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quarta-feira, outubro 30, 2024

Quais as causas para haver, em simultâneo, em vários países, uma crise na Habitação?

 

Até há relativamente pouco tempo não se ouvia falar em crise na Habitação. 

Aliás, há uns anos, antes da 'acalmia', mais concretamente em 2008, houve uma crise mas de sinal contrário. Se agora, o problema é a escassa oferta e, consequentemente, os preços muito elevados, há uns anos o que aconteceu foi o contrário: era área de forte investimento até que a dita bolha imobiliária rebentou, deixando os bancos entalados e, logo, o sistema financeiro a tremer.

Mas agora não é apenas em Portugal mas em vários países, alguns com ainda maior premência do que por cá, que as pessoas vêm para a rua gritar pelo direito a uma habitação digna. Casas não as há, quer para vender quer para alugar, pelo menos a valores compagináveis com os rendimentos da classe média baixa. Parece que as casas 'económicas' desapareceram. Há, sim, casas milionárias ou milionaríssimas que, estranhamente, também se vendem e arrendam bem, embora certamente a outra camada da população, se calhar, até, a estrangeiros.

Há pouco, estávamos a jantar e a ver, na RTP 3, o Jon Stewart com Josh Shapiro, Governador da Pennsylvania. E, para meu espanto, um dos temas abordados foi também o da crise da Habitação.

Ora o que há de comum entre Portugal, Espanha, França, Irlanda, Reino Unido... e Argentina, Canadá, Austrália, Estados Unidos... para que não haja casas disponíveis para a classe média e média-baixa?

A população está a aumentar de forma rápida, não orgânica? 

Em Portugal, o número de imigrantes é de ordem a justificar a escassez de casas? Até pode ser. Felizmente, a demografia anémica de Portugal está a ser compensada com os imigrantes. Já aqui o referi muitas vezes: tomara que por cá se mantenham e se instalem e formem família, de preferência com muitos filhos. Mas, na realidade, são centenas de milhares de pessoas que têm que ser alojadas.

Ou a crise da Habitação tem também a ver com o advento do turismo fora do âmbito hoteleiro? Estará a crise relacionada com a implantação de plataformas como o Airbnb (escrevo no plural pois não sei se não haverá mais)? Por todo o lado há casas que saíram do mercado do arrendamento tradicional ou em que provavelmente os donos desistiram de as pôr à venda pois o rendimento que obtêm com o alojamento local é bem mais atraente.

Gostaria de ver um estudo exaustivo sobre este tema, identificando, por um lado, o número de casas que seria necessário para alojar o acréscimo de população e, por outro, o número de casas que foram subtraídas do mercado habitacional por transferência para o mercado turístico. Creio que estes dois factores são transversais a todo o mundo dito ocidental (que acolhe imigrantes e turistas).

Penso que, com um estudo fundamentado e com números exactos e uma distribuição geográfica das carências, seria mais fácil encontrar soluções.

O que me confunde é que ouço frequentemente dizer que o problema não é a falta de casas. Não sei se há nuances semânticas nisto. Não vale dizer que há casas, são é de gama alta. Se a população que se queixa de falta de casa é gente com fracos rendimentos, o facto de haver casas de 1 milhão ou com rendas de mais 2 mil euros não vem ao caso. Nem vale dizer que há casas, por exemplo podem usar-se conventos ou quartéis, pois instalações dessas poderão ser reconvertidas para hotéis mas dificilmente para apartamentos (digo eu).

Ou seja, penso que tem que haver um mapeamento exacto do que falta e das suas características e localização. 

E também não vale a pena tentar travar o que não é travável, tal como o turismo que se se instala em alojamentos locais. Quando muito consegue racionalizar-se, mas não travar. Pode, também quando muito, tornar-se o arrendamento habitacional mais atractivo para os senhorios (impostos mais baixos, por exemplo). Mas nunca a solução passará por aí.

Seja como for, em abstracto, creio que o que há é fomentar a construção rápida, económica e bem pensada de construção de habitação, não direi social mas para uma população de baixos rendimentos. E isto deveria ser pensado de forma articulada, discutido, entregue a quem sabe: equipas mistas de arquitectos, sociólogos, engenheiros civis e engenheiros urbanistas. 

Não pode ser feita uma coisa às três pancadas, na periferia. Não queremos, certamente ter mais bairros sociais, indistintos, nos limites das cidades, futuros ghetos. 

Creio que há técnicas de construção económicas e seguras que não têm que ser necessariamente ruinosas para os empreendedores. Ainda agora vi que em Estarreja, numa fábrica, estão a apostar em técnicas económicas e sustentáveis para a construção. Tem que haver investigação e investimento forte nestas áreas.

