Mostrar mensagens com a etiqueta homossexualidade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta homossexualidade. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, julho 14, 2025

Dois Homens com H

 

Foi um domingo calmo, intercalando a leitura e os banhos de sol por períodos de alguma sonolência. Também andei a regar, pois se há coisa que gosto de fazer é de regar, de preferência descalça para sentir os pés molhados.

Não tive que cozinhar: comemos restos e mais um ou outro complemento. 

Ao almoço ligámos a televisão, mas não suportámos as más notícias. Bem sei que nos alienamos se nos afastarmos do que se passa no mundo. Só que se passam milhões de coisas boas mas se, no meio desse milhão, vier uma rajada de vento que levante uma telha, é nisso que os jornalistas se vão focar esquecendo tudo o que de bom aconteceu. O noticiário estava a ser uma sucessão de infelicidades, uma colecção de acontecimentos nefastos -- desistimos. 

Agora à noite, depois da nossa caminhada, o meu marido quis ver o futebol, era uma final, parece que tinha que ser nesta televisão. Fui para a outra sala. Posicionei-me nos Casados à Primeira Vista. E adormeci. Não sou capaz de dizer se vi alguma coisa pois, se vi, varreu-se-me instantaneamente.

De tarde pensei que hoje poderia escrever sobre o livro que estive a ler pois, lendo aquelas crónicas, uma opinião se vai formando sobre o que é a motivação, o móbil de vida de um editor, em particular aquele que ali vai desfiando memórias, Manuel Alberto Valente. Creio que o que dali depreendo explica muita coisa. Mas ando com um espírito que não sei se é vadio, se é veraneante, se é simplesmente preguiçoso... Por isso, deixo essa conversa para outro dia. E talvez seja mesmo melhor adentrar-me mais na leitura para não correr o risco de tirar conclusões precipitadas.

À noite, geralmente depois de escrever aqui, como escrever me obriga a estar de olhos abertos, aproveito para ver alguma coisa antes de ir dormir. Nos últimos dias tenho visto o Homem com H. Dado ser sempre tarde e dado estar com sono, tenho visto pouco de cada vez pelo que ainda me falta um bocado para acabar. Mas tenho estado a gostar de mais. 

Ney Matogrosso é um personagem extraordinário. E quanto mais o tempo passa mais extraordinário o acho. Há uns anos, embora gostasse muito de o ouvir, havia ali qualquer coisa que era tão extravagante que eu não sabia se era totalmente genuíno ou um certo gosto em provocar e essa dúvida levava-me a não aderir a cem por cento. Gostava, ouvíamos bastante, mas parece que ficava sempre ali a pairar a questão: ele é mesmo assim, tão superlativo e tão fora da caixa, ou há ali uma encenação que exagera o que ele é? Mas, quando evoluí, fui percebendo que isso era de somenos e que a dúvida, que era minha, não podia levar-me a olhá-lo com alguma reserva. Tinha era que aceitar sem questionar. 

Ney era um bicho, um bicho extraordinário, cantava maravilhosamente, tinha um reportório também fantástico -- e tudo isso tinha que ser suficiente para gostar dele sem qualquer reserva. 

E escrevi que ele era, escrevi no passado, só mesmo por burrice, pois ele está vivo, bem vivo, em forma, jovem, ninguém diria tratar-se de um octogenário. Aliás, olha-se, ouve-se e não se acredita. Afinal tantos excessos não lhe causaram danos, parece que bem pelo contrário, deram-lhe foi saúde.

Mas o filme, que tenho visto na Netflix, misto de filme e de documentário, não apenas retrata a vida de Ney Matogrosso em todas as suas dimensões, não apenas a artística mas a pessoal -- e, neste domínio, a activa e algo louca vida sexual (como ele diz, marchava tudo) -- como tem um intérprete que é igualmente fabuloso. 

Reproduz o Ney de uma forma perfeita, quase assustadora de tão perfeita. Segundo abaixo se verá, Jesuíta Barbosa perdeu 12 kg para reproduzir os 53 kg que Ney tinha nessa altura, estudou os seus trejeitos, os requebros, a forma de olhar e falar.

E há algo nele que parece estar desenhado para encarnar o espírito e a carnalidade de Ney. 

Ver para crer.

A quem tenha a oportunidade de mergulhar no filme, muito vivamente o recomendo. E, para abrir o apetite, aqui fica a conversa de Bial com ambos, a cópia e o original, dois homens extraordinários. E botem h nisso.

Pedro Bial entrevista Ney Matogrosso com participação de Jesuíta Barbosa | Conversa com Bial

No último Conversa com Bial (24/04/2025), Pedro Bial recebeu o icônico cantor Ney Matogrosso e o talentoso ator Jesuíta Barbosa, protagonista do filme Homem com H, cinebiografia que retrata a trajetória de Ney.

Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Be happy

quarta-feira, junho 25, 2025

Theodoro, Sincera.mente, Kiko is Hot

 

O Instagram mostra-me coisas e geralmente gosto do que me mostra. Os algoritmos são bem concebidos, lá isso tenho que conceder. Por exemplo, ouço com atenção dicas sobre saúde, sobre alimentação, sobre exercício físico e já partilhei um ou dois vídeos com a família. E gosto muito de ver cortes de cabelo e transformações que quase parecem de personalidade só porque a pessoa mudou completamente de penteado ou de cor de cabelo. Quanto a decoração, jardinagem ou culinária isso nem se fala: vejo de gosto e aprendo sempre. Depois há os DIY (Do It Yourself) que me deixam fascinada mas que são tantos e tão variados que não consigo fixar um décimo do que vejo: truques para melhor dobrar e acondicionar roupa, para pintar, para transformar pequenos espaços em espaços multi-usos, para enfiar linha no buraco da agulha, para regar flores na nossa ausência, etc. E relatos de artistas que mostram como pintam, como incorporam outros materiais nas suas obras ou, simplesmente, que mostram os seus trabalhos. 

Um mundo.

E dá ideia que meio mundo tem coisas a ensinar aos outros: três alimentos maravilhosos, três alimentos péssimos, três cremes fabulosos, três truques fantásticos para disfarçar a barriga, três regras de etiqueta para estar à mesa. 

Vou navegando por ali e, como tenho dito, sem propósito. Não tenho nada para ensinar. Pego no telemóvel e digo a primeira coisa que me vem à cabeça. Digamos que são apontamentos, breves e irrelevantes testemunhos mas testemunhos de pensamentos ou coisas banais. Não sei se faz sentido. Penso nos recursos informáticos necessários para acondicionar, catalogar, tornar disponíveis a todo o mundo que queira ver coisas tão despropositadas. É como isto que aqui escrevo. São registos que ficam armazenados em servidores, que circulam pelas redes. Em qualquer parte do mundo a qualquer hora do dia, qualquer pessoa pode ver o que faço. E, no entanto, o que faço é totalmente irrelevante. Mas, se calhar, a vida é mesmo assim, uma sucessão de eventos, uns dignos de ficarem para a história e outros assim, banais, irrelevantes. 

No meio do que me aparece tenho conhecido personagens cuja existência desconhecia em absoluto e que agora vejo na boa. Destaco três. 

