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terça-feira, outubro 01, 2024

Como sou bem mandada, cá estão eles...

 

Enquanto as televisões dão conta de foguetório aceso lá pelos médios orientes, com algumas botas a marcharem a caminho de terreno proibido, refugio-me no meu mundinho suave, banhado a outono e a ouro, onde ninguém maltrata ninguém, onde se fala de escritas e de leituras, em que se cultiva a afabilidade e não a animosidade.

Portanto, é por aí que hoje vou.

Ando geralmente pelas margens. Tento descobrir a escrita genuína, aquela em que não se encontram bolas de efeito, em que as palavras estão junto à respiração, em que não há banalidades enfatuadas mas em que se escreve sobre verdades desabitadas, em que se visitam ruínas ocupadas pelo silêncio.

É verdade que muitos dos blogs em que a escrita escorreita fluía vão rareando. Desmotivaram-se os seus autores, desertaram talvez para redes mais socialites; ou simplesmente cansaram-se. Muito gostaria eu que o Pedro Mexia, a Ana de Amesterdão, o Vítor das Âncoras e Nefelibatas e todos os outros que na minha lista de Frescos e Bons (à direita) aparecem bem cá para baixo já que não publicam há séculos voltassem a aparecer e a aquecer a blogosfera. 

De qualquer forma, vou continuando a acompanhar os fiéis e devotos que ainda se mantêm no activo. E ainda os há dos bons. 

E, também eu, não perco o que dizem. São apontamentos, são registos no livro de horas dos seus autores, são desabafos, são conselhos. São boas companhias.


No outro dia foi a Susana que falou na Maria Judite de Carvalho e nas suas saborosas crónicas. Agora, mais recentemente, foi o Mr. Xilre que falou na Alba de Céspedes com o seu Caderno Perdido (também aqui). Também a Maria do Rosário Pedreira referiu o Escrever de Stephen King e o Hoje Caviar, amanhã Sardinhas da Carmen Posadas e do irmão Gervasio.

Portanto, fui em busca desses frutos que se anunciaram gostosos, maduros.

Juntei-lhe um livro da Martha Medeiros pois tenho lido que os seus livros de crónicas se vendem como pãezinhos quentes e eu, que gosto tanto de ler crónicas (apesar de me dizerem que em Portugal o género Crónica é mal amado e pouco procurado), quero perceber quais as razões de tal sucesso.

E o Nexus do Harari porque claro que sim, é muito cá de casa, e porque o meu marido tem lido de fio a pavio todos os livros dele e estava à espera que este cá chegasse, e um outro também para ele, A História do Mundo do Peter Frankopan de quem já leu As Rotas da Seda.

Nos idos de outras eras, antes de nos termos desiludido de vez com o Expresso, gostava de ler as suas críticas literárias. Mas também havia críticas muito balofas, muito tontas. 

Por isso, agora, sem Expresso e sem gurus a opinarem sobre isto e aquilo, bebo com avidez sugestões que vou colhendo aqui e ali, nomeadamente na nossa querida blogosfera. 

Vamos é agora ver como me oriento para me deitar a eles (refiro-me aos livros, claro), tanto mais que as pilhas dos não lidos vão crescendo nos lugares estratégicos, ameaçando desabar quando lá pousar o próximo.

Mas é tão bom ver chegar bichinhos novos, cheios de mundinhos por descobrir, cheios de palavrinhas boas...

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E, agradecendo aos bloggers que se mantêm no activo, despeço-me por hoje desejando a todos, bloggers e não bloggers, uma bela terça-feira. 

quinta-feira, julho 21, 2022

Isto não é conversa para moi até porque, ao contrário do que há quem pense, não sou uma influencer

 



A água do mar está boa. Estive um bom bocado dentro dela. Sabe bem estar dentro do mar, sentir-lhe as ondas, a frescura. 

Está muito calor. A fera estava connosco. Escava, escava, enche tudo de areia e depois deita-se. Mas, sentindo que a areia não está suficientemente fresca, volta a escavar. Só quando a areia está húmida e mais fresca se mantém sossegado.

Não se sente atraído pelo mar. Assusta-se com o ribombar das ondas e foge quando a água se aproxima. Quando os meninos estão dentro de água, ele, de longe, fica a fixá-los. Se se aproxima alguém ou se vem onda mais forte, levanta-se apreensivo e fica atento até que o forasteiro ou a onda se afaste.