Não creio que tenha que ser construção pública. Pode ser. Mas não tem que ser forçosamente pois as naturais limitações orçamentais do Estado não devem ser um travão para a resolução deste grande problema. 

Agora que se perceba de que é que efectivamente se está a falar, quais as causas, de que é que se precisa exactamente. E que se perceba que isto é um tema global. Que se aprenda com os outros, no que for de aprender. 

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Partilho um vídeo sobre o tema. Contudo não são abordadas possíveis causas que me parecem bastante prováveis como as que referi (o disruptivo e não linear crescimento da população pela incorporação de imigrantes no tecido social e o grande afluxo turístico que se aloja em casas que antes eram habitacionais).

The Global Housing Crisis in 5 Minutes

The global housing market has reached boiling point. Prices are going through the roof, home-ownership rates are at all-time lows, and supply is consistently below what is needed. As we go through multiple global cities, we investigate the main problems with the housing market, as well as the possible solutions.


quarta-feira, janeiro 17, 2024

No dia em que a Irene soltou os cachorros, ia-nos acontecendo uma.
Portanto, para festejá-lo, vou ver uma casa fabulosa e convido-vos a virem também

 

O meu dia foi sobretudo disparatado. Uma peça do separador central da autoestrada, com a ventania, soltou-se e enfiou-se debaixo do nosso carro e, tal o estrondo, pareceu produzir o efeito de uma explosão. Depois, quando o meu marido abrandou e conseguiu fazer uma diagonal para levar o carro para a berma, aquilo fazia um ruído de tal forma excruciante que nos fez levar a pensar que o carro estava a despedaçar-se por baixo. 

Tivemos que chamar a Assistência porque a parte de ferro daquela coisa estava enganchada por baixo. O carro teve que ser levantado, claro, para desencravar e puxar aquilo. Depois, o senhor da Assistência chamou a polícia para registar a ocorrência. Com isto estivemos não sei quanto tempo ao frio e ao vento na autoestrada. Aparentemente o carro não ficou estragado mas já era de noite, não se conseguia ver nada, muito menos por baixo do carro. Tem que ir à oficina para ser inspeccionado por baixo. 

Mas, face ao que aconteceu e ao que poderia ter acontecido, tivemos muita sorte. E, sempre que apanho grandes sustos e vejo de perto acontecer qualquer coisa que pode acabar muito mal mas não acaba, sinto-me agradecida, agradecida pela boa sorte. 

A vida é sempre, queiramos ou não, um equilíbrio precário pois, pensando nós que o que está mal na nossa vida está noutro sítio (no meu caso, numa cama -- e refiro-me, obviamente, à minha mãe), do nada acontece-nos uma que, num ápice, sem termos tido tempo para reflectir ou para perceber o que nos estava a acontecer, nos poderia levar desta para melhor (bastava que aquilo tivesse entrado pelo vidro do carro ou que, no momento em que o carro pareceu explodir, o meu marido tivesse travado ou dado uma guinada que levasse os outros carros a virem para cima de nós, com as consequências que daí poderiam advir). Portanto, não tenho que lamentar o susto, o tempo perdido, o frio -- tenho é que estar agradecida por termos escapado ilesos.

Face a isto, penso que não vale a pena falar de mais nada. Só que cheguei a casa enregelada até aos ossos mas, depois de um banho quente, senti-me tão animada (ia dizer abençoada) que, sem pensar duas vezes, resolvi fazer uma tentativa junto de uma editora. Mas tão despassarada estava que, ao preencher o formulário de caracterização e envio, me esqueci talvez do mais importante. Quando dei por isso já o tinha enviado com essa estúpida omissão. E agora não vou enviar segunda vez, iria dar mau aspecto. Mas também não estou aborrecida. Há coisas piores. E tenho para mim que o que tem que acontecer acontece no momento certo, portanto não vou para aqui ficar a pensar no disparate que fiz.

E, para ser ainda melhor, ao abrir o YouTube, apareceu-me uma casa fabulosa. 

A arquitectura desta casa, a engenharia, a envolvência, a luz, a largueza e a harmonia dos espaços, os materiais, a intemporalidade, a decoração, tudo é fabuloso. É uma obra de Frank Lloyd Wright. Convido-vos a ver pois é uma maravilha. Quando me sair um super euromilhões hei-de descobrir um arquitecto deste calibre, um terreno deste género e hei-de pedir-lhe que desenhe a casa dos meus sonhos.

Inside One of Frank Lloyd Wright’s Final-Ever Designs | Unique Spaces | Architectural Digest

Today AD travels to Connecticut to tour Tirranna, one of legendary architect Frank Lloyd Wright’s final designs. Considered one of the greatest architects of all time, Frank Lloyd Wright produced over 1000 designs in a career spanning 70 years, revolutionizing architecture in the United States. A pioneer of organic architecture, Wright believed any building should exist in harmony with its inhabitants and surroundings–a concept that runs through the veins of Tirranna. Join Stuart Graff, president and CEO of the Frank Lloyd Wright Foundation, as he walks you through one of the final designs of Wright’s career.


