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quarta-feira, junho 10, 2020

Mário Centeno, Mariana Mortágua, Cecília Meireles, Duarte Pacheco, etc.
E Chaplin, António Silva, Duarte Pacheco, Beatriz Costa.


Um dia que tudo isto se resolva talvez eu possa contar o que têm sido estes meus dias. São tempos de mudança. Mudanças a vários níveis. Só me apetece mudar e assalta-me uma vontade quase incontrolável de desapego. Não é fácil explicar-me nem é fácil, sem ser descritiva, transmitir até que ponto estou nesta disposição de virar costas a coisas que, dir-se-ia, me são intrínsecas. 

Mas isto para dizer que são tão preenchidos e intensos estes meus dias que chego a esta hora avançada, a sentir-me cansada, incapaz de me pronunciar a sério sobre o que quer que seja. 

O pior é que, tarde e más horas, quando sossego, ligo a televisão a ver se me distraio e vejo meio mundo a comentar, a dar palpites, a agourar, a sentenciar, a arengar sobre uma coisa que deveria ser a mais normal do mundo -- a saída de Centeno do Governo. E ouço que agora querem impedi-lo de poder vir a ser governador do Banco de Portugal. Arranjam mil razões, inventam argumento, dão testemunho, põem ar de doutores. Sabem tudo. Se alguém se distingue por ser competente logo há quem salte para os balcões da televisão com uma infinita e repetitiva converseta da treta. Circulam entre telejornais, noticiários, programas de debate de pechisbeque, repetem o que já disseram e escreveram noutros lugares -- e mostram que isto é uma terrinha de vizinhas, de comadres, de intriguistas, de gente de olho gordo. Em vez de quererem que gente competente esteja em lugar onde a inteligência seja uma mais valia, parece que querem é que o lugar seja ocupado por morto-vivo, múmia cega e surda, carlos costas de rabos pelados que deixam que tudo aconteça debaixo do nariz sem nada verem, sem que de nada saibam e elencando argumento para desfiar desculpas. 

São deputados e ex-deputados, advogados, ex-directores de jornais. Sempre os mesmos, sempre os mesmos trejeitos superiores, sempre aquela pseudo-sabedoria encardida a armar ao pingarelho. Não quero já nem saber se são competentes ou o escambau. É a atitude. Quando entrevisto candidatos para virem trabalhar para as minhas equipas o que eu quero perceber é se são gente boa, gente com boa atitude, gente franca, gente humilde, bem formada, gente que goste de trabalhar em equipa, que seja tolerante. Não quero gente cagona, de nariz empinado, gente com o reizinho na barriga, gente que pensa que sempre estará por cima da carne seca, gentinha armada ao pingarelho.

Mas esses não são os critérios de quem escolhe comentadores e comentadeiras. A televisão está cheia de gente que eu não queria nas minhas equipas nem pintada. A Mariana Mortágua, por exemplo. Não há pachorra. Arma-se em sabichona, em putativa madre superiora disfarçada de vingadora dominatrix. Ou a Drago. Versão délicatesse da Mortágua. Ou o cardeal, o Louçã. Acha-se superior. Mas superior a quem? Em quê? Não sei. Não aguento arrogância. Não digo que por vezes não tenham razão. Digo que são insuportáveis. Uma sociedade em que intragáveis destes estivessem em maioria haveria de ser pior que viver num convento de freiras do século passado, com castigos, maus tratos, sevícias de toda a espécie.

Ou a Meireles na Assembleia, porta-voz. Sempre com cara de má, sempre roída de azia. Ou aquele super-músculos que, para além dos músculos, só tem cabeça mas, infelizmente, oca, o Duarte Pacheco. O que ele diz, senhores. Parece daqueles pintas de província que se encostam à porta da taberna, armados em bons, faço e aconteço, mas que não passam de uns coitadinhos.

Mesmo dos outros, dos que são supostamente não políticos, na televisão, já não os aguento, um enxame de comentadores que só mastigam e remastigam o regurgitado uns dos outros. Nenhum quer ficar atrás dos outros. Inventam desgraças, antevêem desaires, antecipam litígios. Cada um vê mais problemas, vê antes dos outros, adivinha-lhes, antes dos outros, a gravidade. Aves agoirentas, urubus, papagaios. Não tenho paciência. Espremido é zero.

Só desejo é que o Governo tenha arrojo, visão e arte para dar um piparote em velhos hábitos e para levar o país para melhores caminhos. Para mim, ao contrário do joker pintarolas, Portugal está bem quando os Portugueses também o estão. E é isso que tem que acontecer durante o período que aí vem. E que Centeno continue a ser bem sucedido por todo o lado por onde ande e que continue a ser útil ao País.


Tirando isso, depois dar nomes a alguns bois, pena tenho é que não possa mesmo pegá-los pelos cornos. E agora apetece-me é ver vídeos como estes aqui abaixo. Com vossa licença, deixe que os partilhe convosco.








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As fotografias são de Patrick Demarchelier

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E um bom dia de Camões, da Língua e de Portugal.

quarta-feira, outubro 02, 2019

Em dia de segredos, mel e ruibarbo, vou seguir os bons conselhos do Onirocrata





Para quem tem uma vida muito diferente, estas coisas que escrevo aqui sobre os meus dias podem parecer género. Mas não são. É a minha vida com o que ela tem de bom e de mau. E tem fases. Alturas de sobressalto, alturas de stress, alturas de sobrecarga, alturas de inquietação, alturas de desafio, alturas, até, de normalidade. 

Agora, já o disse, é uma daquelas alturas em que tudo se atropela: sobressalto, sobrecarga, stress. tudo.