Levámo-lo à noite para o restaurante, uma esplanada, mas não correu bem. Desatou a ladrar de cada vez que o empregado se aproximava. Está cada vez mais territorial. O meu marido teve que acabar à pressa para ir passear com ele para longe. A minha filha mandou-me um artigo onde se refere que, quando os cães estão fora do seu ambiente normal, costumam ficar stressados e que nada melhor do que lhes aplicar uma dose de CBD. O meu marido disse: 'O pior é se ele se habitua'. 

À noite, está um calor tropical. Chega a ser estranho. De dia, tórrido, de noite ainda quente. Não sopra aragem.

Pode saber bem, verão assim sabe a férias e já nem será preciso procurar destinos longínquos. Mas é demais. São temperaturas demasiado altas durante tempo demais. 

O mundo não está preparado para isto. Tanta civilização, tanto conhecimento acumulado e transmitido de gerações em gerações para chegarmos a esta altura do campeonato e estarmos metidos numa guerra medieval, com o planeta exausto e em vias de mandar os humanos às urtigas. 

Enquanto isso, alguns fazem o pino para verem as coisas diferentes do que elas são, outros discutem o fim do namoro de umas so called celebridades ou o novo namorado deste ou daquela, umas bloggers fazem posts a opinar contra quem opina, outras desencantam opiniões de quem se acha mais inteligente do que outros ao prever catástrofes que obviamente vão acontecer pois estão a ser deliberadamente provocadas por um assassino psicopata (o que, por um estranho lapso mental, nessas análises é escamoteado). E, pelo meio, a grande empresária Cristina Ferreira partilha-se em poses pretensamente sensuais, Brad Pitt apresenta-se de saia e Marcelo vai a Fátima de duas em duas semanas. As coisas bizarras sucedem-se e parecem não seguir um sentido lá muito promissor.

E até eu sou vítima destes novos tempos. Exemplifico. Fiz uma encomenda para entregarem em casa. Quando vou atender o entregador, salta ele da carrinha, olha para mim com atenção e pergunta-me: 'É influencer?'. Pensando não ter captado, questionei: 'Desculpe, não percebi'. O calmeirão, estacado à minha frente: 'A senhora não é influencer...?' Eu, pensando que se calhar estava a ouvir mal: 'Influencer...? Não...'. E ele, duvidando: 'Não...?'. Confirmei: 'Não, não sou'. 

Não há explicação. 

Com um mundo tão maluco, com este calor a fritar-nos os miolos, não sei como vamos conseguir fazer alguma coisa de jeito para nos salvarmos.

Mas, se eu não sei, há quem consiga alinhar as ideias de uma forma convincente. Lamentavelmente não há legendas em português mas, pela oportunidade e pela clareza de exposição, ainda assim acho que vale a pena a partilha. 

Yuval Noah Harari: The Actual Cost of Preventing Climate Breakdown | TED

Nobody really knows how much it would cost to avoid the worst impacts of climate change. Yet historian Yuval Noah Harari's analysis, based on the work of scientists and economists, indicates that humanity might avert catastrophe by investing the equivalent of just two percent of global GDP into climate solutions. He makes the case that preventing ecological cataclysm will not require the major global disruptions many fear and explains that we already have the resources we need -- it's just a matter of shifting our priorities.


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As pinturas de Jan Toorop obviamente não têm nada a ver com o texto. 
Mari Samuelsen – Einaudi: Una Mattina

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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Boa sorte. Boa disposição. Paz.

quarta-feira, março 31, 2021

Massajar o cérebro: extremely fucking satisfying

 



O meu dia foi, outra vez, cheio como um ovo. Hoje o meu marido, ao ver-me a colocar a roupa na máquina, referiu uma toalha que estava em cima da mesa. Perguntei-lhe de que mesa estava a falar. Disse-me que na mesa grande. Perguntei-lhe de que toalha estava a falar. Não estava a ver. Ele encolheu os ombros e disse: 'Não deves viver cá em casa'. Depois elucidou: uma toalha que eu própria tinha posto na mesa quando os miúdos cá estiveram para evitar que a riscassem já que, sem pensarem duas vezes, lá pousavam o que quer que fosse que tivessem na mão. Depois acrescentou: 'Trabalhas de mais, esgotas-te no trabalho'. E eu não disse nada. Penso que ele deve ter razão. De facto, este meu trabalho actual é esgotante. Mas, se calhar, sou eu que faço tudo tão intensamente, querendo resultados imediatos, querendo alcançar a meta para logo traçar outra, que não consigo trabalhar (e viver) de outra maneira.