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Uma boa quarta-feira
Saúde. Boa sorte. Paz.

quinta-feira, agosto 03, 2023

Pesadelos que desencantam angústias do passado

 

Quando deixei de fumar nunca recaí. Mas, por várias vezes, sonhei que estava a recair. Eram sonhos muito reais. Sentia o prazer de fumar, sentia o cheiro e o sabor, desfrutava a aspiração profunda e a longa expiração. Depois, sobressaltava-me, irritada por ter recaído e me ter esquecido de que já não fumava. Acordava atarantada, muito aborrecida por ter estado a fumar... e custava-me a perceber que tinha sido um sonho. 

Provavelmente é qualquer coisa de semelhante que me acontece agora ao ter pesadelos horríveis em que tenho reuniões e em que, pelo trânsito que apanho pela frente, por não arranjar lugar para deixar o carro, por não me lembrar onde deixei o carro e não conseguir pôr-me a caminho, seja pelo que for, vejo o tempo a passar e percebo que não vou conseguir chegar a tempo.

Eu, na pontualidade, sou germânica. Se é 9:30 é 9:30, nem 1 minuto a mais nem um minuto a menos. E, portanto, sendo eu assim, imagine-se como fico doente quando sou eu a chegar atrasada. E, pior ainda, quando era eu a convocar a reunião e, afinal, deixar todos plantados à minha espera.

Muitas vezes as pessoas admiravam-se de eu não me stressar com situações que deixavam outros ao rubro -- trabalhos que corriam mal, reivindicações salariais absurdas, reclamações ridículas aquando das avaliações, gente falsa que atira a responsabilidade dos seus erros para cima dos outros ou que quer afirmar-se pisando os outros. Não me stressava com nada disto. Mas ficava doente quando ia atrasar-me e não conseguia evitá-lo.

Presumo que seja isso que me faz ter pesadelos como tive a noite passada. Sonhei que tinha uma reunião às 10:30, que já tinha marcado mais tarde para garantir a pontualidade, e tudo me corria mal. Nos meus pesadelos, em volta disto há ainda outras recorrências: vou com miúdos e com sacos com roupa e comida para eles. E eles depois estão com sono, cansados, arrastam-se, não querem ir e eu tenho que puxá-los. E não consigo levá-los ao colo. E tudo me corre mal, vou dar a sítios que não conheço, não encontro quem saiba dizer-me o caminho, depois perco-me, a seguir apanho escadas, precipícios, tudo. E o tempo a aproximar-se e eu a ver que vou chegar atrasada. E os miúdos têm fome, querem ficar sossegados a brincar e eu puxo-os, preocupo-me que caiam e se magoem, preocupo-me porque devia dar-lhes de lanchar ou vestir-lhes um casaco e, atrasada e exausta como já estou, não consigo.

Acordo, numa angústia. Levanto-me, vou à casa de banho, tento assimilar que foi um sonho. Mas primeiro que o coração volte ao normal é um castigo.

E isto das crianças só pode ter a ver com a angústia que me apertava o coração quando tinha que ir buscar os miúdos à escola e as reuniões não acabavam, ou estava muita chuva e o trânsito não andava, ou havia um acidente que parava o trânsito e já não se conseguia voltar para trás para escolher um caminho alternativo. 

Mas há quanto tempo isso foi... E ainda estou com isto... Deve ter sido tão traumatizante para mim que ainda labuto contra o pesadelo que era para mim saber que os miúdos estavam à minha espera e eu não conseguia ir a correr para chegar cedo como gostaria.

E ultimamente tenho tido vários destes maus sonhos. Quando me deito já vou com receio de os ter. E a chatice é que, quando acordo, estou tão sobressaltada e preocupada que me custa imenso voltar a adormecer.

Ontem tinha visto um vídeo sobre pontes (e eu gosto imenso de apreciar a elegância do seu desenho) mas aquelas eram tão vertiginosas que interrompi a meio com receio de ter pesadelos com elas. Afinal, tive mesmo um pesadelo e nada teve a ver com pontes que dão vertigens.

Portanto, vou arriscar. E vou partilhar convosco. São extraordinárias obras de arquitectura e, sobretudo, de engenharia, obras que, certamente, nasceram do sonho de quem as concebeu.