E, no meio de conspirações, impaciências, fúrias e, etc, por vezes, quando menos se espera, acontecem coisas surpreendentes. Coisas que parecem levar-me para outro tempo, outro lugar. Depois de trabalhar mil anos, eis que me acontece uma coisa pela primeira vez. Ao fim da tarde, pensando eu que já estava mais sossegada, pus-me a redigir um documento sigiloso, perigoso. Aparece-me, então, um jovem à porta do gabinete. Estagiou, gostei dele, aprendeu, dedicou-se, interessou-se. Humilde, com vontade de aprender. Tudo novo para ele. Gostei da atitude. Pu-lo a ter responsabilidade a ver como corria. Correu bem. Convidei-o para ficar. Aceitou. Hoje, ali à porta, queria saber se podia entrar. Claro que sim. 
Pelo sim, pelo não, minimizei o documento, não podia ser visto. 
Entrou. Trazia um saco de plástico na mão envergonhada. E eu admirada. Meio tímido. Trago um presente da minha mãe, disse. Da sua mãe? Meio a medo, contou que a mãe queria agradecer. Agradecer? O quê? E ele, Por eu ter ficado. Estupefacta. Mas não tem nada que agradecer, ela tem é que agradecer a si por nos ter convencido que o deveríamos contratar. E ele, um sorriso ingénuo, envergonhado, Pois, eu disse que não devia ser costume oferecer coisas mas ela quis. Até vim tarde para ninguém ver. Podiam falar, não sei. É mel lá da terra dela. Espreitei para dentro do saquinho, um saquinho que antes tinha sido de outra coisa. Um boião de mel. Senti-me comovida. Quanta gentileza. Disse: Diga à sua mãe que não devia, não era preciso. Mas que gosto muito de mel, que fiquei sensibilizada. E fiquei mesmo. Disse ainda: Diga à sua mãe que lhe mando eu beijinho. Ele mordeu o lábio, pareceu-me comovido. Tão novinho. Penso que percebeu que gostei tanto. E tão contente que estou com o presente que ganhei. Nunca antes tinha recebido presente por ter contratado alguém. Presente de uma mãe. Quanto amor o daquela mãe. Pensei que gostava de conhecê-la, dizer-lhe que tem ali um menino de ouro. Vive longe mas sei que já vieram a Lisboa, pelo menos uma vez, para almoçar com o filho. Se soubesse como fiquei sensibilizada. Em vez de ficar apenas contente pelo filho, lembrou-se de se sentir agradecida, de me agradecer. Nunca me tinha acontecido. Nunca me esquecerei disto. Nem sei se conseguirei comer o mel, se calhar deve ficar para sempre a reluzir para nunca me esquecer da importância dos pequenos gestos. Dos grandes gestos.

A manhã teve reunião cheia de asperezas, cheia de impasses, de coisas. E a tarde ia ser bicuda. Saí cheia de fome, até parece que estava mal disposta. No entanto, o almoço teve que ser rápido. Mas, em dias assim, eu tenho que veranear nem que seja de fugida, meros minutos. Se não deixo entrar ar livre na cabeça vou para a parte da tarde a sentir-me asfixiada.

E então vi a perfumaria. Uma loucura. Não preciso de perfumes. Mas gosto de descobrir cheiros novos. Sou dos sentidos. E o cheiro é dos que me prende. Fui ao escaparate das promoções. Todos caros. Não quis. Repeti dentro da minha cabeça: não preciso. Cheirei, borrifei-me. Gosto tanto. E, então, um que desconhecia. Um preço nada a ver com o dos outros. Era de quarenta, estava a dezasseis. Cheirei. Agradável. Aquele cheiro estranho, insólito, bom. Reconheci. Há uns dois anos, vi um frasco encarnado, lindo. Cheirei. Um perfume insólito. Mas tão caro. Sem precisar, tão estranho, tão caro. Não comprei. O meu lado racional, por vezes, impõe-se. A partir daí, quando há saldos, tento descobri-lo a metade do preço. Nunca. Não vai a saldos. Estou a falar do perfume de ruibarbo da Hermès. Hoje, na perfumaria, tentei ler as letrinhas minúsculas da embalagem desconhecida. Não consegui. Não trazia a lupa. Perguntei à menina. Não sabia, disse que achava que era morango. De facto, pareceu-me haver um morango no desenho mas o cheiro nada tinha a ver com morango. Eaux Rayonnantes do Docteur Renaud. Quando cheguei a casa, peguei na lupa e fui ler: mandarine verte, mûre et rhubarbe. E aqui, ao ler isto, fiquei toda contente. Lá está: o aroma do ruibarbo. Tão contente que fiquei.

Mas, antes, também já tinha ficado agradada com os comentários do Onirocrata. Ele muda de nome e eu reconheço-o sempre. Surpreendo-me com os nomes que arranja. Acho-lhe graça. Agora é o onirocrata e, cá por mim, se continuar inspirado, pode continuar a aparecer-me com conselhos úteis, com sonhos nas palavras, presentes a saber a mel e nomes sempre muito novos.

Transcrevo:

6 - Ataraxia é imanente, mas encontra-se oculta por denso artifício.

7 - Dia e noite, morte e vida, vigília e sono, ordem e caos: a aceitação desinteressada dos ciclos universais traz consigo nenhum erro.

8 - Muito embora as inúmeras palavras e os labores empreendidos, o telos da humanidade não pode ser outro senão o que é, e nenhum ser humano tornar-se naquilo que não é.

9 - Dançar - apaziguar a mente, deixando o corpo submeter-se ao som - só ou acompanhada.

Lather, rinse, repeat until slumber reach.


Música nas palavras. Tão bom. Vou seguir estes conselhos e adormecer entre danças, sonhos, rios de mel, perfumes insólitos, silêncios insolentes. E esperar que venham mais -- para melhor dormir ou, apenas, para melhor sonhar.

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As fotografias são de Patrick Demarchelier

[E um dia feliz também para vocês]

sábado, abril 21, 2018

Aula prática.
A teoria, para aqui, não é chamada






Se te disser que não venhas, obedece.

Se te disser que me desobedeças, não o faças. E o contrário também.

Se não me compreenderes, esquece.

Se achas que nada em mim faz sentido, tens razão, claro que tens.

Se achas que estou a ser sincera, não acredites.

Se te digo que me irritas, acredita que me divertes.

Se te digo que me divertes, acredita que me irritas.

Se te disser que te cales, acredita que deves falar.

Se te disser que preciso de silêncio, sabe que não deverás deixar de me segredar ao ouvido, baixinho, como se me sussurrasses palavras de amor.

Se me perguntares se te amo, esquece, vou dizer que estás louco.

Se nada me perguntares, sabe que estarás a perder a última oportunidade.

Se te disser que me esqueças, não me ouças.

Se nada te disser, procura-me.

Se não te atender, sabe que quando to permitir, deverás pôr um joelho em terra.

Se te disser que te ergas, sabe que deverás abraçar-me.

Se te disser que não sabes chegar a mim, acredita que já estás dentro de mim.

Se te disser que não sabes nada de mim, podes crer que já sabes demais.

Se te disser que tomaras tu que eu olhasse na tua direcção, sabe que tomara eu poder nunca tirar os olhos de ti.

Se te disser que és um santo, não liges, se o achasse diria o contrário.

Se te disser que nunca vi ninguém tão tonto como tu, acredita que ainda não cometeste as loucuras suficientes.

Mas se fizeres tontices a mais, lamento mas terás pisado o risco, e isso, acredita, é fatal.

E se eu te disser que pisaste a linha fatal, prepara-te porque estarei a convidar-te a entrar no perigoso labirinto em que eu e tu um dia nos enlearemos.

E se ficas louco com o que eu faço, acredita que ainda fiz foi pouco.

E, sobretudo, acredita que deverás tentar, tentar de novo, tentar mais, tentar melhor.


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sábado, março 19, 2016

A beleza e a moda ao longo dos (meus) anos




Quando eu era miúda, estava desejando de ser adolescente para poder pintar os olhos, fazer penteados extravagantes, usar roupas de crescida, saltos altos, chapéus, adorava chapéus, imaginava-me sempre com chapéus exuberantes.


Depois, quando era adolescente, eu queria experimentar sombras nas pálpebras superiores, eye liners, blush, fazer penteados mais artísticos. Sempre tive cabelo farto e usava-o solto, espalhado pelas costas. Quando era miúda, usava muitas vezes tranças porque era uma forma de ter o cabelo domado. Ao ser adolescente, claro que as tranças foram de imediato banidas. Mas gostava de fazer um entrançado atrás ou apanhava o cabelo num rabo de cavalo no alto que entrançava e prendia à nuca, por vezes com pequenas flores no meio do cabelo. Mas se a roupa fosse mais a meu gosto e pintasse os olhos, os meus pais não queriam, diziam que dava nas vistas, que não era coisa de miúda, que quando fosse mulher logo me arranjava assim. Muitas vezes ensaiava pinturas, poses, e punha-me ao espelho a imaginar-me como seria eu quando atingisse a idade que me permitiria ser como eu queria ser.


E, portanto, era uma luta permanente, uma ansiedade de chegar à idade em que poderia andar como quisesse. A minha mãe era mais permissiva. Penso que o facto de ser professora a imunizava contra guerrilhas e geria bem as confrontações. Ou isso ou não se importava muito. Mas o meu pai era mais intolerante, não queria que eu saísse nos 'preparos' que a mim me apeteciam.

Com 17 anos acabados de fazer, na prática, tornei-me independente. Vim para a faculdade, alojada numa outra cidade, só ia a casa ao fim de semana. Desejei muito esse momento. E gozei-o intensamente.


Mas, aí, na faculdade, eram tempos de liberdade e pinturas nos olhos ou saltos altos ou roupa mais produzida era coisa que não estava com nada. Mesmo assim, vestia-me com gosto e o meu marido ainda fala num certo vestido justo, verde, curto, de um tecido que parecia seda, de alças, tão decotado que não podia usar soutien. Ao cruzar-me com ele, na escadaria, pareceu ficar enfeitiçado. Diz ele que nada disso, qual enfeitiçado, muito pelo contrário: pensamentos bem profanos lhe ocorreram, conta ele. Eu namorava com outro mas aquele olhar desviou-me do bom caminho. Míope, mal dava pelos olhares alheios mas aquele faiscou demais e eu vi-o bem. 

Mais tarde, já quando eu tinha deixado o poeta e namorava com ele, aborrecia-o que eu andasse sempre com cabelo na cara, disse que eu devia ficar bem com cabelo curto. Foi logo. Pela primeira vez, deixei de usar cabelo comprido e toda eu era jeans, tshirts justinhas, e nem me ocorria pôr blush, pintar lábios ou olhos.


Casei-me, chegaram os miúdos e, por força de trabalhar numa grande empresa onde as mulheres pareciam competir entre si pela melhor toilette (por força ou com o pretexto), voltei a produzir-me. Era então a única mulher com funções de mais responsabilidade, vivia entre homens, ouvia-os a comentar as outras mulheres, e aprendi, de perto, e perante uma amostra significativa, a perceber o que gostavam eles de ver nas mulheres e o que abominavam. 

Nessas alturas em que eles também me diziam piropos que, de certa forma, me eram simpáticos mas pouco relevantes, eu podia apreciar como as mulheres se arranjavam e andavam quase em função do efeito que queriam produzir nos homens, especialmente nos que tinham cargos de mais responsabilidade.


Aos trinta e um anos passei a directora e fiquei a ser a mais nova directora da empresa, entre homens e mulheres. Convivia, então, especialmente com os meus colegas directores, todos homens. E ficava espantada com a atracção que eles exerciam nas mulheres. Ter um caso com um director parecia ser a máxima ambição de um número significativos de mulheres. Secretárias, estagiárias, jovens técnicas, etc, -- tudo se produzia e exibia para cair nas boas graças deles. Os meus quatro maiores amigos de entre os meus colegas (todos casados e bem casados) tiveram vários casos, a que eu assistia divertida, tolerante. Percebia que, para eles, era uma forma de se sentirem admirados e desejados, uma forma de sorrirem com uma certa vaidade quando os outros se metiam com eles. Elas ficavam felizes e eles também.


Apenas um caso deu para o 'torto' -- e digo que deu para o torto porque passou a fasquia da brincadeira: o meu melhor amigo, que todos os dias ia conversar um bocado comigo ao meu gabinete e que começou por ter um 'casinho' com a minha secretária, apaixonou-se por ela e ela por ele e, depois de anos de hesitação e de, na prática, já viver em verdadeira bigamia, expôs o caso à mulher na esperança que ela aceitasse a situação e, como ela não aceitasse, separou-se a vive agora com ela. E são felizes apesar de ele nunca ter formalizado a separação da mulher. E continua a dar-se bem com ela. Nos casamentos dos filhos e aniversários dos netos, estão todos juntos na maior amizade.

Por essas alturas, eu tentava arranjar-me bem mas não muito 'à senhora' coisa que, afinal, também não fazia o meu género. Contudo, dado o dress code que forçosamente tinha que respeitar, comecei a ter que fazer uma certa ginástica para não me arranjar de forma muito desconstruída mas para não parecer uma madamezinha.


Uma vez, comprei um vestido em pied de poule branco e preto, abotoado de alto abaixo, com uma golinha, e que usava com um cinto fininho preto. Nunca antes me tinha vestido com ar tão formal. Quando lá cheguei toda a gente olhava para mim e sorria, tal a diferença. A minha secretária, mais ousada, disse: 'Bolas, bolas. Parece uma viúva' e depois sorriu e acrescentou 'Daquelas ainda muito desfrutáveis'. A partir daí passei a usar o vestido com um cinto largo encarnado para não parecer tão viúva e não fazer despertar aqueles sorrisos maliciosos. Mas nada disto alguma vez ocupou muito a minha mente nem nunca me vesti assim ou assado para agradar ou deixar de agradar. 

Agora continuo a vestir-me como me apetece e quero lá saber. É minha opinião que, mais importante que a moda, é o estilo, e, mais importante que o estilo, é a maneira de ser e, das maneiras de ser, a descontraída é que melhor qualidade de vida proporciona ao próprio e ao próximo. Tirando isso, pouco mais sei dizer.

Claro que tenho a noção das coisas e, portanto, obviamente não uso shorts, calças rasgadas ou descaídas, ou blusas transparentes sem nenhum top por baixo. Agora que já tenho idade para me vestir 'à senhora' não o faço porque continuo a não gostar de me vestir muito arranjada como se fosse uma consultora empedernida, uma beata sofisticada ou uma avozinha encartada. Pinto os olhos mas não muito, ponho baton ou gloss, deixo o cabelo solto ou apanho-o. Como me apraz em cada dia.

A minha filha que conhece bem o lugar onde eu trabalho, disse uma vez à minha mãe: 'Lá todas se vestem melhor que a mãe' -- e isso deixou a minha mãe apreensiva. Expliquei-lhe que não compito com as outras mulheres em nenhuma categorias e acho que ela percebeu.

E, aqui chegada, o que tenho a dizer é que o melhor que cada pessoa tem a fazer é andar, a cada momento, como se sentir melhor, sem sacrificar os seus gostos, sem pretender obter vantagens de qualquer espécie por ser ou andar assim ou assado, sem esperar por melhor altura, sem se importar com a opinião alheia.


Vivendo num meio masculino, altamente competitivo, nunca me senti preterida ou preferida por ser mulher. E nunca tive que sacrificar o que quer que fosse da minha feminilidade nem senti que podia obter qualquer coisa mais se a empolasse. Nem nunca achei que as feias ou as bonitas, as altas ou as baixas, as magras ou as gordas têm vantagem ou desvantagem. Nesse aspecto, acho que ser mulher é ser como um homem: o importante é ser-se autêntico e ser inteiro. O resto é invólucro, é passageiro. 


Chego a casa, desmaquilho-me, escovo o cabelo, despenteio-me ainda mais do que andei durante o dia, dispo-me, visto uma roupa confortável, e a capa que usei durante o dia desaparece. Esqueço-me dos meus problemas profissionais, das arrelias, esqueço-me de tudo o que, aqui em casa, visto de longe, perde relevância. Pego nos livros, ouço música, sento-me ao computador, escrevo. E sou eu, em qualquer altura, de qualquer maneira.

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Talvez algumas pessoas olhem para mim e digam que eu fui bonita, e, dizendo isso, estarão a pensar que fui, já não sou -- ou seja, a assumir que a beleza se me esvaíu com a idade. Eu olho para as minhas fotografias e vejo que, de facto, a idade tem vindo a passar por mim, são notórias as diferenças. Mas não quero saber disso para nada. Continuo a gostar de me arranjar e de me desarranjar, continuo a ser como sou -- e quem gosta, gosta, quem não gosta, paciência. O que sei é que me sinto agora mais mulher do que alguma vez antes me senti e que isso me dá ainda mais alegria e mais segurança em mim. Faço o que quero. E a beleza física, bem vistas as coisas, não é o mais determinante em coisa alguma. Tudo o que é importante na vida de uma pessoa è una cosa mentale -- e, ao terminar a conversa, isso é a única coisa que eu posso afirmar com alguma convicção.

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Esta conversa toda veio a propósito do vídeo que mostro abaixo e que fala de outras modas, de outras belezas, de outras mulheres, de outros mundos. Encontrei-o na Harper's Bazaar, onde se diz o seguinte:
For many people, "fashion" doesn't extend far beyond the runway and pages of magazines like BAZAAR. But in cities across the globe, it's so much more than what the media represents — fashion is a form of expression, veneration and even rebellion. 
In States of Undress, a new docuseries premiering on Viceland March 30, writer and model Hailey Gates will travel around the world, exploring what fashion and beauty means to society and culture in countries including Venezuela, Russia, China, Palestine, the Congo and more. 
In the first episode, Gates goes to Pakistan, where she explores Karachi Fashion Week—"taking place in what was essentially a guarded bunker in the middle of one of the most volatile countries in the world" — and meets with human rights activists, fashion PR execs and rebellious designers.

STATES OF UNDRESSBEAUTY AND FASHION IDEALS AROUND THE GLOBE

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O primeiro vídeo, lá em cima, é Fashion Story: A dreamy touch de Sølve Sundsbø.

As fotografias que usei ao longo do texto, se não me engano, são todas de Patrick Demarchelier excepto a de Jean Seberg (de cabelo curto) e não pretendo que pensem que sou parecida com alguma delas. Claro que não sou pois, se fosse, provavelmente também teria seguido a profissão de modelo: não sou muito alta, não tenho as medidas perfeitas, não passo, de facto, de uma pessoa completamente normal. Se alguma coisa me distingue, acho eu, é o facto de ser como sou (seja lá o que isso quiser dizer).
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E tenham, meus Caros Leitores, um belo fim-de-semana.

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sexta-feira, fevereiro 05, 2016

Sou a louca mais domesticada que conheço.
E não há quem se sinta mais decepcionado com isso do que eu.
[E um pequeno parêntesis sobre António Costa, Passos Coelho e sobre as histéricas e venenosas viúvas laparianas]


Bem, no post que se segue já falei de moda e da minha relação com ela, já mostrei a moda primavera-verão 2016 segundo a casa Chanel e já mostrei a preparação das peças de alta-costura.

E agora estou a aqui a hesitar se hei-de gozar que nem uma perdida com o desplante do láparo, com a falta de moral, a falta de bom senso da criatura que agora aparece todo posudo, outra vez feito putativo estadista, fazendo de conta que não andou por cá nos últimos 4 anos a espatifar o país -- ou se não toque com as minhas mãos nas teclas que me levarão a escrever palavras de agonia e fale mas é de outra coisa.

Já decidi: vou falar de outra coisa.



Mas antes, deixem que abra aqui um parêntesis, coisa pouca.

O Orçamento, como já aqui tinha dito, foi aprovado pelo Governo, por Bruxelas (que tem mais que fazer do que meter-se em trabalhos com os tugas que nunca dão trabalho nenhum e que são umas boas cobaias para tudo, até para ensaiar uma inflexão na política europeia) e que agora vai ser aprovado no Parlamento. 

António Costa  tem vindo a afirmar-se como um mestre na negociação, uma mistura de negociador marroquino (quer chegar a 10 e, ao mesmo tempo, agradar à contraparte, e, então, começa por 100 para ir negociando, negociando, chegando onde quer e deixar o outro todo contente pela vitória que teve) e de príncipe florentino, cheio de manha, charme, todo escolado na arte da sedução e conquista. E, portanto, foi uma vez mais nas calminhas que levou a água ao seu moinho. 

Não sei se há algum maquiavel a aconselhá-lo ou se ele é conselheiro e príncipe numa única pessoa, como parece ser. Um case study, de qualquer maneira.
As histericazinhas do regime, as viúvas do láparo -- que nada percebem, que nada tentam perceber e que apenas têm a sua ignorância, a sua perfídia e o seu ódio a movê-las -- bem andaram por aí a inventar grandes crises, a vilipendiar, a tripudiar e a torpedear mas, hélas, não tiveram sorte em nenhuma das frentes de batalha que abriram, nomeadamente nas externas.


Só espero, agora, uma coisa: que o Governo e a coligação que o apoia percebam a importância da comunicação. Os saudosistas do láparo e os avençados a soldo dos endinheirados e diligentes agentes dos mercados tudo fazem e tudo farão para minar a opinião pública.


Há, pois, uma pedagogia séria a fazer, uma desmontagem de todos os ardis e bacoradas que foram propagados insistentemente. Durante quatro anos os portugueses foram vítimas de uma perversa lavagem cerebral que ganhou fundas raízes já que o terreno é fértil: os portugueses, dada a sua matriz cultural judaico-cristã, formatados para assumirem a culpa (nem que seja dos pecados dos outros), facilmente assimilaram uma história falsa.

Há muito trabalho a fazer neste domínio e, do que tenho visto, isto não está a ser acautelado. As notícias que ouço nas televisões são manipuladoras, facciosas, indutoras de ideias distorcidas. A desinformação deve ser percebida como o um risco sério que é.

Uma democracia saudável precisa de uma população bem informada. A desinformação massiva torna as populações vulneráveis a todo o tipo de manipulações e daí até aos regimes populistas, extremistas e perigosos, vai apenas um pequeno passo.


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Mas, enfim, hoje estou sem grande vontade de vos maçar com este género de conversa pois só me apetece falar à bruta e acho que quem me lê não tem que levar com a minha revolta. Hoje, depois do rio manso da moda que corre mais abaixo, estou de mar revolto. E ou estou aqui num apertado esforço de contenção, coisa em que não sou especialista, ou parto para a bordoada e acho que, numa sexta-feira, ninguém merece.

Por isso, com vossa licença, vou partir para outra. Ora vamos lá. Vamos falar da loucura que é ser livre.

(...)


Loucura mesmo é perder os descaminhos por andar demasiado tempo sobre os trilhos. A trilha não compensa. É preciso não temer em demasia o beijo na lona. Contudo, admito, sou um maria-vai-com-as-outras. 


E por falar em efeito manada, em seguir a onda, loucura mesmo é achar a coisa mais comum do mundo quando o mar quebra na praia. As marolas nunca são iguais. Espuma e melancolia são coisas muito subjetivas, pois cada um investe poesia na sua vida da maneira que dá conta. Em tempo: o ato mais lírico e insano que já cometi foi ter cometido filhos. É um tipo de amor que não possui métrica. Não consigo rimar nada parecido com isso.

Loucura mesmo é buscar a fama sabendo que a fome da terra nos espera com os dentes de anteontem. Há uma pressa incompreendida no nascer-e-morrer do universo. Ninguém explica isso sem partir para o fanatismo. 

Não sei se você concordaria com isso, mas, fanatismo é reverenciar uma boa hipótese. 

Se sacasse alguma coisa a respeito dessa tal Geração Y, eu perguntaria aos universitários, sem titubear: o que é a vida, chapas? Rio só de imaginar as caras deles.

Pensando bem, se prestarmos muita atenção nos detalhes da nossa longa existência no planeta, notaremos que loucura mesmo é derrubar hectares e mais hectares de mata-virgem para asfaltar a relva e plantar espigões de concreto onde seres humanos se empilham. Há pouca ou nenhuma humanidade nisso. Não faz tanto sentido quanto afirmam os arquitetos. (...). 

Rômulo e Remo acharam plausível, líquido e certo mamar nas tetas de uma loba. Então, mamaram. Era uma questão de sobrevivência. O que esse adendo mítico tem a ver com a minha história? A não ser pela sedução do trocadilho, nada. Não reclame. Eu avisei que estava com a macaca. Você trepou com o meu texto porque quis. Mesmo assim, não se amofine. Estou aqui, próximo de um fim, agarrando-me a qualquer fio-da-meada que se me oferecer.

Loucura mesmo é ter coragem de levar a vida na flauta, à margem da escala-de-dó dos que sofrem por falta de tempo, com sanha por patrimônio material. Que vida odiosa levam os que buscam um futuro melhor gozando o presente da pior maneira. Loucura mesmo é contar dinheiro, várias vezes ao dia, na esperança de que apareça um pouco mais dele. É organizar carnês por data de vencimento. É fazer ginástica financeira, mas, enfartar por causa do sedentarismo. Coronárias não aceitam banha-de-porco, quem dirá, desaforo.

Você foi alfabetizado, amigo? Então, conte nos dedos quantos loucos deram certo na vida. Todos. Eu digo e repito, com medo de acertar: todos. Os malucos anônimos e os malucos geniais. Os loucos magníficos, mesmo sem pleitearem os louros, entram para a história e se tornam eternos. É comum que dependuremos os seus pôsteres nas paredes, a fim de admirarmos tanta petulância. É como se falássemos ao espelho: Queria tanto ter sido como você; doido, lindo, sincero e verdadeiro.

Mas existem demandas demais, compromissos demais, impostos demais, impostores demais esperando por nós: os homens normais. Esse status tolo no qual eu e você estamos inseridos faz parte do enfadonho, triste e conveniente convívio social — não necessariamente nesta ordem. Porque, quando o assunto é desordem, não entendemos nada. Quem dela se alimenta são os loucos-de-pedra. Os homens mais livres que já caminharam sobre a face da terra.


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O texto a itálico é um excerto de Loucura mesmo é ser livre do médico e cronista Eberth Vêncio na Revista Bula. O título do post pertence à parte do texto que não transcrevi (depois de o passar para o feminino, bem entendido que eu cá não sou louco coisa nenhuma, sou é louca mesmo).

As fotografias provêm da Vogue e são da autoria de alguns dos vários fotógrafos que têm contribuído para o prestígio da revista. A partir de dia 11 de fevereiro a exposição Vogue 100: A Century of Style pode ser visitada na National Portrait Gallery.


Lá em cima Sonia Wieder-Atherton interpreta Song In Remembrance Of Schubert.


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E queiram, agora, se para aí estiverem virados, descer até ao post já a seguir para saberem como me visto e para uma conversinha levezinha sobre a moda segundo aqui a vossa jeitosa mais mansa 
(ora aí está um bom nome para um outro blogue que eu invente A Jeitosa mais Mansa.)

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quarta-feira, outubro 08, 2014

Jennifer Lawrence, a bela actriz a quem roubaram a nudez, numa sessão fotográfica onde mostra a sua sensualidade sem mácula. Uma rapariga na terceira margem, aquela onde se escondem os secretos jardins.


No post mais abaixo já desabafei. Sorte a do Crato porque não se cruzou comigo porque eu, quando tenho que as dizer, não as mando dizer por ninguém. Ouvia-as, ai, ouvia-as mesmo. Aquele fulano anda a pedi-las, anda, anda. Devia sair rapidamente do governo e ir para muito longe, para umas daquelas ilhas que ainda não percebi se existem mesmo ou se são apenas um pedregulho no meio do mar com umas quantas offshores a cavalo. Longe, muito longe. Ou então bem podia ir para as Selvagens tomar conta da bandeira e dar de comer às cagarras. Olha, ensiná-las a fazer a prova dos nove. Ou não, capaz de baralhar os animais, destituído como é. Olha, podia arranjar um programa informático para colocar as cagarras. Não, melhor não, senão as cagarras ficavam todas sem casa e sem norte. Olha, ficar a brincar às pedrinhas. Ou, então, podia ir ele e a outra, a que faz de tudo para parecer uma adolescente retardada. Os dois a darem de comer às cagarras. Olha, também podiam entreter-se a montar tendas para os que iriam chegando aos poucos, a cristas que despacha os secretários de estado a grande velocidade, para a albuquerca que no meio desta bagunça toda até consegue passar despercebida, para o vice-irrevogável poder brincar às linhas vermelhas que ninguém pode pisar, para todos, e, em espacial, para o láparo, aquele que larga pêlo e que nem para tal e coiso serve (... enfim, deixem para lá, sabem a anedota, com certeza).

Mas a conversa sobre o Crato é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.



You are my sister



Antony and the Johnsons




Quando se abrem contas na nuvem (da apple ou da google, por exemplo) e se acede a essas contas num smartphone como o iPhone ou um Samsung (para referir dois dos mais usados), sem que a pessoa tenha bem noção disso, quando tira fotografias pode estar a colocá-las não apenas dentro do seu telemóvel mas, também, nas bases de dados associadas à sua conta e alojadas nessa nuvem.

Acede-se a essas contas (de mail, de espaço de armazenamento, etc) escrevendo o nome do utilizador e a password.

Contudo, para tentar violar essas contas estão aí os hackers.

Uma vez estive num encontro em que, para mostrar alguns cuidados a ter a nível empresarial, nomeadamente no que se refere à vulnerabilidade das redes de comunicações, tinham convidado um hacker do pior que havia. Já nem me lembro da nacionalidade do rapaz, tenho ideia que era alemão. O que sei é que o que ele disse e demonstrou era de arrepiar. Muitas vezes nem é por maldade ou pelo gozo de ver o conteúdo que esses habilidosos violam a segurança de sites ou correio, documentos ou fotografias: é, sobretudo, para ver até onde vai a própria capacidade para rebentar com portas supostamente trancadas a sete chaves.

Pode não ter sido o caso recente dos que violaram as contas de umas quantas actrizes, mas sei lá. Aí admite-se que tenha sido mesmo pelo prazer de sacanear, ou para chantagear, ou para receber uns cobres por parte da imprensa sensacionalista mas, às tantas, foi mesmo para verem até que ponto eram capazes de detectar as vulnerabilidades destes sistemas.

O que penso é que, nem as raparigas deveriam ter bem a percepção de que aquelas fotografias mais íntimas, não estavam apenas guardadinhas e quase invisíveis dentro dos seus telemóveis ou nos dos namorados mas, sim, armazenadas algures numa qualquer cloud. Além disso, obviamente são livres de se fazer fotografar como muito bem lhes apetece, nuas, provocantes, ou vestidas até ao pescoço, como quiserem.

Imagino a angústia destas jovens mulheres quando souberam que fotografias privadas e algumas bastante ousadas andavam a circular por todo o lado, imagino a vergonha perante amigos e, sobretudo, perante a família.

Claro que acabam por criar uma carapaça ou fobias ou, como acontece com tantas, acabam por procurar defesas em drogas ou álcool.

Jennifer Lawrence, a talentosa e sexy menina de 24 anos que já ganhou o Oscar e muitos outros prémios, parece que já mais ou menos conseguiu pôr a infâmia e a humilhação para trás das costas e, como dizem os brasileiros, já entregou para Deus. Mas não deve ser fácil.





E a Vanity Fair deu-lhe uma ajuda, elevando o seu estatuto a capa de revista, a diva, a mulher quase feita, bela, sensual e muito respeitável. A capa da Vanity Fair não é para qualquer uma e, por isso, eis a bela actriz a quem roubaram a nudez, aqui, fulgurante, superior, bem acima da maldade alheia.





Foi Patrick Demarchelier quem fotografou Jennifer Lawrence para a Vanity Fair de Novembro e ela está linda, menina inocente, irreverente e muito sexy, both huntress and prey. Uma bela rapariga a percorrer os sinuosos labirintos da fama.





Rapariga que segura outra ponta da distância, acudo à sua
noite desde a terceira margem, que é a margem do amor.

Nessa margem visito secretos jardins: a flor nocturna que
rego debaixo da sua saia, a orquídea negra que cresce na fenda
dos seus músculos.

Rapariga de cujas pernas abertas a noite se escoa, entro no
seu bosque como a chave nas fechaduras, para me assomar
de novo ao outro mundo.

Não me perguntem o santo e a senha, a chave que abre a gruta
ao seu silêncio, o sésamo do seu coração. Não há palavra que
nomeie esse fulgor.



['Rapariga' de Juan Manuel Roca in 'Os cinco enterros de Pessoa']




Jennifer Lawrence Makes a Splash for Her Cover Shoot - Vanity Fair November 2014






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E por hoje fico-me por aqui. Ando mesmo com sono, podem não acreditar mas ando. Amanhã, ainda por cima, tenho que madrugar. Bolas que ninguém me poupa.

Tantas boas intenções que eu tinha para hoje e nada. Mas os livros podem esperar.




O tempo permanece
Apanhado entre os livros.
Por este prodígio de apreensão,
Heraclito continua a banhar-se
No mesmo rio,
Na mesma página.
Tu continuarás para sempre
Nua no meu poema.


['Arte do tempo' de Juan Manuel Roca, in 'Os cinco enterros de Pessoa', tradução de Nuno Júdice]






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Relembro: deslizem, por favor, até ao post já a seguir para se virem juntar a mim num valente tareão ao sonso do Crato.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta-feira.


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sexta-feira, agosto 29, 2014

Por quem os lobos uivam. Uma história muito estranha. [Ou, talvez, mais um conto erótico numa quente noite de verão]


No post a seguir falo em Judite de Sousa que está de regresso à televisão e que reapareceu pela mão de um jovem de 29 anos, um menino de sua mãe: Cristiano Ronaldo.

Mais abaixo ainda falo também na entrevista que António Costa concedeu a Fátima Campos Ferreira, uma entrevista que ficou bem aquém da personalidade e carisma do candidato à liderança do PS.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é completamente diferente.


Cuidado. Cuidado que eles andam aí.



Cry Wolf

(o som não muito alto, por favor)





Há pouco já o referi. Estive em paz durante o dia, entregue ao prazer de nada fazer, a pele à disposição da doçura do sol que me chega coado através da ramagem fresca da grande figueira. Li, preguicei, estive de olhos fechados a ouvir os pássaros, a aragem nas ramagens, os sons amáveis desta natureza que aqui me acolhe.

Ao fim do dia, a luz fica dourada e há um calor macio que prenuncia o outono. Gosto do tempo assim, apazigua-me, há suavidade no ar e é esse ar suave que eu respiro e que se espalha sobre a minha pele. Posso estar nua para melhor sentir esta doçura pois aqui ninguém passa, a rua fica longe, 

Depois fui a casa buscar um sumo e deixei o livro em cima da espreguiçadeira. Quando cheguei, escurecia, o sol tinha entrado na montanha que me cerca. Não vi o livro. Estranhei. Depois ouvi um som, assustei-me, instintivamente peguei no vestido e encostei-o ao corpo. Reparei então que o livro estava no chão. Intrigada, olhei em volta. Atrás de um tronco, o gato espreitava-me. Ah, o safado do gato. Já nem me lembrava dele, ultimamente não tem aparecido.

Chamei-o, Bchbchbch... Ele arqueou o corpo. Perguntei-lhe, Olha lá, foste tu que vieste aqui deitar o livro ao chão, não? Ele inclinou a cabeça. Não disfarces, gato atrevido, sei que foste. Estou para saber é há quanto tempo estavas aí a espreitar-me, ó gato descarado.

Peguei num figo seco e atirei-lhe. Fugiu. Espreitei. Claro, estava em cima do muro, o muro que separa a paz da minha casa da misteriosa casa onde acontecem as coisas mais inesperadas.

Disse-lhe, Olha, hoje não vou, não me quero meter em aventuras arriscadas. Ele miou longamente. Depois saltou para o lado de lá.

Tinha anoitecido. Enfiei o vestido, enfiei umas sapatilhas e subi à árvore junto ao muro. O gato espreitava-me como se me esperasse. Olha lá, está para lá aquela gente bizarra dos outros dias? Não me quero meter em cenas estranhas, ouviste?

Não me respondeu mas olhou-me com ar desafiador. Hesitei mas depois respirei fundo e saltei. Esta minha maneira de ser, por um lado tão bem comportada e cautelosa e, por outro, tão temerária, com tanto apetite por situações de risco.

Pé ante pé lá fui. As luzes apagadas, tudo escuro. Senti uma ponta de desapontamento mas, logo depois, senti um certo alívio. Nada de mistérios e sustos, desta vez. Sentei-me naquela cadeira onde no outro dia tinha visto a mulher secreta a ser penteada por outra. Deixei-me ficar ali, olhando o muro atrás do qual está a minha casa. Pensei se quem costuma vir a esta casa sabe que do lado de lá vive uma mulher arisca que gosta de se deitar nua ao sol. Olhei em volta, o céu estrelado, a noite quente, os sons dos pássaros da noite, o rastejar de animais entre o mato. Sentia algum receio, aquele receio que me deixa alerta, quase paralisada. O gato veio deitar-se no chão perto de mim e isso sossegou-me, senti que me protegia.

Depois devo ter adormecido. 

Quando acordei ouvi sons estranhos. Saltei da cadeira. O gato tinha desaparecido. Olhei em volta, assustada. De dentro da casa vinha agora luz, uivos abafados. Um arrepio percorreu a minha pele. Ai...

Pensei que devia voltar para casa. Quando comecei a ver se tinha luz suficiente para encontrar o caminho, o coração num sobressalto, vi o gato à porta de casa. Parecia chamar-me.

Estive uns segundos a hesitar mas depois, sem pensar, segui-o. Pareciam uivos o que vinha lá de dentro. Comecei a ficar aterrada mas, quanto mais medo tinha, mais vontade tinha de saber o que se passava.