Deste que me levantei até há pouco estive a trabalhar apenas com um breve intervalo para uma curta caminhada e um rápido almoço. Confesso que nem consegui tomar o pequeno-almoço pois, quando ia fazê-lo, recebi uma chamada que se prolongou até me deixar apenas tempo para colocar uns brinquinhos, prender o cabelo com um travessão e sentar-me, airosamente, em frente do computador para a primeira de várias reuniões. 

Por isso, se aqui estou não é que esteja descansada e precise de me entreter ou que me sinta inspirada ou porque tenha que aqui estar a pagar alguma promessa: é mesmo só porque me descansa a cabeça. E porque, também, faço o gosto aos dedos que gostam de se portar como inconsequentes bailarinos, saltitando sobre o teclado, indiferentes a cansaços, motivos ou descasos. O espírito espairece, os dedos brincam.

Já o contei muitas vezes: em tempos idos fazia tricot (camisolas, mantas), crochet (toalhas de renda), bordados (quadrinhos bordados a ponto pé de flor), tapetes de arraiolos, pinturas, colares e pulseiras. Pelo meio, durante uns tempos escrevi um livro (que se evaporou). Tudo noite adentro. Agora, e desde há uns anos, escrevo aqui, palavras que solto ao vento, sem fazer ideia do paradeiro que escolhem mal se soltam de mim. Mas penso que o motivo é sempre o mesmo motivo: arejar a cabeça, libertar as mãos.

Claro que, se fosse só distrair a mente, poderia deixar-me ficar a olhar para o líquido colorido ou o pó dourado escorrendo pelas ampulhetas ou pelas clepsidras que tenho aqui em casa mas não me dá muito para isso. Gosto imenso destes belos e delicados objectos mas vejo, viro, vejo e está visto. Também gosto de dar corda às duas caixinhas de música: ouço, vejo o mecanismo a rodar, gosto mas, quando a corda chega ao fim, está feito. Mas falta-me qualquer coisa: a minha interacção, as minhas mãos em acção.

Contudo, lembro-me do fascínio que alguns objectos de movimento infinito com imaginativo design me despertaram quando, na companhia de um casal amante de design, visitei galerias e lojas em Amesterdão. Quanta imaginação, quanta arte e engenho. Que surpresa eu sentia perante cada um.

Hoje descobri no The Guardian outro fantástico designer: Andreas Wannerstedt.

E leio: 

‘It can be quite meditative’

Scrolling through Andreas Wannerstedt’s Instagram is the digital equivalent of walking into a spa. There are soothing soundscapes and pastel tiles. It’s a curated escape from the mess and stress of the outside world.

This is all deliberate. The Swedish artist posts each animation – from a slowly twisting velvet rope to two halves of a brass ball clicking into place – with hashtags like #relax #calm, #satisfying and #sleep. He has nine volumes of a series called Oddly Satisfying, which fans lovingly describe as “soothing”, “hypnotising” and “extremely fucking satisfying”.

Vejam, por favor, o vídeo e, se quiserem ler o artigo completo, é só clicar no link: Hypnotic loops and self-soothing sounds: the rise of #OddlySatisfying and visual ASMR


The Swedish artist creating oddly satisfying visual ASMR



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Imagens das peças de Andreas Wannerstedt ao som de Mari Samuelsen a interpretar Fragment de  Max Richter

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Um dia feliz

sábado, março 06, 2021

Cenas, descasos, cansaços. Mitos. Deuses.

 



Estou aqui com o computador à minha frente há uma porção de tempo e cansada demais para puxar assunto. Vários problemas para resolver ao longo do dia. Por vezes cansa ter uma profissão que, em grande parte, consiste em resolver problemas: ou se vende menos do que se devia, ou há mais gastos do que se devia, ou há alguém a querer abandonar o barco e não queremos que isso aconteça, ou há alguém que queremos contratar e que não se decide a vir, ou há alguém que queríamos ver pelas costas mas que, em vez de sair pelo seu próprio pé, insiste em ficar a arranjar complicações. Claro que, pelo meio, há coisas boas. Mal fora. Mas, por vezes, tanta animação também cansa.

De vez em quando, saturada, aborreço-me. Não sei disfarçar. Sou áspera, dura, mostro escancaradamente a minha irritação. Acontece, por vezes, ao fim do dia, pensar que, se calhar, magoei alguém com as minhas reacções. Ou, quando me aparecem a falar no desagrado de alguém perante algumas decisões, acontece já não conseguir aturar mais chatice. Fico impaciente, digo que já chega, quem não estiver bem que se mude. Não estavam habituados. Durante muito tempo fizeram o que quiseram com os resultados que se viram; e agora, perante medidas duras, a ver se se consegue endireitar as coisas, sentem-se incomodados, não querem aceitar. Quantas vezes me ocorre: que se lixe, que vão ao fundo com o barco, se é isso que querem. Mas dura uma fracção de segundo -- logo reajo e vou à luta.

Hoje falaram-me numa pessoa que anda a ter problemas há vários anos, burnouts, depressões, baixas. Não reconhece que tem problemas, pensa que os outros é que a tratam mal e que não valorizam as suas qualidades. Na verdade, face a isto, ninguém a quer nas suas equipas pois não se pode contar com ela para nada. Tivemos agora a maior atenção tentando descobrir uma função em que pudesse sentir-se valorizada, função de pouca pressão, função que sentisse como um desafio. Aceitou, aparentemente sem problemas. Pois bem. Para meu espanto, agora apareceu a dizer que não aguenta mais, que nunca esperou que lhe fizessem isto, quer ir-se embora, acha que andou de cavalo para burro, que é demais, que não pode aceitar. E vieram contar-me isto como se fosse um caso perdido, que cenas destas já ela fez mais de cem vezes, sempre num desespero absoluto. E que pouco há mais a fazer se ela não reconhece que tem que se tratar. Mas aí fiquei a pensar: mas uma pessoa neste estado, vai para casa? Sem se tratar? Outro emprego dificilmente vai arranjar. A minha primeira reacção foi mandar tudo à fava, mandá-la a ela ir dar banho ao cão e deixar-nos em paz, que lhe fizessem as contas, se quer ir, já vai é tarde. A minha segunda reacção foi ficar passada com os que lhe dão ouvidos, os que alimentam tamanha pancada. Se lhe dissessem a verdade, as coisas como elas são em vez de andarem a dar troco... Mas a minha terceira reacção foi ficar preocupada, ligar a pedir que a convençam a aceitar apoio, a empresa suportará os custos. E agora estou aqui a pensar nisto. Não deve haver pior doença do que esta das pancadas depressivas. 

E isto tem-me ocupado a mente. Ocupado e cansado. Como se lida como uma pessoa assim? Não sei. Notoriamente, deveria tratar-se a sério, tratar-se até estar boa. Como é possível que uma pessoa assim não perceba que tem que procurar apoio? Como se faz para convencer uma pessoa assim a tratar-se?

Chegou, entretanto, o espelho que encomendei para colocar na salinha-biblioteca que está virada a norte e precisa de luz. Depois de ter estado mais de um mês à procura de um espelho bonito, simples, de bom tamanho e que merecesse o consenso entre ambos, eis que, semanas depois de o ter encomendado e dois dias antes da data de entrega, me ligam a dizer que está esgotado sem indicação de se volta a ser produzido. Portanto, depois de tanta escolha, veio outro qualquer, já não tive paciência para voltar a passar por novo processo de escolha. 

Chegou também, um dia depois, o conjunto de dois cadeirões e mesa para o terraço de onde tirei o vaso gigante. Pensei que iam chegar em má hora, logo debaixo de chuva. Mas eis que tocam à campainha e, quando vou ao portão, entra um brasileiro alto, espadaúdo e belo, com umas jardineiras em que uma das alças estava caída e que, por baixo, tinha uma tshirt de manga curta e com uma abertura, desabotoada à frente, e me pergunta onde deixa a caixa. E eu, hesitante, sem saber o que pensar de tudo aquilo, pergunto: 'A caixa...? Mas qual caixa...?' E ele, apontando a caixa que tinha pousado a seus pés: 'Esta'. Eu, lenta de raciocínio, 'Mas eu estou à espera é de uns cadeirões e de uma mesa'. Ele apontou o desenho que estava na caixa: 'Não é isto?'. E eu, duplamente estupefacta, tentando olhar para a caixa e não para ele: 'Mas vem desmontado?'. E ele, certamente pensando que há clientes burras demais: 'Deve vir'. Pois. 