Here’s The Bridge That Gives Drivers Panic Attacks When They Go Over It

Bridges are marvels that unite people and places, spanning over rivers, canyons, and other formidable barriers. But beware, because there are bridges that defy the very notion of safety, haunting even the boldest heart. Whether it's their towering heights, treacherous narrowness, or the relentless forces of nature they endure, these bridges have earned a notorious reputation as the most bone-chilling spectacles ever witnessed. In this video, we’ll take a look at some of the most mind-boggling and spine-chilling bridges in the world. 

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Uma bela quinta-feira
Saúde. Sonos descansados. Paz.

segunda-feira, maio 15, 2023

Professora reformada esculpe a sua própria casa

 



Tenho uns amigos que viveram toda a vida em Lisboa, ele trabalhando em ambiente empresarial e ela professora. São um casal muito tranquilo, sempre em paz com os outros e com eles próprios. 

Têm na família vários arquitectos, um dos quais pessoa altamente prestigiada nacional e internacionalmente. 

Há algum tempo compraram um terreno no Alentejo e resolveram fazer lá uma casa. Era inicialmente a casa secundária, para férias e fins de semana. Contudo, aos poucos, o coração deles começou a pender para lá.

Têm uma filha que começou também a pairar por lá, tendo arranjado trabalho também por aquelas bandas e acabando por se casar com um rapaz da terra, por sinal também arquitecto.

Estou a reforçar a proximidade deles à arquitectura para puxar à conversa o tema da casa deles. Podendo ter recorrido a qualquer dos familiares arquitectos, não. Como tantas vezes acontece, resolveram dar meia volta e contratar um gabinete de arquitectura conhecido por recorrer à arquitectura natural. Recorrem a métodos de construção tradicional, ancestral, com barro e palha e não sei o que mais. Eles explicaram-me e fui vendo o projecto e vendo as fotografias da evolução da construção mas já não me lembro bem pelo que não posso dizer mais que isso.

Acho imensa graça a isso e, segundo eles, o processo usado tem muitos benefícios quer a nível térmico e sonoro como a nível de durabilidade.

Estes meus amigos têm um lado muito zen e, em alguns aspectos, um pouco a tender para o alternativo. Uns amores.

Eu e o meu marido somos mais convencionais. Por um lado nunca tivemos vontade de fazer uma casa de raiz e, por outro, se a tivessemos feito, apesar de também termos na família gente das arquitecturas e engenharias ligadas à construção que nos permitiriam aconselhamento técnico isento, creio que iríamos para os métodos construtivos mais convencionais, mais seguros, mais rápidos e quiçá mais económicos.

No entanto, não sendo nós do género eco-zen-alternativo, admiramos bastante observar o género oposto ao nosso.

Esses meus amigos, entretanto, reformaram-se e agora é no Alentejo que passam a maior parte do tempo, vindo cá a Lisboa apenas quando o rei faz anos. E já se integraram na comunidade rural e artística local.

Ao ver o vídeo abaixo em que uma professora de artes constrói a sua casa também com estes materiais e estes métodos e vendo a serenidade dela e o ambiente zen da sua casa e os amigos que a ajudaram lembrei-me logo dos meus amigos. É o mesmo comprimento de onda. 

Sendo pessoas muito informadas, engagées, atentas à política, conseguem, contudo, guardar uma saudável distância de tudo o que é trica partidária ou pequena intriga para uso mediático. Vivem num outro mundo. Falam das suas próprias culturas e já sabem de agricultura, falam do cão, ela pinta e lê, ele confraterniza com os locais de que admira a sabedoria popular, conhecem o artesanato local, fazem passeios, conhecem a gastronomia circundante. São pessoas de posses e, no entanto, tenho ideia que nunca fazem compras que não as ligadas à subsistência, aos livros e a este dolce fare niente. São frugais, despojados.

Admiro muito as pessoas que conseguem elevar-se acima do quotidiano, do supérfluo, do passageiro, e que vivem numa felicidade e numa paz que parece intocável.

O vídeo não está traduzido e isso pode ser limitativo para quem não entenda o que aqui se diz. Mas penso que as imagens falam por si.

Retired Art Teacher Sculpts Her Own Natural Building - Full Tour!

In today's natural building tour, we will be visiting Deanne Bednar's Strawbale Studio which features several natural structures, including a strawbale studio, hobbit sauna, rocket mass heated bench, and more! 

Deanne is the illustrator of The Hand-Sculpted House, one of the most influential natural building books ever created! 


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As fotografias que usei são outra coisa, são fantásticas obras de arquitectura que se integram na natureza e que integram a natureza na própria construção. Estas e outras podem ser vistas em Built by Humans

Lang Lange e Guo Gan interpretam Reflection
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quarta-feira, julho 20, 2022

No reino das tretas

 


Devo dizer que sou, naturalmente, poupada. Só perco a cabeça com livros (mas estou muito melhor) ou a oferecer presentes para os descendentes. De resto, desde que me conheço que sou poupada.