Um, o Theodoro, é um influencier brasileiro com mais de cinco milhões de seguidores, que tem recebido prémios e tem sido capa de revista. Acho-lhe piada. É extrovertido, alegre, bem disposto. Mostra-se com o marido, com os pais, com as tias, pessoas humildes, mostra o cão. Claro que não acrescenta nada de extraordinariamente existencial ao mundo. Mas, sendo um jovem gay e que é tão bem aceite pela família e pela sociedade, julgo que isso é importante, sobretudo para que os mais preconceituosos percebam que a homossexualidade não é uma opção, é uma orientação, e não é uma limitação nem uma menorização. Ninguém tem direito a ser mais ou menos feliz por ser ou deixar de ser hetero ou homossexual.


Outro é o Sincera.mente. Acho-lhe um piadão. É genuíno, é divertido, é boa onda. É drag mas uma drag com muita pinta, com bom gosto, inteligente, rápido na construção de uma boa tirada, com uma intuição e uma imaginação toda ela eivada de bom humor. As suas conversas na rua são um monumento à boa disposição e ao humor a sério.


O terceiro é o Kiko is Hot. Não sei bem definir qual a sua actividade (mas é puro desconhecimento meu). Se calhar é artista de teatro. Ou faz podcasts. Ou será DJ? Não sei. Mas gosto dele. É simpático, é divertido, goza com ele próprio. Também é gay. Vi que diz que, por ele, tanto pode ser do sexo masculino como do feminino. E acho que isso tem que ser respeitado. Acho que deve ser uma boa onda, uma boa companhia, uma graça.


Nestes tempos em que parece que a homofobia está outra vez a caminho de ser legitimada, penso que é importante que figuras públicas que são gays não se escondam, mostrem que são estimadas, amadas pela família, respeitadas. E penso que quem está seguro da sua sexualidade e não tem receio de ser 'contagiado' ou receio de ser olhado de lado deve falar do assunto de forma aberta, simples, sem tabus. Só os cobardes podem achar que quem é homossexual é um ser inferior, que pode ser insultado, humilhado, ameaçado.

Mau é ser mesquinho, hipócrita, manipulador, narcisista, mentiroso, vigarista, burro ignorante e prepotente, agressivo. A homossexualidade não é um traço de caráter pelo que afastar ou repudiar ou pretender isolar socialmente alguém só por isso não faz sequer sentido.

Só por ter conhecido estes três bacanos já acho que o Instagram tem valido a pena. 

E só espero que o Chega, com o PSD a reboque, não apareça por aí um dia destes, qual Trump, a querer proibir espectáculos drag. Desta gente tudo se espera. 

terça-feira, junho 17, 2025

3 postais

 

Postal 1

Quando, à tarde, fazemos caminhadas alargadas, por vezes cruzamo-nos com jovens que vêm de algumas obras e vão apanhar um autocarro lá mais ao fundo. Todos negros, pele absolutamente negra, 

Fico sempre agradada com o seu perfume. Cheiram a banho fresco, a cuidados com o corpo e com o rosto. 

Fico a pensar que devem dormir em bairros clandestinos, se calhar sem casa de banho, em casas frágeis e temporárias, ou em quartos, se calhar vários colchões no chão. Nas obras devem ter possibilidade de tomar banho e de se arranjar. Vêm bonitos, bem arranjados.

Devemos muito a estas pessoas que fazem as nossas casas e arranjam as nossas estradas e jardins e que vivem tão precariamente. Pessoas como nós.


Postal 2

Íamos a caminhar à beira da praia, sempre linda e ainda mais ao entardecer. 

À nossa frente ia um jovem alto e robusto, encorpado, aspecto de jogador de rugby. Vinte e muitos, trintas e poucos anos, pernas grossas, peludas, todo ele robusto e musculado, mas sem ser daquele género de ginásio, mais o género desportista de desporto de equipa. Cabelo curto um pouco despenteado, barba. Vestido casualmente, risonho, bem disposto. 

Ao lado dele, um outro jovem em tudo o oposto. Mal chegava ao ombro do calmeirão, perninhas fininhas, todo ele magrinho, um cabelo fino, algo esvoaçante, óculos brancos, graduados. Para acompanhar a passada firme e larga do grandão, o magrinho parecia uma frágil libelinha quase saltitando em volta. Ao ir atrás deles, pareceu-me reparar que, de vez em quando, as mãos quase se tocavam. Conversavam, riam, de vez em quando abrandavam ligeiramente, parecia-me que o grande lenhador percebia que o outro estava com dificuldade em acompanhar a sua passada ampla. 

Perguntei ao meu marido: 'Não é um casal, pois não?'. O meu marido ia focado no nosso cão e noutros pois há sempre quem deixe os seus sem trela e há que evitar encontros destes, pois facilmente tendem para o confronto. Olhou de relance e foi categórico: 'Não!'. 

Mas, nessa altura, pararam ambos, o mais baixo agarrou a cara do grandalhão, pôs-se em bicos de pés e deu-lhe um beijo na boca. O outro correspondeu. Deve ter sido o primeiro beijo pois desataram a rir como se tivessem dado um grande passo, depois abraçaram-se. Depois, prosseguiram de mão dada, o magrito quase esvoaçava de alegria. O grandão sorria também mas de forma contida, quase como quem não quer a coisa. 

Tomara que não seja apenas um namoro de verão, que seja um amor para a vida.


Postal 3

Passou por nós um homem gordo a andar de bicicleta. Ia de calções e tshirt mas, pela forma como ia sentado e pela sua forma avantajada, ia com o rabo meio de fora. Ao lado dele, correndo, preso por uma trela, um cão. 

Quando me cruzei com ele pensei que estava com ar de ir com os copos. 

Passado um bocado, já mais adiante, um estrondo, um grito. Olhámos. O homem estava no chão, a bicicleta caída, e o cão, solto, muito admirado a olhar para ele. O homem deu outro grito pelo cão, mas o cão estava imóvel., notoriamente assustado com a queda do dono. 

Parámos para vermos se era precisa ajuda. O homem, a custo, tentava levantar-se. Mais uma vez fiquei com a sensação que não estava especialmente sóbrio. O cão aproximou-se, arrastando a trela. Finalmente, o homem conseguiu montar-se outra vez na bicicleta, o rabo ainda mais de fora. E lá prosseguiu, meio aos esses. O cão ao lado, a levar o dono à trela.

______________________________________

Dias felizes

Be happy

quarta-feira, julho 24, 2024

Veado de Ouro

 

Então toda a gente pode invocar a silly season e eu não? Era o que mais faltava. Silly season é bom e eu gosto.

Estou carecendo de férias e, em plena carência, resolvi levar a cabo um conjunto de coisas de que, com vossa licença, sobre algumas vou guardar segredo. O que posso dizer é o que se tem visto: ou por isto ou por aquilo ou por mil outros motivos ando ocupada e bem ocupada et pour cause tenho-me mantido saudavelmente afastada do massacre constante dos comentários sobre as notícias. Reparem no que eu disse: comentários sobre as notícias. Os omnipresentes comentários que estão a devorar as notícias. Não tenho saco. Muito menos tenho acedido a partilhar o visionamento do Big Brother CPIs. Isso ainda menos. Não há pachorra. Não me assiste.

Só tarde e más horas me sento em frente da televisão e, ainda assim, o que vejo é o que me é dado ver no intervalo dos zappings que o meu marido incessantemente faz. Tem dormido até mais tarde pelo que adormece também mais tarde. Por isso, a esta hora ainda não está a dormir: anda a fugir dos comentadores.

Poderia procurar programas lá mais para a frente, National Geographic ou assim. Mas dá-lhe preguiça e eu compreendo-o porque a mim também me dá preguiça dizer que pare com o zapping. É assim a vida.

