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sábado, julho 02, 2022

É até heresia este salmo estar aqui...
mas também não se pode dizer que este blog seja um local muito dado à devoção

 


Sempre gostei de ter as janelas abertas. Quando morava na cidade, uma vez entrou um pombo para a sala de baixo. O meu marido passou-se, disse que já me tinha avisado mil vezes que isso poderia acontecer. Foi o fim da picada para o tirarmos de lá. O pobre andava assustado, às voltas. Vimos o caso mal parado. 

Mas pior foi a gaivota. Grande, umas asas enormes. Já estávamos preocupados, com pena. Já o contei aqui. Dei uma de S. Francisco de Assis. 

(Não sou de listas mas um dia hei-de começar a fazer uma com as cenas incríveis que já aconteceram na minha vida, começando pelas vidas que salvei. Não sei se no caso da gaivota é correcto dizer que lhe salvei a vida mas, pelo menos, salvei-a de um mau bocado)

A gaivota estava presa na varanda pois, quando queria abrir as asas, batia nas paredes e não conseguia elevar-se para dela sair. Aquela varanda, em concreto, é uma varanda estreita. O meu marido tentou ajudá-la mas ela assustava-se, não aceitava ajuda, fugia. Estava num desespero (ela -- mas ele também). Gritava, esvoaçava a batia com as asas de um lado e do outro. Uma coisa que fazia impressão e pena. Pensei que tinha que acalmá-la. Então fui-me aproximando devagarinho. Pedi ao meu marido que me trouxesse uma vassoura. Comecei a falar com ela, a falar baixinho. Fui-me aproximando, ela foi ficando mais calma. Eu falando, apaziguando, dizendo que ia ajudar. Ela já sossegada a ouvir. Depois deitei a vassoura no chão e tentei que ela se pusesse em cima da parte mais larga. Assustada, a escapar-se. A tentar esvoaçar. E eu falando baixinho. Até que ela aceitou que eu deslizasse a vassoura sob as suas patinhas. E eu: 'Schhh, não tem medo, só quero ajudar, schhh...'

Isto pode parecer inverosímil e, ao escrever, até a mim me custa a acreditar. Mas aconteceu. O meu marido assistiu a tudo. Atónito. 

Quando ela já estava em cima da parte mais larga da vassoura, comecei a ver se levantava a vassoura na horizontal. Queria pô-la ao nível do parapeito para que pudesse voar. Assustou-se com o movimento. Eu a segurar a meio do cabo, muito perto dela e sempre a falar baixinho, 'não se assusta, não tenha medo, vou ajudar...' e ela sossegadinha, assustada, trémula. Até que comecei a conseguir levantar e ela quase imóvel. Muito pesada. Tive que segurar o cabo mais perto. Ela já confiando. E eu a fazer um esforço enorme para não a deixar cair. O meu marido em silêncio a observar. E eu sempre falando: 'está a ver? está quase... não tem medo, já vai voar..'. Até que consegui elevá-la até ao ponto em que ela percebeu que já podia abrir as asas. E voou. 

Quando me lembro, sinto-me emocionar. Um momento extraordinário.

In heaven temos mais cuidado. Já bastam os aranhiços, os bichos de conta, as melgas, as borboletas. Agora pusemos redes mosquiteiras, já é outro sossego. Mas há uns meses entrou um ratinho pequeno. E às vezes encontramos pele seca de cobra lá perto. Não quero pensar se um dia alguma entra. Isso assustar-me-ia. 

Aqui nesta casa só hoje vi um bicho aqui dentro. Não. Já uma vez entrou um passarinho lá para cima. Pusemos as janelas todas abertas e lá conseguimos que encontrasse o seu rumo.

Deixo as janelas a bascularem de dia e algumas à noite. Mas à noite os estores estão para baixo, não entra nada. Mas, de dia, se calhar entram. 

Há pouco vi um bicho aqui na sala. Não sei se era grilo, se quê. Matei. O urso felpudo nem aí. Coisa pequena destas não lhe faz mossa. Eu aqui sozinha na sala é que tive que resolver a situação. Quando, de manhã, contar ao meu marido vai fazer logo aquele número de me perguntar quantas vezes já me avisou. Mas gosto de ter as janelas abertas para entrar a luz e o ar da rua.

Custa-me matar bichinho. Não me fez mal nenhum. Porque o matei? Nem sei. É daqueles gestos reflexos em que a gente nem pensa. Poderia ter pegado nele com um papel, aberto a janela e atirado lá para fora. Foi uma crueldade desnecessária.

E hoje não tenho mais nada para contar. As reuniões foram demoradas, pouco tempo sobrou para mim. Os telefonemas também. Estou naquela fase do ano que, quando o telefone me toca depois das seis e tal, já fico irritada. E quando o tema é chatice só me apetece é pedir que me deixem em paz. Ou, como diz o José Leôncio lá do Patanal: 'larga da mão'.

Mas digo isto por dizer. Na verdade, não tenho de que me queixar.

No outro dia, ao fim da tarde, fui a uma consulta de rotina. Como sempre, o médico estava atrasadíssimo. A televisão estava sem som. Então, ia -- discretamente -- observando as outras pessoas. Nada de especial para observar. Até que uma senhora já de uma certa idade recebeu um telefonema de uma prima e o atendeu em alta voz. Todos na sala ouvimos tudo. E o que ouvi deixou-me nem sei como dizer. Não quero contar pois foi há poucos dias, não quero cometer uma inconfidência. Quem estava na sala ouviu o que eu ouvi mas a senhora que estava a falar não foi avisada de que a chamada estava em alta voz. Quando a gente pensa que tem um problema esquece-se de relativizar e pensar que há quem não tenha um mas, sim, vários problemas. E nenhum deles problemazinho, tudo problemazões. E, no entanto, nada fatalista e sempre simpática e generosa, preocupando-se com a saúde da prima com quem estava a falar.

Enfim. A vida de algumas pessoas, de facto, não é nada um mar de rosas.

Mas como estamos a entrar no fim de semana, não é altura para carpir ou reflectir. Não é altura para filosofias ou metafísicas. 

Mas para arquitectura, com vossa licença, já pode ser. 

Deixem, pois, que partilhe dois vídeos bons de ver, em especial por se situarem em extremos opostos

 La Casa Rosa, uma casa moderna projectada por Luigi Rosselli Architects, um prestigiado e galardoado arquitecto

E agora algo de verdadeiramente fabuloso. 

O Zaha Hadid Architects projectou o centro cultural de Xi'an para evocar "vales sinuosos". Foram divulgadas imagens do Jinghe New City Culture & Art Center, que abrange uma autoestrada de oito pistas em Xi'an, na China.

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Imagens da vida selvagem do Guardian

I Come Alone and to You de Nick Cave, do álbum Seven Psalms

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Desejo-vos um bom sábado
Tudo a correr bem

quinta-feira, janeiro 24, 2019

Sobre a beleza e sobre a matemática




Estive a ver, ontem, na RTP2, um programa sobre a beleza. E muito foi dito e mostrado mas aquilo de que gostei mais tem a ver com a relação entre a beleza e a matemática. Seria muito difícil explicar a emoção que senti ao ouvir isto tal como é difícil explicar a beleza da matemática, a vertigem de encontrar a elegância da demonstração de um teorema complexo, a vertigem de olhar e compreender as proporções de uma geometria sublime, a vertigem de descobrir o caminho certo por entre um intrincado labirinto. Difícil explicar. Parece coisa de doido. Mais vale calar porque há coisas que não se podem explicar, não se podem macular com a imprecisão das palavras incorrectas.


Se é a simetria, a proporção, a harmonia -- isso eu não sei. Sei que sou muito sensível à beleza. Dependente da beleza. Não vivo sem beleza. Procuro-a.

Pode ser uma difusão de cores em pleno voo, pode ser um sentido choro de violoncelo, pode ser uma lenta sucessão de volumes ou o grito de um ângulo agudo. Ou uma conjugação de palavras que me deixe sem fôlego, em lágrimas ou sem chão.

Não me prendo a uma só forma de beleza. Pode até ser apenas um terno sorriso, pode mesmo ser um olhar mais doce. Pode ser uma mão que se aproxima. Pode ser o rendilhado de uma sombra num muro branco ou o deslizar suave das águas de um rio ou o suave tombar das ramagens de uma árvore nas suas margens. Ou uma inexplicável saudade ou a imorredoura e muito bela memória de uma varanda suspensa, envolta em sombra e flores, em sorrisos, em abraços não consumados. .


Mas saber que afinal há mesmo semelhança entre a emoção que se sente perante estas formas quase consensuais de beleza e a que se sente perante conceitos de análise infinitesimal, topologias abstractas, geometrias descritivas, casos insolúveis, sistemas cruzados de inequações ou soluções inesperadas e quase mágicas para problemas de matemática enche-me mesmo de surpresa e satisfação.


Penso que será também semelhante ao que se sente perante o tentador abismo que é a física da matéria ou perante as assombrosas similitudes entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande ou perante o fascínio que resulta do meu total desconhecimento da vida das partículas elementares ou do imenso espaço ou do indefinível vazio. Mergulhar nesses mundos, percorrida por uma louca incompreensão, deixa-me com uma emoção que é um frémito quase vertiginoso muito semelhante ao que me faz ter vontade de me ajoelhar em silêncio perante uma tela de Caravaggio ou de Chagall ou de me reduzir a nada para melhor escutar os acordes vindos de um mundo habitado por divindades ou o que sinto perante uma paisagem que me faz ter vontade de me diluir na terra ou de sair a voar sobre os vales.


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Have beauty.

sexta-feira, abril 01, 2016

O imediato perde história e nome






Isto podia ser a história da minha vida.
O que digo eu? Podia ser? Podia ser, não: é
Passa, e passa bem, da meia noite e agora é que cheguei ao pé do computador. 
Está bem que hoje tive desculpa. Trabalhei até tarde, depois festa de anos, uma alegria, mas daqui a nada tenho que estar a pé que o dia começa como eu não gosto nada que comece: mal ponha o pé no escritório já tenho que ir a correr para uma reunião. Os dias inteiros nisto, sem um tempo para respirar. E se há épocas que me desagradam são destas. Altura de avaliações. Odeio. Eu não devia dizer isto que supostamente não há empresa evoluída que não adopte estas métricas, KPI's (Key Performance Indicators) e o escambau. Dir-me-ão que só existe o que pode ser medido e que a gestão deve ser top down e os objectivos das empresas devem desdobrar-se em cascata até ao nível mais baixo. Tretas. Para mim isto é a maneira de entregar a gestão efectiva, a liderança. o acompanhamento efectivo a uma ferramenta de avaliação. Uma coisa é monitorizar, através de métricas, a evolução da empresa a todos os níveis, que isso é indispensável, e outra, bem diferente, é avaliar o desempenho de cada pessoa segundo metodologias todas xpto, como se fossem a última coca-cola do deserto. Claro que há funções em que as métricas são importantes mas, mesmo para essas e para todas as outras, a avaliação de verdade é sempre subjectiva e vale o que vale. Mas, enfim, é matéria em que estou em minoria e, portanto, não apenas sou avaliada como tenho que avaliar segundo o que está instituído. Da parte que me toca, ao avaliar, nem consigo disfarçar que acho aquilo uma brincadeira de crianças e, portanto, aligeiro o processo. Todos sabem o que penso de cada um pois vou dizendo ao longo do ano, tudo aquilo é, pois, apenas um pró-forma maçador que cumpro porque tenho que cumprir. Tabelas para preencher, objectivos, competências comportamentais, e sei lá que mais (até versejei). Depois comunicar um a um, uma trabalheira. E, se quase todos alinham pela minha bitola, há sempre quem queira levar a coisa a sério ou se sinta injustiçado. Isso é o pior. Não tenho paciência para aquilo, quanto mais para justificar porque é que acho que não são tão proactivos quanto deviam ou que comunicam deficientemente ou outra coisa qualquer.


Enfim. Para quem está desempregado, uma coisa destas é frescura pois tomara passarem por estas chatices mas terem trabalho. E terão razão. 

Mas a questão é que, ainda por cima, esta pincelada das avaliações calha a meio um conjunto de cenas, uma conjugação de complicações, e reuniões e imprevistos e maçadas. Penso (e digo) por vezes, a lastimar-me: andou a minha mãezinha a criar-me para isto. Mas não posso dizer ao pé dela, que ela bem me avisou que eu deveria era ser professora. Se bem que, com o que se tem passado ultimamente, não sei se ainda mantém essa opinião. Provavelmente chegam ao fim do dia com a cabeça mais feita em água do que eu. Também não lhes gabo a sorte.


Pronto, já carpi. E sinto que estou a carpir de barriga cheia pelo que isto é mesmo apenas um desabafo lançado para o espaço.

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E agora, falo de quê? Ando a milhas disto. Nem sei bem o que se anda a passar. Ouvi, ao vir para cá uma coisa chata mas nem quero falar disso. Tenho medo. Tenho medo até de falar. Cruzes, canhoto. 


Vi também no online qualquer que o Rangelinho, o Três Pelos, que coitadito parece um enfezado desde que fez dieta, ainda mais incredível ficou, sempre armado em maria-amélia cheia de chiliques, agora deu para se armar em machão, a querer que o PSD faça mais sangue, parece que acha que o Láparo anda feito mariazinha, que isto não é oposição que se faça. 


Pobrezito. Alguém lhe devia dizer para ensaiar aquela conversa em frente ao espelho para perceber que, coitado, não é possível que alguém o tome a sério. Não é que eu tenha alguma coisa contra os rangelitos deste mundo mas este, em particular, tem falta de qualquer coisa, um je ne sais quoi que lhe falta e sem o qual nunca poderá ser nada a sério nesta vida. Até como deputado europeu já levou um raspanete dos valentes por ir para lá fazer queixinhas, armado em puto mal educado, sobrinho de tia velha, daqueles sobrinhos que, quando resolvem soltar a franga, só fazem disparates -- como se em pequeninos tivessem vivido aperreados e, quando chegam a adultos, desatam a ser uns putos apalermados, sem tino, desorbitados.

Parece também que o Rui Rio voltou àquela de agarrem-me senão eu avanço. Mas ninguém o agarra pelo que ele não consegue avançar.

Mas é uma questão de tempo. Ou o Rio ou outro qualquer haverá de fazer a caridade de tirar o Láparo de cena já que ele não tem capacidades cognitivas para perceber que ninguém o quer em lado nenhum.

Tirando isso, apercebi-me, ao ouvir a rádio enquanto conduzia à hora de almoço, que decorre a comissão de inquérito parlamentar à barracada do Banif. 


Juro que continuo sem perceber para que é que aquilo serve. Parece um confessionário a céu aberto. Dali, que eu perceba, não sai nada que se aproveite. Satisfaz a curiosidade da populaça, obriga uns e outros a humilharem-se ou a inventarem desculpas para nada, as televisões apontadas às cabeças. E os deputados, depois de horas nisto, fazem um relatório -- e está feito. Pedra em cima.

Que eu saiba, no BES, isto não substituiu a investigação judicial nem coisa nenhuma. Ainda se víssemos que, na sequência destes interrogatórios, faziam legislação para evitar mais gaitas destas ou arranjavam mecanismos para controlar incompetências e bagunçadas deste lindo calibre ainda eu acharia que aquilo serve para alguma coisa. Agora assim, abóbora. Voyeurismo, exibicionismo e humilhação gratuita e pouco mais. Ou, então, sou eu que ando por fora e do que me chega só vejo isto.

De resto, uma coisa me deixou assim: Ah..... Com pena, quase sem acreditar.

Zaha Hadid morreu e esta é daquelas perdas que me deixam mesmo prostrada. Já aqui falei dela antes. A sua obra é daquelas que me deixa com a certeza que há pessoas que têm dentro de si sementes divinas. 


Há qualquer coisa nela que é maior do que o normal, uma escala sobre-humana, um arrojo desmedido, uma ausência de medo que é incomum. As suas construções são extraordinárias, mesmo a que não chegaram a ser concretizadas. As linhas que ela desenhava erguem-se aos céus ou deslizam ao longo de terras e mares, como se não houvesse limites a uma imaginação desbragada, como se a desmesura tivesse conquistado o direito a existir mas num estado de absoluta transcendência.

Zaha começou por ser matemática e da geometria espacial transitou para a geometria material, desafiando, aí, todas as convenções.

A gente mediana que gosta de ver nos outros uma humildadezinha barata, incomodava-se com a sua assertividade, a sua segurança, a sua autoconfiança.  Falavam no seu mau feitio mas, do que li, nunca achei que fosse mau feitio mas, sim, falta de paciência para perder tempo a aturar gente parva.

São de trabalhos da intensa Zaha Hadid as fotografias que aqui coloquei ao longo deste post.

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Apetece-me ouvir um poema de Cora Coralina

Saber viver - dito por Juca Oliveira

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Gosto de ouvir dizer poesia, como já vocês sabem, mas, para além disso, tenho sempre que ler um poema. Ao menos um poema. Como habitualmente, deito a mão a um dos livros que paira aqui ao meu lado, abro ao acaso. Foi o que fiz. Partilho convosco:

Nas terras que estremecem com o ardor estival,
O dia é invisível, puro e branco. O dia
é uma estria pungente numa gelosia,
uma febre no plaino, um fulgor litoral.

Porém, a antiga noite é funda como um jarro
de água côncava, aberta a infinitos sinais,
e em canoas, perante as estrelas fatais,
o homem mede o vago tempo com um cigarro.

Com o fumo desvanecem-se as constelações
remotas. O imediato perde história e nome.
O mundo é umas quantas vãs imprecisões.
O rio, primeiro rio. O homem, primeiro homem.


[Manuscrito Achado Num Livro de Joseph Conrad, de Jorge Luis Borges, traduzido por Fernando Pinto do Amaral.]

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Sobre Zaha Hadid


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Quando aqui me sentei, apeteceu-me ouvir a Gisela João a cantar 'O meu amigo está longe', como se estivesse com saudades -- mas sem saber bem de quê ou de quem. Como não tenho tempo nem discernimento para averiguar a razão de ser disto, deixo para os descendentes de Freud a explicação.
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Tal como no outro dia, não consigo reler o que escrevi. Por isso, vai assim, completamente em bruto, escrito à pressa. Relevem as imperfeições, por favor.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira.

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segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Sítios para arrumar livros, lugares para ler livros. E uma livraria irreal.


No post abaixo já me insurgi contra esse grande paladino do fuchico, da futilidade e da política-de-faz-de-conta que dá pelo nome de Marcelo Rebelo de Sousa, que, em vez de comentar a substância das coisas, se põe a fazer piruetas de efeito, disserta sobre o embrulho, desvia a atenção, e nada mais (isto para além de fazer publicidade a livros, muitos dos quais de qualidade duvidosa). Atalhou-me a intenção que estava toda calhada para falar da tarde com os meus pimentinhas, e, assim, pouco falei.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.




Se há tema que desperte sempre a minha atenção é o da arrumação de livros. Se isso se conjugar com decoração ou com arquitectura, então, a mistura é perfeita.