Já o era antes de se verificar que, a bem do planeta, deveríamos sê-lo no que respeita, por exemplo, a bens descartáveis.

Sempre me fez muita impressão usar pratos, copos e talheres de plástico que, uma vez usados, iam para o lixo. Achava um desperdício absurdo. Mesmo antes de saber que o plástico, se não for reciclado, levará anos a poluir o ambiente, já eu fazia de tudo para evitar usar e deitar fora coisas de plástico.

Também me faz impressão deixar luzes acesas quando não fazem falta. Acho um desperdício. Por vezes irrito o meu marido tal como antes irritava os meus filhos. 

Acho que só se deve usar o que é preciso. Gastar recursos e dinheiro para nada a troco de quê? Só por desfastio...?

Nas empresas sempre fui minimalista, muitas vezes sendo confundida com frequentar uma onda diferente, estar desalinhada, ser do contra. Num ambiente em que é habitual gastar rios de dinheiro em coisas que me parecem de interesse mais que duvidoso, sempre me mantive fiel aos meus princípios: gastar apenas o necessário e, ainda assim, ter a certeza que é mesmo necessário.

Acompanhei campanhas externas e internas que demonstravam que éramos verdes mesmo quando ainda estávamos longe de sê-lo, páginas de sites e de intranets, campanhas e iniciativas de toda a espécie e feitio. Depois a sustentabilidade. Consultores e mais consultores, kpi's de todos os sabores e paladares, ODS's e mais reuniões e workshops, flyers, mudanças nos sites, mini-sites, slogans, assinaturas. E, calma, eu acredito na sustentabilidade e acho que os ODS são bem apanhados. Mas acredito se forem autênticos, se toda a gente estiver virado para o mesmo lado e todos trabalharem no mesmo comprimento de onda. Senão, é para inglês ver. Rios de dinheiro gastos para fazer de conta.

Agora, a conversa evoluiu. Mas evoluiu, uma vez mais, pour épater les bourgeois. Mais projectos, mais consultoria, mais estratégias de comunicação, mais campanhas de imagem, mais gastação de tempo e de dinheiro. Net zero. Zero emissões. Pureza absoluta, a virgindade ambiental como grande lema de vida. O mundo ideal. 

Era bom e eu gostaria muito. Políticas todas muito racionais, tudo muito bem articulado, tudo muito regulado, tudo muito transparente. Toda a gente muito consciente do que isso implica: formação, educação, novos hábitos, uma aculturação muito bem orquestrada, grandes investimentos nomeadamente em infraestuturas adaptadas e eficientemente localizadas. Gostaria mesmo.

E seria possível. Mas, para ser possível, teria que ser levado muito a sério, concertadamente muito a sério. E isso, levar as coisas mesmo a sério, é o diabo.

Para que algo de eficaz acontecesse teríamos que ter apenas gente idónea a falar e a trabalhar sobre o assunto: não pode ser coisa para debates entre ignorantes e gente exibida, entre engraçados e mentecaptos ambiciosos ou para programas de televisão com Carmos Afonsos, Joanas Amarais Dias, turmas descartáveis como as do Irritações, gente como Ricardos Araújos Pereiras ou Joões Miguéis Tavares, para jovens aspirantes a comentadores ou a quejandos. Temas sérios não são para ser transformados em lérias, em piadolas, em trocadilhos, em estados de alma reprocessados, em chistes, em sound bites, em armas de arremesso. 

Caso contrário, as temperaturas vão continuar a subir, os incêndios vão continuar a lavras nos nossos campos ressequidos, os fenómenos climatéricos extremos vão continuar a acontecer, a água vai continuar a escassear. Não é brincadeira, isto, não.


We Debunk the Latest Corporate Climate Lie | NYT Opinion

Finally, corporations are jumping into action on climate change — or at least that’s what they’d like us to believe. Many of the world’s biggest and most polluting companies have recently promised to curb their carbon output, by reaching net-zero emissions in the next few decades. These sweeping pledges conjure a world where we can have it all: economic growth and global trade — without the global warming that usually comes with that. While saving the planet demands an approach more ambitious than incremental change, these corporate fantasies of the future just don’t stand up to scrutiny. In a new @nytopinon video, we expose three major flaws in net-zero pledges that make them a dangerous distraction from the crisis at hand.


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“Experience” - Ludovico Einaudi, The Beacon Theatre, New York, 06.28.2022

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Um bom dia
Saúde. Harmonia. Paz.

domingo, dezembro 02, 2018

É de uma coisa assim que Lisboa e arredores estão mesmo a precisar


Quem viva e/ou trabalhe em Lisboa sabe bem o inferno que é entrar e sair da cidade, entrar e sair dos parques empresariais, atravessar avenidas e ruas especialmente em horas de ponta. Horas de vida perdidas no trânsito. Basta que haja acidente na Segunda Circular, na A5, numa das Pontes, na Cril ou nessas vias que tendem a estar congestionadas -- mesmo sem transtornos -- para que toda a cidade sofra as consequências.

Claro que uma das soluções para isto passa por ter transportes públicos de qualidade, com a frequência devida e a preços acessíveis. A recente e excelente medida do Governo de baixar os passes sociais é bem capaz de vir a dar bons frutos. Mas outras soluções, mais dispendiosas e disruptivas, poderiam ser lançadas numa lógica de médio e longo prazo -- por exemplo, longos viadutos, estradas aéreas, túneis, vias subterrâneas por forma a tirar o trânsito do meio da cidade.

O P., a quem muito agradeço, enviou-me um vídeo espectacular. Vejam pois não apenas há paisagens de sonho como o projecto é extraordinário. Inspirador. Pode ser que algum dos meus Leitores seja arquitecto, urbanista, visionário, amante de cidades, político a sério e, vendo o que aqui se mostra, tenha uma ideia para tornar Lisboa uma cidade transitável, com bué de qualidade de vida.

segunda-feira, março 27, 2017

A formiga no carreiro e as redes neuronais
[Ou quando les beaux esprits se rencontrent]


Na sequência de alguns textos sobre os riscos da inteligência artificial (IA) num contexto desregulado e no seio de uma sociedade globalmente alheada destes temas (por exemplo, este post), dois Leitores contribuíram com o seu testemunho em comentários tão interessantes que, na altura, tomei a liberdade de puxar para o corpo principal do Um Jeito Manso (aqui e aqui).


Duas visões distintas: de um lado, o João L. que advoga o primado da inteligência da natureza e a certeza da impossibilidade de copiar ou ultrapassar a infinitude que habita o cérebro humano e, do outro, o Fernando Ribeiro, que nos traz a visão da engenharia que se abisma perante a capacidade quase imparável da tecnologia.


Porque a troca de argumentos continuou nos comentários e porque me parece impossível não dar o máximo relevo a esta troca de ideias, de novo puxo para um post autónomo a opinião de ambos. É um prazer quando les beaux esprits se rencontrent. 

Ilustro com fotografias feitas este sábado in heaven. 
[Não sei se a beleza, a fragilidade, a (im)perfeição da natureza pode algum dia ser suplantada por criações by IA.  Mas talvez isso, um dia, também deixe de ser relevante.]



João L. disse...

Também acho UJM: " os robots estão aí num mundo desregulado e o que não vai faltar é quem os use contra o interesse da humanidade". E o que acho mais preocupante é que os robots, ao contrário dos humanos (da maioria deles!!!), não têm dúvidas. Ou, para para dizer isto de outra maneira, de uma maneira que, em minha opinião, mostra o que separa a inteligência artificial de um cérebro: os robots não se baldam e em vez de ir trabalhar vão dar uma volta, ou às compras, ou andar de bicicleta com um sorriso nos lábios a pensar: "ai que prazer não cumprir um dever". Nós somos "imperfeitos", os robots não. 


Fernando Ribeiro disse...

Relativamente à valiosa contribuição do seu leitor João L, tenho algumas considerações a fazer, do ponto de vista de um simples curioso, que é o que eu sou.

Ao longo dos anos, tem-se chamado "inteligência artificial" ao que não é, de maneira nenhuma, verdadeira inteligência artificial, mas sim um simulacro ou, chamando os bois pelos nomes, uma fraude. Uma fraude! O facto de um computador ser capaz de ganhar uma partida de xadrez ao Kasparov não faz do computador uma entidade minimamente inteligente. Quando muito, poderemos chamar inteligentes às pessoas que conceberam o programa de xadrez que o computador executou. Também é verdade que nenhum cérebro (humano) consegue perceber o que o próprio cérebro (humano) faz, mas têm-se feito significativos avanços nesse sentido, com a ajuda, inclusive, das redes neuronais artificiais (computacionais).

O leitor João L tem razão quanto ao facto de o número de neurónios e de sinapses existente num cérebro humano ser verdadeiramente astronómico. É verdadeiramente ASTRONÓMICO, sim, senhor. Contudo, a inteligência artificial tem uma vantagem sobre a verdadeira inteligência (orgânica), e esta vantagem chama-se velocidade de processamento.