Por isso, nestes entretantos, espreito as notícias aqui no computador e, não me interessando o suficiente por nenhuma para me adentrar no seu âmago, esgueiro-me até ao Youtube. E ai, certo e sabido, aparece-me sempre coisa que vai de encontro às minhas motivações ou necessidades, nomeadamente às de me divertir. 

Hoje voltou a trazer o meu amigo Milton Cunha. Só tenho pena que ele viva tão longe. Devia vir morar para a minha rua e tornar-se meu amigo. Devia vir aqui bater um papinho todos os santos dias. E ele devia querer que eu lá fosse, a casa dele, ver as suas toilettes. Acho-o o máximo.

Milton Cunha fala sobre o troféu VEADO de OURO! 

| Avisa Lá Que Eu Vou | GNT

Milton Cunha e Paulo Vieira falam tudo sobre o evento mais PROFANO cultura do CÍRIO de NAZARÉ que é a festa da Chiquita e o prêmio VEADO de OURO


Dias felizes!

terça-feira, setembro 26, 2023

Stefanos Kasselakis --- qual o espanto...?
É simples... está à vista....

 

Parece que há agora um novo líder no Syrisa. E meio mundo ficou de queixo caído por ter aparecido, do nada, um manganão que vivia nos States, empresário, que trabalhou no Goldman Sachs e sei lá que mais. Ou seja, tal como se tivesse sido gerado e alimentado pelo sistema capitalista, apareceu esta ave rara. E muita gente, muito justamente, veio dizer que já não se percebe nada disto: afinal onde é que está a linha que separa a esquerda da direita.

Eu não sei responder a nada disto. Nunca tinha ouvido falar no Stefano. Agora uma coisa eu sei. Tal como é sabido e consabido desde os tempos em que Harry Selfridge organizou os seus armazéns no início do século passado, colocando na entrada o que agradava às mulheres (maquilhagem, moda, chapéus, luvas, etc), quem decide como vai ser são as mulheres.

E as mulheres, santa paciência, simpatizam de caras com o Stefanos. Virão advertir-me que o safado é gay. Pois, bem sei. Mas mesmo que não fosse, o que é que eu e as muitas mulheres que votaram nele íamos fazer com ele..? Nada, certo...? Olhar... Ouvir... Acreditar... Ora, se é para olhar e ouvir e acreditar... que diferença faz que seja gay...?

Portanto, se é para ver e ouvir (coisa forçosamente platónica, digamos assim), não é melhor que seja um giraço com um sorriso lindo, fofo, queridésimo, simpático todos os dias...?

E isto sou eu, hetero, a falar. Agora, se a mulherada se encanta, imagine-se o que não pensarão os homens gays lá do burgo...? Tudo a votar no menino... Ora não.

Mas se acham que isto é conversa da treta -- e claro que é -- deixem que transcreva o que o Guardian diz (tradução às três pancadas do artigo Stefanos Kasselakis: ex-banker who lit up Greek politics to lead Syriza):

Ao meio-dia de segunda-feira, Stefanos Kasselakis, um executivo do setor marítimo e ex-negociador do Goldman Sachs, caminhou pelos corredores do parlamento grego para ser coroado chefe do Syriza, o outrora partido radical de esquerda do país.

Ninguém poderia parecer mais fora de sintonia com uma força política tão mergulhada na turbulência da sangrenta história do pós-guerra da Grécia. Mas Kasselakis, com um sorriso aparentemente permanente nos lábios, desafiou todas as probabilidades. Depois de iluminar os céus da sóbria cena política do país com uma campanha no alto do vigor das redes sociais, o greco-americano de 35 anos não só emergiu como o vencedor da corrida de duas voltas para liderar o Syriza – ganhando 56,69% dos votos – mas provou que é muito mais do que uma estrela cadente.

Há apenas seis meses, Kasselakis era um desconhecido político arrancado da obscuridade pelo líder cessante do Syriza, Aléxis Tsipras, para se apresentar como candidato expatriado nas eleições estaduais do partido nas eleições nacionais de Maio. Desde que deixou a Grécia, ainda adolescente, com uma bolsa de estudos num prestigioso internato de Massachusetts, depois de vencer uma competição de matemática, ele não olhou para trás.

Se os roteiristas tivessem tido a chance de escrever o roteiro, eles poderiam ter tropeçado. E não só porque o antigo “Garoto de Ouro” – apelido dado a Kasselakis pelos colunistas – vem dos EUA com um currículo que nenhum esquerdista que se preze poderia endossar.

Num país mediterrânico mal preparado para eleger uma mulher como primeira-ministra – e muito menos um homem assumidamente gay – ele chegou à Grécia com o seu marido, Tyler McBeth, um enfermeiro norte-americano que conheceu e por quem se apaixonou em Miami.

McBeth, que assim como Kasselakis, começa o dia malhando na academia, apareceu sorrindo ao lado dele desde o início da corrida pela liderança – o casal entrou na união civil há quatro anos. “A minha mãe”, disse recentemente o novo líder do Syriza, “nada mais quer que nós tenhamos filhos e possamos vir ajudar-nos”.

No domingo, Kasselakis fez de tudo para garantir que a sociedade socialmente conservadora da Grécia soubesse exatamente quem era o seu marido, chamando McBeth para se juntar a ele no seu discurso de vitória fora da sede do partido.

Além disso, a ascensão de Kasselakis surgiu do nada.

O escritor de esquerda Dimitris Psarras, evocando a ansiedade que o súbito aparecimento do greco-americano desencadeou entre os quadros do que outrora foi uma aliança de marxistas, ex-comunistas, ecologistas e social-democratas, disse: “É como se a Netflix tivesse entrado, assumido o controle do party e agora está transformando-o em uma série. As pessoas não têm ideia do que se trata a sua política, ou se ele tem algum programa. É claro que eles estão em choque.”

(...)

Em retrospectiva, o anúncio poderia ter sido escrito por psicólogos comportamentais – o recém-chegado político falou publicamente sobre fazer terapia para lidar com a sua sexualidade.

Pesada na história de vida e na verdade, a declaração começa: “O meu nome é Stefano e tenho uma coisa para vos contar. Nasci em Maroussi [um subúrbio de Atenas] em 1988, num país com primeiros-ministros hereditários; numa família com pais que se criaram por conta própria. A minha mãe, dentista, trabalhou dia e noite para sustentar o meu pai enquanto ele abria sua empresa.”

No final do vídeo, Kasselakis falou sobre o colapso económico de sua família, como foi parar aos EUA “sozinho com bolsa integral”, cursou a Universidade da Pensilvânia, conseguiu um emprego no Goldman Sachs, entrou no mundo do transporte marítimo – ganhando uma pequena fortuna no processo – e conheceu “o sopro de liberdade” na sua vida, Tyler.

A sua decisão de aderir à corrida pela liderança do Syriza – permitida a qualquer membro assalariado do partido – nasceu, disse ele, do desejo de “construir o sonho grego”.

“Tenho consciência de que não tenho experiência partidária. A minha experiência é no trabalho e na vida social”, disse Kasselakis aos ouvintes, insistindo que com o seu melhor inglês, melhores competências empresariais e melhores diplomas, poderia não só derrotar o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, mas também expulsar o centro-direita do poder. “Para que o sonho grego se torne realidade, temos de derrotar aqueles que beneficiam de uma Grécia que é um campo árido e não da Europa na prática”, disse ele.

