto trabalhei andei permanentemente em défice de sono), e à não ter uma vida muito sedentária. 

Mas por vezes sinto curiosidade em ver vídeos ou ler alguns artigos sobre o que se sabe sobre os hábitos que talvez justifiquem a longevidade de algumas pessoas ou algumas comunidades. De tudo o que tenho lido ou visto penso que há um denominador comum: felizes são as pessoas que se mantêm activas, sentindo-se úteis, autónomas, que têm um propósito (mesmo que o propósito seja cuidar do jardim ou cozinhar), que sentem a vida não como um fardo que carregam mas como uma bênção, que se riem de gosto com elas próprias e com as suas circunstâncias.

O vídeo abaixo é mais um desses vídeos. Não que nos traga grandes novidades mas é interessante. Temos sempre qualquer coisa a aprender com pessoas assim.

Los tsimane, la comunidad de Bolivia donde las personas envejecen más lento | BBC Mundo

BBC Mundo viajó hasta el corazón de la selva amazónica de Bolivia para conocer a los tsimane, uno de los pueblos originarios más remotos del continente que destaca por una particularidad. Las personas acá envejecen más lento que otras poblaciones y sus ancianos gozan de una vitalidad excepcional, según han demostrado varios estudios científicos. ¿Cuál es el secreto de los tsimane? 


Desejo-vos dias felizes