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sexta-feira, novembro 09, 2012

Lisa Kristine: Fotos que testemunham a escravidão moderna


Lisa Kristine é uma mulher bonita, loura, tem quarenta e sete anos. 


Lisa Kristine


Se fossemos atrás de clichés, olhando-a assim, nesta imagem, sorridente e ar despreocupado, quase a poderíamos imaginar como a típica loura burra, interessada no último grito da moda, por tratar freneticamente da casa e dos filhos, entretendo-se com chás e encontros de amigas, fanática com o tratamento do físico e da pele. 

Poderia ser. Mas não é. Muito, até, pelo contrário.

Lisa Kristine é fotógrafa, uma fotógrafa dedicada a causas humanitárias.

Americana, diplomada pelo Fashion Institute of Design and Merchandising em San Francisco, veio afinal a percorrer um outro caminho. E o caminho que tem percorrido pelos vários continentes é um longo caminho. 

Já esteve em cerca de 80 países a fotografar a pobreza, a escravatura, o drama de tantas pessoas - nos tempos de hoje.

Não creio que, por sabermos que existem situações como as que Lisa Kristine nos mostra, devamos sentir-nos privilegiados e, sentindo-nos privilegiados, achemos que temos o dever de empobrecer resignadamente, por forma a atenuarmos as disparidades estrondosas com esta miséria infra humana. 

Pelo contrário, o que acho é que, conhecendo estas tristes condições de vida, devemos lutar com todos os meios ao nosso alcance para que o mundo não permita que a pobreza seja aceite, não permita desregulações que protejam os mais gananciosos e mais poderosos, os que, escudados em pseudo ideologias liberais, corrompem os mais fracos, manipulam os menos inteligentes, legislam no sentido de proteger os da mesma casta.

Nada do que se vai ver neste excelente vídeo (traduzido para língua portuguesa, uma tradução de qualidade duvidosa, mas enfim...) tem a ver com a presente realidade portuguesa. 

No dia em que sabemos que há cada vez mais crianças com fome em Portugal, milhares de crianças (mais de 10.000 diz a capa do Jornal i), milhares de crianças que vão para a escola em jejum, que a única refeição quente que tomam é a que a escola providencia, nestes dias em que os espíritos se inquietam com as afirmações de Isabel Jonet quase apelando à aprendizagem do empobrecimento, e no dia também em que sabemos que num relatório destinado às 20 economias mais industrializadas do mundo (G20), a instituição liderada por Christine Lagarde alerta que as medidas de austeridade adoptadas em alguns países da Zona Euro "estão em sério risco de se tornarem social e politicamente insustentáveis", sendo esta uma das maiores ameaças ao crescimento económico global, temos que reconhecer que a austeridade em Portugal ainda não nos levou ao ponto de miséria humana que aqui vamos ver.

Mas isto deve servir-nos de referencial pois, olhando estes nossos irmãos, percebemos que, hoje, não muito longe de nós, se verifica esta miséria civilizacional, estes atentados à dignidade humana, sem que nenhum de nós levante um dedo, sem que a comunidade internacional se mobilize, como se um manto de silêncio se tivesse abatido sobre o que vamos ver. É que, meus amigos, perante situações de miséria, de degradação, de aviltamento, a espécie humana (ou, pelo menos, a parte que está no lado melhor da vida) olha para o lado, finge que não vê, que não sabe.

O que todos deveremos querer não é saber viver assim, renunciando ao conforto, à saúde, à dignidade, ao direito à liberdade de escolhas: pelo contrário, a nossa luta deve ser em prol de uma vida digna, livre e com qualidade. Para todos.

O mundo deve caminhar no sentido do progresso, do conhecimento, da qualidade da vida. Tudo o que seja diferente disto deve ser banido. Só quando todos lutarmos, sem complacências, pela defesa integral do respeito pela vida humana, só quando interiorizarmos que todos temos que lutar pelo avanço no sentido do desenvolvimento, do progresso, do integral respeito pela dignidade humana, é que nos insurgiremos de forma efectiva contra o que Lisa Kristine aqui nos mostra.

Trata-se da sua intervenção numa conferência TED (TED Maui), já este ano. São quase vinte minutos, mais tempo do que aquele que costumamos destinar a estas leituras rápidas em blogues, mas são minutos que valem muito a pena. Eu, pelo menos, assim o penso. Vendo estas imagens, enquanto ouvimos a contida voz de Lisa, somos levados a pensar que conceitos como moral ou ética são afinal conceitos vagos, abstractos.

Mas, no fim, talvez o efeito contrário se tenha produzido em nós. Talvez tenhamos percebido que situações assim são o ground zero, o ponto zero na escala da moral ou da ética, o ponto do qual nunca nos devamos aproximar, nunca, nunca. Nunca.



*

Não posso deixar de pensar nas palavras do Leitor N.C. que no outro dia me questionou justamente sobre moral e ética e me referiu a miséria humana que existe aqui tão perto. Este texto que escrevi e a escolha deste filme são, afinal, uma reflexão minha acerca deste tema, tão difícil, tão global e, ao mesmo tempo, tão íntimo.

*

E, se tiverem ainda paciência para continuar na minha companhia, coisa que muito prazer me daria,  convido-vos a virem comigo até ao Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as minhas palavras olham saudosas aquele que um dia partiu e têm por única companhia os olhos tristes de uma gata e as palavras de Soledade Santos. A música que também pode ser ouvida por lá é o Te Deum de Jean-Baptiste Lully.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira. Que a esperança ilumine as vossas vidas.