Quer quisesse ou não, Kasselakis fez o que nenhuma outra pessoa conseguiu fazer: transformar a política grega num pseudo-reality show televisivo em menos de um mês.

Mas o que ele também mostrou tão acertadamente é que quatro semanas é muito tempo na política, o suficiente para apagar o passado e para “redefinir” um partido.

_________________________________________________

 Uma boa terça-feira

Saúde. Boa disposição. Paz.

sexta-feira, julho 14, 2023

Quando a mulher chegou mais cedo, o marido foi apanhado nu mas disfarçou -- mas o pobre do Wellington teve que se atirar para debaixo da cama, ainda por cima vestido de Carla Perez

 

A minha vidinha, no que a certas tropelias diz respeito, é muito pacífica. Nunca fui apanhada pelo meu marido na cama com outro, nunca tive que esconder qualquer amante debaixo da cama ou dentro do roupeiro e, até ver, também nunca o apanhei a ele ou a alguma jeitosa a quem eu tivesse interrompido a farra em situação idêntica.

A bem dizer também não conheço ninguém a quem isso tenha acontecido.

O mais parecido com isso que pessoalmente conheço é uma pessoa da minha família que andava desconfiada com o marido (e nem ela sabia da missa a metade) e que, num dia em que lhe ligou para o emprego e lhe disseram que ele tinha metido um dia de férias, teve uma epifania e lembrou-se de uma tal a quem ele a tinha apresentado tempos antes tendo ela detectado ali um certo desconforto. Puxou pela cabeça, lembrou-se do nome, lembrou-se de ele ter dito onde é que ela trabalhava e, desenfreada, ligou para lá, dizendo-se amiga.

Informaram-na que a dita senhora estava de baixa pois, justamente nesse dia, era operada a não sei o quê (sei mas não vou dizer não vá o diabo tecê-las). Tão convincente deve ter sido que lhe disseram o nome do hospital (que era privado) onde a coisa se tinha dado.

Uma mulher ciumenta e que admite estar a ser traída fica com a inteligência aguçada e todas as barreiras mentais e psicológicas desaparecem. Fica um animal perigoso.

Portanto, completamente desencabrestada, meteu-se no carro, determinadamente avançou por Lisboa, entrou no hospital sem medir consequências, conseguiu saber o número do quarto e, num instante, completamente destemida, estava a abrir estrepitosamente a porta e a dar de caras com o casal de pombinhos, ela combalida e o extremoso namorado de mão dada com ela.

Quando viu a mulher a irromper por ali adentro adentro, o marido apanhou o susto da vida dele. Enquanto estava de boca aberta a tentar inventar uma desculpa, já a mulher estava a sair a correr, a meter-se no carro e, sabe-se lá porquê, a ir recolher os filhos.

Ele saiu a correr atrás dela mas já não a apanhou. Nesse dia toda a família sabia do acontecimento, uns a rirem com o divertido da cena, outros a dizer que estranhavam é que ela tivesse demorado tanto tempo a descobrir, outros a dizerem cobras e lagartos dele.

O caldo entornou-se, claro. Mas, por acaso, nessa altura, apenas temporariamente.

Mas, que me lembre, é o único caso em que alguém meu conhecido foi apanhado quase de calças na mão. Mas deve acontecer com alguma frequência pois é tema assaz referido.

Agora o vídeo aqui abaixo é hilariante. 

Wellington se escondeu embaixo da cama, vestido de Carla Perez! |Que História É Essa, Porchat? | GNT

O sonho de Wellington Pinheiro era ser e dançar como a Carla Perez, mas acabou a noite vestido como sua musa, escondido embaixo da cama de um homem casado! Como assim!? 😳


E tudo de bom
Saúde. Bom humor. Paz.

terça-feira, janeiro 10, 2023

Ninguém sabia que ele era lésbica.
(Mas agora já sabem).

 

Ele há coisas. Em meios pequenos se calhar é mais difícil. Mas quando a malta enche o peito de ar e se assume, é do melhor que há. 

in “Humans Doing Human Things”


Assume-te

__________________________

Desejo-vos um dia bom

Saúde. Risadas das boas. Paz.

terça-feira, junho 28, 2022

Sair do armário, sair à rua, brincar e sorrir orgulhosamente

 

Penso que não é propriamente caso para se ter orgulho. Nem ter nem deixar de ter. É o que é e ponto final. Não sinto orgulho por não ser gay. Não sinto nem deixo de sentir. Nasci assim. Fazer o quê? Se tentasse mudar acho que não conseguia. Cada um é como é.

Já o disse aqui muitas vezes: não concebo qualquer tipo de discriminação em função da orientação sexual. Quem a pratica revela ser bronco, retrógrado, preconceituoso, grunho, cavernícola.

O que também me faz muita impressão é ser gay e, por vergonha ou qualquer tipo de condicionamento a que se sinta sujeito, não o assumir, vivendo uma vida de ocultação, de disfarce, de negação. Conheço um caso assim no masculino e outro no feminino. Parecem pessoas felizes mas imagino as barreiras internas a que quotidianamente se submetem e as frustrações que vivem na sua íntima solidão. E se calhar conheço outras pessoas de que nem desconfio.

Que receiam essas pessoas? Serem alvo de chacota? De rejeição? Incapacidade em viver a pleno a sua sexualidade?

Não sei mas, se me puser no seu lugar, imagino que se eu, toda a vida, tivesse forjado uma sexualidade que não era a minha, talvez sentisse receio de assumi-lo perante o meu marido, os meus filhos, os meus netos, os meus amigos e conhecidos. Se calhar recearia o seu olhar, temeria confundir com troça qualquer inofensivo sorriso. É preciso alguma coragem, sim. Por isso é bom que se assuma com naturalidade a sua condição o mais cedo possível.

Por haver ainda tantos tabus penso que é importante que aqueles que já os romperam exibam publicamente a sua condição. E que usem o humor. Talvez a sua alegria e o tom de brincadeira com que se referem à sua condição de gay incentive os que se sentem receosos.

Vi uma selecção de cartazes engraçados usados em manifestações gay e apeteceu-me trazer aqui alguns. 

















------------------------------------------------------------

E post do UJM sem música não é post do UJM. Portanto que entre a Menina Lizzo, figura querida dos movimentos LGBTQ+

It's About Damn Time Lizzo Blessed Our BET Awards Stage Again! | BET Awards '22



E viva a vida!

sexta-feira, novembro 26, 2021

Um Pai Natal gay...?

 

E as reticências seguidas de um ponto de interrogação, calma aí, devem-se apenas à minha admiração. 

E devo esclarecer que, num primeiro momento, o significado da palavra admiração foi 'espanto'. 

Depois li a explicação. Os Correios noruegueses, com este postal de Natal, pretendem evocar os 50 anos da despenalização da homossexualidade na Noruega.

Digamos que é um vídeo inesperado. Inusitado. Vivendo eu numa sociedade como a nossa em que a homossexualidade, em muitos meios, ainda é encarada como uma aberração ou uma deformação digna de gozação, um cartão de Natal em que o tema é a atracção entre homens e em que um deles é nada mais, nada menos que o Pai Natal, não escondo que, enquanto via, me interrogava: '... mas a que propósito vem isto...? que coisa disparatada...'

Mas, depois, sabendo qual a inspiração e sabendo que tudo o que se faça é pouco para que todos aceitemos os homossexuais como iguais, o significado da palavra admiração converteu-se em 'respeito'.

Harry, o habitante da casa, deixa um cartão a dizer que «Tudo o que eu quero para o Natal és tu, Santa» e o Pai Natal, já retirado, envia os presentes pelo Correio mas comparece para encontrar o seu amor. E beijam-se. 

Que melhor presente de Natal se pode ter do que a confirmação e a consumação do amor, em especial quando o amor era, antes, clandestino e, por isso, indefinidamente adiado, negado?

Quantos homens, pais de filhos, casados numa relação hetero, vivem uma vida de negação e encenação, recalcando em silêncio a sua atração e amor por outro homem? E, quem diz homem, diz mulher no caso da homossexualidade feminina.

Uma sociedade não será humana, inclusiva, progressista, civilizada, capaz de evoluir de forma saudável enquanto uma parte rejeitar outra parte, mesmo que a parte rejeitada seja uma minoria.

Por isso, que o Pai Natal seja hetero ou gay, real ou inventado, alpinista ou limpa-chaminés, magro ou gordo, barbudo ou cabeludo, sonhador ou comerciante, tanto faz. Que seja o que cada um quiser que ele seja.

E que o Harry e todos os Harrys desta vida encontrem o Pai Natal que desejam. E, se não for este ano, que seja quando puder ser. Mas que seja.


Em tempos tão difíceis, a braços com uma pandemia que não dá tréguas, no meio de incertezas terríveis como as que advêm da emergência climática, com tanta gente a sofrer angústias, ansiedades, medos, tanta gente aprisionada na mais triste solidão... eu desejo que saibamos passar por cima do que nos divide e nos juntemos em torno do que nos une. 

Lirismo, claro, mas, ainda assim, um sincero desejo. 

Lutemos pelos nossos ideais, procuremos o que nos faz felizes, deixemos de lado o que não interessa, afastemo-nos do que e de quem nos faz infelizes, compreendamos o quão efémera é a nossa passagem pela terra e não desperdicemos o tempo que nos coube em sorte com o que não empolga ou enternece o nosso coração. 

-------------------------------------------

Be happy

quinta-feira, agosto 19, 2021

Perseguições, tiros, esguichos, cartazes, slogans e etc.

 

Foi a minha filha que, no outro dia, in heaven, se lembrou de que ali seria bom para fazerem paintball. Claro que isso desencadeou logo um movimento a favor. E até que a coisa se concretizasse foi um ápice. O meu filho, antes fervoroso praticante, ocupou-se do procurement. 

Hoje juntaram-se todos aqui para jogar na zona da horta. Não há a largueza que há lá no campo mas dá para principiantes. Antes, o meu filho enviou as regras para que todos os guerrilheiros as soubessem de cor e salteado. Enviou também instruções para o dress code (calas de ganga, blusas de manga comprida, ténis).

Portanto, todos vestidos a rigor e na posse da sua arma, com a máscara posta e sabendo já as regras, deu-se início à refrega. O meu marido esteve de árbitro. Num lugar mais elevado zelou para que não houvesse batotas nem lesões desnecessárias. A minha filha ficou a cronometrar os ataques. Eu a fazer a reportagem. Os demais participaram, alinhando-se em equipas adversárias. O mais pequeno, que estava de máscara mas como mero acompanhante do pai, aborreceu-se fortemente, também queria uma arma. Como tal não é possível, desatou a chorar, desgostoso. Melhor: furioso. Felizmente a tia tinha no carro uma arma de água, usada na praia. E assim foi que, no meio daquela guerrilha, o mais pequeno desestabilizou toda a gente, guerrilheiros, árbitro e repórter, encharcando-os a todos. Creio que apenas poupou a tia, vá lá saber-se porquê.

Durante os raids, com disparos, gritos e corridas, o que se ouvia mais eram os gritos contra o jovem aguadeiro.

E, no final, no rescaldo, ninguém se tinha lesionado ou ficado especialmente magoado mas quase toda a gente estava um pinto. 

A maior vítima foi a irmã, jovem guerrilheira que evidenciou ter, sobretudo, espírito pacifista. Ao invés dos demais que se perseguiam, atacavam ou armavam emboscadas, ela ficava escondida, esperando que ninguém desse por ela. De vez em quando disparava umas balas (para quem não saiba, as balas aqui são umas bolinhas biodegradáveis, de gelatina com tinta no meio), sem se perceber qual o objectivo pois, aparentemente, não visava nenhum alvo. Foi, pois, vítima fácil do irmão que a deixou a pingar.

Entretanto, eu tinha encomendado pizas. Por razões que devem ter tido a ver com a elevada procura, apenas chegaram cerca de hora e tal depois, já tudo estava cheio de fome e o meu marido impaciente e, como é seu costume, a atirar-me as culpas, no caso por não as ter encomendado logo às seis da tarde.

Jantámos já noite, de luz acesa -- na rua, claro -- e toda a gente conversou enquanto devorava as ditas. 

Quando aqui cheguei ao sofá pensei que não ia conseguir escrever nada, de tal forma estava cheia de sono. É que hoje, para mal dos meus pecados, a alvorada tinha sido, uma vez mais, com as galinhas. E, também para mal dos meus pecados, não apenas, de véspera, tinha ido para a cama a horas inconfessáveis como tinha ido sem sono. Portanto, foi mais uma noite de descanso insucedido. Enquanto eles cá estão, estou bem, sem sono ou cansaço. A alegria de os ter juntos e alegres na companhia uns dos outros é tanta que qualquer vestígio de cansaço se dissipa na íntegra. Mal viram costas e chego ao sofá, volta em força. Chama-se a isto falta de férias. E, para esse padecimento, só há um tratamento possível: férias.

No meio destas minhas azáfamas e little afazeres ainda nem prestei atenção às autárquicas. Os cartazes já por aí andam mas parece que o espírito da coisa ainda não baixou em mim. Acho que já tenho claro em quem vou votar mas, ainda assim, gostava de conhecer as alternativas. 

Mas há com cada cartaz... Em alguns casos é o mau gosto da pose ou o ridículo excesso de photoshop tirando vinte anos aos visados, noutros é o próprio fácies dos próprios que não ajuda. 

Sei que não o devia revelar pois há coisas que, a priori, se sabe que não são especialmente bem comportadas ou politicamente correctas. Mas ninguém aqui é perfeito nem tenta fazer-se passar por isso. Portanto, vou contar.

É que o máximo de atenção que temos prestado às autárquicas é quando, indo de carro, nos deparamos com os cartazes. De um, o meu marido disse: 'Não deviam ter feito um cartaz com esta gaja. Com uma cara destas, haverá alguém que vá votar nela...?' e eu dou-lhe razão. Há caras que não enganam. Pior foi o comentário quando viu um cartaz com três mulheres. Disse: 'Deixem passar, deixem passar, nós somos fufas e o mundo vamos mudar'.

Parafraseava, como é óbvio, os ditos da célebre manif abaixo reportada e da qual tive conhecimento através de Mestre Plúvio ao partilhar tão preciosa pérola:


E, de facto, olhando aquelas três naquele cartaz, a ideia de participarem numa manif com aquele maravilhoso grito de ordem parece-me muito possível. Não que a orientação sexual dos candidatos tenha alguma coisa  a ver com a orientação política de quem neles vota mas, ainda assim, não sei se aquele cartaz, com aquelas três, com as expressões e, sobretudo, os penteados que têm, faz muito sentido.

Apenas acrescento que o meu marido tem uma característica: pega na letra de uma canção e mantendo a métrica e o tom, troca-lhe as voltas, vira-a do avesso, torna-a absurda ou maliciosa. Felizmente só exercita esse seu dom ao pé de mim pois, geralmente, é altamente inconveniente. Desta vez, trocou parte do slogan e tornou-o absolutamente impróprio para salão. Mas, lá está, manteve a métrica e o sentido. Levou-o foi ainda mais longe. Tanto que obviamente não o posso aqui revelar. Private, private jokes.

E, para já, sobre autárquicas, é o que me apraz dizer. E, sobre qualquer outra coisa, para já, é a mesma coisa: aos costumes digo nada.


________________________________________________

Pinturas de Hsiao Chin ao som de Catrin Finch que interpreta Clear Sky

__________________________________________________

Um dia bom.
Saúde. Alegria. Força. Esperança.

domingo, fevereiro 21, 2021

Björn Andrésen não morreu em Veneza

 

Tenho um amigo cinéfilo. Pelo menos, assim se define. Durante anos consumiu compulsivamente filmes. Agora consome séries. E memoriza argumentos, realizadores, intérpretes. Por vezes pergunta se vi isto ou aquilo e, desmiolada como sou, geralmente não me lembro. Só quando dá detalhes, acabo por reconhecer e, muitas vezes, fico aborrecida comigo pois até tinha gostado... e tinha-se-me varrido. 

Uma vez fiz-lhe aquela pergunta que acho absurda e à qual não consigo responder quando ma fazem: qual o seu filme preferido? Pensei que iria dizer que era impossível escolher, que são muitos os muito bons, os preferidos. Mas não. Para meu espanto, convictamente, respondeu: Morte em Veneza

E, a seguir, em estado de um deslumbramento quase hipnótico, começou a falar da beleza daquele miúdo, na obsessão do homem mais velho pela juventude sedutora do rapaz. Eu disse: Uma beleza tentadora. Ele confirmou: sim, uma beleza tentadora.


Não me esqueço da forma como ele recordou a cena da praia e outras... e de como o seu olhar quase estava alheado da minha presença ao pensar nessas cenas. 

Contou-me que não sabe quantas vezes já viu o filme. 

Também gostei muito do filme. Não li o livro pelo que não sei avaliar se, em palavras, a rendição do homem é tão absoluta e, por vezes, tão patética ou se beleza tentadora do rapaz é tão cativante -- ou se são as figuras de Dirk Bogarde e Björn Andrésen que tornam a história de Thomas Mann tão erotizada, tão bela, tão intemporal. Claro que Visconti e toda a equipa não terão sido de somenos no sucesso do filme mas, seja como for, o rosto de anjo atrevido e o corpo juvenil e apelativo de Björn Andrésen no papel de Tadzio não serão jamais esquecidos.

No entanto, tendo sido alguém tão marcante não tenho ideia de se ter voltado a falar nele. Ainda será vivo? Será ainda um homem com uma beleza invulgar?

Fui saber. E, como tantas vezes quando um jovem é tão idolatrado pela sua beleza na juventude, parece que lhes fica colada ao corpo uma espécie de maldição. Neste caso até parece que os dramas por que passou não terão tido a ver com a profissão mas com a morte súbita de um filho, bebé. Contudo, a carreira cinematográfica, ao que parece, não evoluiu substancialmente. E a beleza... bem... a beleza obviamente foi perdendo aquele viço que a inocência virginal acentuava. Mas é a vida. Só permanecem para sempre jovens e belos os que cedo se desprendem da vida terrena. 

Björn Andrésen tem 66 anos, é actor e músico, tem uma filha e dois netos.


____________________________________

Desejo-vos um feliz dia de domingo.
Saúde. Ânimo. Paciência.

quinta-feira, fevereiro 04, 2021

Eles amam-se -- um século de homens apaixonados em imagens

 



Nos tempos que correm pode parecer estranho que a homossexualidade ainda seja tema olhado com algum desconforto. Em meios mais pequenos, a homossexualidade é ainda vista como uma característica desviante, como se um homossexual fosse um ser perverso, defeituoso ou ridículo. Mesmo em meios supostamente mais evoluídos, pelo menos por cá, quem é homossexual ainda receia expor-se à censura ou ao desdém. As pessoas homossexuais que conheço, apesar de pertencerem a meios cosmopolitas, não assumem a sua orientação. Creio que sejam habitados por um permanente receio de que sejam descobertos e que, sendo-o, passem a ser olhados com comiseração ou desconsideração. Uns tentam disfarçar contando muitas anedotas sobre gays, outros falam com displicência como se fosse tema que não lhes dissesse respeito e outros especializaram-se em, inteligentemente, desviar o assunto para outros terrenos. 

Em todos os grupos, sejam grupos do que for, há os que se situam na média, geralmente a grande maioria, e os que se situam nas franjas, geralmente uma minoria. Portanto, que se diga que os homossexuais são uma minoria é apenas uma constatação, não é mal. O que é mal é que isso venha acompanhado por censura ou repúdio.

Claro que se frequentarmos outros meios, por exemplo, se passearmos no Chiado (quando o podíamos fazer), veremos casais homossexuais assumidos que não escondem o seu afecto. Por exemplo, quando, numa outra vida, podia satisfazer o meu gosto por aliar o ambiente da beira do rio e o dos edifícios decadentes, indo passear para um dos lugares mais belos do mundo, o meu saudoso Ginjal, era frequente ver casais de mulheres homossexuais abraçadas, beijando-se. Não sei se fora dali mostrariam o seu afecto com a mesma naturalidade mas ali eram normais casais de pessoas enamoradas. De qualquer forma é ainda uma situação pouco frequente.

Já aqui o disse muitas vezes. Eu percebo que é mais confortável a gente sentir que não destoa da maioria e que, se nos sentirmos destoantes, nos inibamos de exibir a nossa diferença. Mas muito pior será se os outros apontarem a dedo, gozarem, achincalharem os que já, por si, se sentem pouco à vontade com  situação. Mas se eu sou heterossexual porque o sou e não por opção, também os que são homossexuais o são porque são e não porque o queiram ser. E da mesma forma que não me imagino a escamotear a minha orientação sexual para não ser objecto de repúdio social, imagino o que seria o meu sofrimento se fosse homossexual e passasse uma vida inteira e escondê-lo.

Por isso, tudo o que se faça para mostrar que qualquer pessoa deve ser livre de viver a sua sexualidade em paz e sem vergonha é pouco. 

O vídeo que abaixo partilho convosco mostra uma série de fotografias que mostram o amor entre homens.

Transcrevo parte do artigo da Vogue que apenas por preguiça transcrevo sem traduzir, desejando que parte dos meus Leitores consiga entender ou que o tradutor da google não deforme muito o texto.

“Ils s'aiment” : un siècle d'hommes amoureux en images

Cela n'était censé être qu'une simple collection. Depuis des années, Hugh Nini et Neal Treadwell accumulent des photographies vintage d'hommes qui s'embrassent et s'enlacent, des hommes qui s'aiment, tout simplement. Comme une leçon de vie et une manière de faire perdurer ces amours, à l'époque interdites et réfutées, le duo compile pas moins de 350 photographies dans l'ouvrage Ils s'aiment, publié aux éditions Les Arènes et 5 Continents.

Ces clichés, qui datent d'entre 1850 et 1950, ont été pris à une époque où l'homosexualité était complètement maudite, voire jugée comme un délit. Ils s'aiment est plus qu'un simple livre, c'est un manifeste de tout ce qu'il y a de plus pur : l'amour. Dans leur quête, Hugh Nini et Neal Treadwell ont réussi à dénicher des clichés qui proviennent du monde entier, des États-Unis, de France, du Canada, de Bulgarie, du Japon mais aussi de Thaïlande. Ces photographies, plus éclectiques que jamais, immortalisent des hommes provenant de tous les milieux de classes sociales : dandy new-yorkais ou ouvriers de province, riches et moins riches, blancs ou noirs, civils ou militaires…  C'est un authentique hymne à l'amour ponctué de moments tendres et passionnés, enfin dévoilés au grand jour. (...) 


E viva o amor.

________________________________

Desejo-vos uma boa quinta-feira

sexta-feira, novembro 13, 2020

Uma experiência homossexual...?

 


Do que me conheço, em abstracto diria que seria altamente provável que eu fosse pansexual: ou seja, que gostasse de pessoas independentemente do seu sexo ou orientação sexual. Crio, naturalmente, uma forte conexão com pessoas de quem gosto. Pelo contrário, sinto repulsa, que é mesmo repulsa física, se verdadeiramente antipatizo com alguém. Não é frequente sentir uma antipatia assim, visceral: tenho que sentir, no meu mais íntimo, que é uma pessoa parva, oca, narcisista, destituída de inteligência, de genuínos sentimentos, de valor de qualquer espécie. Aí nada a fazer, só peço a todos os santinhos para nunca me aparecer à frente. Em contrapartida, se a pessoa é inteligente, se tem sentido de humor, se é generosa, simpática, se desenvolve empatia em relação aos outros, se é boa companhia, se sabe surpreender-me, então, tem a minha simpatia e facilmente me relaciono com ela.

Mas uma coisa é simpatizar, outra é sentir atracção física. Aí, nesse capítulo, sou muito selectiva. Quando eu desdenhava de muitos que toda a gente achava o máximo, havia sempre alguém que dizia: hás-de deixar-me ver o teu caixote do lixo. Para eu me sentir atraída por alguém tem que essa pessoa ser muito de muitas coisas e nada também de muitas coisas. Na atracção física sou fundamentalista. Não há meio termo, não faço concessões. Tem que fazer o pleno dos fundamentais. 

E, até hoje, isso só aconteceu com homens. Nunca me senti atraída por uma mulher. Identicamente, nunca me apercebi de que alguma mulher se sentisse atraída por mim. Que eu saiba, de entre as mulheres com quem me relaciono mais de perto apenas uma é homossexual, mas não assumida. A mim tanto se me dá. Não me faz qualquer impressão nem uma coisa nem o contrário. Simpatizo com ela por ser como é.

Se me forçar a pensar no que poderia ser a minha reacção se uma mulher se apaixonasse por mim ou pretendesse tocar-me de uma formais sexualizada, sinto incómodo. Penso que sentiria repulsa. Mas lá está: nunca aconteceu, o que pense sobre isso é em abstracto. Contudo, a verdade é que face aos antecedentes e à minha muito marcada inclinação hetero, julgo ser altamente improvável que alguma vez venha a ter alguma experiência homossexual. Para o ter, julgo que deveria haver da minha parte, a priori, alguma predisposição e não há. Ou melhor, até hoje nunca houve.

Mas, também em abstracto, uma coisa eu digo: se houvesse essa tal predisposição, não haveria da minha parte qualquer preconceito que me levasse a rejeitar, à partida, uma tentativa. Em abstracto, imagino que o melhor dos mundos deverá ser o mundo dos pansexuais: uma pessoa apaixonar-se e desejar uma pessoa só porque a pessoa nos cativa, nos dá vontade de estar próxima, abraçada a nós, bem apertadinha, nos apetece a sua companhia, nos apetece rir e conversar e passear e construir sonhos e projectos conjuntos e tudo isso pela pessoa em si e não por ser homem ou mulher ou gostar de homens e mulheres; isso parece-me um conceito irrecusável, a maravilha das maravilhas. Cá para mim, felizes os pansexuais. 

Agora que escrevi isto ocorreu-me uma dúvida: ser pansexual será a mesma coisa que ser bissexual? Deve ser, não é? Não sei se conheço alguém bissexual. Se conhecesse e se quisesse falar sobre o assunto, aproveitaria para satisfazer a minha curiosidade. 

Mas, pronto, não conheço, não sei. Não digo mais nada. Limito-me a partilhar um vídeo com as meninas mais prá-frentex de que há memória: Gilda, 78 anos, Helena, 92, e Sônia, 83.

________________________________________________________________

As fotografias são da autoria de Mario Finazzi na companhia de Portrait of a Lady on Fire (ao som de Vivaldi) e de Carol

_____________________________________________

E tudo de bom para vocês, ok?

quinta-feira, fevereiro 20, 2020

A Lena e o Paulo


Ora bem. A conversa ali mais abaixo vai animada mas o dia foi longo e passa bem da uma da manhã, hora imprópria para me meter ao barulho ou para encetar tema estruturado. Além do mais, depois da Beatriz Gosta e da vida sentimental dos portugueses, em tese pouco mais haverá a acrescentar. A vida humana, vendo bem as coisas, pode ser uma coisa muito simples.

O dia que me espera é daqueles que me traz afeliada, sem saber como devo reagir perante o que vai acontecer e, muito francamente, com muito medo da minha reacção. O dia que aí vem é de rotura, e devo dizer que hesito entre escrever rotura e ruptura, e sei que terei que apelar aos meus melhores dons de representação, coisa em que sou péssima. E o que vai acontecer durante e após seria motivo mais do que suficiente para me colocar apreensiva. Mas, ao contrário, só de pensar nisso já me apetece rir e rir é coisa que, de maneira alguma, poderei fazer em público. E, se penso no assunto e na forma como seria bom que eu reagisse, volto a desatar a rir e o que me alivia é pensar que, se continuar a rir-me, talvez esgote o riso e, quando a coisa acontecer, pode ser que consiga manter-me sisuda.

E o meu dia transacto foi muito cheio de coisas, de natureza diversa, pegas e refregas, dilemas e desabafos. Nem um pequeno espaço de bucolismo, nem uns instantes de metafísica. Como diria o outro, tudo no duro. E passaram-se umas cenas que dariam para notícia em primeira página de jornal e outras para profundas dissertações sobre a natureza humana. Mas traçando a bissectriz a tudo, neste meu mundo em permanente geometria variável, o que resulta é um vector neutro, branco e, portanto, sobre isso melhor que se abata o silêncio.

Mas, à vinda, apanhei o Guilherme Leite com o Alvim, na Antena 3, e vim a rir de gosto todo o caminho e tudo o que poderiam ser divagações ou reflexões foi, acto contínuo, para o espaço. E falaram na Marilú do Ena pá 2000 e eu cheguei aqui e fui recordar e voltei a ficar bem disposta, como se não houvesse preocupações que pudessem afectar-me. E estive vai não vai para o colocar aqui já que é um verdadeiro hino à vida fora de órbita e essa, para o meu alter ego, é a melhor forma de viver a vida. Mas como o meu alter ego não é para aqui chamado, deixo o lancinante apelo do Manuel João para outro dia e foco-me num outro grande momento: uma entrevista a um casal improvável, uma lésbica e um gay. Pode haver quem ache que isso é banal, que esse é padrão mais do que muito déjà-vu, mas eu sou assim mesmo, dada a banalidades, a commodities de toda a espécie e feitio. Portanto, com vossa licença, neste momento que deveria ser de reflexão e de interioridade, é a este emblemático casal que dou voz. É certo que a coisa se deu há já dez anos; mas o que são dez anos na longa marcha da humanidade não se sabe bem em direcção a quê?