O gato ia avançando à minha frente, arqueado, alterado, percebi que ia assanhado. Pensei que algo se passava e que tomara que o gato não se virasse a mim.

Então, à medida que, pé ante pé, me aproximava do sítio de onde vinha a luz, os uivos iam sendo mais nítidos. O gato parou e eu ouvi o seu arfar assustador, parecia pronto a saltar. Fiz-lhe um sinal, para que ficasse ali.

Avancei sozinha. Nunca tinha estado naquela ala da casa.


Pela frincha da porta espreitei. 




Numa cama, uma rapariga, cabelos espalhados pela almofada, descansava abraçada ao que me pareceu ser um lobo. Estavam tranquilos. ela parecia olhar um ponto indistinto e o lobo aninhava-se docemente nos seus braços.

Que visão mais estranha.

Mas os uivos continuavam.

Espreitei por outra porta. Depois desviei o olhar. Não percebi mas também não quis perceber.




Era uma mulher quase igual à outra, mas coberta por um casaco de peles, casaco que parecia ter aberto, deixando exposto o belo corpo nu. O grande cão gania, parecia faminto. A mulher olhava-o e não se percebia se era medo, se era neutra aceitação ou se era, mesmo, provocação.

Assustada, o coração numa inquietação, que coisas tão estranhas se passavam sempre nesta casa, dei meia volta, pensei que tinha que sair dali o mais rapidamente possível. Um ambiente de perversão parecia materializar-se nestes estranhos casais. Não queria testemunhar aquilo.

Mas então ouvi um som. Parei. Tu!, ouvi mas era apenas um sussurro. Não fui capaz de me mexer. Tu, sim!, um sussurro de novo

Espreitei.




Não percebi se era um rapaz, se era uma rapariga. O corpo envolto em peles, um quase lobo, olhos claros, lábios desenhados. Olhava-me e não se percebia se era um olhar inocente, se era a pura encarnação do pecado. Quando viu que eu estava a olhar, começou a afastar devagar as peles. Era um jovem quase imberbe, imponente na sua virilidade. Fugi impressionada, cheia de medo.

Mas então, à minha frente, apareceu-me um outro. Quase nu, as calças descaídas, meio coberto por peles. Olhava-me com olhar fixo. Depois uivou.




Um arrepio de medo e não só percorreu todo o meu corpo. Começou lentamente a empurrar as calças para baixo. Depois segurou gentilmente a minha mão. Não sei se estava aterrorizada, se estava mortificada de desejo. Uivou baixinho junto ao meu ouvido. Toda eu estremeci. Despiu-me e eu deixei que me despisse. Não quis saber quem era, se era um lobo de verdade, se era alguém que me mentia, que fingia ser um lobo sedutor numa quente noite de verão. Não quis saber.




Olhei em volta com medo que o gato aparecesse e nos atacasse, mas não o vi. Do outro lado do corredor, vinha agora um uivo que era mais um estertor, o som de la petite mort.

O meu lobo, agora nu, apenas coberto de peles, abraçou-me e eu senti o seu corpo jovem e viril e ele beijou-me e a sua boca sabia a bagas silvestres e eu deixei que ele me beijasse e abraçasse e afagasse. Depois deitou-me e deitou-se ao meu lado e afagou o meu cabelo e beijou-me mais e as suas mãos de jovem fauno percorreram o meu corpo. De vez em quando ele uivava baixinho junto ao meu ouvido, depois pediu que eu uivasse também e eu uivei mas o uivo saíu-me rouco e ele beijou-me com mais força e eu senti-me bem, senti-me bem até ao fim, muito bem. 

A seguir, quando me levantei e disse que tinha que me ir embora, ele separou-se da sua pele e cobriu-me com ela. Depois vestiu-me as suas calças, Depois foi buscar um pano preto e passou-o em volta do meu pescoço.




E disse-me, Fico aqui à tua espera. Vai e volta, traz-me a minha pele que agora é a tua pele, traz-me o teu corpo, o teu olhar, vem que quero ensinar-te a uivar. E beijou-me uma vez mais.

Não sei quem ele é, não quero saber se me mente, se me faz promessas que não vai cumprir, não sei se vou voltar a vê-lo. Não sei se os seus uivos sussurrados no meu ouvido são verdadeiros ou se são puro descaramento. Não quero saber. E, se me está a mentir, pois que minta, que minta para eu me sentir ainda mais livre.


Quando saí, o gato estava à porta. Dormia. Tentei acordá-lo. Ignorou-me. Assustei-me, temi que não estivesse vivo, bati-lhe ao de leve com o pé. Arfou, ameaçador, e voltou a enroscar-se sem me olhar.

Atravessei o caminho que levava até ao muro, a luz das estrelas quase me deixava ver ou talvez estivesse já a raiar o dia. A boca sabia-me e ainda me sabe a amoras.

E aqui estou para vos contar como esta noite dancei com lobos e como me estou a preparar para aprender a uivar.

Uhuuuu, uhuuuuu.......

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Para os mais sisudos, que não apreciam estas minhas derivas nocturnas e tresloucadas, aqui vos deixo um filme maravilhoso. Mete lobos mas não mete maluquice. 


Como os lobos mudam os rios






[When wolves were reintroduced to Yellowstone National Park in the United States after being absent nearly 70 years, the most remarkable "trophic cascade" occurred. What is a trophic cascade and how exactly do wolves change rivers? George Monbiot explains in this movie remix.]


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A música lá em cima é Melody Gardot interpretando Cry Wolf


A rapariga com lobos é Lara Stone fotografada por Mario Sorrenti.

O primeiro rapaz-lobo é David Fair fotografado por Milan Vukmirovic. O segundo, o eleito, não sei quem é mas sei que foi fotografado por Mario Testino.

As duas últimas fotografias mostram Kate Moss fotografada por Patrick Demarchelier

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Relembro: se continuarem por aí abaixo encontrarão referência a duas entrevistas: em primeiro lugar o regresso de Judite de Sousa depois do seu período de luto, entrevistando Cristiano Ronaldo; depois a morna entrevista de Fátima Campos Ferreira a António Costa.


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E, assim sendo, por agora por aqui me fico.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira. 
E cuidado com os lobos. 
(....Uhuhuuuuuu.... uhuhuuuuu....)


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