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terça-feira, agosto 12, 2014

As Actas do Banco de Portugal, o escritório de Miguel Reis (o Assange em versão tuga-lawyer?), o BES, o BCE e o adensar da nebulosa. E uma pergunta: o NOVO BANCO existe mesmo? E ainda mais uma: será mesmo que Luís Durão Barroso, o filho do Cherne Barroso, tem comprovada e reconhecida competência profissional? É que foi contratado sem concurso para o Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal.


Bem. Depois dos dois posts a seguir a este - um bastante elucidativo com um interveniente sério e outro a tender para a palhaçada, e outro post muito pouco recomendável e, segundo a minha filha, traumatizante (e isto só por ter lido o título, imagine-se) - aqui, agora, vou ver se consigo dizer o que penso de alguns assuntos que me andam a maçar mas tentando não me tornar excessivamente maçadora.

Claro que ajudaria se eu tivesse ideias claras, coisa que estou longe de ter. Aliás, não tenho ideia de em tempos recentes me sentir tão burra. Sério: quanto mais ouço os iluminados, mais infeliz me sinto. 

É que nem sei bem por que ponta pegar. Mas vamos lá.



Questões de Moral





Primeiro: as Actas do Banco de Portugal. 



Parecer-me-ia normal e sinal de transparência que o Banco de Portugal desse a conhecer as suas actas, especialmente as que se referem a temas tão graves como o do BES.

Mas acho do além que sejam divulgadas por um escritório de advogados, o Miguel Reis & Associados – Sociedade de Advogados, que diz que achou a primeira no Portal das Empresas.


Contudo, acaba de publicar uma outra, a que se refere à nomeação de Miguel Rio-Tinto para a administração do Novo Banco. Miguel Rio-Tinto é quadro do Grupo Espírito Santo (GES) e sai agora da seguradora Tranquilidade para o chamado “banco bom”, que fica com sete administradores.


(Os links apontam para as páginas do site do dito escritório de advogados pois acho que tem mais graça. Lá encontrarão o link para as ditas actas do BdP)

Não sei como é isto possível, não sei se as actas andam mesmo por aí ao alcance de qualquer um ou se estamos em presença de uma leak que é como quem diz, uma fuga. A andarem por aí, acessíveis ao vulgo dos mortais, como é que os jornalistas nunca tinham dado por nada?

[Só gostava de ver a acta em que o Banco de Portugal decide contratar sem concurso para o Departamento de Supervisão Prudencial o filho de Durão Barroso quando a regra no banco é contratar por concurso salvo situações de "comprovada e reconhecida competência profissional". Mas pode ser que o nosso Assange (ou Snowden) faça o favor de nos dar a perceber que comprovada e reconhecida competência tem o jovem Barroso.]



Segundo: O NOVO BANCO, filho ainda não parido do BES


Desde o momento em que ouvi o anúncio de Carlos Costa de que ia nascer um novo banco, para o qual passaria a actividade normal, não tóxica, do BES, que manifesto a minha perplexidade.

É aqui que vou tentar não ser muito enfadonha.

Uma empresa como um banco assenta em absoluto sobre um sistema informático. A todo o momento estão a ocorrer transacções, quer aos balcões, quer na internet, quer nas caixas ATM ou nos terminais nas lojas. De cada vez que alguém faz um desses movimentos, há um sistema informático a validar códigos, saldos, a efectuar operações, a contabilizar os movimentos.

Ora um sistema informático não se faz de raiz de um dia para o outro. Com a complexidade do sistema de um banco, estaremos a falar, na melhor das hipóteses, de uns quantos meses de projecto e, mesmo assim, tem que ser bem estudado.

Quando uma empresa nasce, geralmente começa a sua actividade a partir daí, do momento 0 (zero).

Ora o Novo Banco vai herdar uma carteira de credores e devedores, cada um deles com um historial e esse historial tem que transitar do BES para o Novo Banco. Ora os movimentos que terão que transitar deverão ser meramente estatísticos já que a respectiva contabilização já aconteceu no passado e numa outra entidade (o BES). Nada disto é fácil de fazer.