Portanto, ouçamos o testemunho da Lena e do Paulo, um casal pouco dado a espiritualidades que, noves fora nada, não costumam ser de grande préstimo na igualmente longa construção dos caminhos da sabedoria e whatever.

Ei-zi-os: a Lena e o Paulo

(Ei-zi-os ou eizi-os? -- o priberam não esclarece, caraças)


E siga o baile. 

quinta-feira, fevereiro 06, 2020

O amor entre mulheres





No outro dia achei um piadão a uma coisa que li. Dizia-se que com isto da inclusão e das minorias e das gordas e das peludas e dos gagos e dos vesgos e dos carecas e dos esqueléticos e dos obesos e dos narigudos e das bichonas e dos tatuados de alto abaixo (e sei que estou a fazer uma misturada mas façam o favor de perceber a ironia) e de só contratarem gente feia e estranha para os anúncios, qualquer dia os bem parecidos não têm lugar em lado nenhum. 

Hoje ao estar perto de um grupo de jovens mulheres fiquei a olhar para elas com algum espanto.


Quando eu tinha a idade delas gostava de me arranjar bem, de me sentir bonita. E, agora que tenho idade para ser mãe delas, ainda gosto. Nem em casa eu ando como elas andam. Estas, todas mal enjorcadas, sem pitada de graça, todas muito eco, todas muito sustentáveis, ensimesmadas, sempre com conversas muito engajadas, parecem-me uma seca. Mas é capaz de ser a nova tendência. Apeteceu-me dizer-lhes: 'Ó meninas, mas que atraso de vida é este? Qualquer dia estão velhas sem nunca terem sido novas...'


Bem, mas o que eu queria dizer não era bem isto, o que queria dizer é que ainda bem que o mundo começa a ser inclusivo para toda a gente. Pelo menos nos lugares mais cosmopolitas.

Hoje vi duas mulheres, por sinal muito elegantes e femininas, nada do género alternativo, sustentável ou intelectual de esquerda, por sinal nada como as do grupo que antes me tinha chocado pela forma indiferente e mal amanhada como andam. Estava a vê-las e a pensar: são advogadas. Muito bem vestidas, bem penteadas, boas carteiras, todas fashion, seguras de si. E, no entanto, estava eu parada no semáforo, vi-as darem a mão, depois encostarem-se e depois beijarem-se na boca. E lá atravessaram a rua, apaixonadas como um casal que descobre o amor. Achei bonito. Havia nelas qualquer coisa de selvagem.


Eu que tenhos os meus genes todos hetero e que só de pensar na perspectiva de um contacto sexual com uma mulher já me encolho sentindo como que repulsa, não me sinto nem um bocado chocada com as manifestações de amor homossexual. Cada um é como é e deve poder ser como é, como lhe apetece. Parece-me uma violência insuportável alguém ter que forçar o que não é ou esconder o que é.

Há algum tempo, a demonstração pública de afecto entre duas mulheres  seria impensável. Agora, ali iam as duas a rir, apaixonadas. E as outras pessoas nem aí. Tudo natural.


Somos feitos de preconceitos, crescemos sendo amestrados para ter medo, para evitarmos o pecado, pensando que tudo é pecado, somos domesticados para nos refrearmos, para acusarmos os outros, para censurarmos, para repudiarmos os que ousam ou que, simplesmente, são diferentes. Em cima disso, os homens são treinados para serem fortes, invulneráveis, para esconderem as emoções, para não aceitarem derrotas. Os homens são capazes de sacrificar uma vida inteira para evitarem uma situação em que podem ouvir um não. Os homens temem o não como quem tome ser envenenado por uma cascavel. As mulheres, por outro lado, temem a censura, temem que as associem ao desfrute, e, por isso, inventam mil pretextos para se furtarem ao convívio ou, sobretudo, à entrega sem reservas. Outras temem que as achem timoratas e entregam-se à maluca, sem cabeça, sem tino, sem recuo, estatelando-se a torto e a direito e achando que a culpa das sucessivas derrotas é sempre toda dos outros. 

Sei que só quem sofre e quem é rejeitado é que tem credibilidade para falar de coisas assim. Portanto, não tendo eu experiência de sofrimentos de amor e nunca tendo sido rejeitada, ninguém me leva a sério neste tipo de conversas. Começam por não acreditar. Acham que toda a gente tem que padecer e que quem diz o contrário é mentiroso ou mentecapto. 

Não quero saber: digo o que é.

Já fiz sofrer e já rejeitei (coisa de que não me orgulho e que não me trouxe felicidade -- mas que teve que ser) mas nunca tive desgostos de amor. E, no entanto, não me sinto menos habilitada a interpretar a vida do que os que sofrem agruras. Por outro lado, também não me sinto habilitada a dar conselhos. De resto, o que posso dizer é que não me vejo cercada de pecados, não tenho medo, ouso e não complico. E, no que me é importante, não cedo, mas, no que é irrelevante, estou-me nas tintas. Quase que esse poderia ser o meu lema de vida. É fraco lema, eu sei, mas eu acho que lema que é lema tem que poder ser dito em meia dúzia de palavras e ser simples, à prova de burro.


Mas já estou outra vez a tergiversar. Ou melhor, a derivar. Não era nada disto. Parece que ando aos ziguezagues, sem bússula.
Agora até me está a fazer lembrar aquela prova de orientação nocturna numa terra qualquer no meio do nada. Eu e mais uns quatro simpáticos, à nora, perdidos, desorientados, sem vermos nada, sem conseguirmos interpretar o mapa que nos tinham dado, sem atinarmos com a bússula, tropeçando. E eu rindo, rindo, rindo. Às tantas, ouvimos mais abaixo, sem percebermos de onde vinha o som, barulho de gente que caía, que se zangava, zaragateando uns com os outros. Era outro grupo. Pelos vistos estavam a levar aquilo muito a sério. E os do nosso grupo unidos na desorientação e eu, a cada vez que percebíamos que tínhamos ido no sentido errado ou que um caía ou que soltava um palavrão, a rir até mais não poder. E eles cheios de paciência comigo e com a situação. Lá para as tantas conseguimos dar com o nosso destino e o destino era uma casa com um alpendre e, debaixo do alpendre, umas mesas de madeira. E uma senhora a servir-nos canja quente numa tigelinha de barro. Fomos para o hotel de madrugada, bem dispostos, com a sensação de prova superada.
Assim estou hoje, sem saber para onde vou nem como orientar-me. Deve ser da espécie de cansaço que tenho hoje em cima de mim.

Explico. No espaço de cinco dias já é o segundo aquário que festeja a sua existência. Cheguei a casa tarde e, porque a semana não tem dado tréguas, estou a modos que um bocado cansada. Por isso, estou em piloto automático. Os dedos estão para aqui a conversar e eu nem sei bem sobre o que é a conversa nem com quem é.

Só sei que, depois da cena no semáforo, este vídeo vem mesmo a calhar. É bonito. 

It's wonderful


_________________________________

As fotografias são de Bettina Rheims e não têm a ver com o texto mas com o facto de eu gostar de mulheres -- ou não fosse eu uma. Neste caso, gosto de ver como Bettina Rheims fotografa as mulheres. No vídeo, Salma Hayek faz de Frida, mulher livre.

____________________________________________________

E uma bela quinta-feira a si que está aí a aturar-me.