Um neurónio é uma célula de um tipo especial, que tem por finalidade transmitir e processar informação, desde as terminações nervosas existentes nos órgãos sensoriais até ao sistema nervoso central, dentro deste mesmo sistema nervoso central e deste até às terminações neuromusculares. Um neurónio é composto por três partes, a saber: corpo celular, axónio e dendrites. O corpo celular ou soma tem sobretudo por finalidade manter o neurónio vivo e saudável; é onde se encontra o núcleo da célula, isto é, do neurónio. O axónio é uma fibra muito comprida que tem em vista transmitir a informação de um extremo do neurónio para o outro, fazendo-a avançar no espaço; um feixe de axónios é o que constitui um nervo. As dendrites contêm as sinapses, que são os pontos em que um neurónio comunica com os neurónios vizinhos, passando para estes ou recebendo destes a informação a tratar; existem dendrites em volta do corpo celular de um neurónio e no extremo oposto do seu axónio.

A informação entre neurónios faz-se, como já disse, através das sinapses, que quase sempre comunicam entre si pela libertação de compostos químicos, chamados mediadores. Esta comunicação não é elétrica, mas sim química. Nos axónios, a informação consiste em impulsos do campo elétrico que se vão propagando de um extremo ao outro dos mesmos; esta propagação do campo elétrico obriga a uma polarização elétrica das paredes do axónio e obriga a uma subsequente despolarização, depois de um impulso passar; enquanto uma despolarização não se completar, um axónio fica incapaz de transmitir nova informação.

Dadas as limitações apontadas, a velocidade de transmissão e de processamento de informação num sistema nervoso como o humano (incluindo dentro do próprio cérebro) é lentíssima. Ela é inferior a 1 m/s (360 km/h), quando os axónios não estão envolvidos por uma bainha de mielina, e da ordem de 2 m/s (720 km/h), quando os axónios estão envolvidos por mielina.

Os computadores são dispositivos eletrónicos em que a velocidade de propagação da informação é muito próxima da velocidade da luz, cerca de 300.000 km/s. É claro que a velocidade de processamento de um computador não é esta, nem pouco mais ou menos. Mas qualquer processador moderno é regulado por um "relógio" que vibra a muito mais do que mil milhões de vezes por segundo, ou seja 1 GHz (1 gigahertz). Qualquer smartphone, por mais barato que seja, tem um "relógio" de 1,2 GHz ou mesmo de 1,4 GHz. Quer tudo isto dizer que o mais banal e mais barato smartphone do mercado tem uma velocidade de processamento que é muitas ordens de grandeza superior à do cérebro do seu proprietário!

Bom, vamos abreviar, que isto está a ficar um relambório que nunca mais acaba e eu tenho mais que fazer. Dada a sua enorme vantagem em termos de velocidade (e ainda não usamos a fotónica em vez da eletrónica, mas pouco falta) uma rede neuronal artificial poderá não precisar de ter um número tão grande de "neurónios" e de "sinapses" como um cérebro humano, para poder ter uma capacidade de processamento equivalente, bastando usar uma e outra vez os mesmos "neurónios" e as mesmas "sinapses" (mas com "pesos" diferentes de cada vez, claro). Tudo dependerá do uso que se lhes der, isto é, do software. É claro que existe ainda um longuíssimo caminho a percorrer e muitíssimos anos a decorrer até que se consiga (espero que não) uma inteligência artificial que se possa comparar à inteligência real. Seja como for, têm sido feitos avanços muito significativos nesse sentido. Há alguns anos fiquei assustadíssimo quando alguém disse que tinha construído uma rede neuronal tão inteligente como um caracol. Sinceramente, não acredito que a tenha construído, mas se continuarmos assim, ela vai ser construída com certeza. E a seguir à inteligência do caracol, virá o quê?


João L. disse...

(com as devidas desculpas a UJM pelo abuso)

Caro Fernando Ribeiro, já vi que tenho aqui companheiro para umas belas discussões mas, sem querer abusar da hospitalidade da UJM, deixo-lhe esta provocação: a complexidade num ninho de (lentas) formigas é bem maior que numa corrida de (rápidos) carros de fórmula 1. São as interacções e a regulação que alavancam (para usar uma palavra da moda) a complexidade.


Fernando Ribeiro disse...

Caro João L., não me deixa provocação nenhuma, porque estou totalmente de acordo. São precisamente as interações e a regulação existentes nas redes neuronais computacionais que lhes dão o seu poder, incluindo o poder de aprenderem, a partir, está claro, de um certo "conhecimento" inicial que lhes é dado. Os exemplos fornecidos dos carros que já circulam sozinhos (experimentalmente, por enquanto) em algumas cidades dos Estados Unidos, ou do reconhecimento de padrões em imagens que a Google e o Facebook estão a desenvolver com resultados que já são extraordinários, são uma demonstração do que pode vir aí. A velocidade dos circuitos eletrónicos (e dos circuitos fotónicos num futuro próximo) pode permitir ultrapassar as limitações que tais redes não podem deixar de ter, através da reafetação dos seus recursos uma e outra vez, para uma e outra tarefa, a uma velocidade alucinante. Note-se que estamos a falar de redes neuronais, que já têm milhares e milhares de núcleos e um número incomparavelmente maior de interligações, mas que mesmo assim são infinitamente menos poderosas do que o cérebro. Já não são para aqui chamados os computadores que têm uma arquitetura tradicional, dita de von Neumann, com um processador central, bancos de memória e periféricos à volta. O computador que estou a usar neste momento já é pré-histórico.


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E, uma vez mais, agradeço ao João e ao Fernando o seu precioso contributo para uma reflexão que acho indispensável e urgente.

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Nem de propósito o artigo de destaque da Vanity Fair de hoje:

ELON MUSK’S BILLION-DOLLAR CRUSADE TO STOP THE A.I. APOCALYPSE


Elon Musk is famous for his futuristic gambles, but Silicon Valley’s latest rush to embrace artificial intelligence scares him. And he thinks you should be frightened too. Inside his efforts to influence the rapidly advancing field and its proponents, and to save humanity from machine-learning overlords




quarta-feira, junho 24, 2015

Bem... agora é que tenho mesmo que elogiar ainda mais abertamente o Valverde Hotel. Tenho com cada boa surpresa...!




Só para dizer que há bocado, ao ver um comentário no post que fiz sobre o Valverde Hotel, fiquei completamente admirada e, of course, toda babada. 

Depois, quando falei com a minha filha, perguntei-lhe: 'Olha, viste aquilo sobre o hotel português recomendado pela Vogue? Sabes quem é que fez o projecto...?'. Ela exclamou logo: 'Tás a gozar...?!'. Confirmei. Ela acrescentou, toda orgulhosa também 'Sempre a mesma coisa, sempre o mesmo low profile'. 

Agora acabei de falar com ele, eu toda orgulhosa e ele todo sóbrio, não embarca nos meus arroubos -- que já foi há uns três anos e que o hotel está a ser louvado pela arquitectura, decoração, serviços, etc, não pela engenharia. Não interessa. Alguém estudou como transformar um edifício antigo e o projectou para ficar moderno, robusto e de acordo com o projecto de arquitectura. Bem sei que já tem feito projectos bem mais complexos mas não interessa, é deste agora que estamos a falar. E eu fico contente com todos os feitos deles, grandes ou pequenos, e não quero cá saber, está de parabéns e eu toda contente por ele.



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terça-feira, fevereiro 24, 2015

Alô, alô, senhores engenheiros civis! Vejam lá isto: edifício industrial pesando 6.200 toneladas é movido 60 metros. Não é de agora mas merece ser visto. Bora lá usar esta técnica para mover o Palácio de Belém com o Cavaco e a Maria lá dentro para a Buraca?


Leitor a quem muito agradeço enviou-me um vídeo interessante que, imagino eu, deve fazer as delícias dos engenheiros civis. Mas, às tantas, eu acho extraordinário e eles acham banal. Já estou mesmo a ver um certo engenheiro que eu cá sei a dizer-me amanhã, oh pá, maiores que esses movo eu todos os dias... e com uma perna às costas. 




Transcrevo o texto que o acompanhava:

Na maior empreitada de seu tipo na Europa, um edifício de 6.200 toneladas foi deslocado de 60 metros, em uma única peça, depois de 19 horas de trabalho. O prédio histórico da antiga fábrica de máquina Oerlikon, em Zurique, teve de abrir espaço para a ampliação da ferrovia.


Construído em tijolinhos, o edifício tem 123 anos e é a última relíquia de Oerlikon, antiga zona industrial do século XIX. Em 1876, a fábrica de máquinas 'Maschinenfabrik Oerlikon (MFO)' começou a fabricação de ferramentas, armas e locomotivas elétricas.

Quando o seu atual proprietário, a empresa ABB, anunciou planos para demoli-lo, os moradores pediram que o prédio fosse preservado, enfatizando a importância cultural do imóvel para a região. Junto com o novo proprietário, Swiss Prime Site, e a Rede Ferroviária Federal, a ABB desenvolveu um plano alternativo para deslocar o edifício de 6.200 toneladas em uma única peça.

Os preparativos começaram há 10 meses (tal como mostrado na animação vídeo). As paredes de retenção tiveram que ser substituídas por pilares de aço. Sob o edifício foi construído uma laje de concreto com trilhos nos quais foi colocado o edifício para o deslocamento.

A operação começou na terça-feira, 22 de maio de 2012, às onze horas. Através de prensas hidráulicas, o gigante foi deslocado a uma velocidade de quatro metros por hora.

Na quarta-feira, às quatro e meia da manhã, o prédio de 80 metros estava em sua nova localização.

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