O dia foi dos bons. Um dia feriado é dia de férias e é bom ter o pessoal todo cá em casa. Almoçaram, descansaram, foram jogar padel, foram dar um mergulho. Depois, de volta a casa, todos os homens fecharam-se na sala de televisão para verem o futebol sem interrupções do sector feminino ou do cão. Mesmo os benfiquistas se solidarizaram com os sportinguistas e permaneceram na sala.
Portanto, o lanche foi dividido entre o que levei para os que estavam fechados e para as meninas que aproveitaram o sol e o ar livre.
Tinha trazido dois pães de forma de Rio Maior que fatiei, um de chia e mais qualquer coisa e um pão rústico, tudo fatiado no supermercado. Não aproveitei as fatias que se partiram ou enrolaram umas nas outras.
As duas grelhas do forno já não são suficientes para as tostas. Enquanto o pão está no forno, vou tostando mais fatias na torradeira.
Fiz de três tipos. Como todos gostam muito, partilho convosco pois podem querer aproveitar a ideia.
1 - Levo umas fatias ao forno. Quando já estão a alourar, tiro-as e pincelo-as com um pouco de azeite com alecrim. Vão de novo para o forno. Depois de lourinhas, retiro-as. Tiro o alecrim pois já lá deixou o sabor (e não vão eles embirrar com as folhitas secas; se fosse para mim, deixava ficar). Ponho uma fatia de queijo em cada tosta (no caso, era Terra Nostra). Vai ao forno outra vez, para amolecer. Quando está praticamente derretido, tiro do forno, ponho uma fatia finíssima de presunto em cima. Antes de servir, passo por cima, muito ao de leve, uma brisa invisível de azeite e uns quantos subtis orégãos.
Dios pratos, dos grandes, destas.
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2 - Já contei mas, para ficar aqui, repito. Num copo misturador ponho dois tomates de rama, grandes e bem maduros. Ponho um pouco de sal e um pouco de orégãos. Com a varinha mágica, moo muito bem. Depois de moído, junto um fio de azeite enquanto continuo a bater com a varinha, o que faz engrossar. Esta emulsão é muito boa e saudável.
Tiro mais um tabuleiro de tostas do forno e, com uma colher, ponho uma boa quantidade desta emulsão em cada tosta. Por cima de cada, ponho uma fatia de salmão fumado. Em algumas ponho, ainda, um apontamento de queijo mozarella de búfala. Noutras, polvilho um pequeno nada de alface ou de cenoura ralada. Por cima, o mesmo sopro invisível de azeite e uns salpicos de orégãos.
2 pratos destas
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3 - Os restantes 2 pratos são parecidos mas apenas com a emulsão de tomate, umas fatias bem generosas de mozarella de búfala. Em algumas salpico, por graça, com uns discretos toppings de salmão fumado.
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Desaparece tudo, num ápice.
Uns acompanham com bongos, outros com iogurtes líquidos magros, outros com minis.
A seguir, uvas.
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Um pormenor relativo ao almoço. A pedido de várias famílias, tudo o que é doce ou engordativo deve ser banido. Portanto, para sobremesa, fiz assim: para uma taça grande de vidro, cortei aos bocadinhos dióspiros bem maduros, pêssegos maduros e doces, maçãs, muitas uvas inteiras e sem grainha. Depois deitei lá para dentro um iogurte magro de frutos vermelhos e seis embalagens de gelatina sem açúcar acrescentado, de pêssego e manga. Envolvi tudo e coloquei no frigorífico até ser servido. Ficou muito agradável. Gostaram. As crianças assim comem bastante fruta, sem protestarem
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E, para terminar, um momento maravilhoso. A perícia de Theo Jansen é surpreendente pois alia a inteligência da técnica à leveza da poesia.
Animaris Rex
Since the beginning of this summer I have been trying to connect several running units (Ordissen) in succession. Animaris Rex is a herd of beach animals whose specimens hold each other as defense against storms. As individuals they would simply blow over, but as a group the chance of surviving a storm would be greater. It is 18 meters long (5 meters longer than the largest Tyrannosaurus Rex found.)