Já muitas vezes disse que me fascina a arquitectura. A forma como alguém desenha espaços, inventa recantos ou entradas de luz, é para mim semelhante à arte de quem cria personagens em literatura ou conjugações de cores na pintura, ou acordes inesperados na música.

Quando penso no que poderia ter sido se não tivesse enveredado pela profissão que tenho hoje, uma das coisas que me vem à cabeça é a arquitectura. Acho que faria coisas arrojadas, curvas projectadas sobre o nada, torres com jardins em direcção ao céu, lagos interiores em várias patamares, terraços silenciosos. 

Regium Waterfront por Zaha Hadid Architects



Ocorre-me a arquitecta iraquiana Zaha Hadid. Quando vejo aquelas formas que não se parecem com nada do que se conhece em arquitectura, sinto-me identificada com ela. Em contraponto, também me emociono quando vejo o oposto disso, as obras aparentemente simples, coloridas, de Luis Barragán de quem já aqui várias vezes falei.

Mas, quando foi altura de escolher o curso, nem me ocorreu a arquitectura - talvez porque associava a arquitectura ao desenho e tinha tido uns professores de desenho muito fracos e que nunca me fizeram despertar o gosto pelo traço.

in heaven tenho inventado caminhos, canteiros, recantos, mas, claro está, não dá para muito mais que isso, não me ia armar em pata-brava. Mas usei pedras arrancadas à terra, fi-las parecer animais, fi-las parecer pequenos seres protectores ladeando os carreiros, coisas assim, que se parecem com construir o meu mundo.

Quando uma vez lá metemos um tractor para arrancar parte do matagal, foram também arrancadas enormes pedras. Foi a primeira e a última vez. Quero a natureza em liberdade, não quero terrenos lisos, aparados, nem a terra esventrada.

Mas, olhando depois para essas grandes rochas, tive vontade de as usar. Não sei porquê, ocorreu-me dispô-las em círculo. Claro que foi uma trabalheira, outra vez o tractor, o meu marido arreliado, mais despesa, sobretudo ter que aturar o homem que conduzia o tractor que era um chato que não se calava nem por mais uma, horas a aturar uma conversa interminável, e era preciso, no meio daquela tagarelice torrencial, explicar-lhe a ideia, como teria que pegar nas rochas, transportá-las, depois andar em volta, colocando-as harmoniosamente, ao lado uma das outras. Mas o homem lá deu boa conta do recado. Na parte interior desse círculo que terá uns quatro ou cinco metros de diâmetro, foi colocada gravilha. E do lado de fora foram plantados quatro cedros que entretanto cresceram e são agora uns guardas imponentes e silenciosos.

Quando por lá ando a passear, gosto de me colocar no centro do círculo. E, não me perguntem porquê - porque há coisas que, faladas, até parecem parvas - gosto de olhar para o céu.

Na altura em que tive a ideia de colocar as pedras assim, não me ocorreu mais nada senão isso mesmo, não me lembrei de círculos cerimoniais, nada, muito longe de tal. Não são ao alto, quis que as pedras estivessem deitadas. Têm formas curiosas, algumas arredondadas, outras mais oblongas, e eu pensei que poderiam servir de bancos. Poderíamos sentar-nos ali a conversar, a ler, alguém a dizer poesia no meio, qualquer coisa. (Claro está que isso nunca aconteceu... Até agora. Mas acredito que ainda há-de acontecer).

Alguns anos depois de o grande círculo de pedras lá estar, comprei um livro de Feng Shui. Não tenho muita paciência para coisas complicadas pelo que de lá retirei apenas as coisas simples e que são até de bom senso. Mas, para meu espanto, vi lá que é de bom augúrio construir um círculo de pedras pois no seu centro convergem as forças positivas do universo. Não sei se é bem assim pois o livro está in heaven e não posso ler as exactas palavras para aqui as transcrever. Mas parece que faz bem ou dá sorte ou protege-nos colocar-nos assim como eu me ponho. Talvez por isso me sinta sempre tão abençoada, tão agradecida.
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Bem, distraí-me com a conversa e vim parar aqui quando queria era falar de soluções imaginativas para arrumar livros ou para ler livros.

No Bored Panda vi umas casas fantásticas que, se um dia me sair o euromilhões, gostaria de imitar (com algumas adaptações, note-se).



Simples mas absolutamente acolhedor.
Ler um livro assim, reclinada entre almofadas, junto à janela, o jardim logo ali, estantes de um lado e do outro - é o que imagino quando me imagino feliz em contente a passar um bom momento


Não sei se será muito prático mas que sala espantosa, no meio do jardim, enormes sofás, uma coisa mesmo fantástica.
Acho as almofadas escuras, sobretudo sobre estofos também escuros, eu preferiria cores claras mas, enfim, pormenor.


Ainda menos prático. Ir buscar um livro torna-se um exercício de alto risco.
Mas, enfim, é uma solução engenhosa, verdadeiramente espantosa.


Estante giratória, dum lado é estante, do outro é parede (como se pode observar nesta sequência de 3 fotografias).
Deveria inventar era uma mesa do género. Quando viesse alguém aqui à minha sala, deveria poder efectuar uma pirueta com o tampo da mesa de modo que as torres de livros ficassem ocultas, que isto para além de periclitante já está de loucos


Esta solução também é fantástica.
Eu gosto de ler reclinada e vendo uma coisa destas, junto à janela, a receber a luz directa, aquela curvatura que quase sugere uma cama de rede, fico logo com pena de não ter um parapeito destes. Deve ser bom.
Eu só preferiria que tivesse uma protecção lateral pois aquilo parece estar alto, e não fosse cair dali abaixo.
De resto: como será que se trepa para lá? 


Para terminar, permitam que vos mostre uma livraria que parece coisa de sonhos, de cinema. Irreal. Quem for de passeio para aquelas bandas, não deverá perder. 

Transcrevo do Bored Panda:

Cărtureşti Carusel, also called “The Carousel of Light”, is a monumental XIX century edifice that was transformed into a wonderful architectural jewel. It is located at the very heart of Bucharest, on a long vibrant street, in an area with coffee shops and pubs. Surrounded by bohemian, traditional and luxury clothing stores, this bookstore will surely blend in with its innovative and elegant style.


The bookstore has 6 floors, where you can find over 10,000 books, 5,000 albums and DVDs. There is a bistro on the top floor, a multimedia space in the basement and a gallery dedicated to modern art on the first floor. This space will also host numerous cultural events and concerts.


 Cărtureşti Carusel ou “The Carousel of Light”

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Enquanto escrevo, estou a ver a cerimónia de entrega dos Oscares. Primeiro foi a entrada das estrelas pela passadeira vermelha, grandes vestidos, grandes sorrisos. Mas combinaram não se deter nos vestidos pelo que a parvoíce não foi excessiva. O Benedict in white, elas todas frou-frou, elegantes e profissionais. O vestido da Jennifer Lopez, por exemplo, é sumptuoso. A entrada da festa decorreu com um número musical: Patrick Harris, o apresentador, cantando a dois, a audiência sorridente, certamente quase todos com um nervoso miudinho mas distraindo bem, risos, palmas, luzes. É o star system no seu melhor.

Mas não os vou ficar a ver porque esta semana promete e eu tenho que ter os pés bem assentes na terra. Ter a cabeça nas estrelas só me é permitido enquanto, à noite, aqui estou a escrever.

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Lá em cima, a música é a Pavane de Gabriel Fauré num arranjo de Nawa Mukerji, para uma interpretação de Silvije Vidovic.
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Relembro: sobre a futilidade da conversa de Marcelo Rebelo de Sousa no seu comentário semana na TVI, sobre o traje minhoto de Judite Sousa, e sobre os meus pimentinhas (como por exemplo sobre o ex-bebé que góta de comê patinos) falo já aqui abaixo.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

Muita saúde, muita sorte, muito afecto é o que vos desejo.

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