Quando se constrói um sistema para uma nova empresa, começa por se definir o NIF, os dados fiscais, depois atribui-se-lhe um plano de contas, depois começa a definir-se a estrutura organizativa e, aos poucos vai-se reproduzindo em termos informáticos o que é na realidade, os dados mestres, os processos, etc.

Não é copy paste a partir de uma outra entidade. Além disso, quando estiver o edifício informático construído, haverá que definir as regras para migração de dados. Bem a bem, conta a conta, há que definir: Esta passa? Se sim, passa em que condições? E, antes de passar, deve haver um cut off das operações da empresa 'velha' (já pareço o Bava com estes anglicanismos), ou seja, há que congelar as actividades durante o tempo da migração (digamos um fim de semana com o sistema informático parado, isto é, sem movimentos a ocorrerem, parou tudo!), e, mediante as regras definidas e depois de ter efectuado numerosos testes, pegar nos dados e passar uns e deixar ficar outros.

Ora, cá para mim, os iluminados que gizaram esta solução de inventarem um novo banco, esqueceram-se destes pequenos pormenores. Devem ter achado que os computadores, sozinhos, iam adivinhar tudo. Esqueceram-se que, montar uma coisa destas, na melhor das hipóteses (e estou a ser optimista e a admitir que ali há crânios habituados a operações deste tipo), é coisa para uns 3 ou 4 meses. Contudo, eu seria prudente e diria que, com uma equipa experiente, isto seria coisa para não menos de 6 meses.

O lógico teria sido o oposto. Admitindo que a profusão de movimentos, o grande público, os milhares de clientes com milhões de transacções online estarão do lado bom, o que faria sentido fazer seria expurgar as contas más, isolá-las e transferi-las para uma sociedade má que compraria as carteiras complexas. E, portanto, deixar a actividade corrente no BES.

Em termos administrativos, informáticos, contabilísticos não haveria qualquer complexidade já que ficaria tudo a funcionar normalmente. E, para além disso, preservar-se-ia a marca BES, e não é tanto pela marca mas pelos custos absurdos que haverá se mudar tudo, as agências todas, os papéis, tudo.

Em termos de accionistas também me parece que seria possível actuar de forma mais justa, não punindo os accionistas que não tiveram culpa em nada. Os accionistas que seriam 'lesados' seriam os que já faliram e que portanto não têm já capital que os represente.

Isto seria o que eu teria feito.

Assim, não sei que solução estão a eles a engendrar. O que sei é que na prática o que está a funcionar não é Novo Banco coisa nenhuma, é o BES, e, a cada dia que passa, mais movimentos da nova era se estão a misturar com os da velha era, tudo na mesma contabilidade, a do BES. Não faço ideia de como vão eles desensarilhar aquilo tudo. A menos que tenha sido para aí inventada uma varinha mágica qualquer. Só espero é que, nesse caso, não seja como a que uso para fazer o puré de base na sopa (tudo desfeito num abrir e fechar de olhos)

Gente que não pensa, é o que me parece. Ou que não faz ideia do que é a gestão de uma empresa.



Terceiro: A actuação do BCE neste processo


O Banco de Portugal vinha injectando liquidez no BES como não podia deixar de ser, dada a crise, o receio das pessoas, etc. Havia linhas de financiamento do BCE, tudo normal. Contudo, viemos a saber - e com todos os pormenores - a partir da leitura da Acta, que o BCE resolveu fechar a torneira, inibir o BES e, pior, exigir a devolução de 10 mil milhões de euros.


E isto é o que lá esta escrito e isto é o que toda a gente repete. E, contudo, eu não acredito. Ou melhor, acho que isto não pode ter acontecido assim. Uma instituição como o BCE não decide uma coisa destas de um dia para o outro. Nenhum banco exige o pagamento de uma quantidade desta ordem de grandeza assim de súbito a ninguém - até porque sabe que a não tem. Nem mil milhões, quanto mais dez mil milhões. Um pedido destes não existe.

Portanto, das quatro uma:

1 - Ou não foi bem isto que o BCE disse e alguém fez uma interpretação literal e se precipitou com uma solução à maluca.