Não é do ikea, se fosse eu esperaria que viesse tudo decomposto em partículas elementares. Mas, pelos vistos, virou moda. Claro que o meu marido, quando viu a caixa, antevendo que a coisa ia sobrar para ele, perguntou com ar de quem não queria acreditar: 'Isto são os cadeirões e a mesa que encomendaste...?' E vi que fez um ar quase ostensivamente contrariado.

E é isto. A ver se este sábado se pendura o espelho e se montam os cadeirões e a mesa. A ver se também venço o tédio e pego num livro. Talvez consiga disposição para ir arranjar a horta ou varrer o jardim. 

Tantas, tantas, tantas vezes desejei ter tempo, poder descansar, não ter afazeres, ter tempo para mim. E agora que o tenho fico sem saber o que fazer dele. Não estou mais descansada do que estava quando não tinha tempo para descansar. É estranho isto. Por vezes penso: será que as pessoas, quando deixam de trabalhar, ficam assim, desasadas, sem energia, sem saber o que fazer?

Enfim. 

E é isto. Nada mais a dizer.

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Ponho-me a ouvir. Agora é Eduardo Galeano. Gosto de ouvi-lo.

Eduardo Galeano: Mitos, Dios


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As jarras provêm da Vogue e para o acompanhamento musical Mari & Hakon Samuelsen trazem Einaudi Divenire

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Desejo-vos um sábado feliz.
Saúde. Ânimo.

domingo, fevereiro 28, 2021

Um grito a tocar o infinito





 

- Oh, minha sobressaltada!

Disse ele a primeira
vez
que a tomou nos braços

dançando com
ela
em torno dos astros


Ela tinha
asas de anjo
e coração de alquimia

Voava quando sentia
andar na vida
invisível

tão lívida e desamada
que só
os pássaros a viam

perdida na sarça ardente
onde começa
a poesia

        

Quando chega
o fim da tarde
vejo a flor do dia

coroada pela saudade

por onde a luz se evade
mas ainda não termina
cerzida na sua arte

e o crepúsculo contamina
com a sua sensualidade
de uma beleza ambarina


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Tal como os do post abaixo também estes poema são de Maria Teresa Horta em Estranhezas (de onde igualmente voltei a extrair o título deste post).

Também as fotografias foram feitas aqui em casa durante a tarde deste sábado vagaroso, sereno, parado no tempo. Tão sereno, tão parado no tempo, que consegui descobrir e fotografar um passarinho numa árvore. Se fosse uma gata teria subido pelo tronco, ter-me-ia esgueirado pelos ramos, em silêncio, para o ver de perto, para o cativar. Talvez ele cantasse para mim e talvez eu, feita gata anarca-burguesa, quase morresse de emoção.

E é também Mari Samuelsen que interpreta Una Mattina 

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Queiram continuar a descer caso vos apeteça sentir o intenso e doce perfume do jasmim que me envolve quando por aqui passeio, em paz

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E tenham um belo dia de domingo

Tem um equívoco olhar de brandura astuciosa

 


Que se ilumine a beleza!

Digo
à flor da beleza

Que se iluminem
os pulsos
estreitos e muito pálidos

       daquelas que voam


Como eu queria
sem ter fim
entregar-me à densa Lua

submersa e encoberta
envolta pelo seu manto

perdida de mim
turvada
onde a chuva desamada

se transforma
no meu pranto

docemente
envenenada
pelo jasmim e o espanto
 

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Os poemas Iluminação e O manto da lua que acima transcrevi e Flor receosa de onde extraí o título deste post pertencem a Estranhezas de Maria Teresa Horta, livro que lhe valeu o Prémio Casino da Póvoa atribuído na 22.ª edição do festival Correntes d’Escritas.

O jasmim foi fotografado hoje, aqui em casa. Está perfumado de dar gosto. Hoje encostei-me ao muro, entre dois tufos, e ali fiquei em estado de inebriamento, deixando que o tempo pousasse suavemente em mim, presa deste tempo sem fronteiras, rendida ao prazer de estar e ser. 

A violinista Mari Samuelsen interpreta Timelapse.