Quando eu acabei o liceu (assim chamávamos, na pré-história, a algumas escolas de ensino secundário), os meus pais perguntaram que presente gostaria eu de receber. Pedi, imagine-se bem, uma máquina de escrever. Era azul, transportável, fechava-se a tampa e todo o mecanismo recolhia. Não sei o que tinha eu na cabeça quando achei que me poderia ser útil. Acho que nunca a usei. Tenho ideia que imaginei que teria que apresentar trabalhos que não deveriam ser feitos à mão. Parvoíces de adolescente sonhadora (se bem que ninguém tal diria de mim, acho eu).
Penso que devia ser fetiche que cresceu comigo desde a infância -- e, obviamente, fetiche não é, uma vez mais, a palavra certa. Na verdade, acho que tinha ainda viva em mim a memória de quando era pequena e, nas férias, ia para a escola onde a minha mãe dava aulas. Deixava-me na Secretaria. Ocupava um lugar numa secretária e, ali instalada, numa cadeira que andava à roda, era capaz de estar uma tarde quase inteira a escrever à máquina. O supra-sumo da felicidade acontecia quando o chefe da secretaria me dava um papel químico e eu o colocava entre duas folhas. Com mil cuidados, ajeitava-o em volta do rolo, travava-o e conseguia a magia de fazer as minhas obras em duas vias. Quando, no intervalo, a minha mãe ia ver como é que eu estava a portar-me, tinha sempre um manancial de folhas escritas para lhe mostrar. E estava orgulhosa. Aquela vida de escritório parecia-me o cúmulo da realização profissional, com carimbos de várias cores e tamanhos e respectivas almofadinhas, um enorme com uma alavanca (seria o selo branco?), envelopes, arquivos, armários com pastas. Um mundo que, na altura, eu imaginaria fantástico e imutável.
Não faço ideia que é feito dessa minha máquina azul. Penso que não percebi que era objecto que passaria a histórico e não o salvaguardei devidamente.
Trabalhava eu há pouco tempo, fiz parte de um grupo de trabalho que tinha um ambicioso projecto a seu cargo. Era eu e uns sete homens jovens. Era uma alegria. Foram dois ou três anos extraordinários. Tínhamos que fazer relatórios regulares. Uma secretária, mulher bem mais velha que nós e que estava por nossa conta, ia passando tudo aquilo à máquina. Via-se e desejava-se. Éramos um grupo de malta motivada que produzia prosa que se desunhava. A meio da prosa tínhamos números, cálculos e, inclusivamente gráficos. Ela andava doida. Queríamos que aderisse ao tratamento de texto mas ela dizia que nós lhe dávamos tanto trabalho que não tinha tempo para aprender aquilo. Por vezes, quando acabava um relatório, o autor resolvia introduzir um parágrafo a meio e ela, pobre, tinha que refazer tudo. Eu odiava aquilo, sentia que ela era quase nossa escrava. Escrevia de manhã à noite. Zangava-se, queria que revíssemos e pensássemos bem antes de lhe entregarmos aquelas folhas cheias, muitas com uma letra macarrónica, mas também se fartava de rir com a irreverência e sentido de humor daquela rapaziada e era público e notório que adorava trabalhar connosco. Dizia a toda a gente que nunca tinha gostado tanto do trabalho que fazia. Por fim, já opinava e já nos dava conselhos e eu, muitas vezes, quando tínhamos ideias avançadas em mente, antes de avançarmos, ia validar com ela o sentido prático da coisa. Por fim, conseguimos convencê-la a aderir ao Display Writer mas quantas vezes a ouvi dizer que cedia para não nos ouvir porque achava que escrevia mais rapidamente na sua máquina. Não sei o que terá sido feito de todas as muitas centenas de máquinas que, na idade da pedra, existiam na empresa. Quanto a ela, querida amiga, reformada há que tempo, estou a dever-lhe um telefonema. A ver se lhe ligo para a semana.
Também existiam telefones grandes, com marcador de andar à roda. E havia, na empresa, uma central telefónica extraordinária que era operada por uma telefonista. Punha e tirava cavilhas com fantástica destreza. Tinha idade para ser minha mãe e eu gostava muito de conversar com ela. Tinha uma sabedoria incomum que, na volta, resultava de ouvir muitas conversas, se calhar mais do que as que devia. Mas não me interessava: na realidade, achava-a até mais interessante talvez, justamente, por isso. Quem sabe guardar segredos, deve merecer o nosso apreço.
Quando comprámos a casa onde agora estou, encontrámos, na divisão que viria a ser o quarto da minha filha, um telefone bonito, encarnado, com teclas. Era um objecto com ar moderno. O antigo dono era emigrante e trouxe muitas coisas de França. Quando vendeu a casa, desinteressado de tudo, deixou cá mobília, talheres, bibelots, alguns livros em francês. Deitámos muita coisa fora mas muitos eram objectos invulgares, notoriamente vindos de outras paragens. A mulher tinha-o deixado. Odiava vir de França para estar aqui enfiada no meio do campo. Contaram-me que discutiam muito e que, por vezes, saía de casa a correr, por vezes nua, e ele ia atrás, a chamar por ela. Tinha o mesmo nome que eu mas, pelos vistos, ao contrário de mim, não encontrou aqui o seu heaven. Como aqui não temos telefone fixo, levei-o para a cidade. Para os meninos aquilo é uma coisa bizarra à qual acham imensa graça pelo que estavam sempre a fazer chamadas. Acabei por desligá-lo para eles poderem brincar à vontade. Acho que há anos que não o ligo e nunca me lembro de tal coisa. Os telefones fixos também caíram em desuso.
Ou as máquinas fotográficas. Tenho, num móvel do escritório, algumas. Objectos de estimação. Tínhamos objectivas especiais, tripés, flashes. E rolos. Íamos pôr os rolos a revelar a lojas de fotografia. Quando eram a preto e branco, revelámos os rolos em casa e também fazíamos as fotografias. À noite, quando os meninos estavam a dormir, com uma lâmpada encarnada especial. Um ambiente mágico, uma emoção inesquecível.
O vídeo abaixo mostra objectos que, expectavelmente, não tardarão a desaparecer. Tem graça. Somos passageiros do tempo e os que nos sobrevierem olharão para as relíquias que lhes deixarmos como curiosidades que os farão sorrir. Usemo-las enquanto têm utilidade pois não tarde teremos que as encostar às boxes.
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As fotografias foram feitas este sábado in heaven e resolvi pô-las aqui por contraste: a natureza não passa de moda, não perde utilidade, não vira coisa obsoleta. Nós e os nosso objectos é que somos perecíveis, efémeros. Lá em cima a música de Max Richter chama-se, justamente, She remembers.
Depois do 'artista de mamilos' do post abaixo, estava com vontade de fazer aqui uma gracinha mas há gracinhas que apenas a civilização permite. Ora aqui, in the middle of nowhere, com uma internet a pedal, em que cada página demora eternidades a abrir, com o próprio computador a rebentar pelas costuras, não consigo fazer nada do que queria.
Desespero a ver esta coisa a pensar -- e se me maçam as coisas lentas (as coisas e as pessoas) que dão voltas e voltas aos neurónios sem que dali saia coisa que se aproveite, credo, que falta de paciência. Estou aqui e é o chamado dançar, dançar e não sair da pista. Cada página atravanca a outra, fica tudo pasmado, nem ata nem desata, mastiga e não engole. E por aí fora que, se continuo com metáforas, daqui a nada estou naquela que se impõe. Caraças.
Por isso, e tendo já intervalado para ler - senão, enfurecia-me para nada que não é a minha impaciência que torna a internet mais rápida ou me limpa o disco do computador - volto aqui com um novo plano que, a bem dizer, pode ser plano nenhum que, se isto continua assim, vou ler um pouco mais e...oh oh, ó-ó.
É verdade: a televisão já funciona e afinal não era humidade (thanks de qualquer maneira, Rosa!), era mesmo nabice, uma ficha estranha enfiada na tomada errada aqui na geringonça da tdt, coisa que um olhar jovem e entendido logo detectou. Mas a oferta televisiva é miserável.
Neste momento, estou a ver uma coisa que não sei como se chama mas que tem a gente do Big Brother ou Casa dos Segredos e há outras pessoas, que admito que sejam concorrentes, que são do pior que se possa imaginar. Inenarrável. Vou desligar.
Portanto, meus Caros, hora de procurar o que me agrade noutras paragens. Vamos lá. A pedal, devagar, devagarinho, mas vamos lá.
Uma imagem
Uma fotografia que é quase uma pintura, uma mulher que é quase imaginação
- Ferros de lanças, com boa licença de vossa mercê.
- Graciosinho me sois? De chocarreiro vos picais? Está bem! E aonde íeis agora?
- Senhor, a tomar ar.
- E onde se toma ar nesta ínsula?
- Onde sopra.
- Bom, respondeis mui a propósito! Discreto sois, mancebo, mas fazei de conta que sou o ar (...)
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Adverte, Sancho - respondeu Dom Quixote -, que há duas maneiras de formosura: uma da alma e outra do corpo; a da alma campeia e mostra-se no entendimento, na honestidade, no bom proceder, na liberalidade e na boa criação, e todas estas partes cabem e podem estar num homem feio; e quando se põe a mira nesta formosura, e não na do corpo, sói nascer o amor com ímpeto e com vantagens.
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Excertos ao acaso de Dom Quixote de la la Mancha, ed. D. Quixote, tradução de Miguel Serras Pereira
O primeiro vídeo - que já aqui apareceu antes -, mostra as extraordinárias esculturas em movimento de Theo Jansen (que se trate de um anúncio à capacidade de inovação da BMW é pormenor)
O último mostra os membros do elenco e da equipa criativa da produção de Carlos Acosta no Don Quixote.
Depois de, no post abaixo, já aqui vos ter disponibilizado mais uma aula prática, desta vez sobre bricolage no feminino, nomeadamente descrevendo a técnica a usar no caso de se quererem colocar prateleiras na parede - e uma vez mais ter recorrido à minha assistente, a desembaraçada Martine Hill - agora parto para outra.
Já não é a primeira vez que aqui vos trago Theo Jansen, o escultor do movimento.
De vez em quando tenho vontade de rever as suas criaturas aladas que, na praia, entre a neblina, caminham como se fossem barcos imaginários, grandes pássaros de tempos antigos, abstracções saídas de sonhos poéticos.
Coisas assim.
Há uma majestade imaterial nos seus seres de que, volta e meia, me lembro com saudades.
Hoje assim foi e hoje aqui está Theo Jansen para me transportar para lá da pequenez que nos tolda a visão e tolhe os membros.
Voemos com ele e com os seus seres alados para longe, para o sítio onde as coisas boas são possíveis.
Tenho aqui ao meu lado o livro 'Nadir Afonso conversa com Agostinho Santos', da Editora Âncora, de Janeiro deste ano.
Nadir Afonso é transmontano, nascido em 1920. É arquitecto pela Escola de Belas Artes do Porto, estudou pintura na École des Beaux-Arts de Paris. Colaborou em alguns ateliers de arquitectura, nomeadamente no de Le Corbusier e no de Óscar Niemeyer, dois grandes arquitectos.
Contudo, aos 45 anos abandonou a arquitectura e dedicou-se à pintura. Premiado, condecorado, Nadir Afonso encontra-se representado em numerosos museus em vários países.
Contudo, não é da sua pintura que aqui vos vou falar, ficará isso, talvez, para outra altura. Hoje vou referir apenas dois aspectos que ele relata e que me surpreenderam.
Temos uma ideia por vezes idealizada de algumas das grandes figuras e tendemos a ignorar o seu lado mais humano, mais pequeno.
Charles-Edouard Jeanneret-Gris mais conhecido pelo seu pseudónimo Le Corbusier
Sobre Le Corbusier (1887-1965), arquitecto, urbanista e também pintor, escuso de falar: é um dos arquitectos mais marcantes do séc.XX. O funcionalismo é talvez dos traços mais marcantes da sua obra: funcionalismo nas cidades, nos edifícios, nas próprias mobílias. Um dia, se me lembrar, também falarei dele.
Nadir Afonso recorda os tempos em que trabalhou com o grande mestre e responde assim à pergunta 'Gostou do espaço? Tinha muitos colaboradores?'
Sim, gostei, mas isso não era o mais importante. No primeiro dia, vi Le Corbusier apenas ao longe. Disseram-me: 'Olha, lá está ele, é aquele'. Mas só tive contacto com ele, dois ou três dias depois. Ele punha-se por trás do colaborador a ver o trabalho que estávamos a fazer. Fazia aquilo com a intenção de não ser logo visto. Havia um grande silêncio e ele, muito sorrateiro, lá se pôs atrás de mim a 'espiar' o que eu estava a fazer. Ou melhor, eu não o vi, eu senti na minha coluna vertebral a presença dele. Uns dias mais tarde, num desses momentos, olhei-o, sorri, e afastei-me um pouco para que ele visse melhor o trabalho que eu estava a desenvolver. Ele viu e disparou-me: 'Você está contente com o seu trabalho?' Fiquei surpreendido com a pergunta e, sem responder, ele voltou e, dessa vez, atacou mesmo: 'Eu, na sua idade, fazia muito melhor. Você, ao pé de mim, é uma unha negra, uma unha negra' e fez questão de mostrar a sua unha. O que ele queria dizer era que eu nem sequer ser a ponta de um dedo dele.
E Nadir Afonso descreve assim o local em que Le Corbusier trabalhava: Era uma espécie de atelier dentro do atelier. Era um cubículo, sem janelas, tipo dois metros por dois metros, eram os seus aposentos, quase ninguém lá entrava.
Um dia Nadir Afonso entrou lá para lhe mostrar as suas pinturas, incitado pelos colegas, dado que Le Corbusier também pintava.
Conta Nadir Afonso: 'Lá fui, e o cenário que encontrei foi, na verdade, mais aterrador do que imaginava. Aquilo era mesmo pequeno, sem luz directa, havia apenas um foco de luz eléctrica, uma secretária de madeira'.
Quando lhe mostrou as suas pinturas notou que Le Corbusier hesitava, olhava e dizia que estava ocupado, queria ver mas a seguir concentrava-se no trabalho. Desconcertado, Nadir Afonso 'cai na asneira' de lhe dizer que se tinha inspirado na pintura dele e aí, com isso, despertou a ira do génio. Nadir Afonso recorda 'Aí cai o Carmo e a Trindade, sabe, Agostinho, o homem parece que se atirava a mim, estava mesmo a ver que me batia... Aos berros, respondeu-me que aquilo era meu e não dele, e mais isto e mais aquilo, bem, só me lembro de ficar aterrado, de pegar nos trabalhos que estavam em cima da secretária e pôr-me a andar dali para fora.'
Óscar Niemeyer (nascido em Dezembro de 1907) em frente do 'seu' Museu de Arte Contemporânea
Mais tarde, Nadir Afonso haveria de trabalhar no atelier de Óscar Niemeyer, arquitecto sobre quem aqui já falei, um ilustre e querido centenário cuja obra é inspirada nas curvas das montanhas e dos corpos das mulheres. Relata Nadir Afonso: 'Agora o Niemeyer era simpático, como Le Corbusier, mas tinha, por outro lado, o mesmo defeito do célebre arquietcto francês, era impossível de aturar. Do ponto de vista humano, tenho-o por boa pessoa, mas quando o 'clima' não estava em sintonia com o que pretendia, era o diabo....
E conta: 'No atelier de Niemeyer o esquema era semelhante ao de Paris. O mestre passava-me um croquis para a mão e eu tinha que os desenvolver e assim ia acontecendo. Um dia, atribuíu-me a tarefa de executar o projecto de um casino em Belo Horizonte e, como noutros casos, dá-me o esquisso. Uns tempos depois vê o projecto, diz que está bem e preparava-se para ir para o gabinete. Como eu tinha feito uma pequena alteração, decidi falar-lhe, pois não ficaria bem com a minha consciência, se silenciasse essa questão. Olhe, quando falo em alteração, Nossa Senhora, caíu das nuvens. Aos berros no meio da sala, a acusar-me que eu ia para ali 'escolhanvar'.
E continua a relatar: 'Reagi seguindo os meus impulsos, opondo-me frontalmente àquela violência verbal. Expliquei-lhe, ou tentei explicar - porque o Niemeyer continuava aos berros - o que se tinha passado e porque tinha, na verdade, feito a pequena alteração. Mas ele estava endiabrado e não ouvia. Recordo-me de ele dizer, aos gritos, que quem mandava era ele e dizia um chorrilho de asneiras. Ao contrário de Le Corbusier, que mesmo exaltado não utilizava palavras grosseiras, o Niemeyer, no momento quente de uma discussão, não se inibia de proferir palavrões. Digo, porque é verdade, que quando se exaltava era mesmo malcriado.
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Fiquei surpreendida porquê? Nem sei. Não estou eu farta de saber que uma obra pode ser pura, límpida, perfeita, coisa quase divina e que, no entanto, o seu autor, por ser gente, terá os seus defeitos, os seus momentos maus, algumas fragilidades, será capaz de pequenas maldades, de gestos menos nobres? Não estou eu farta de saber que, nas pessoas geniais, geralmente, a sua grande obra supera a sua efémera vida, por vezes a sua pequena vida?
E, de resto, pensando bem, que importância têm uns palavrões, uns palavras arremetidas, uns quantos desaforos?
E não contei a história toda. Em ambos os casos o relacionamento estreitou-se, de forma pouco óbvia, mas estreitou-se.
Nadir Afonso - Gaivota
Termino com Agostinho Santos a questionar Nadir Afonso: 'Então o que é que mais admira nos homens?'.
A dinâmica quando, além das suas actividades profissionais, culturais, partidárias, associativas, recreativas e outras, ainda lhes sobra tempo para ler, escrever, manter relações públicas, cuidar de gatos, fazer jardinagem e o cultivo de rosas.
'E o Nadir, actualmente, tem outras ocupações ou é exclusivamente artista?'
Eu sou pintor e também qualquer coisa como atrasado mental: quando paro de trabalhar, só me dá para vaguear pelos campos!
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E de novo aqui no Um Jeito Manso, Theo Jansen, o escultor do movimento. Gosto tanto de o ver, gosto tanto das suas figuras surreais, poéticas. A beleza sem razões, apenas criatividade, apenas sonho. Vejam, por favor.
E tenham, meus Caros, uma boa semana a começar por esta segunda feira. Aproveitem, como uma bênção, cada precioso instante da vossa vida.
[E, já agora, caso estejam virados para a poesia e para a música, convido-vos a irem até à minha casa junto ao Tejo. Hoje, no meu Ginjal temos Tatiana Faia e uma mulher que, em parte, fica presa na noite, nas ruas estreitas. Acompanha com Debussy.]
Não é a primeira vez que Theo Jansen aqui nos visita. É uma pessoa que faz coisas out of the box. Há qualquer coisa de poético, de para além do real. Eu gosto.