2 - Ou o BCE estava pelos cabelos com as hesitações de Carlos Costa e do Governo Português, vendo-os a patinar em seco, sem serem capazes de se decidir a agir e, para ver se os forçavam a agir, abriram-lhes os olhos fazendo uma ameaça ridícula, tipo 'ai se eu te apanho, se te agarro, faço-te tamanho de um cigarro' e eles, apatetados, acreditaram.

3 - Ou a coisa é ainda pior e quiseram uma cobaia para testar a legislação que vai entrar em vigor para o ano e, sabendo os mansarrões que são os portugueses, olha deixa cá ver se não morrem com este novo remédio e lá vai disto, em vez de experimentarem a nova droga em políticos rafeiros (que ainda apareciam para aí da Protectora de Animais a fazer queixas), experimentamos mesmo neles.

4 - Ou ainda é pior que isto e, por algum motivo, quiseram espatifar com o BES para depois alguém apanhar os cacos.


Alguma das quatro é. Não foi por simples demência que alguém numa sexta feira acordou mal disposto e disse, olha deixa-me cá entalar aqueles totós e pedir-lhes 10.000.000.000€. Impossível. Acho que é tudo gente doida, perigosa - mas há limites para a estupidez humana. Ou será que não há?

Mas acho que esta é, uma vez mais, uma história mal contada. Até porque uma coisa pergunto eu: porque é que tem havido complacência para com o Monte Dei Paschi di Sienna (MPS) o quarto maior banco  de Itália e com o BES é esta faca ao peito?




O MPS de Toscana foi fundado no século XV e é o mais antigo banco do mundo. Com uma combinação de corrupção, perda de rendimento, levanta-se a questão de por quanto tempo o banco vai aguentar. O governo italiano já por duas vezes o ajudou com 2 mil milhões de euros, dinheiro esse que o governo teve de pedir emprestado ao BCE. A Itália está assim na mesma situação que a Grécia e a Irlanda, que mantém os seus bancos a funcionar graças ao dinheiro da Europa.

No caso da Itália, um dos países fundadores da CEE, foi dada preferência a que fosse o BCE a resolver o problema. Numa entrevista com o de Volkskrant (jornal holandês), Mário Monti disse que se tratava de uma decisão consciente. Se em vez do BCE um dos outros fundos europeus cuidasse de salvar a Itália, isso certamente significaria uma perda de status. Acrescentou Monti:

"Um crédito de um outro fundo europeu teria minado o meu poderá frente das negociações da Europa. Aí deixaria eu de estar em pé de igualdade com Merkel e Hollande. É isso que se constata com a Grécia, Portugal e a Irlanda, cuja posição em Bruxelas se encontra totalmente fragilizada devido ao auxílio que receberam. Isso não pode acontecer à Itália, que é um dos grandes países da EU."

Dinheiro grátis

Na prática significa isso que a Itália emite obrigações que são directamente compradas pelo BCE. Com o dinheiro assim liberado reforça-se o balanço do MPS. Mas acontece que o MPS já tinha sofrido perdas com a compra dessas mesmas obrigações do governo italiano. Assim se tapa um buraco enchendo outro. Cada vez que um investidor assustado vende uma obrigação do MPS, o BCE compra outra, ou imprime uma nova. Assim à vista deve isso continuar eternamente.


Mas, enfim, Itália teve um Monti que a defendesse enquanto nós temos o que temos.


Moral da história: esta história do BES está toda ela mal contada, parece-me um barrete, uma trafulhice e uma albardice toda mal enjorcada. De facto, nem sei o que pense de tudo isto. 



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Tinha ainda mais umas observaçõezitas para fazer poupo-vos e vou dormir que daqui a nada tenho que estar a pé. Não vou reler pelo que admito que isto tenha gralhas de alto a baixo.

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Agradeço a quem tão gentilmente fez o favor de traduzir o artigo publicado no Nine to Five


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A música é Questões de Moral pelo B. Fachada

As fotografias foram tiradas com um iPhone e obtive-as aqui. Não têm (à primeira vista) propriamente muito a ver com o texto mas é uma tentativa de aligeirar a maçadoria do relambório.

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Relembro: por aí abaixo há mais dois posts e, afianço, a coisa vai de bem a melhor.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira!